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O Júri no Mundo - Direito Comparado

O Júri no Mundo - Direito Comparado

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O presente artigo traz uma visão geral sobre o funcionamento do Tribunal do Júri em diversos países do mundo, como Inglaterra, Estados Unidos, França. Itália, Espanha e Portugal.

Inglaterra

Na Inglaterra, berço do Júri que hoje se conhece no Brasil, o Tribunal Popular é responsável por apenas 1 a 2% dos casos criminais.[1]

Os jurados, sendo 12 pessoas com idade entre 18 e 70 anos, decidem se o réu é culpado ou inocente proferindo um vere dictum que deve expressar a vontade, se esta for no sentido da condenação, de, no mínimo, 10 votos contra 2, pois se não houver essa maioria qualificada, o réu deverá ser submetido a novo Júri, com novos jurados. Se o novo Júri não alcançar a maioria qualificada, o réu será considerado inocente, e será absolvido.[2]

Assim como no Brasil, a elaboração da sentença é ato exclusivo do magistrado.[3]

O Juiz intervém apenas para a garantia de que o debate seja conduzido de modo justo, para que assim, as questões de fato sejam levadas de forma apropriada à apreciação dos jurados em decisão final.[4]

Vale ressaltar que, diferentemente do sistema nacional, em solo inglês, o Tribunal do Júri é fundado na comunicação plena entre os jurados, que decidem com base no juramento que fazem de “julgarem fielmente o acusado e darem um veredicto verdadeiro de acordo com as provas apresentadas.”.[5]


Estados Unidos

Nos Estados Unidos, tanto as causas cíveis quanto as criminais são processadas pelo Tribunal do Júri. Aos juízes togados está reservada a função de direção dos debates, moderação dos interrogatórios e a decisão das questões de direito, atuando como presidentes na função de guardar os direitos consagrados nas emendas constitucionais norte-americanas, sendo que nos Estados Unidos, o processo penal é regido pelo princípio acusatório puro, cabendo exclusivamente ao Ministério Público, o ônus da prova da existência de indícios de crime contra o acusado em igualdade de condições perante a defesa técnica, fazendo valer o chamado Due Process of Law.[6]

A VI Emenda dita que todos os acusados têm direito a um julgamento público e rápido, a ser feito por jurado imparcial e selecionado no Estado e no Distrito no qual foi cometido o delito, sendo previamente estabelecido por lei.[7]

Nas palavras de Paulo Rangel: “Toda a regulamentação do processo perante o júri, no plano processual, está submetida à conformidade com o direito fundamental estabelecido na Constituição, logo há um limite à vontade normativa ordinária que, se ultrapassada, será inconstitucional” (...) “A pedra angular da justiça nos EUA é o processo perante o Tribunal do Júri, pois o cidadão americano tem plena consciência de que sua participação na vida pública não apenas se efetua a partir do direito ao voto, mas, sim, em especial, de sua integração ao corpo de jurados. A cidadania também é exercida no Tribunal do Júri, pois o poder emana do povo e, por intermédio dele, se evitam decisões arbitrárias na aplicação da lei.”.[8]

Nos Estados Unidos, o tamanho do corpo de jurados varia entre 6 e 12 membros, podendo a ser a decisão por unanimidade ou até a maioria de 2/3 de votos, variando de um Estado para outro.[9]

Porém, em se tratando do Júri federal, o corpo de jurados é composto por 12 pessoas, sendo que para todos os casos criminais o veredicto deve ser unânime. Como a Constituição americana não prevê um número determinado de jurados, no âmbito estadual, tal matéria foi disciplinada pelo Tribunal Supremo Federal.[10]

Quando se trata de delitos de natureza grave, em quase todos os Estados, exige-se a composição de 12 jurados, bem como a decisão por unanimidade (com exceção dos Estados de Arizona e Utah, que permitem um corpo de jurados formado por 8 membros, e os Estados de Connecticut, Florida, Massachusetts e Nebraska, onde o corpo de jurados pode ser integrado por 6 membros, desde que seja unânime a decisão). Cabe ressaltar que, mesmo em casos de decisão por maioria de votos, o Tribunal Supremo Federal americano tem declarado a inconstitucionalidade dos casos nos quais o corpo de jurados é composto por menos de 6 membros.[11]

Assim, é possível perceber que nos Estados Unidos o Tribunal de Júri têm fundamental importância, sendo previsto Constitucionalmente, e tendo como regra as decisões por unanimidade.[12]


França

A França, país que é revestido de importância histórica para os direitos da sociedade, teve o Tribunal do Júri forjado em meio a uma das maiores, senão a maior, Revolução que o mundo já viu, a Revolução Francesa. Nas palavras de Paulo Rangel, temos esta contextualização histórica: “Dotada de uma estrutura processual inquisitiva, a França necessitava de um mecanismo de controle do abuso estatal durante o procedimento criminal, pois a tortura, como meio de prova, era prática comum. O júri, então, veio colocar um freio nesse abuso representando os valores e os ideais dos revolucionários da época que fundaram a Revolução em três conceitos básicos: liberdade, igualdade e fraternidade. Liberdade de decisão dos cidadãos; igualdade perante a justiça e fraternidade no exercício democrático do poder.”.[13]

O Tribunal do Júri, na França, ao longo de sua história passou por diversas modificações, sendo que, inicialmente, era ligado às funções eleitorais, e os jurados eram escolhidos pela lista eleitoral. Dessa forma, só podia atuar como jurado quem estivesse na qualidade de eleitor, fazendo com que o Júri adquirisse um viés político e não judicial, vez que, havia obrigatoriedade de ser jurado, mas não havia de ser eleitor.[14]

Atualmente, a Cours d’Assises, como é chamado o Tribunal do Júri na França, se dá na formação do escabinato, ou seja, três magistrados e nove jurados, sendo um juiz na função de presidente e outros dois como assessores.[15]

A decisão pelo escabinato se dá em sessão individual e secreta, sendo apresentados quesitos sucessivos e distintos a respeito do fato típico penal, e depois, sobre as agravantes, questões subsidiárias e sobre cada um dos fatos que podem ensejar uma eventual diminuição de pena.[16]

Dessa forma, o acusado só será declarado culpado se, entre os 12 integrantes do Júri, pelo menos 8 assim decidirem. Cabe ressaltar, que no escabinato, a aplicação da pena também é questão a ser decidida pelos jurados.[17]


Itália

O Tribunal do Júri, na Itália, passou a integrar o ordenamento jurídico desde muito cedo, em 1859. Porém, com a ascensão do fascismo, a instituição que antes expressava a democracia – pois permitia ao povo que participasse do poder judicial – foi extinta. Foi criada uma alternativa, uma espécie de escabinato, conhecido como assessorado, que permitia que determinadas pessoas, dotadas de status social privilegiado e filiadas ao partido fascista, participassem da administração da justiça.[18]

Mesmo com o fim do fascismo, o Tribunal do Júri italiano continuou sem o viés social que antes, lhe era inerente, pois permaneceu o chamado assessorado.[19]

O assessorado é composto por 2 magistrados togados, e mais 6 cidadãos, sendo que entre estes, 3 devem ser homens. Assim, os jurados integram o tribunal e participam das decisões de fato, de direito, bem como de todas aquelas que integram o processo.[20]

Os jurados são escolhidos por sorteio a ser realizado pelo Juiz presidente da Corte, participando apenas os cidadão de boa conduta, idade entre 30 e 65 anos, com escolaridade média de primeiro grau, sendo exigido o segundo grau se for compor o corpo de jurados da Corte de Apelação.[21]

A decisão do assessorado se dá pela maioria de votos, prevalecendo sempre a decisão mais favorável ao réu.[22]


Espanha

Na Espanha, o Júri é previsto constitucionalmente, ficando claramente estabelecido que o cidadão tem direito a participar da administração da justiça.[23]

O Tribunal do Júri espanhol é composto por um magistrado integrante da audiência provincial, que será o presidente do Tribunal, e mais 9 jurados, que não precisam de bacharelado em direito, e desempenham função emitindo veredicto, declarando provado ou não o fato, e sobre a culpa ou inocência do acusado.[24]

A pena é aplicada pelo Juiz Presidente, que resolve, também, acerca da responsabilidade civil do acusado ou de terceiros, quando for o caso.[25]

Os jurados são sorteados entre os eleitores em cada província, dentro dos 15 últimos dias do mês de setembro dos anos pares, a fim de compor a lista bienal de candidatos a jurados.[26]

O Júri pode ser dissolvido se houver consenso entre as partes no sentido da condenação do réu, porém, a pena não poderá ultrapassar 6 anos de privação de liberdade, isoladamente; ou cumulativamente, pena de multa ou privação de direitos. Dessa forma, pode o Ministério Público retirar a pretensão acusatória, com a consequente dissolução do conselho de sentença e prolação da sentença absolutória. Assim, retirada a acusação pelo Ministério Público, o conselho é dissolvido e o réu absolvido.[27]

A deliberação se dá secretamente, e em portas cerradas, tendo o jurado a obrigação de não revelar o que se passou dentro da sala. Porém, a votação é nominal, em grupo, e em voz alta, sendo o réu considerado culpado apenas se houver sete votos nesse sentido, dentre os nove.[28]

Cabe ressaltar, que na Espanha a função de jurado, além de pública e pessoal, também é remunerada.[29]

Outro ponto interessante no Júri espanhol, é que as partes podem entrevistar os candidatos a jurados, a fim de extrair o perfil de cada um, sendo isso muito importante para garantir que os jurados selecionados não tenham qualquer tipo de preconceito ou pré-disposição que afete em seu julgamento.[30]


Portugal

O Tribunal do Júri em Portugal, é constituído por três juízes, que formam o tribunal coletivo e por quatro jurados eletivos e quatro suplentes, adotando-se também o regime de escabinato ou assessorado.[31]

O Júri, em solo português, não é muito usual, vez que tem caráter facultativo, apenas instalando-se a sessão se as partes requererem. Porém, se este for o caso, a intervenção será irretratável, sendo que tal requerimento é feito no prazo em que o Ministério Público tem para realizar a imputação penal.[32]

Como ensina Paulo Rangel: “A função do escabinato português é intervir na decisão das questões da culpabilidade e na determinação da pena a ser aplicada, ou seja, a formação do escabinato com juízes togados permite que seja discutido o quantum da pena a ser aplicada, pois questões estritamente legais são conhecidas e compreendidas, já que integram o júri juízes togados.”.[33]

Em Portugal, a função de jurado também é remunerada – assim como na Espanha – e consiste em serviço público obrigatório, sendo a recusa considerada crime. O sorteio dos jurados é feito entre os eleitores constantes dos cadernos de recenseamento eleitoral.[34]

No procedimento português, tanto Ministério Público, quanto a defesa, tem direito a até duas recusas imotivadas de jurados, conhecido no Brasil como recusa peremptória.[35]

Importante salientar que no Tribunal do Júri de Portugal, existe a necessidade de fundamentação nas decisões, devendo cada juiz e cada jurado esclarecer quais foram os motivos que os levaram a formar tal convencimento, indicando, quando possível, os meios de prova que serviram como base para a decisão.[36]

Assim, após tal análise internacional do Tribunal Popular, em suas várias composições que adquire ao redor do mundo, salta aos olhos a magnitude de sua relevância entre os maiores sistemas jurídicos existentes, e mais ainda, a sua hercúlea relação com o desenvolvimento social em cada país no qual esta presente, mesmo muitas vezes assombrado por regimes anti-democráticos que o enfraqueceram propositalmente, em face a sua grande relevância para o clamor social.


Notas

[1] RANGEL, Paulo – Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica – 4. Ed. rev. e atual. até 2 de julho de 2012 – São Paulo: Atlas, 2012 – Pg. 44 e 45.

[2] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 44-45 p.

[3] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 44-45 p.

[4] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 44-45 p.

[5] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 44-45 p.

[6] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 45-46 p.

[7] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 45 p.

[8] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 45 p.

[9] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 45-46 p.

[10] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 46 p.

[11] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 46 p.

[12] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 46 p.

[13] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 48 p.

[14] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 48 p.

[15] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 48 p.

[16] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 48 p.

[17] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 48 p.

[18] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 49 p.

[19] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 49 p.

[20] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 50 p.

[21] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 50 p.

[22] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 50 p.

[23] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 50 p.

[24] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 51 p.

[25] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 51 p.

[26] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 51 p.

[27] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 51-52 p.

[28] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 52 p.

[29] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 52 p.

[30] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 52 p.

[31] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 52-53 p.

[32] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 53 p.

[33] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 53 p.

[34] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 53 p.

[35] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 54 p.

[36] RANGEL, Paulo. Op. Cit. 55 p.



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