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Estatuto da Cidade.

Considerações introdutórias

Estatuto da Cidade. Considerações introdutórias

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O Estatuto da Cidade, a Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001, tem sua origem em 1989, com o Projeto de Lei n. 2.191/89, depois com o Projeto n. 181/89 no Senado Federal e, por fim, Projeto de Lei de n. 5.788, de 1990.

O Projeto de Lei n. 5.788 de 1990 é substitutivo aprovado em dezembro de 1999 pela Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da Câmara dos Deputados, que regulamenta o Capítulo da Política Urbana da Constituição Federal, e estabelece diretrizes gerais da Política Urbana e dá outras providências.

A Lei n. 10.257/2001está dividida em cinco Capítulos, sendo o primeiro Diretrizes Gerais, o segundo Dos Instrumentos da Política Urbana, o terceiro Do Plano Diretor, o quarto Da Gestão Democrática da Cidade e o último Disposições Gerais.

Esta lei procura consolidar o Plano Diretor dos Municípios, para cidades com mais de vinte mil habitantes, e cria novos institutos jurídicos, permitindo que o Município implemente uma Política de Desenvolvimento Urbano mais dinâmica e eficiente.

Um dos aspectos mais consideráveis da nova lei é que com ela se institui de forma mais incisiva a gestão participativa da cidade na administração democrática e justa.


A CIDADE

A questão da urbanização abrange um conjunto de fatores necessários ao Poder Municipal, dentre os quais se incluem: água, gás, eletricidade, esgoto, e serviços urbanos tais como: transporte, saúde e educação. Não obstante os programas de desestatização que ora vêm sendo promovidos pelo Poder Público, cabe aos municípios atender a esse conjunto, sem o qual a cidade não funciona e sem o qual não se promove o bem-estar dos cidadãos.

Entretanto, é mister ressaltar que a questão urbana não vem sendo contemplada como é necessário. As cidades, hoje muito longe do tamanho ideal previsto por Aristóteles – que acreditava que a "cidade ideal" era aquela com não mais de cinco mil habitantes, aproximadamente, ou seja: na cidade ideal, todos os habitantes poderiam se conhecer, ao menos de vista.

Hoje, sabe-se que tal expectativa é cada vez mais difícil, haja visto o crescimento da população brasileira e o avanço das populações interioranas sobre as grandes cidades e capitais, além da migração em direção ao sul do país, onde melhores condições de vida são esperadas por aqueles que para lá se dirigem.

As cidades brasileiras crescem em uma proporção que foge ao controle dos poderes públicos municipais, resultado da explosão democrática violenta das últimas décadas, sem que se promovesse nenhuma medida efetiva para conter esse crescimento descontrolado.

José Afonso da Silva questiona: "o que é, então, a cidade"? Se para o doutrinador conceituar não é fácil, analisar a cidade no Brasil requer algumas considerações. Para ele, a Lei Lehman – Lei n. 6.766/79 pretendeu corrigir essa situação, mas teve como resultado imediato o crescimento de favelas nas periferias das grandes cidades.

Conforme pensamento de José Afonso da Silva, a lei não se refere satisfatoriamente à qualidade do meio ambiente, ou seja, a expansão da metrópole acaba sendo determinada de acordo com os interesses do grupo que ocupa o poder no momento, permitindo, com isso, um crescimento desordenado da classe de baixa renda, detentora da miséria, que induz, conseqüentemente, ao surgimento da violência urbana.

Para José Afonso da Silva, conceituar demográfica e quantitativamente a cidade não é difícil, pois entende-se como cidade "o aglomerado urbano com determinado número de habitantes: 2.000 em alguns países; 5.000 em outros; 20.000 para a ONU; 50.000 nos EUA".

Sintetizando os conceitos gerais acerca da cidade, tem-se que giram, em torno da cidade, os interesses econômicos voltados tanto para a localidade quanto para a população, o que dá à cidade uma fisionomia essencialmente econômica, embora tal característica tenha suas especificidades.

Outro aspecto a considerar é que, no Brasil, as cidades têm como característica o fato de serem núcleos urbanos, sedes do governo municipal e, portanto, podem ser consideradas, independentemente do tamanho de sua população, como um agregado ordenado de sistemas, administrativos, comerciais, industriais e sócio-culturais, contextualizados nacionalmente.

Para melhor entendimento, define-se como solo urbano aquele compreendido entre a cidade, ou seja, a zona urbana, e os espaços reservados para o seu crescimento definidos pela lei, sendo ambos tratados juridicamente da mesma forma, podendo ser executados, para fins de parcelamento, projetos para a implantação de lotes ou desmembramentos, levando em conta a função social da propriedade e o direito de todos à cidade.

"Por solo urbano, esclareça-se, há de ser entendido aquele compreendido (encerrado) pelas zonas urbanas (área das cidades e vilas) e pelas zonas de expansão urbana (área reservada para o crescimento das cidades e vilas, adjacente ou não à zona urbana), definidas por lei municipal. Essas zonas, para fins de parcelamento, receberam da nova lei o mesmo tratamento jurídico, pois em ambas, e somente nelas, podem ser projetados e implantados loteamentos ou desmembramentos".

A questão da urbanização e da ocupação da cidade se torna mais eloqüente ao se analisar as grandes cidades do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e tantas mais, cujo desenvolvimento econômico chama a atenção de populações carentes que para a li se dirigem em busca de emprego e de vida melhor.

Entretanto, essa migração engrossa a população urbana desprovida de terras e de condições mínimas de existência, fazendo com que a ocupação ilegal ou irregular de terrenos em periferias ou em favelas se intensifique.

Nesse contexto, as cidades cresceram na proporção inversa dos serviços públicos e, por força deste fenômeno e são exigidos investimentos públicos urbanos em áreas que já são atendidas, procurando-se com isto conter o crescimento de índices intoleráveis de pobreza e de miséria.

Cabe ao Poder Público, então, promover o zoneamento destes bairros ou implantar novos núcleos urbanos, usando o poder da desapropriação para prover famílias e populações carentes de terra e de casa. Cabe, ainda, a este Poder, promover o assentamento destas famílias, determinando locais para onde podem se dirigir sob a orientação do governo. Os bairros podem ser considerados como microorganizações urbanas, e é mais fácil começar a observação do funcionamento da cidade por estas pequenas parcelas, evidentemente sem descuidar do todo.

Os bairros tem um sentido coletivo, por abarcarem uma dada comunidade, de certa forma homogênea (considerando-se aqui seus aspectos sócio-econômicos). Mesmo quando se trata de bairros com diversidade populacional, como é o caso de bairros de classes mais abastadas e cercados por favelas habitadas por classes menos favorecidas economicamente, como ocorre no Rio de Janeiro, por exemplo, os habitantes possuem um sentido comum de habitarem uma microrregião. Assim, independentemente da classe a que pertençam, os moradores de um bairro têm as mesmas aspirações de transporte, lazer, trabalho, água, saneamento.

Quando essas necessidades não são atendidas, os moradores veêm-se obrigados a procurar as respostas em áreas adjacentes, levando-os a se deslocar para realizar atividades que poderiam e deveriam estar sendo praticadas nas proximidades de sua residência. Quanto maiores os deslocamentos da população, mais cara se torna a infra-estrutura para atender à sociedade.

É difícil encontrar soluções para as grandes cidades de hoje, mas não é impossível, desde que se promova estudos ambientais e de impacto dos planos urbanísticos sobre a movimentação da população, baseando-se os estudos nas necessidades reais da comunidade. A complexidade de uma população não permite considerar toda a comunidade urbana como única, mas sim, é necessário ver esta comunidade como uma diversidade de pessoas, de interesses, de necessidades a serem atendidas.

Para isto, o Poder Público precisa compreender a organização urbana sob uma bisão holística, evitando o caos e buscando soluções urbanísticas que correspondam às necessidades da população. Isto é possível quando a comunidade é ouvida, seus interesses são discutidos e avaliados, buscando o Poder Público o meio termo entre os problemas existentes e as possíveis soluções.

Evidentemente, essas soluções não podem ser criadas ao sabor de interesses políticos, pessoais ou momentâneos, mas devem pautar-se pela legislação, pelos princípios do Direito e pela transparência de políticas públicas para o ordenamento urbano. Transformando as palavras em ações, os planos urbanísticos são os meios que se tem para buscar soluções compatíveis com interesses e necessidades.

No entanto, todas essas e muitas outras medidas que devem ou que podem ser implementadas pelo Poder Público devem vir, sempre, acompanhadas de sua justificativa social, pois cabe ao Poder Público promover o bem-estar da sociedade.

Para isto, pode-se caminhar na direção de uma gestão mais participativa, em que soluções locais sejam apontadas por diversos setores em prol do bem-estar social.

Colaborando de forma incisiva para essa política de welfare state, ao editar a nova Lei n. 10.257/2001, procura o Poder Público criar e desenvolver mecanismos que visam, precisamente, o bem-estar dos indivíduos.


A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

O Código Civil, em seu artigo 524, assegura o direito da propriedade de maneira ampla – plena in re potesta – e assegura a todos o direito de usar, gozar e dispor dos bens, tendo o direito de reavê-los de alguém que injustamente os possua.

Ao estabelecer que a propriedade constitui uma garantia inviolável do indivíduo, ficou instituída a condição de garantia fundamental para a propriedade. Reforçando essa tese, o inciso XXII assegura o direito de propriedade e que a propriedade deve atender à sua função social.

Para Norberto Bobbio:

"A primazia do elemento econômico nas formas que têm mais direta incidência sobre o sistema social global (mesmo que num âmbito mais vasto que o nacional) e a inseparabilidade do elemento político do elemento econômico no conceito de propriedade privada caracterizam as correntes de pensamento sócio-político que, há mais de um século, se inspiram em Karl Marx."

Complementando esta visão, deve-se buscar conceituar a propriedade não apenas no âmbito jurídico, mas destacando, sobretudo, os aspectos sociais que o fundamentam.

Para que se possa analisar os fundamentos jurídicos da propriedade, é importante reconhecer a Teoria Geral do Estado e os princípios que alicerçam o poder público, que é, em última instância, o responsável pelo welfare state que regula a função social da propriedade. A tendência atual, em uma projeção para o mundo inteiro, diga-se, será a de que a propriedade privada fique restrita exclusivamente aos bens de consumo pessoal, coibindo abusos do poder econômico que acarretem prejuízo ao bem-estar social, afastando as desigualdades que se manifestam no espaço das cidades, ainda que leve algum tempo para que isto aconteça.

"limitação da propriedade privada ao âmbito dos bens de consumo, mesmo que o controle (...) possa continuar a concentrar ainda por longo tempo nos grupos particulares a gestão do poder econômico e, por conseguinte, direta ou indiretamente, a gestão do poder público".

Assim, é relevante destacar o papel do Estado como a instituição que zela pela preservação e pela integridade desses direitos do cidadão. Dentre esses direitos, está o direito à propriedade, hodiernamente consolidado pela legislação brasileira. Retorna-se assim, de forma circular, ao tripé sobre o qual se fundamenta a função social da propriedade: esta propriedade, o indivíduo e o vínculo jurídico, garantido pelo Estado.

Ao se pensar na questão social, o trio de agentes – o indivíduo, a sociedade e o Estado que regula a propriedade – tem, como fundamento, o interesse social como finalidade maior. Este interesse não pode visar a atender ao povo e nem mesmo às necessidades do poder público, mas sim precisa voltar-se para o fim social.

Concomitantemente, permite que o Poder Judiciário atue mais concretamente em relação à ordem urbanística. Qual o poder do Judiciário nas políticas urbanas?


PODER DO JUDICIÁRIO E PLANEJAMENTO URBANO

Para José Afonso da Silva, é importante ressaltar as características do Direito Urbanístico, que abrangem diversas instituições, fazendo com que o uso, o parcelamento e a ocupação do solo do território sejam planejados e ordenados adequadamente, cumprindo uma finalidade social, objetivando um desenvolvimento sustentável.

"O planejamento urbanístico (traduzido formalmente em planos urbanísticos), o parcelamento do solo urbano ou urbanizável, o zoneamento de uso do solo, ocupação do solo, o reparcelamento. Em cada uma dessas instituições encontramos institutos jurídico-urbanísticos, como: o arruamento, o loteamento, o desmembramento, o solo criado, os índices urbanísticos (taxa de ocupação do solo, coeficiente de aproveitamento do solo, recuos, gabaritos)".

O Direito Urbanístico tem relações com outras áreas do Direito, como o Direito Constitucional, Econômico, Tributário, Civil, mas é no Direito Administrativo que se encontram os instrumentos fundamentais para sua atuação, pois cabe ao Poder Público desapropriar, organizar entidades executoras da urbanização da cidade, etc.

Atualmente, com a Constituição Federal de 1988, o instrumento do Plano Diretor Municipal assumiu a função de instrumento básico e essencial para a política urbana municipal, buscando-se, com isto, organizar e promover o desenvolvimento das funções sociais da cidade, tendo como objetivo maior o bem-estar social. Além disso, visa a distribuição mais justa dos recursos aplicados na cidade, funcionando como uma espécie de carta de princípios para o planejamento urbano que, diante às rápidas transformações da sociedade, torna-se cada vez mais importante, fazendo frente às desigualdades socioeconômicas nas cidades. Como assinala Marcos Juruena Villela Souto:

"Mas foi com a Constituição de 1988 que, definitivamente, o planejamento ganhou status de ‘sistema’ constitucional (isto é, um conjunto integrado de normas), quando, em seu artigo 174, foi ele transformado, de mero ordenador da atividade administrativa, em principal instrumento de intervenção do Estado na atividade econômica. Reza o dispositivo que ‘como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado’".

Da mesma forma com que a lei estabelece as diretrizes e bases do planejamento e desenvolvimento do país, também em relação às cidades deve-se praticar a mesma política, sempre orientada pelo bem-estar geral.

É importante ainda mencionar que o planejamento público tem uma dimensão técnica e uma dimensão política. A dimensão técnica necessita de profissionais capacitados, de várias áreas, cujo escopo é adotar os métodos adequados, viabilizando às necessidades. Uma vez que planejar é, antes de tudo, determinar prioridades, a dimensão política passa a ser uma ação, que pode variar na medida que se ampliam os canais de participação popular, democraticamente, no processo de planejamento.

"O planejamento público tem uma dimensão técnica e uma dimensão política. Técnica porque implica o domínio de uma metodologia de trabalho própria, o acesso a informações atualizadas, sistematizadas e agregadas no nível adequado às necessidades e, freqüentemente, o apoio dos conhecimentos especializados de profissionais de diferentes áreas. Política porque é,antes de tudo, um processo de negociação que busca conciliar valores, necessidades e interesses divergentes e administrar conflitos entre os vários segmentos da sociedade que disputam os benefícios da ação governamental".

Conforme esta análise, Marcos Juruena Villela Souto sintetiza o papel do Direito como aquele que fornece subsídios para harmonizar esses fatores, legalizando e efetivando o plano diretor, bem como visando uma utilização mais justa dos recursos públicos.

"O direito deve, portanto, fornecer elementos para a conciliação desses fatores, técnicos e políticos, de modo a assegurar, de um lado, a legitimidade, e conseqüente efetividade do plano, e, de outro, a técnica que leva à racionalização e eficiência das ações e gastos governamentais".

Assim, deve-se entender o planejamento econômico não apenas em seus aspectos técnicos e políticos, mas sob os aspectos jurídicos que o fundamentam e, dentre as mais recentes legislações, a Lei n. 10.257/2001 se mostra como um dos instrumentos mais preciosos não apenas no sentido de reforçar o papel do Poder Público frente ao problema da terra urbana, como também dela emerge a necessidade de uma visão social por parte do Estado, que deve procurar dar um cunho incisivamente sócio-econômico nas atitudes geradas pela referida lei.

De forma sucinta, o Estatuto da Cidade vem disciplinar as propostas de reforma urbana no país, apresentando, para isso, alguns instrumentos importantes, em relação aos artigos da Constituição Federal que tratam da política urbana, a saber, os arts. 182 e 183 da CF/88.

Antonio Hildebrand entende que alguns dos mais relevantes aspectos da nova lei referem-se ao instrumento do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, visando a coibir a especulação imobiliária e a retenção de terrenos urbanos ociosos. Para o doutrinador, "é extremamente relevante, pois existem índices inaceitáveis de terrenos ociosos na malha urbana de diversas cidades brasileiras, causando prejuízos significativos para o interesse público e social".

Outro aspecto a considerar refere-se ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, progressivo no tempo e o terceiro tópico que entende como relevante no Estatuto da Cidade, Hildebrand aponta como sendo a "desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública".

Por fim, o mencionado autor destaca que o projeto dispõe sobre o usucapião especial urbano que, no Estatuto da Cidade, passa a se chamar usucapião coletivo. É este um elemento importantíssimo quando se tem em mente as populações de classes menos favorecidas, urbanas ou vivendo nas periferias das cidades, urgindo para regularizar as condições de moradia, mesmo precariamente.

Os arts. 182 e 183 da Constituição Federal estabelecem:


Capítulo II - Da Política Urbana

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1.º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2.º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3.º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4.º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1.º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2.º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3.º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Como se vê, a Constituição Federal ressalta, nestes artigos, a função social da cidade, e ao mesmo tempo determina caber aos planos diretores municipais estabelecer políticas para o desenvolvimento urbano.

Os dois primeiros parágrafos do art. 182 delimitam e determinam a função social da propriedade na área urbana, e para que esta necessidade se concretize, o terceiro parágrafo permite aplicar a desapropriação, em caso de não utilização da área.

Já o art. 183 aplica, na prática, a necessidade de se dar uma função social à propriedade, ao garantir o direito à moradia, o direito de domínio de área urbana, desde que não surja o proprietário, permitindo, dessa forma, uma otimização no aproveitamento das áreas urbanas.

Assim, o Estatuto da Cidade, ao regular o uso da propriedade urbana visando o interesse social, se revela como uma lei necessária e que certamente irá ajudar a promover o bem estar da coletividade. O Estatuto da Cidade é cognominado "Estatuto do Cidadão", que veio ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, visando a sustentabilidade das cidades, promovendo a integração social e garantindo direitos previstos na Constituição de 1988.

Importa ainda comentar que o Estatuto da Cidade não surge como mais uma lei fadada ao esquecimento, como comenta Caramuru Francisco, pois por ser inovadora e ao criar dispositivos para fixação de prazos para se implementar a lei, mostrou que é uma legislação moderna e voltada para as necessidades sociais e para os deveres do Estado moderno.


CIDADÃO E O ESTATUTO DA CIDADE

O Estatuto da Cidade que estabelece regras para legalizar invasões, favelas e loteamentos irregulares, no entanto, somente os que estiverem localizados em áreas privadas. O usucapião urbano particular e coletivo permitirá a distribuição de títulos de propriedades aos que moram a cinco anos em terrenos privados de até 250 metros quadrados. É preciso que as pessoas mais carentes possam encontrar um teto decente para vier. E se o teto não for dos melhores, que pelo menos ele tenha a garantia de que não possa ser expulso dali, sem que haja, realmente, qualquer proteção. Foram vetados os artigos que permitiam o usucapião urbano em terras públicas.

A partir da regulamentação do texto que regula o Estatuto de Impacto de Vizinhança (EIV) os vizinhos poderão opinar sobre construções e sobre qualquer novo empreendimento imobiliário – seja ele um prédio residencial, um shopping-center ou casas de shows terá que passar pelo crivo dos vizinhos.

Com o novo Estatuto, caso fique estabelecido que os empreendimentos possam causar transtornos para os vizinhos, a obra poderá ter a licença negada. A prefeitura do Rio já está estudando uma forma de adaptar o estatuto à realidade urbana do carioca. O Estatuto das cidades permitem outra novidade.

A cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo. O sistema faz com que seja economicamente inviável um proprietário manter por muito tempo terreno vazio e subutilizado em área de interesse social. Se o proprietário não quiser pagar o IPTU progressivo ou descumprir as determinações do Plano Diretor, as alíquotas dobrarão em até 15 % ao ano sobre o valor do imóvel e até o teto de 75% ao final de cinco anos. O estatuto proíbe a concessão de anistia aos devedores deste imposto.

Se depois de cinco anos, o dono do imóvel insistir em não construir, o terreno poderá ser desapropriado pela prefeitura pelo valor declarado no imposto de renda do proprietário, com pagamento através de títulos da dívida pública resgatáveis em 10 anos. Em caso de descumprimento dos prazos a prefeitura poderá desapropriar o imóvel declarado de uso social em dois anos.

A urbanização ou edificação compulsória, O IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com títulos da dívida pública. Funciona assim: primeiro se determina, por exemplo, que as áreas servidas de infra-estrutura localizadas em um tal distrito da cidade estão sujeitas à edificação compulsória. Então, o proprietário deverá construir ou vender para alguém que vá construir. Se isso não ocorrer depois de algum tempo, passa a incidir o IPTU progressivo durante cinco anos. Se, terminado esse prazo, o imóvel continuar ocioso, pode ser desapropriado. Em ótimas condições, isso não ocorre antes de dez anos. Isso porque deve se elaborar um plano-diretor, aprová-lo e a partir daí, tomar aquelas medidas mencionadas.

Com a nova legislação, em áreas assim só será permitido construir prédios que tenham a mesma altura daqueles que foram demolidos ou dos que estão no entorno. A demolição dos acréscimos feitos sem autorização da prefeitura também continuará sendo aplicada. Cada situação deverá ser avaliada separadamente.

A regra deverá ser seguida mesmo que o gabarito do bairro, ou seja, a altura permitida para construções, seja maior. O objetivo da proposta é evitar mais ainda o adensamento da população e intensificar os problemas no trânsito.

No caso das favelas, será preciso antes legalizar os terrenos, para então exigir que os moradores arquem com os custos da ampliação dos imóveis para a qualidade de vida local. A proposta é que os moradores paguem com trabalhos comunitários.

O novo projeto urbanístico tão sonhado para o Rio pode solucionar velhos problemas da cidade. Além dos instrumentos de regulamentação de questões territoriais, como as áreas de crescimento limitado, a cidade terá um mecanismo de controle dos preços dos terrenos e construções.

O Estatuto abre uma série de perspectivas para a modernização do Rio, que ainda tem uma legislação antiquada e privilegia uma visão estática e arquitetônica, sem valorizar questões econômicas e sociais.

As leis não vão determinar onde serão as áreas de crescimento, mas pretendem servir de instrumentos para auxiliar os Planos de Estruturação Urbana e ajudar a solucionar conflitos como qualidade de vida e interesses comerciais.

O Estatuto da Cidade foi por nós tão esperado que é preciso ficarmos atentos para avaliar como, politicamente, esse diploma legal teve repentinamente essa via e essa facilidade para sua aprovação. Ela parecia inicialmente apenas como um obstáculo para que fosse votada a emenda que editava as medidas provisórias e, de repente, apareceu aprovado.

Quando ele foi promulgado e foi publicado e convolou-se na Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, a mídia dedicou muito pouca atenção, embora se trate de um tema de mais de quarenta anos de debates.

Consideramos oportuno divulgar o Estatuto da Cidade, para que não fique como o Estatuto da Terra, que era um instituto aproveitável, mas que, como Estatuto ficou de alguma forma imobilizado. Neste sentido, é preciso completar os assentamentos, porque a reforma agrária não é questão fundiária, há outros implementos e outras exigências que precisam ser atendidas para haver não só qualidade de vida do campo, como qualidade de vida na cidade e, sobretudo, a revitalização fundiária.

Há dois anos atrás, descrevíamos os dados estatísticos da constituição urbana universal, quer dizer, das dificuldades existentes quanto à questão urbana, que evidentemente não fica exaurida pela constituição da cidade.

Já em finais da década de 50, criou-se um grupo, segundo o qual ficou estabelecido que o solo urbano é da competência principal, de modo exatamente como está aqui no Estatuto da Cidade.

Com o passar dos anos, pouco mudou, porque não existia naquele momento - e nós estávamos vivendo a emenda de 1969 -, também não existia o que se encontra no art. 21 da CF/88, onde exatamente se estabeleceu a competência da União Federal para estabelecer diretrizes sobre a política de habitação, problemas outros ligados aos aspectos habitacionais.

Como não existia esse dispositivo, o governo tinha o receio de que esse projeto fosse, na sua totalidade, de inconstitucionalidade, por causa de incompetência da União Federal para estabelecer normas e diretrizes, relativas à política habitacional.

E, por isso, se valeu do talento do Professor Miguel Reale e do professor hoje saudoso Hely Lopes Meireles, e encaminhou o projeto acompanhado desses dois pareceres. Esse projeto foi à Câmara dos Deputados e lá ficou estagnado.

Um dia, esse projeto veio a ser consolidado, suas normas vieram a ser estabelecidas e entre idas e vindas ao Senado, instruções regimentais determinando a volta ao Senado,. finalmente veio esse Estatuto da Cidade, que é a Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, diploma legal que hoje tanto nos preocupa, a ser finalmente aprovado no Brasil.

Há um tempo atrás não se falava em reforma agrária, depois se começou a sugerir e a entender que a reforma agrária seria fundamental e passou-se a admitir, sobretudo a elite conservadora, indiferente ao problema dos outros, começou a admitir que se falasse em reforma agrária, mas falar em solo urbano ainda é um certo mistério na sociedade; o problema do solo urbano na cidade é um problema muito difícil de ser solucionado e que ainda sofre restrições enormes por parte da elite. Mas logo que foi promulgada a Lei 10.257, sobre a qual dizia-se que tramitava no Congresso Nacional durante doze anos, o que não é verdade.

Este texto já estava sendo objeto de indagações em 1977, no extinto - porque englutiram-se todos os órgãos encarregados de efetivar nesse país uma política nacional, improviso do BNH, em vez de corrigirem os rumos que havia no percalço, e tem muitos responsáveis.

A comissão então não foi criada para melhorar o BNH, mas sim para eliminá-lo e transferir a sua responsabilidade para a Caixa Econômica Federal, que realmente não tinha condições técnicas para dinamizar nem efetivar não tem nenhuma política, porque é muito difícil se estabelecer no Brasil políticas públicas de longa duração.

É preciso ressaltar, num tratamento coloquial, que desde, antes disso, em 1977, já vinha se tratando deste assunto, e a Folha de São Paulo, num enquadramento de informações, publicou um texto, não sabemos se trata-se exatamente do que vinha sendo estudado. Até que, finalmente, ele transformou-se nesse projeto de lei e veio a tomar-se o projeto de lei 775 de 1973, surpreendentemente mandado ao Congresso Nacional.

No entanto, foi assim que, pela primeira vez, se tentou desenhar os contornos de uma propriedade urbanística razoavelmente democrática, onde realmente começava-se a aprofundar mais na penetração da função social da propriedade, do conteúdo do direito de propriedade, mas desde então está aqui o projeto 775 de 1973, contendo alguns efeitos, porque realmente implicava em algumas invasões inconstitucionais.

De fato a minha idéia é no seguinte sentido, a gente falar um pouco sobre o direito de superfície, devemos dar uma conotação genérica do Instituto como ele vem sendo praticado em outros países e também no nosso direito pré-codificado e por último falar um pouco dele no Código Civil com as inovações introduzidas pelo Código Civil em confronto com o Estatuto da Cidade que seria o instrumento normativo básico do nosso estudo.

Com isso, nossa idéia de passar esta lembrança àqueles que já tiveram a oportunidade de examinar o direito de superfície deste Instituto - este importante instrumento -, e a repetir uma reflexão de que forma, ou de que modo o Estatuto adotou o Código Civil.

O Código Civil pretendia ser o primeiro, porque é de 1975, mas o Estatuto passou à frente do Código Civil e entrou em vigor antes, prevendo o direito de superfície, e isto evidencia que será possível separar e observar.

Assim, vamos poder aplicar as regras do Estatuto em qualquer situação de direito de superfície, mas naquelas especificamente que cuidam da propriedade urbana. O Código Civil continua sendo a lei geral que possibilita a aplicação nas áreas rurais ou naquelas áreas que não tenham destinação como o Estatuto estabelece.

Diante dessa idéia, o direito de superfície, como vimos na idéia inicial, se materializa com a possibilidade de ser possível dividir a propriedade imóvel em três planos distintos e para que possamos ter direitos autônomos em relação a esses três planos.

Assim, imaginariamente, se teria a superfície, o espaço aéreo e o subsolo como áreas úteis. Esta idéia é muito importante porque, sem dúvida, alguma permite uma maior utilização e circulação de riquezas mas b,em atento ao direito de superfície, existe um princípio chamado principio da acessão.

Pudemos ter a oportunidade de observar, a fim de verificar se o novo Código regulava o direito de superfície e se ele quebrava diretamente o princípio da acessão, princípio contido no art. 526, que diz que o proprietário do solo é também proprietário do espaço aéreo e do subsolo.

É preciso lembrar que grande parte, dos assentamentos favelares, em São Paulo, estão assentados na periferia de São Paulo, e bens públicos de uso comum estão assentados em praças públicas. Desta forma, como se pode resolver esse problema senão com a vontade política de decidir administrativamente?

A concessão pela via de usucapião desses direitos vêem significar: o indivíduo que morou, em um local que, vamos denominar de favela, porque socialmente é uma favela - quem vai dizer que a favela da Rocinha é suscetível de ser desfeita? Qual foi a razão do Papa ter ido à favela do Vidigal? A favela do Vidigal estava preste a ser negociada pela prefeitura, quando a comunidade procurou a Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, que trouxe e organizou toda a visita do Papa ao Rio de Janeiro, disse a presença do Papa na favela do Vidigal foi para chamar a atenção da população para as necessidades daquela comunidade, inserindo-se aí a noção de que é uma comunidade importante e o Vidigal não pode ser removido.

Com isto queremos afirmar que as diretrizes gerais sobre os assentamentos são conceitos abertos, no sentido de que: se o município puder imaginar diretrizes outras que consubstanciem a função social da propriedade, e essas diretrizes forem incluídas no plano diretor, será o plano diretor que irá definir a função social da propriedade naquele determinado local, por expressa determinação da Constituição. Consideramos ser, este, um conceito perfeitamente aceitável e transitável, pois essas diretrizes são abertas, não são diretrizes fechadas.

É importante se fazer observações sobre o Estatuto da Cidade. No caso de um contrato de concessão de uso, no final do contrato, é feita a opção de compra. Pode-se, também, por um contrato de servidão, um contrato de superfície, ter esta opção. Mas entendemos ser a vocação da superfície muito mais voltada para a qualidade de vida da cidade e, sob este aspecto, chamamos a atenção, para explicar um ponto que nos preocupa bastante.

Outro problema a levantar é sobre como está disciplinado o direito de superfície no projeto do Código Civil, o qual está à beira de entrar em vigor. O direito de superfície, como está no Código Civil, não é idêntico ao que foi aprovado no Estatuto da Cidade.

É preciso que haja uma inerência entre o implemento que existe no subsolo e a concessão que foi feita, e isso tudo tem suma importância.

A grande maioria dos assentamentos populares, que no Rio chamamos favelas, em São Paulo são conhecidos como cortiços. Mas qual é a diferença que há entre cortiço e favela? É que a favela se assenta numa área de posse injusta e o cortiço não, o cortiço não se assenta em área de posse injusta, o cortiço é imóvel público situado em área urbana.

Então, essa limitação temporal aqui é evidentemente inconstitucional. Vamos ver como essa matéria vai ficar decidida, mas esse aqui é ponto fundamental da medida provisória baixada pelo Governo, que cumpriu a sua palavra, embora com algumas inconstitucionalidades.

Outra observação que gostaríamos de fazer é sobre as diretrizes gerais encartadas no artigo segundo do Estatuto da Cidade, onde estão aí desenhados princípios das funções sociais da cidade, e isso é fundamental.

Entendemos que a propriedade superficiária é hipotecável. Portanto, precisamos ver e ter cuidado, pois as conservadoras permitiram que esse projeto viesse da maneira como veio. Não há dúvida que o artigo 183 tem um dispositivo muito interessante e que a comunidade postulará com muita habilidade.

O artigo 183, que é exatamente aquele que se declara regulamentado pelo Estatuto da Cidade, em seu parágrafo primeiro tem o seguinte dispositivo: "o título de domínio e concessão de uso serão conferidos ao homem e a mulher ou a ambos, independentemente do estado civil". Prosseguindo a leitura no art. 183, vamos ver o parágrafo terceiro, onde se encontra aquela posição tradicional da inter remissão do no direito público: "os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Mas isso, o domínio dos imóveis públicos".

A sociedade, inteligentemente, construiu a tese segundo a qual os direitos relativos à aquisição desses imóveis e à concessão de imóveis públicos seriam suscetíveis de aquisição por usucapião. E por que não? A servidão não é suscetível de ser adquirida pela quase hipoteca, pelo usucapião? Então, a nosso ver, à luz do texto constitucional, se esqueceu da concessão de uso nesse parágrafo primeiro, e isto não poderia ser olvidado.

Então, foi dessa forma que a sociedade conseguiu fazer chegar ao Congresso esses artigos, que são fundamentais. Fala-se da questão da aquisição por usucapião, da aquisição de uso especial para fins de moradia, em limites de até 250 metros quadrados em imóvel público. Portanto, usucapião relativamente a imóvel público, pertinente à concessão de uso relativamente a esses imóveis. Isso foi uma criação extraordinária da comunidade.

Este é um exemplo de que as classes conservadoras sentiram esse problema e o fizeram chegar ao Presidente da República, com a promessa de que mandaria um projeto de lei ou uma medida provisória, que resultou na medida provisória 2.220, com algumas inconstitucionalidades e imprecisões.

Preocupamo-nos com a questão da qualidade de vida da cidade, pois é fundamental. Mas não podemos deixar de nos preocupar com um outro problema fundamental – a favela bairro -, pois ainda não decidiu, de maneira definitiva, a questão da regularização dessas comunidades e, por isso, examinando a questão, naturalmente sem compromisso, que instituto seria interessante para tentarmos a regularização fundiária ?

Importa questionar, pois existe o seguinte fato: houve, indiscutivelmente, um acrescentamento muito maior naquilo que nós, juristas, costumamos chamar de função social da propriedade. A função social da propriedade não é apenas o fato de que o dono do bem tenha prerrogativas e só prerrogativas.

Não: o fundamental é que ele tem, também, deveres para a comunidade, com a sociedade. Mas mais do que isso: o importante é que, hoje a função social é compreendida não como algo que roça os limites externos, exogenamente, a dar senhoria, que constitui o aspecto econômico da propriedade, mas a função social ingressa na economia da propriedade, e para o Estado está se revelando uma crise mundial, em que ele volta a readquirir os seus verdadeiros expedientes, quer dizer, a mundialização, como dizem os franceses ou a globalização, ela está em evidência hoje.

E estas novas discussões nos revelam que, através de um Estado ético - não um Estado ético e amoral - mas um Estado ético, é fundamental, sobretudo dentro da contemporaneidade - não falamos neo-modernidade, porque tal expressão não existe; qual será a neo-modernidade no futuro próximo?

O que existe é modernidade e contemporaneidade, isso é fundamental. Então, o que ocorre é que desde os anos vinte, do século passado, a propriedade tem por objeto ser bem de uso e de consumo, ela tem um vulto, ela tem um perfil.

Se ela é propriedade de bem e de capital, de bens capazes de produzir outros bens, ela tem outro vulto, um outro perfil completamente diferente que justifica uma intervenção muito mais enérgica e muito mais decisiva na senhoria da propriedade.

O que quer dizer isso que em determinadas circunstâncias, democraticamente estabelecidas, a perpetuidade deixa de ser um atributo da propriedade. O que é a perpetuidade? A perpetuidade não é a longevidade da propriedade.

Uma corrente de pensamento que é chamada de unitária, entendeu que o direito de superfície é um direito real sobre coisa alheia; uma corrente mais complexa e analítica resolveu separar essa situação, examinando de dois modos: a relação advinda entre o concessionário, que é aquele que recebe a possibilidade de... a superfície e o solo, e a relação advinda do concessionário com esse bem superficiário; é o que ele vai construir ou plantar no terreno, na área que lhe foi concedida.

Entretanto, essa forma mais complexa, evidentemente permite dividir, passou a se chamar de binária, porque separava, deste modo, a situação, examinando a figura do direito como elemento fundamental.

Vejamos, também, a questão relativa à acessão. O direito brasileiro -em especial o Código Civil que trata da parte geral -, menciona a acessão física, acessão intelectual, artificial através da formação de ilhas, e aluvião, e alvéolos abandonados. Tudo isso são formas de aquisição da propriedade, através do fenômeno da acessão. Então, se a sociedade perde a questão da acessão, ou princípio da acessão, a superfície, o solo, não perde esse princípio, mas com o direito superficial há mitigação.

Definições variadas, por exemplo, falam que o direito de superfície é um direito real, alienável e hereditário, que autoriza alguém a ter uma edificação em cima ou embaixo do solo de um imóvel e consiste no direito temporal ou perpétuo sobre uma coisa imóvel, isso é aquela construção, que pertence ao proprietário diverso do proprietário do solo sobre o qual se apóia aquela coisa.

Em Portugal, conceitua-se acessão como direito real de ter a coisa própria incorporada em terreno alheio. Na França, consiste em ser proprietário de edifícios ou plantações realizadas em terreno que pertence a outro. Outro destaque para o direito real autônomo, temporário ou perpétuo de fazer ou manter construção ou plantação sobre ou sob terreno alheio. Esse aspecto é muito importante, devido a propriedade separando o solo, que é justamente a construção ou plantação, que passa a ser adquirida pelo concessionário - aquele que tem o direito de edificar, de plantar, para constituir o direito de superfície.

Os romanos já conheciam uma noção do direito de superfície, mas inicialmente, nas conquistas com as expansões, tinham dificuldade para manter o controle da segurança e também o cultivo dessas áreas. Não tinham instrumental jurídico próprio para isso, então, a primeira situação foi imaginar-se um contrato de locação, que já era deles conhecido, mas tinha um obstáculo que normalmente teria que ser temporado pelo prazo de cinco anos e também para coisas edificadas, quer dizer, a previsão inicial seria para terra nua - e a preocupação era com a terra nua -, mas mesmo assim se admitia esse início de natureza nitidamente obrigacional.

Isto foi crescendo e foi se concedendo proteção ao arrendatário, através de instrumentos jurídicos, inclusive, contra o próprio titular público ou particular do domínio da terra, que ele foi se aproximando do direito real, de maneira que por último se admitia uma ação de seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidades, tais que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.

Com isto criaram-se discussões acerca do que a doutrina trazia e o legislador do Código Civil se preocupou em regularizar, nos nossos tempos.

Entretanto, já vimos uma quebra dessa idéia também com uma impossibilidade da propriedade individual sobre as jazidas de minério, propriedade da União e vimos, também, a quebra da idéia que seria pra cima ou pra baixo, de forma indefinida, de forma ilimitada.

O novo Código trouxe uma regra interessante sobre o subsolo, no art. 1.286: mediante o recebimento de indenização que atenta também a desvalorização na área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem através de seu imóvel de cabos, tubulações e outros produtos e serviços de utilidade pública, em proveito de propriedades vizinhas, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa, e o proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso ao bem, e depois seja devolvida a sua custa para outro local do imóvel.

O direito de superfície, na realidade, provoca uma mitigação, um temperamento ou até uma quebra do princípio da acessão, princípio este tão importante, tão caro, o mais praticado de uma forma direta.

Como vimos anteriormente, o novo Código não aniquilou o princípio, mas, sim, manteve as questões relativas à plantação: aquele que planta ou semeia no terreno alheio, fica com as plantações; para o dono, se tiver de boa-fé, tem direito a receber indenização e, neste caso, se faculta pedir a indenização, mas, com isto, o dono do solo passa pelo principio da acessão, adquirir essas acepções, inseridas por um terceiro de seu imóvel.

Na realidade, quer permitir que alguém seja proprietário do espaço aéreo, no sentido de utilização, na medida de sua utilidade, de que outrem possa ser proprietário do subsolo na medida da utilidade também, e que o dono - vamos chamar de originário ou não do imóvel - seja proprietário apenas da superfície, isto vem a significar que ele não perde o direito de propriedade, mas pela elasticidade que existe, profissionalmente no direito de propriedade, tem o conteúdo diminuído, principalmente o potencial construtivo, o que importa, sobremaneira, na cidade urbana, mediante as diretrizes de garantia do direito a cidades sustentáveis, entendidos como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento, etc.

Outro aspecto importante se refere à propriedade urbana, definida, de acordo com as leis municipais como propriedade urbana. A ela podem ser aplicadas regras relativas ao direito de superfície, o Estatuto da Cidade, a outro tipo de propriedade, e se teria que aplicar o Código Civil, quando ele entrara em vigor do modo como está.

Dentre as características do direito de superfície no Estatuto da Cidade, tem-se que é uma faculdade concedida ao proprietário urbano, sob forma solene também de constituição, através de escritura pública, que deve ser levada a Registro de Imóveis.

No Estatuto da Cidade, pode se estabelecer por prazo determinado ou indeterminado e, de fato, a questão da indeterminação do prazo pode ser problemática, sob o aspecto da importância de uma construção, porque também no Estatuto da Cidade não se pode imaginar, salvo o próprio uso, a hipótese de superfície com o objetivo de plantação. Isto porque, via de regra, a propriedade urbana imóvel se destina normalmente à construção, à exploração do potencial construtivo, e não de uma lavoura. Pode-se, até mesmo, admitir, mas não nos parece ser este o aspecto principal, o aspecto principal seria a construção.

E, ao se estabelecer um prazo indeterminado, na regra geral dos contratos, salvo se for eminente ao objeto da concessão, pode ser de forma gratuita ou onerosa e, neste sentido, o pagamento pode ser à vista ou parcelado. Neste caso, poderia ser pensão, ou semelhante ao foro, durante todo o tempo de duração ou o pagamento à vista no momento em que se celebra o contrato entre as partes.

O superficiário responde pelos tributos que incidem sobre o imóvel e que é transmissível por ato inter vivos ou mortis causa, testamento ou sucessão legítima, não sendo possível, conforme mencionado, a cobrança de algo semelhante ao laudêmio na transmissão inter vivos.

Assegura o direito de preferência tanto para o concedente quanto para o concessionário, permite a decisão, se o superficiário der destinação diversa daquela concedida então como se fosse uma afetação.

Não admite destruição do superficiário facultando, contudo, o estabelecimento de indenização. Para se construir uma riqueza, não se pode destruí-la, e de fato, nos parece que, hoje, a possibilidade de se destruir uma riqueza com a questão da função social deve ser examinada já com muito mais cautela, pois ninguém irá deixar de construir quatro andares para deixar o terreno vazio, porque, se existe um gabarito que permite construir um de dez, vai se procurar tirar a utilidade da coisa, e este aspecto deve ser considerado.

Extingue-se também por desapropriação, isso na regra do Código Civil e, neste sentido, o superficiário recebe somente a indenização respectiva, e o dono somente a indenização respectiva.

Permite a concessão para pessoa jurídica de direito público e de direito privado, e isto é interessante, embora deva-se observar o aspecto da subsidiariedade do Código Civil em relação ao Estatuto da Cidade, porque, neste caso, tem-se uma norma especial que cuida da propriedade urbana.

Chegando ao Estatuto, um dos aspectos que gostaríamos de salientar, é que não se pode esquecer as diretrizes gerais que mencionadas no artigo 20 do Estatuto.

É possível o estabelecimento de cláusula expressa, o que em parte já estaria previsto nos contratos bilaterais. Também se desfaz pela existência, no nosso sistema, da regra geral do 1.093 do Código Civil, que forma o contrato, e temos o prazo nesse sentido; assim sendo, o superficiário iria utilizar o solo, o subsolo e o espaço aéreo no tempo estabelecido pelo uso mas também ele perde.

O Código Civil português tem uma disciplina específica, no artigo 1.536, inciso 1, letra a: se for estabelecido prazo para que o superficiário utilize a coisa, faça plantação, faça edificação, o prazo é de dez anos. No silêncio do contrato, aplica-se a regra geral. Pela desapropriação, podemos imaginar a desapropriação no todo ou só da propriedade superficiária.

Mas, evidentemente para gerar a extinção, temos que abranger de forma global. Porque se só determinarmos a desapropriação, e não extinguir o direito do superficiário, significa que o poder público ou aquele que for desapropriar passa a serviço o superficiário, respeitando então a desapropriação completa para extinguir de um modo geral, e cabendo, a cada qual, a indenização respectiva: ao superficiário - pela propriedade superficiária, ao dono do solo pelo solo e subsolo também se tiver alguém deste modo.

Pelo abandono, que é uma regra geral, às vezes pouco utilizada na prática, tendo em vista o nosso Código Civil no 589, III, perde-se a propriedade imóvel. Então, é, também um direito real sobre imóvel, pois há a possibilidade de perder pelo abandono.

O novo Código regulou o direito de superfície a partir do artigo 1369 até o 1377. Devemos, então, analisar algumas características, pois, pelo novo Código, tem-se a superfície para construir ou plantar. São as duas hipóteses, e só se constitui por contrato solene, escritura pública, e só se admite a construção por prazo determinado. Neste caso, a hipótese de perpetuidade ou de indeterminação do prazo não é possível pelo Código Civil, não se inclui o subsolo, superfície primeiro pelo lado superficiário ou concessionário, que é aquele que recebe o direito de superfície, e a coisa que ele construiu, salvo o direito de superfície por cisão.

Esta visão foi identificada, nitidamente, como direito de propriedade, portanto, o superficiário, o concessionário tem sobre a coisa edificada, sobre a coisa levantada, ou para cima ou para baixo, no solo, no subsolo, no espaço aéreo, todas as características pertinentes.

E a relação entre o concessionário e o concedente, que seria o proprietário do solo, caminha para a noção de direito real sobre coisa alheia, de maneira que o concessionário poderia utilizar e ter o direito real tão forte como direito real sobre coisa de outrem, que é o solo ou subsolo.

Isso é importante e por isso acabou sendo caracterizado como direito real autônomo, temporário ou perpétuo porém transmissível, e vamos ver, também, esses detalhes no novo Código e no Estatuto. Ele pode se constituir de diversos modos, dentro dessa idéia de visão geral. O contrato, negócio jurídico, está previsto no Estatuto, no artigo 21, e no novo Código.

O artigo 21 do Estatuto assegura: o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície de terreno por tempo determinado ou indeterminado mediante escritura pública, registrada em cartório.

Portanto, a forma é solene, escritura pública como normalmente acontece com os imóveis lá com base na previsão geral do artigo 184 e 185 do Código Civil, que é da substância do ato.

O negócio jurídico - contrato através de escritura pública se constitui voluntariamente de direito de superfície. Mas também é admitido por testamento, onde o sujeito pode separar em legados e deixar o legado do espaço aéreo para alguém, o subsolo para outrem e do solo para terceiro. Porque se ele deixar o imóvel para um só não existe discussão de direito de superfície, mas somente se discute no momento em que se permite esse fracionamento, essa separação do espaço aéreo do solo e do subsolo.

Neste caso, o sujeito do testamento pode constituir o direito de superfície, deixando o espaço aéreo para exploração de um indivíduo, deixando o subsolo para exploração de outro, e anulando a propriedade, semelhante ao que acontece com o usufruto e também na enfiteuse para outro.

Este aspecto é muito importante pois, em princípio, pode parecer que o sujeito que goza da superfície e ostenta necessariamente uma construção para cima ou para baixo ou uma construção, fica completamente despido mas, na verdade, vê-se que esse direito, mesmo representado apenas pela superfície, é importante e tem conteúdo econômico, por usucapião, o que se configura como uma situação relativamente pacífica, dependendo da colocação.

Posto isto, pode-se falar em usucapião especial do imóvel urbano. A lei fala em vários usucapião especial de imóvel urbano, porque em latim o termo é definido no feminino, mas na língua portuguesa nos permite as duas formas: no masculino ou feminino. Mas nesse contexto, surgirá diversas vezes no masculino, devido à forma de expressão.

O Estatuto repetiu a norma da CF que já conhecemos bem, portanto, vamos apenas focalizar o sujeito que possui como área sua, o solo urbano de 250 m2, por cinco anos ininterruptamente, sem oposição, utilizando para sua moradia ou de sua família, adquirindo o domínio deste, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. É o famoso usucapião, conhecido como usucapião "pro moradia".

Essa regra é diferente da CF apenas porque fala nas áreas urbanas, porque na lei, o legislador preferiu dizer área ou edificação urbana, e quis apenas deixar claro que imóvel edificado pode ser para usucapião, mas nos parecia até desnecessário, pois se serve de moradia tem que ter um lugar para se morar, então efetivamente o imóvel já está construído, se não há o usucapião "pro moradia." Isso é apenas uma manifestação da regra da CF.

Porém, nos parece um cochilo do legislador - e nos atrevemos eu me atrevo a afirmar ser até mesmo inconstitucional essa norma -, porque ela suprime o direito de herança, pois a posse é um direito que está no patrimônio da pessoa.

Assim, uma lei infraconstitucional não pode suprimir o direito do herdeiro de assumir e obter por sucessão a posse da pessoa, do autor da herança. Portanto, parece que essa regra vista sob este aspecto, seja inconstitucional.

A novidade quanto ao usucapião é o chamado usucapião punitiva, esta é a grande inovação. Como é de conhecimento de todos, temos várias áreas ocupadas, onde se localizam as chamadas favelas. Estas áreas possuem, portanto, como se conhece bem, por serem grandes áreas, mais de 250 m2, logo, podem ser adquiridas por usucapião.

O que fez o legislador, sabiamente? Possibilitou que a área, como um todo, fosse adquirida por todas as pessoas que ocupam essa área coletivamente, criando assim, o usucapião num condomínio entre esses habitantes, possibilitando que haja a regu1arização da situação dessas pessoas em relação a esse bem imóvel.

Satisfeitos os requisitos, veremos que o usucapião será julgado procedente para o fim de deferir a cada morador daquela comunidade uma fração ideal de propriedade daquele imóvel por inteiro, que é uma solução bastante inteligente da lei, para dar título a essas pessoas, mesmo porque, essa fração ideal está registrada no RGI, e poderá, inclusive, alienar essa fração de imóvel e será um patrimônio que ele tem e será também um objeto de sucessão.

Parece-nos um Instituto importantíssimo e que veio em muito boa hora, para ajudar a regularização dessas ocupações e áreas em que a pessoa não consegue obter o título hábil a legitimar essas ocupações

Houve autores que consideraram como duvidosa a inconstitucionalidade. Portanto, não conseguimos ver aonde fere o direito de propriedade, o fato de se deferir o usucapião a uma coletividade de pessoas.

Sobre a usucapião coletiva, incide a discussão sobre a função social da propriedade, sendo necessária uma avaliação bastante acurada por parte do Poder Público para se definir e delimitar o uso e a posse coletiva de determinado espaço urbano. Sobre este último tema, será objeto de muitas dúvidas e discussões, no futuro, mas não se pode abstrair o fato de, com a crescente favelização em grandes cidades, serem necessárias medidas para solucionar a moradia de hipossuficientes.

A usucapião especial foi inicialmente prevista na Lei nº 6.969/81 e confirmada para as áreas urbanas através do art. 183 da Constituição Federal. Outrossim, os prazos para a usucapião deve atender a alguns requisitos básicos, tais como: a área máxima de até 250 m2; a impossibilidade do morador ser proprietário de outro imóvel, e a finalidade, pois o imóvel deve, imperiosamente, ser destinado à moradia.

A usucapião coletiva traz à luz algumas discussões. Em primeiro lugar, são inúmeras as dificuldades em ser comprovada, pois são exigidos diversos documentos que nem sempre são accessíveis aos usucapientes. Em segundo lugar, é medida de rito sumário, prevendo o Estatuto da Cidade a justiça e a assistência judiciária gratuitas.

Entretanto, o cerne das discussões refere-se aos moradores de loteamentos clandestinos ou irregulares, que não conseguem registrar seus títulos de compras no Registro Geral de Imóveis por inexistência de PAL na Prefeitura. Esta somente permite o registro quando a situação do imóvel fica regularizada, o que se torna um impasse para o morador destas áreas.O usucapião em si, já é um ou é um direito previsto e resguardado. Se o proprietário do imóvel - se estão preenchidos os requisitos que a lei prevê -, já perdeu a propriedade, por força do Instituto de ser coletivo, mas por força do usucapião, pode ser um Instituto funcional, portanto, obter a propriedade de forma uma forma coletiva, ou uma forma individual, e isto não irá fazer diferença, para efeito da constitucionalidade do Instituto.

Assim, os requisitos legais são: não ter mais de 250 m2, o que vai ao encontro da população de baixa renda, e aí não temos um conceito jurídico indeterminado sobre o que é população de baixa renda, é algo que é razoavelmente fácil de se definir.

Outro requisito é o fim de moradia, ou seja, o objetivo, essa posse só pode ser com o fim de moradia. Neste caso, devemos fazer uma crítica em relação a essa norma, porque é comum de se ver, nesses aglomerados urbanos, nessas favelas, a pré-existência de imóveis para fim de moradia, e imóveis para pequenas atividades comerciais ou artesanais, e tantos muitos outros.

Entretanto, parece-nos um absurdo definir o usucapião de quem mora ali e não definir o usucapião do sujeito que trabalha, que tem sua oficina ou o bar, e entendemos que, neste aspecto, o legislador cochilou também, porque deveria ser fins de moradia ou fins de atividade econômica. Não há porque restringir a moradia, e vamos ter dificuldade em julgar procedente ações de usucapião coletivo, que sempre vai ter um percentual dos moradores que exerce atividade econômica, logo, não há porque ressalvar isso. No entanto, o legislador poderia ter previsto de uma forma diferente.

Outro requisito é o da impossibilidade de identificação dos terrenos ocupados por cada possuidor. Aqui também, comporta uma crítica: por que só um pode utilizar, quando seria possível identificar cada um dos terrenos? Se temos uma favela organizada, se temos condições de fazer uma planta definindo aonde está a posse de cada um, podemos, portanto, fazer aí, também, o usucapião coletivo. Não dá para dar fração ideal, mas dando propriedade a cada um, de qualquer forma a Associação dos Moradores pode propor ação de usucapião, como substituto processual de cada um dos posseiros.

Para facilitar, se teria o usucapião coletivo, mas com outorga a cada possuidor de propriedade individual, assim o facilitaria para a pessoas que tem dificuldade de acesso ao judiciário, isto, facilitaria a possibilidade deles resolverem a propriedade dos terrenos que eles ocupam.

Outro requisito é: os possuidores não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural, o que consideramos um requisito exagerado, impossível de verificação, no caso, concreto. Se o indivíduo reside ali há mais de cinco anos efetivamente, é muito pouco provável que ele seja proprietário de outro terreno. Isto é um requisito absurdo, para o sujeito provar que não possui outra propriedade, pois é evidente que, se ele tivesse outra propriedade, não estaria ali brigando pela posse de uma terra na favela.

É importante, nos parece, o parágrafo terceiro do art. 10º, onde a cada possuidor é atribuída igual fração de terreno, independentemente da ocupação efetiva.

Por isso, o legislador, sabiamente, disse que a fração ideal vai ser igual para todos, não interessa quanto cada um cultivou, ou melhorou o terreno, salvo se ainda existir a possibilidade de chegarem a um acordo. Se todos concordarem e assinarem um documento dizendo aonde as frações ideais são diferenciadas, não há dificuldade nenhuma.

Esse condomínio pela lei é indivisível, é um condomínio especial, possui características do condomínio do Código Civil e é essa a característica da Lei do condomínio e incorporações - é a indivisibilidade. Qualquer condômino a qualquer momento tem direito potestativo de exigir a divisão do bem com a venda da coisa comum.

No condomínio especial, as regras a serem aplicadas em relação a administração e outros aspectos vão ser as regras do Código Civil, de condomínio indivisível, salvo na hipótese de haver execução de uma urbanização posterior nesta área e, ainda assim temos que, na urbanização, os condôminos têem de deliberar favoravelmente à extinção do condomínio, por um quorum de 2/3 de aprovação.

Imaginemos, sob este aspecto, uma área favelizada, sem logradouro público. Tudo isso faz com que seja esse condomínio indivisível, porque se dividir, não se terá imóvel, certamente, mas vão ser criados grandes problemas com relação ao uso dessa propriedade.

Essa ação de usucapião especial urbano pode ser proposta pela Associação de Moradores da comunidade como substituto processual, o que é uma legitimação extraordinária, regularmente constituída.

Possuiu personalidade jurídica, mas para a propositura dessa ação, a Lei exige que, haja uma Assembléia onde seja aprovada pelos associados a propositura da ação, havendo manifestação expressa dos associados no sentido de se propor à ação, mesmo para toda ação de usucapião envolve um risco da ação que pode ser julgada improcedente e causar mais problemas do que trazer soluções.

Essa ação tem o benefício da gratuidade de justiça, o acesso ao judiciário gratuito, e também, o Registro de imóveis gratuito, medidas importantíssimas.

Não se pode falar no usucapião da Lei do Estatuto da Cidade sem falar no novo projeto do Código Civil, que está surgindo, porque no geral não se mudou muito no novo projeto, quanto à questão da posse nem do usucapião, ficando mais ou mesmo o que há hoje em dia.

Há uma regra no Código Civil novo bastante interessante, que trata justamente da mesma situação que trata o Estatuto da Cidade mas de uma forma diferente, que é a regra do § 4 º do art. 1.229 do projeto.

Essa regra diz o seguinte: se um número considerado de pessoas ocupar uma área extensa com posse ininterrupta e de boa fé, e se esse conjunto de pessoas realizou obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico, relevante por mais de cinco anos, essas pessoas podem obter a propriedade desse bem de uma forma diferente, o juiz fixa uma indenização ao proprietário. Isso quer dizer, as determinações do Código Civil novo são muito diferentes e, mesmo, um retrocesso, em relação ao instituído pelo Estatuto da Cidade.

Portanto, tem-se uma Lei Ordinária anterior que vai dar usucapião e tem-se uma Lei Ordinária posterior que, na mesma situação diz que os proprietários obterão quase que uma desapropriação privada com pagamento de indenização reduzida por força de levar em consideração a perda da posse, da benfeitoria etc.

Veremos, desta forma, uma coexistência desses dois Institutos. Entretanto, entendemos que o Estatuto prevalecerá, e o outro deverá ser usado apenas para áreas rurais e não para áreas urbanas.

A área rural é importante, porque trata daquela que é invadida. O juiz irá fixar na sentença, quanto o proprietário tem efetivamente a receber, levando em consideração que ele não tem mais a posse daquela área, é uma área que está perdida, e já fizeram nelas benfeitorias etc. No mais, o Código Civil não mudou muito a questão do usucapião.

O segundo Instituto é o da preferência e o da preempção, regulada no art. 21 da Lei. O que é Instituto da preferência? Segundo ele, é dado ao Poder Público Municipal o direito de preferência na aquisição de imóveis que tenham sido objeto de alienação onerosa, por parte do seu proprietário em áreas definidas especialmente numa lei especial para tal fim.

Qual o direito que dá a esse Instituto novo? O Município delimita que a área qie necessita para assentamento de população de baixa renda. Edita uma lei afirmando tal intenção e qualquer pessoa que alienar a sua propriedade terá que dar preferência ao Município.

Quando o proprietário quer vender a área, dá um preço para o eventual comprador e o Município tem o direito de exercer a preferência. Se o Município tiver efetivamente, interesse, adquire do comprador. O Instituto procura evitar a desapropriação, e o Poder Público exerce o seu direito de preferência.

A regra do art. 25 fala em preferência e alienação onerosa, o que gera uma questão específica, a permuta e como exercer direito de preferência de permuta e alienação onerosa. O direito de preferência, normalmente excetua a permuta, fala que é caso de compra e venda.

Não sabemos como resolveríamos um caso de alienação onerosa por permuta, com a fixação do preço e das condições de pagamento, em que não há preço específico. O indivíduo que trocar esse imóvel por um outro especifico só quer alienar o bem dele se obtiver outro de volta; ele não quer dinheiro, quer outro bem. Neste caso, devemos aguardar ainda para saber como a jurisprudência e a doutrina vão se encaminhar sobre isso.

O plano diretor fala em criar uma lei especifica para isso, delimitando as áreas onde vão ser exercidos esses direitos. Essa lei pode criar uma preferência com prazo não superior a cinco anos e diz que, depois, só pode ser renovado esse mesmo direito, passado um ano, dos 5 anos estabelecidos.

Pensando sobre lidis legislatoris, lide legis, ocorre-nos que, para possibilitar a espera dos cinco anos para realizar a venda do imóvel para quem bem entender e sem ser obrigado a dar o direito de preferência, é uma questão a ser analisada.

O fato de não ter vencido na primeira não quer dizer que não possa vencer numa segunda oportunidade. E a lei especifica as hipóteses, não só a hipótese de criar esse direito de preempção num determinado local do Município, numa determinada área, devendo o Município dizer o objetivo, mas também recordar da ação fundiária, se é ordenamento e direcionamento da expansão urbana.

Em relação ao Município, deve haver um comprometimento da área com a destinação que a lei tenha dado à ela. A questão que fica é se o Município exerce o direito de preferência, compra a área e não a usa dentro de nenhuma daquelas formas, daqueles objetivos os quais a lei especificou.

Não há no Estatuto da Cidade sanção para isso, cabe retrocessão, como no caso da desapropriação? É uma dúvida que vai surgir, ou seja, não se definiu, ainda, se devolve, e se o sujeito pode obter de volta, mas a retrocessão não é um Instituto cabível, porque quem vende o imóvel, deseja mesmo fazê-lo, não importa se vendeu para um particular ou para o Município. Quem comprou o imóvel não é, e nem nunca foi proprietário de nada. Na verdade, não se pode retroceder a uma situação anterior. Então, a retrocessão nos parece ser um Instituto possível, nesta hipótese.

Realmente há dúvidas, talvez, se pudesse a pessoa que vendeu ou a pessoa que pretendia adquirir perdas e danos, ter uma outra sanção que não essa. Mas pode ter sanção de caráter administrativo para o Administrador Público, porém, na lei não há nenhuma específica.

Então, como se operacionaliza isso? O indivíduo quer vender, recebe uma proposta de compra, notifica o Município, que no prazo de 30 dias, diz se quer ou não quer comprar no mesmo preço e nas mesmas condições da proposta. Caso ele aceite, o Município publica no Diário Oficial - porque tem que dar publicidade ao ato - a oferta que foi feita e aceitação da oferta.

Entretanto, no parágrafo seguinte tem uma outra sanção para isso, complementando a primeira, no caso do Município querer exercer o direito da preferência. Mas a regra diz o seguinte: que o Município pode adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculos do IPTU ou pelo valor indicado na proposta apresentada.

Essa regra, nos parece inconstitucional sob esse aspecto - quem puder adquirir tem o valor da base de cálculo do IPTU - porque isso vai gerar, parcialmente, uma sanção de bem. Se o imóvel vale 100, e pelo IPTU está valendo 60, o indivíduo é obrigado a vender por 60, quando o imóvel vale 100 e, assim, está perdendo o direito de propriedade sobre 40% do imóvel dele. Particularmente, entendemos ser inconstitucional essa norma, pois gera inclusive enriquecimento sem causa.

O Município está criando aqui uma sanção que não sabemos ser ou não adequada. E, por fim, com relação a esse aspecto apenas, o Estatuto tem também uma sanção de improbidade administrativa, explicitado no art. 52, VIII, em que se afirma: se ele adquirir o imóvel que tiver direito de preempção, pelo valor da proposta apresentada, desde que for comprovadamente superior ao de mercado. O objetivo do legislador é evitar fraude, mas isto pode gerar um acordo para elevar o preço, e assim, o Município poderá, conforme acordado, o direito de preferência.

Ao falar do último Instituto, que é o da transferência do direito de construir, que está previsto no art. 35 da Lei, encontramos algumas perplexidades.

É a chamada também de operação urbana interligada. Se o proprietário possui um imóvel considerado necessário para fins de implantação de equipamentos urbanos e comunitários, preservação de interesse histórico, paisagístico, cultura, ocupação de áreas por população de baixa renda, neste casos, o proprietário, sofrendo uma restrição com relação ao uso, a propriedade, pode obter do Poder Público, o direito de construir em outro local ou alienar o seu direito de construir para outra pessoa.

Esse Instituto no nosso entendimento, só faz sentido com a coexistência do outro Estatuto, que é o do solo criado.

Tem-se, num determinado terreno, um gabarito máximo, que não pode ser ultrapassado: isso é um problema da cidade, quando se cria uma quota dentro da qual ele pode construir, e se quiser construir acima dessa quota até o limite do gabarito, pagará por isso. Isso é um instrumento de socialização da propriedade.

O importante, nesse Instituto, é que enquadrou ele mesmo construir, obter esse crédito, e isso é muito bom. Esse Instituto deve ser compatibilizado, também, com o tombamento. É necessário preservar, mas deve-se dar alguma coisa em troca. O Município faz isto nas hipóteses em que interessa a ele preservar a área, mas caso o imóvel não apresente uma característica que justifique o tombamento – haja vista o tombamento precisar ser, efetivamente de interesse histórico -, o proprietário pode dizer que estão esvaziando a propriedade dele.

O imóvel que está no meio do caminho, que não é suficiente para o tombamento, mas interessa ao Município mantê-lo ali por algum motivo que considere importante, abre espaço para uma negociação. Neste acordo entre o Município e o proprietário, se poderá oferecer uma quantia para dar o direito de construir desde que não altere o imóvel em questão, por exemplo, ou criar uma lei especial para aquele imóvel, e ele não pode ser mais utilizado.

Parece-nos que isso resolve também os problemas de direito ambiental, pois quando se queria fazer uma intervenção ambiental, ao invés de desapropriar, proíbe-se o proprietário de usar aquela determinada parcela do solo, pois tem interesse ambiental.

Às vezes, envolve também intervenção o direito de propriedade. O sujeito entra com uma ação dizendo que ocorre, na verdade, uma desapropriação. Para evitar essa discussão, pode o Município desembolsar dinheiro, atendendo ao que proprietário, mas tem-se, também, instrumentos bons para regular melhor a ocupação, o objetivo de todo o Estatuto.

Entendemos ser um instrumento que pode ser usado para beneficiar uns aos outros ou para tentar melhorar a situação das cidades brasileiras: tudo vai depender da sociedade.

No nosso sistema jurídico, ainda estávamos com uma legislação sobre propriedade, sobre uso dessa propriedade calçada nos parâmetros funcionais anteriores à CF/88, e nos parâmetros funcionais anteriores a esse evento inovador da propriedade efetivamente com a função social.

No entanto, tínhamos uma Constituição que preservava e valorizava a questão da função social, da propriedade e determinava que essa propriedade efetivamente fosse utilizada em tanto quanto possível em prol do bem comum, mas a legislação infraconstitucional não dava os instrumentos necessários para que a cidade, ou melhor dizendo, para que o Poder Público pudesse dar efetividade a essas obras constitucionais.

É preciso chamar atenção sobre o Estatuto. A regra do parágrafo único do art. 1º, uma regra de caráter teleológico, informa como deve ser examinado, como dever ser lido e como devem ser aplicadas todas as regras que estão nesse Estatuto.

Essa regra usa a propriedade urbana visando o bem coletivo, a segurança, o bem-estar da cidade e o equilíbrio ambiental. Entretanto, isso não é uma simples regra para a lei. Isso é uma diretriz interpretativa de toda a lei, de todo o Estatuto da Cidade.

Tem que ser visto como um todo, deve tentar fugir da tentação de pegar cada Instituto desse e tratar como uma coisa só. Deve ser interpretado como um todo e sempre usando os objetivos que a própria lei definiu expressamente.


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MADEIRA, José Maria Pinheiro. Estatuto da Cidade. Considerações introdutórias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3434. Acesso em: 26 abr. 2024.