Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/33871
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Reforma Tributária

O Princípio da Capacidade Contributiva e o Imposto de Renda Pessoa Física

Reforma Tributária. O Princípio da Capacidade Contributiva e o Imposto de Renda Pessoa Física

Publicado em . Elaborado em .

A Reforma Tributária pode tomar como foco o Princípio da Capacidade Contributiva sobre o Imposto de Renda Pessoa Física?

1.      INTRODUÇÃO

Justamente pela dificuldade em se determinar a condição financeira real de cada contribuinte, o princípio da capacidade contributiva, em concomitância com o imposto sobre a renda da pessoa física, são dos maiores desafios do Direito Tributário Nacional.

Este artigo visa a possibilidade de se programar uma maior concretude nas exações que serão pagas por cada sujeito passivo separadamente em virtude de sua renda, atentando de maneira fiel à real possibilidade de cada contribuinte e de suas condições familiares, com base em todos os princípios norteadores da Carta Magna, enfatizados pela especificidade da capacidade contributiva do Direito Tributário.

Uma vez que sua aplicação se atente a essas condições especiais e individuais, muitas vezes a tributação poderá exceder a função ideológica estabelecida pelo princípio em tese e outros preceitos constitucionais. Sua medida deverá ser feita sob aspectos diferentes, podendo variar em sua incidência sobre a renda do cidadão-contribuinte. Há que se estabelecer um padrão com gradações variáveis, através de uma tabela de medidas individuais altamente aliadas às necessidades concretas, o número de dependentes, despesas-padrão baseadas na renda tabelada em que cada família será enquadrada.


2.O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O MÍNIMO VITAL GARANTIDO AO INDIVÍDUO

A Constituição Federal, em seu art. 1o, item III, estabelece em um dos fundamentos do Estado Democrático, a dignidade da pessoa humana, princípio que existe em função de todos os indivíduos inseridos no Estado e, por isso, carrega consigo uma grande relevância diante de todos os outros princípios. Partindo desta premissa, é correto afirmar que a dignidade da pessoa deve ser o fim da norma jurídica positiva.

Preexistindo à própria Constituição, a dignidade da pessoa humana é inerente à sociedade democrática, nascendo com o indivíduo, sendo este o sujeito e objeto principal da Magna Carta. Por viver em uma sociedade democrática, tal princípio traz uma série de garantias arraigadas e intrínsecas, fazendo com que o cidadão tenha reservados os seus direitos de sobrevivência juntamente com a ordem política e social do seu meio.

De acordo com SANTOS (1999), o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser levado em consideração como base, diretriz do legislador e da Administração quando produz política econômica e social, devendo ser enfatizado no Direito Tributário, sendo o Poder Judiciário responsável por qualquer vedação e sua respectiva sanção quando houver a detecção de possível abuso deste princípio. Com isso, o Estado fica impedido de utilizar de seu poder soberano para desestruturar ou impedir o livre desenvolvimento ou a esfera íntima de qualquer cidadão.

Diante de tais definições, é fácil associar as condições mínimas de existência humana (esta que não possui expressão constitucional própria) ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ambos os preceitos são objetivados com maior clareza nas declarações internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, dada pela Resolução 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas de 04 de dezembro de 1986.

Para a compreensão adequada da relevância histórica e sócio-econômica do mínimo vital e sua relação com a dignidade da pessoa, é necessária uma sintética análise histórica da declaração dos direitos fundamentais. A partir das revoluções liberais, positivavam-se as arrecadações de tributo nas grandes declarações de direitos fundamentais limitadores da tributação e suas respectivas garantias. TORRES (1995) diz que a declaração de direitos inglesa (Bill of Rights) não admitia levantar dinheiro para uso da coroa, sob pretexto de prerrogativa, sem permissão do parlamento.

No Brasil, a Constituição de 1824 instituiu direitos e garantias contra a tributação. Extingue-se aí a imunidade da nobreza: “ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres[1]”.

Privilégios descabidos também foram rechaçados: “Ficam abolidos todos os privilégios que não forem essenciais e inteiramente ligados aos cargos por utilidade pública[2]”. Além disso, o texto de 1824 já estabelecia as proteções da legalidade e anterioridade. Mas somente em 1891, Rui Barbosa especifica as imunidades tributárias.

Segundo SABBAG (2009), a primeira referência à idéia de “mínimo vital” vem do século XIX. Em 25 de maio de 1873 o Estado alemão fixou em 1000 thalers (moeda alemã) o limite de isenção para o contribuinte, equivalendo ao patamar mínimo para sua subsistência. A partir do século XX, inicia-se o ideal de afirmação aos direitos humanos, inclusive diante da tributação. Em 1948, a ONU brilhantemente traduz o que é tido como mínimo existencial em seu art. XXV:

Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Nossa Constituição Federal, inciso IV do art. 7°, quando disciplina os itens que compõem o salário mínimo, tem a nítida intenção em ofertar parâmetros ao mínimo existencial. No entanto, SABBAG (2009) aponta que, diante de normas constitucionais específicas sobre este importante plano de delimitação, chega-se à conclusão de que compete ao legislador traçar parâmetros que sigam, em dada base territorial, o padrão socialmente aceito para a definição das necessidades fundamentais mínimas do cidadão.

O direito às condições mínimas de existência digna, segundo TORRES (1995), inclui os direitos individuais, também chamados de direitos humanos ou direitos naturais, estes que aparecem explicitados em alguns dos itens do art. 5º da CF de 1988.

O mínimo existencial é exibido com características básicas dos direitos da liberdade (pré-constitucional, porque é inerente às pessoas) que condiciona a ordem jurídica, visto que é feito de direito público subjetivo do cidadão, tendo assim validade erga omnes, aproximando-se do conceito de estado de necessidade; sua conceituação não se limita apenas ao art. 5º da Constituição, pois é dotado de historicidade, variando de acordo com o seu contexto social.

TORRES (1995) ainda insere o mínimo existencial nos interesses fundamentais (tidos como os direitos políticos, econômicos e sociais), estes que incluem os direitos à alimentação, à saúde, e à educação que, embora não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status dos mesmos, pois concernem a parcela mínima de condições sem as quais o cidadão não teria condições de sobreviver dignamente.

Como observa CARRAZZA (1999), o “preâmbulo” da Constituição Federal já consagra extenso rol de valores supremos (a liberdade, a segurança, o bem-estar, a justiça etc.) que devem ser alcançados com a colaboração de todos, nomeadamente do Estado. Este que, por sua vez, deve empenhar-se em proporcionar às pessoas condições elementares de sobrevivência digna.

Por isso, não lhe é permitido tributar, inclusive e principalmente por meio de imposto sobre a renda, por ser justamente a renda que constitui o mínimo vital do contribuinte, incluindo aí a parte de seu patrimônio indispensável para adquirir aqueles elementos de sobrevivência digna.

MOSQUERA (1996, p. 127) segue na mesma linha:

Nas obras dos princípios fundamentais e basilares acima comentados é que se revela a necessidade de se dar ao cidadão brasileiro condições mínimas de existência, isto é, supri-lo de bens materiais que atendam às suas necessidades básicas e que lhe permitam assegurar a vida, a saúde, o bem-estar, a dignidade e a liberdade.

E conclui: “Dar condições mínimas de existência consiste, outrossim, em não tributar os valores recebidos e utilizados na consecução desse objetivo. O mínimo vital, portanto, é insuscetível de tributação.” A tributação por via de imposto de renda deve, pois, deixar intocado o mínimo vital do contribuinte, pois é justamente a porção de riqueza que lhe garante, e a seus dependentes, uma existência digna de um cidadão.

Há que se salientar que, mesmo não sendo definido exatamente qual o limite do mínimo básico vital para garantir a condição humana, deduz-se pelos próprios direitos fundamentais, sintetizando a dignidade da pessoa humana, que tenta evitar o tratamento degradante e desumano, concomitantemente com o art. 3º da Constituição, em seu inciso III, este que objetiva fundamentalmente a República Federativa do Brasil no seu dever à erradicação da pobreza e das desigualdades sociais.

Tendo em vista a reflexão acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, juntamente com a garantia mínima de sobrevivência, pode-se afirmar que a tributação será conseqüência de tais preceitos e, por isso, deverá ser norteada pelos mesmos através de princípios efetivadores da dignidade da pessoa humana, tais quais são fundamentais, principalmente, o princípio da igualdade, o princípio da legalidade, o princípio da liberdade, entre outros.

2.1 Princípios Constitucionais e Limitações ao Poder de Tributar

Denominam-se “princípios constitucionais tributários” os que veiculam no sistema constitucional tributário, normas voltadas à preservação de preceitos considerados fundamentais inerentes à condição humana, entre eles o direito à liberdade, à existência digna, à justiça, à segurança e à igualdade.

MACHADO (2005) destaca alguns dos mais importantes em virtude da universalidade dos mesmos, por serem comuns a todos os sistemas jurídicos, como é o caso dos princípios da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da competência, da capacidade contributiva, da vedação do confisco e o da liberdade de tráfego. Esses princípios são protetores contra quaisquer abusos de poder contra o contribuinte, iniciando-se com a idéia do princípio da liberdade dos indivíduos.

TORRES (1995) explica que sem o mínimo necessário à existência, cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais do princípio liberdade. A problemática da liberdade se comunica com a dos direitos naturais, que são inalienáveis, imprescritíveis, permanentes, anteriores à Constituição e dotados de eficácia erga omnes.

Direitos naturais significam necessariamente a existência dos direitos humanos - ou direitos fundamentais, ou direitos individuais, ou direitos civis ou liberdades públicas. A doutrina moderna mais influente assim os compreende. Há, entretanto, algumas divergências entre tais direitos, que não cabem explicá-las uma a uma neste artigo.

Os direitos humanos se aproximam dos direitos naturais, pois ambos se referem aos direitos decorrentes da própria natureza dos homens. TORRES (1995) diz que ambos possuem parentesco com os direitos que se afirmam no campo das relações internacionais, explicitando-se, assim, nas declarações universais e nas convenções entre os diversos países.

Mas nada desaconselha que a expressão seja tomada como sinônimo de direitos fundamentais e de direitos da liberdade, inclusive quanto ao aspecto da necessidade de proteção positiva mínima do Estado, desde que se lhe não dilargue a compreensão para abranger também os direitos econômicos e sociais, como querem alguns juristas.

No âmbito geral dos princípios, CARRAZZA (1999, p.39) assume posição explícita quanto à magnitude e a supremacia não somente ideológica dos princípios constitucionais. Enfatiza, inclusive, as severas sanções impostas pela Constituição na desatenção dada a qualquer um deles. Há que se atentar para o fato de que os princípios são normas e ao mesmo tempo norteadores ideológicos, além de limitadores ao poder de tributar:

Resumindo: os princípios constitucionais são, a um tempo, direito positivo e guias seguros das atividades interpretativa e judicial. Em outros termos, são fonte de direito (Esser) e idéias-base de normas jurídica. A Constituição é a base de todo o nosso Direito Público, notadamente de nosso Direito Tributário. De fato, no Brasil, por força de uma série de particularidades, as normas tributárias são por assim dizer, o corolário dos princípios fundamentais consagrados na Lei Maior.[3]

Outro dos principais princípios constitucionais, projetados sobre todos os domínios do Direito, e ligados ao direito tributário, vem no art. 5º em seu inciso II que determina expressamente o princípio da legalidade: “(...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Sem qualquer autorização normativa expressa, não poderá o Estado exigir qualquer prestação do cidadão.  CARRAZZA (1999, p.172) associa-o diretamente à idéia do princípio da legalidade tributária: 

(...) Bastaria este dispositivo constitucional para que tranqüilamente pudéssemos afirmar que, no Brasil, ninguém pode ser obrigado a pagar um tributo ou a cumprir um dever instrumental tributário que não tenham sido criados por meio de lei, da pessoa política competente, é óbvio. Dito de outro modo, é do princípio expresso da legalidade que poderíamos extratar o princípio implícito da legalidade tributária.

Tal preceito obriga o Estado a somente intervir através de sua competência jurídica na vida do cidadão, imputando-lhe deveres e direitos. A partir de tal permissivo legal, autoriza a atitude estatal, mediante norma jurídica e delimitada por preceitos constitucionais.

Já decorrente de outro princípio constitucional geral segundo o qual “(...) todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º caput da CF de 1988) e sendo uma derivação imediata do princípio republicano, o princípio da igualdade tributária vem consagrado em vários dispositivos constitucionais, mas se expressa, sobretudo, no art. 150, II da CF de 1988, que veda a instituição de:

(...) tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica ou dos rendimentos, títulos ou direitos.

No campo da igualdade tributária e, tendo em conta um dos objetivos principais da República Brasileira, insculpidos no art. 3º da CF de 1988, vê-se os princípios republicano e da igualdade, no caso das isenções tributárias, nitidamente interagindo entre si quando vedam as tributações arbitrárias dadas às pessoas políticas, ou instituições religiosas, a partir do momento em que se tenta levar em consideração quaisquer características que nada tenham a ver com as condições mínimas de sua subsistência. É o caso de isenções cedidas por profissão, sexo, credo religioso, convicções políticas entre outros aspectos ligados à liberalidade de cada um.

A restrição de algumas capacidades, muitas vezes impostas pela vontade individual, ou de algum grupo econômico ou político, que se sobrepõem ao coletividade (do povo), restringem ideais como de igualdade. BOBBIO (2000, p.09) é emblemático ao dizer que:

Uma sociedade que se inspira no ideal de autoridade é necessariamente dividida em poderosos e não-poderosos. Uma sociedade inspirada no princípio da hierarquia é necessariamente dividida em superiores e inferiores. Numa situação originária em que todos ignorem qual será sua posição na sociedade futura – e, portanto, não saibam se estarão entre os que mandam ou entre os que são obrigados a obedecer, e se estarão no topo ou na base da escala social -, o único ideal que lhes pode atrair é o de desfrutarem da maior liberdade possível diante de quem exerce o poder e de terem a maior igualdade possível entre si. Podem desejar uma sociedade fundada na autoridade e na hierarquia somente na condição não previsível de que estejam entre os poderosos e não entre os impotentes, entre os superiores e não entre os inferiores.

Propositalmente, as imunidades e as proibições de desigualdade vão ao encontro das limitações constitucionais ao poder de tributar, apesar de diferirem-se entre si. TORRES (1995, p.21) fala nas imunidades, vedações de privilégio e discriminações, juntamente com a proteção individual dada pelos princípios da irretroatividade, anterioridade, entre outros, cita o art. 146, II da CF, lembrando que a lei complementar “regulará as limitações constitucionais ao poder de tributar”:

O que significa que admite a complementação legislativa assim das imunidades que dos princípios gerais tributários; os arts. 150, 151 e 152 contemplam, sob o título “Das Limitações ao Poder de Tributar”, as imunidades, as vedações de privilégios e discriminações e os princípios ligados à segurança dos direitos individuais.

A relação de tributação é uma relação jurídica e não de poder, tendo por trás disso a existência de princípios que regem tal relação. Cabe, por isso, ao interpretador das normas, utilizá-los sempre com a finalidade ideológica e teleológica destes princípios.

Aliás, como lembra MACHADO (2005), o Direito em sua essência é um instrumento que deve obrigatoriamente servir de defesa contra qualquer tipo de arbitrariedade, aderindo sempre à supremacia da Constituição como ferramenta utilizada pelo cidadão contra o Estado, jamais o inverso.

Por isso, dentre todos os princípios constitucionais tributários, merece destaque o da igualdade. Eis que o princípio, cuja importância será melhor desenvolvida no próximo capítulo deste artigo, correrá acerca deste instrumento de transformação da realidade econômico social, o qual será a semente que fará germinar a idéia da capacidade contributiva.


3.      A IGUALDADE – ASPECTOS GERAIS E HISTÓRICO-JURÍDICOS

É correto afirmar que a igualdade é o mais importante dos princípios jurídicos, cuja característica essencial é o que oferece a maior dificuldade de compreensão ao jurista e ao filósofo do direito. Conforme TORRES (1995), é justamente por tamanha responsabilidade que carrega consigo que o princípio da igualdade está também no centro das reflexões do Direito Tributário, tanto mais que o próprio conceito de igualdade tributária ganha lugar de destaque como um dos pontos nodais do pensamento jurídico no Estado Social de Direito.

Com semelhança do que ocorre na Constituição da Alemanha e conforme lembra TORRES (1995), a igualdade, fugindo de uma velha tradição do direito brasileiro, aparece repetidas vezes no art. 5° da CF 88, cuja idéia estampa a regra geral, aplicável a toda e qualquer norma jurídica, independentemente da natureza do direito por ela assegurado: “todos são iguais perante a lei”.

Ainda no caput da Constituição brasileira, garante-se “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”, vinculando-se assim a igualdade aos direitos da liberdade declarados na enumeração. O art. 5°, §1° proclama que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” o que já constitui regra especial de igualdade.

O princípio da igualdade sempre foi fundamental para a própria legitimidade do Estado de Direito, no direito constitucional brasileiro. TORRES (1995) assina que no constitucionalismo americano o princípio ganhou maior eficácia traduzido na cláusula do due process law, que acabou transmigrando, constituindo assim, um certo excesso para a CF 88 (art. 5°, LIV). Já na Alemanha, a doutrina e a jurisprudência muitas vezes identificaram a igualdade com o próprio princípio do Estado Social Fiscal ou do Estado Fiscal.  

O aspecto mais curioso citado por TORRES (1995) se refere à polaridade do princípio da igualdade. Enquanto nos outros valores (justiça, segurança, liberdade) a polaridade significa o momento de sua negação (injustiça, insegurança, falta de liberdade), na igualdade o seu oposto não a nega, senão que muitas vezes a afirma. É o paradoxo da igualdade.

A desigualdade nem sempre é contrária à igualdade, como definiu brilhantemente BARBOSA (1958, p. 182): 

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade.

Por isso, de acordo com TORRES (1995, p. 260) a desigualdade existe sempre na equação da igualdade e a “igualdade que não se concebe como limitação da desigualdade, mas como seu contraponto total, se transforma em uma desigualdade ilimitada”.


4.O PRINCIPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E SUA EFETIVAÇÃO

4.1 Origens Histórico-Jurídicas, Limites Conceituais e Principiológicos

Juntamente com a inicial conceituação de tributo, a capacidade contributiva também teve sua especificação. Até mesmo no antigo Egito, de acordo com COSTA (1996), os tributos já deveriam ter certa relação com a riqueza daqueles que deveriam pagar. Assim como os filósofos gregos já pregavam a idéia de justiça distributiva, “segundo a qual a desigualdade remunera cada um consoante os seus méritos.” COSTA (1996, p.15). 

SABBAG (2009) recorda que o princípio da capacidade contributiva apareceu na Constituição Imperial de 1824, à luz do art. 179, XV, segundo o qual se estipulava que “ninguém será exempto de contribuir para as despesas do Estado na proporção dos seus haveres”. 

PIRES (2004) também lembra que no Brasil, as primeiras Constituições foram muito pouco arrojadas no que diz respeito à tutela legal do princípio, que só ganhou destaque merecido com a Constituição de 1946, esta que também deu origem às divergências acerca do tema e seu real conteúdo.

A Constituição de 1988, por sua vez, consagrou definitivamente o princípio no ordenamento jurídico, fixando-o no artigo 145, §1º, verbis:

Art. 145. §1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente, para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

O princípio da capacidade contributiva não se esgota no campo dos impostos apenas. Embora a Constituição (art. 145, § 1°) só se refira a impostos, outras espécies tributárias podem levar em consideração a capacidade contributiva, em especial as taxas, cabendo lembrar que, em diversas situações, o próprio texto constitucional veda a cobrança de taxas em hipóteses nas quais não se revela capacidade econômica (cf., por exemplo, art. 5°, LXXVII).

Segundo OLIVEIRA (1998, p.41) deve-se entender que o princípio da capacidade contributiva “tutela, efetivamente, a igualdade material no tributo, a liberdade de iniciativa e a propriedade privada em face do Estado, direitos esses elevados ao nível de garantias constitucionais no Estado de Direito”.

Ou seja, para efetivação do princípio, há a necessidade de compatibilizá-lo e relacioná-lo com todo o ordenamento jurídico, pois somente assim o princípio da capacidade contributiva poderá efetivar a igualdade jurídica dentro do sistema tributário, como bem lembra OLIVEIRA (1998, p. 52) quando diz que “somente garantida a satisfação das necessidades mínimas, comuns a todos, é que, ao depois, se poderá tratar desigualmente os desiguais, discriminando-os licitamente com base nas respectivas riquezas diversas.”

É definição unânime na doutrina que capacidade contributiva serve como a potencialidade econômica de suportar-se o ônus tributário, sem para isto “reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as atividades econômicas.” (GRIZIOTTI apud OLIVEIRA, 1998, p.55). É lógico, portanto, concluir que a noção de capacidade contributiva deve ser efetiva e diretamente ligada aos ideais da igualdade e de distribuição de justiça.

AMARO (2008) diz que o princípio vai além, pois quer preservar o contribuinte, buscando evitar uma tributação excessiva (inadequada à sua capacidade contributiva) que comprometa seus meios de subsistência, ou o livre exercício de sua profissão, ou a livre exploração de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica. Por isso, “sempre que possível” – como diz a Constituição -, o imposto deve levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte.

A expressão “sempre que possível” cabe como ressalva tanto para a personalização como para a capacidade contributiva. Aliás, é precisamente em atenção ao contribuinte “de fato” que se põe outra das vertentes da capacidade contributiva no campo dos impostos indiretos, ou seja, o princípio da seletividade, segundo o qual o gravame deve ser inversamente proporcional à essencialidade do bem.

SABBAG (2009, p. 110) destaca que, a partir da “tributação justa” destaca-se a Lei Complementar n. 107/2005 que, ao estabelecer normas gerais sobre direitos e garantias aplicáveis na relação tributária do contribuinte com a administração fazendária do Estado do Paraná, versou o tributo que deve ser e parecer justo, conforme o art. 2°, § 5°, in verbis:

Art. 2°. A instituição ou a majoração de tributo atenderá aos princípios da eficiência econômica, da simplicidade administrativa, da flexibilidade, da responsabilidade e da justiça. (...)

§ 5° O tributo deve ser e parecer justo, atendendo aos critérios da isonomia, da capacidade contributiva, da equitativa distribuição do seu ônus, da generalidade, da progressividade e da não-confiscatoriedade.

No raciocínio subjetivo, AMARO (2008) considera que a capacidade contributiva reclama, mais do que mera expressão matemática, pois exige que se afira justiça da incidência em cada situação isoladamente considerada, e não apenas a justiça relativa entre uma e outra das duas situações.

O princípio da capacidade contributiva, conjugado com o da igualdade, direciona os impostos para a proporcionalidade, mas não se esgota nesta. Com o apoio no princípio da capacidade contributiva e no da igualdade, tem sido discutida a constitucionalidade dos tributos “fixos”, assim chamados porque seu montante não se gradua em função da maior ou menor expressão econômica revelada pelo fato gerador.

AMARO (2008) recorda outro preceito que se aproxima do princípio da capacidade contributiva: da progressividade, este que é previsto para certos impostos, como o de renda. A progressividade que, juntamente com outros subprincípios, será explicada mais adiante neste artigo, não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas sim um refinamento desse postulado.

A proporcionalidade implica que riquezas maiores gerem impostos proporcionalmente maiores (na razão direta do aumento da riqueza). Já a progressividade faz com que a alíquota, para as fatias mais altas de riqueza, seja maior.

4.2 A Efetividade do Principio Constitucional da Capacidade Contributiva: Teorias Subjetiva e Objetiva

No sentido da interpretação e aplicação do princípio da capacidade contributiva, a doutrina classifica essa capacidade contributiva em absoluta e relativa. Será absoluta quando “relaciona-se com aqueles fatos legislativamente escolhidos por representarem manifestações de riqueza”, enquanto que a capacidade contributiva relativa “corresponde à aptidão de um determinado sujeito para suportar o impacto tributário, avaliável consoante suas possibilidades econômicas” (COSTA, 1996, p.72).

A maior parte dos doutrinadores e operadores do direito tende geralmente a aplicar o princípio constitucional considerando as manifestações objetivas de riqueza, isto é, aplicam a capacidade absoluta. Afirma CARRAZZA sobre o assunto (1999, p.67):

A capacidade contributiva à qual alude a Constituição e que a pessoa política é obrigada a levar em conta ao criar, legislativamente, os impostos de sua competência é objetiva e não subjetiva. É objetiva, porque se refere não às condições econômicas reais de cada contribuinte, individualmente considerado, mas às suas manifestações objetivas de riqueza. (...) Assim, atenderá ao princípio da capacidade contributiva a lei que, ao criar o imposto, colocar em sua hipótese de incidência fatos deste tipo.[4]

Para o Professor CARVALHO (2009), o sistema do direito positivo brasileiro exibe, em todas as figuras tributárias conhecidas, o princípio da capacidade contributiva absoluta, uma vez que os fatos escolhidos são aqueles que denotam signos de riqueza. Em outras palavras, por capacidade contributiva deve-se entender apenas a aboluta e, mesmo assim, como dado pré-jurídico.

Realizar o princípio da capacidade contributiva quer significar, portanto, a opção a que se entrega o legislador, quando elege para antecedente das normas tributárias fatos de conteúdo econômico que, por terem essa natureza, fazem pressupor que as pessoas que deles participam apresentem condições de colaborar com o Estado mediante parcelas do seu patrimônio.

Desta forma, conclui-se que a corrente majoritária da doutrina e jurisprudencial define o princípio da capacidade contributiva diretamente com a estruturação da base de cálculo (que possui estreita ligação com o critério material e hipótese do tributo – já explicados no Capítulo I) e que, resumidamente é traduzida pela teoria do Professor CARVALHO (2002), quando se refere à Regra-Matriz de incidência tributária, dividindo a norma do tributo em duas vertentes: hipótese e conseqüente.

A hipótese que, por sua vez, se divide em material (ação ou estado necessários para ocorrência do fato tributário, rege-se por um verbo incompleto e um complemento), espacial (onde o critério material deverá ocorrer) e temporal (o momento em que se considera ocorrido o critério material).

A vertente conseqüente desdobra-se em pessoal (quem figurará o pólo ativo e passivo na relação obrigacional) e quantitativo (base de cálculo e alíquota). Sendo assim, somente quando ocorridos todos os critérios apontados na regra-matriz, será considerada a ocorrência do fato jurídico tributário (neste momento, ainda subjetivo, pois não houve a figura do lançamento, expressão inicial do fato jurídico).

Junto com este raciocínio, segue CARRAZZA (1999) entendendo que ao serem inseridos na regra-matriz tributária, fatos economicamente aferíveis, se estará atendendo ao princípio constitucional. Na mesma linha dissertam vários autores. Entretanto, há posições contrárias.

Dentre elas, COELHO (1994) defende que a capacidade contributiva a que se refere o dispositivo constitucional é exatamente a capacidade relativa, onde, portanto, deve-se considerar a capacidade econômica real do contribuinte, isto é, sua aptidão concreta e específica de suportar a carga econômica do tributo.

Assim como TORRES (1995, p. 270) que enxerga a função dos subprincípios como norteadores da busca concreta da igualdade, vinculados à capacidade contributiva, também define a desigualdade, o privilégio, a discriminação e, por conseguinte, a injustiça como suscetíveis ao controle judicial, pois são estes os elementos que consistirão muitas vezes em tributar mais os pobres que os ricos, ou em exigir de todos igual contribuição.

Ele segue na definição dos subprincípios norteadores:

I)          Progressividade. Aplica-se, por previsão constitucional explícita (art. 152, § 2°, I), ao imposto de renda. Significa que o tributo será graduado de forma a atingir por alíquotas maiores as bases tributárias mais elevadas. É forma de justiça distributiva, cobrando-se desigualmente o tributo na medida em que se desigualam os contribuintes.

II)        Proporcionalidade. Sinaliza para a imposição fiscal proporcional à riqueza, através de alíquotas uniformes para cada base de cálculo e se aplica de preferência aos impostos sobre o patrimônio.

III)       Personalização. Expressamente previsto no art. 145 da CF, significa que os impostos devem, “sempre que possível”, incidir de acordo com a situação pessoal do contribuinte, como deve acontecer no IR e no imposto causa mortis.

IV)       Seletividade. Aplica-se, segundo os arts. 153, § 3°, I e 155, § 2°, III da CF, ao IPI e ao ICMS. O tributo deve incidir por alíquotas mais elevadas na razão inversa da utilidade social do bem ou da sua necessidade para o consumo popular. A desigualdade consistirá em agravar a tributação dos bens úteis ou necessários ou abandonar a diferenciação das alíquotas.


5.O PRINCIPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA

5.1 Evolução Histórico-Jurídicas, Limites Conceituais e Principiológicos

O imposto incidente sobre a renda, como conhecemos hoje, foi instituído no Brasil através da Lei do Orçamento nº 4.625 de dezembro de 1922. A partir deste momento, com a finalidade em facilitar a implementação deste imposto, criou-se a progressividade de suas alíquotas, estabelecidas entre 0,5% e 8% na época, conforme lembra COSTA (2003).

De acordo com o artigo 31 da Lei do Orçamento de 1922:

Art.31. Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto liquido dos rendimentos de qualquer origem.[5]

Por conseguinte, o Imposto sobre a Renda tornou-se um dos principais impostos de âmbito Federal, tendo como função primária a principal fonte de caráter tributariamente arrecadatório da União e, de forma secundária, seu caráter extrafiscal.

5.2 O Imposto de Renda Pessoa Física e sua aplicação na legislação brasileira

Conforme dito no tópico anterior, atualmente, a Carta Magna vigente traz para o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, em seu artigo 153, § 2º, os critérios da generalidade, universalidade e progressividade, estes muito bem definidos por COÊLHO (2010, p. 300):

A generalidade diz respeito à sujeição passiva, indicando a incidência sobre todos os contribuintes que pratiquem o fato descrito na hipótese de incidência da exação. A universalidade, por sua vez, demarca o critério atrelável à base de cálculo do gravame, que deve abranger quaisquer rendas e proventos auferidos pelo contribuinte, independente da denominação da receita ou do rendimento (vide art. 43, §1º, CTN, à luz da LC n. 104/2001). Por fim, a progressividade do IR – mesmo que insuficiente, como é sabido – prevê a variação positiva da alíquota do imposto à medida que há aumento de base de cálculo. 

Seguindo nestes conceitos, COÊLHO (2010, p. 300) esclarece:

Tem-se, na junção desses dois preceitos, o desejo do contribuinte de tornar o imposto de renda geral (incidindo sobre todos os rendimentos), universal (pago por todos), igual (para os iguais) e desigual em dada classe de pessoas, na medida de suas desigualdades, em homenagem à capacidade contributiva, em razão da qual a progressividade se justapõe à proporcionalidade na técnica de incidência do gravame [...].

O fato gerador deste imposto é, então, a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional, cujo conceito de renda possui delimitação constitucional, tendo como “acréscimo patrimonial” tudo o que agrega ao patrimônio do contribuinte em um determinado período, não sendo consideradas como “renda” as substituições de eventuais perdas patrimoniais.

O Imposto de Renda demonstra dados relevantes a serem considerados e comparados. De acordo com COSTA (2003), nos anos de 2003 e seguintes, a participação do Imposto de Renda na carga tributária brasileira correspondia a, aproximadamente, 20%. Em 2012, esse número chegou, precisamente, a 16,83%.

Já nos países mais desenvolvidos, esse número chega a 70%. A explicação para a diferença entre o Brasil e outros países, preceitua COSTA (2003), pauta-se na extrema dependência que a carga tributária brasileira possui com os impostos sobre industrialização e sobre circulação de bens e serviços (IPI e ICMS), cujo peso na arrecadação é de nada menos que 60%.

Diante deste cenário, nota-se um evidente baixo grau de progressividade e alta regressividade, juntamente à escassez de alíquotas que possam acompanhar, de forma mais fidedigna, a renda de cada faixa econômica de contribuição, ainda que tenham havido evoluções nos últimos anos. Até pouco tempo, a legislação brasileira previa apenas 2 faixas alíquotas do imposto de renda da pessoa física, respectivamente 15% e 27,5%. Em 1995, houve a inclusão de uma terceira alíquota (35%).

Atualmente, há a previsão das seguintes alíquotas: alíquota zero, para quem se encontra na faixa de isenção; 7,5% (sete e meio por cento); 15% (quinze por cento); 22,5% (vinte e dois e meio por cento) e 27,5% (vinte e sete e meio por cento), conforme prescreve a Lei 12.469 de 26 de agosto de 2011 em sua tabela progressiva mensal, a partir do ano-calendário de 2014 [6]:

Base de Cálculo (R$)

Alíquota (%)

Parcela a Deduzir do IR (R$)

Até 1.787,77

-

-

De 1.787,78 até 2.679,29

7,5

134,08

De 2.679,30 até 3.572,43

15

335,03

De 3.572,44 até 4.463,81

22,5

602,96

Acima de 4.463,81

27,5

826,15

Sendo assim, apesar do grau evolutivo dos últimos anos, é fácil perceber que há um maior ônus àqueles que desempenham menor capacidade em contribuir nas despesas do Estado, uma vez que, em regra, contribuintes detentores de maior renda e patrimônio, revelando maior capacidade contributiva, são destinatários de uma carga tributária mais amena, quando comparada com as faixas de menor aquisição de rendas mensais.

Com a finalidade em aproximar a fiscalidade de uma possível justiça social, o presente artigo pretende levar em consideração alguns dos critérios elementares à capacidade contributiva, já discorridos nos capítulos anteriores, em consonância com a Lei do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física.

Tais medidas, muito bem elencadas por SABBAG (2009, p. 124), não serão exaustivas, porém possuem caráter essencial na tentativa em desempenhar uma maior efetividade no que concerne à tentativa em redução de desigualdades sociais agravadas pela arrecadação até então preconizadas pelo Estado:

1. consideração precisa das condições pessoais dos contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) e a prudente fixação de um mínimo vital, compatível com a realidade: o artigo 6º da Carta Magna arrola, como direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Há de se buscar a efetividade na proteção de tais valores, aqui prestigiados, à luz da tributação progressiva do imposto sobre a renda;  (...)

Este item considera que o imposto sobre a renda, para cumprir com o princípio da capacidade contributiva em sua plenitude, deve ater-se de forma definitiva às condições pessoais dos contribuintes, preservando assim o mínimo vital de cada indivíduo, conforme já explanado no primeiro capítulo do presente artigo.

O ponto crítico deste critério seria o estabelecimento fiel ao conceito da linha tênue entre a margem do “mínimo vital”, desconsiderando os exageros já existentes ou evitando-se a criação de restrições para fins de subsistência.

2. estipulação de um expressivo número de deduções para o IR devido, adequando a exigência fiscal ao perfil do contribuinte: a dedutibilidade deve ser ampla, englobando todas as despesas necessárias à manutenção do indivíduo e de sua família, sem limitações arbitrárias, as quais, por amor à lógica e à justiça, não podem integrar o conceito de ‘renda’. Há de haver uma política ‘de inclusão’ de despesas dedutíveis – e não o contrário! – alcançando-se, quiçá, os medicamentos e o material escolar, diversamente do que hoje presenciamos;

O segundo item trata da possibilidade em aumento das hipóteses de dedutibilidade do Imposto de Renda. As atuais exações seriam, em maior parte, substituídas por um rol mais amplo de deduções, resultando em mais cargas tributárias de forma diferenciada para indivíduos economicamente menos favorecidos, adequando-se assim ao seu perfil de capacidade de contribuição.

3. estabelecimento de um expressivo grau de progressividade de alíquotas, em função da quantidade de renda auferida: há que se imprimir maior progressividade às alíquotas, de modo a cumprir, efetivamente, o desígnio constitucional.

O terceiro item trata da indispensável progressividade das alíquotas. O princípio da capacidade contributiva em conjunto com o princípio da progressividade, conforme fora detalhado no segundo capítulo deste artigo, exige que a arrecadação sobre a renda se dê de forma proporcional entre riqueza versus patrimônio da cada cidadão contribuinte.

É importante ressaltar que progressividade não confunde-se com proporcionalidade, ainda que ambas estejam vinculadas à base de cálculo e à alíquota, suas definições são completamente diferentes. Como cita LOURENÇO (2000, p. 42):

No imposto sobre a renda, a progressividade exterioriza-se pela aplicação de alíquotas mais elevadas às faixas mais elevadas de renda tributável.

Atendendo a proporcionalidade, uma vez que as alíquotas são fixas, o indivíduo com melhor capacidade econômica arcará de forma idêntica ao indivíduo com menor capacidade, ocasionando com que este sofra um maior impacto em seu orçamento. Sendo assim, é de fácil entendimento que a progressividade seja a melhor ferramenta para viabilizar a igualdade.

No Brasil, a pessoa física cidadã contribuinte é a maior sacrificada com a finalidade exclusivamente arrecadatória do Estado em contrapartida à carência da contraprestação social extremamente ineficiente. A estrutura atual do Imposto de Renda Pessoa Física é uma das principais representações (ou de melhor mensuração) desta contradição, pois engessa o contribuinte com a limitação de poucas alternativas à dedutibilidade e ao aumento progressivo de suas alíquotas que não atêm-se, de fato, à realidade das condições econômicas dos cidadãos que possuem menores condições contributivas.


6.      CONCLUSÃO

No decorrer deste artigo, apontou-se critérios de concretização do postulado da capacidade contributiva sobre o Imposto de Renda Pessoa Física e os princípios essenciais para sua melhor aplicação. Pôde-se entender, ainda, que o objetivo dessa forma de tributação não é o de inverter a posição das classes de renda, mas apenas reduzir a diferença entre elas que é, por sinal, exageradamente grande no Brasil.

Logicamente que são necessários estudos sociais e econômicos, além de melhor atenção do legislador e do Poder Executivo no exercício de sua extrafiscalidade, de maneira a estruturar as famílias contribuintes, não somente pela sua renda mensal, mas por suas características individuais, seus números de dependentes e suas necessidades básicas atendidas preferencialmente.

Em contraponto ao raciocínio da teoria objetiva, utilizado por grande parte da doutrina, concluiu-se que o princípio constitucional e a relação base de cálculo – fato econômico utilizado como simples estipulação da carga tributária ao indivíduo, significa impor irrestrita e arbitrariamente uma supremacia do Estado sobre o indivíduo, despida de qualquer respaldo legal impedindo qualquer realização de justiça social sobre o contribuinte brasileiro.


REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

BARBOSA, Rui. Impostos interestaduais. OCRB, v. XLIII, t. II, 1916, Rio de Janeiro: MEC, 1958.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.  Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 13 set. 2013.

BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 out. 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172Compilado.htm>. Acesso em: 14 jul. 2013.

BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Linguagem e método. 3ª. ed. São Paulo: Noeses, 2009.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros. 1999.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 2ª ed.São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3ª. ed. rev. e ampl. São Paulo:

Malheiros, 2003.

CREPALDI, Silvio Aparecido. A Regra Matriz de Incidência Tributária: Uma abordagem analítica: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1049>, 2009. Acesso em 28/05/2013.

LOURENÇO, Américo; LACOMBE, Masset. Princípios constitucionais tributários. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O Imposto e o Conceito Constitucional. São Paulo, Dialética, 1996.

OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito Tributário. Capacidade contributiva. Conteúdo e eficácia do princípio. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

PIRES, Simone Grohs Freire Simões. O princípio da capacidade contributiva diante do Estado Democrático de Direito: tutela de Garantia individual Fundamental ou Supremacia do Interesse Público sobre o Privado? Santa Cruz do Sul: Revista do Direito n. 19 (jan/jun 2003) Editora da UNISC, 2004, p. 53-70.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário: ideal para concursos públicos. São Paulo: Saraiva, 2009.

SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Fortaleza: Celso Bastos Editora, 1999.

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar Editora, 1995.


Notas

[1]  Art. 179, item 15

[2] Art. 179, item 16

[3]  Grifos do autor

[4]  Grifos do autor

[5]   Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/irpf/historia/hist1922a1924.asp)>. Acesso em 02/03/2014.

[6] Dados da Receita Federal do Brasil, Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br/Publico/estudoTributarios/estatisticas/CTB2013.pdf.> Acesso em: 05.02.2014.


Autor

  • Stefani Ventura Vargas

    Advogada OAB/SP - Graduada em Direito na Universidade Federal do Rio Grande. Pós-Graduada em Direito Tributário. Iniciou a carreira em uma Big Four (PwC) onde adquiriu know-how sobre diversos segmentos. Posteriormente, trabalhou na área de Planejamento Tributário de uma indústria pertencente ao Grupo Coca-Cola e na Construtora Camargo Corrêa. Atualmente é Advogada do consultivo em impostos indiretos no Escritório Zilveti Advogados.

    Textos publicados pela autora

    Site(s):

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.