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A Convenção de tortura: caso Hissène Habré e o Direito Internacional

A Convenção de tortura: caso Hissène Habré e o Direito Internacional

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Este artigo aborda a Convenção de Tortura das Nações Unidas, sua criação, focando especificamente o caso do Pinochet da África, Hissène Habré, homem que em menos de uma década dizimou mais de quarenta mil compatriotas, através da tortura.

RESUMO: Este artigo aborda a Convenção de Tortura das Nações Unidas, sua criação, focando especificamente o caso do Pinochet da África, Hissène Habré, homem que em menos de uma década dizimou mais de quarenta mil compatriotas, utilizando-se para tal da prática da tortura, sendo exposto o desejo da Bélgica em extraditá-lo do Senegal, país que o acolheu, que apesar de signatário da Convenção de Tortura da ONU ficou inerte em não proceder ao julgamento de Habré, levando a que a Corte Internacional de Justiça, por ação da Bélgica, se manifestasse sobre tal situação.

PALAVRAS-CHAVE: Convenção de Tortura da ONU - Hissène Habré - Direito Internacional – 0NU.

ABSTRACT: ABSTRACT: This article addresses the Torture Convention of the United Nations, its creation, focusing specifically on the case of Pinochet Africa, Hissène Habré, man who in less than a decade wiped out more than forty thousand compatriots, using for that the practice of torture, being exposed to the desire of Belgium in extraditing him from Senegal, a country that welcomed him, that although a signatory to the UN torture Convention was not inert Habré to trial, leading to the International Court of Justice by action of Belgium, is manifest on such a situation.

KEYWORDS: UN Torture Convention - Hissène Habré - International law - UN.

SUMÁRIO: Introdução; 1 – Embasamento Histórico; 2 – Convenção de Tortura das Nações Unidas; 3 – Ações das vítimas; 4 – O julgamento perante a Corte Internacional de Justiça; 5 – A manifestação da Corte Internacional de Justiça; 6 – O voto em separado do juiz Cançado Trindade; Considerações Finais; Referencias Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

A Convenção de Tortura da ONU, de 10 de dezembro de 1084 teve por objeto sanear e inibir a ocorrência de fatos tão obscuros de nossa sociedade civilizada, ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, onde foram ceifadas milhões de vidas humanas através da pratica da tortura, sendo que o Brasil veio a ratificar tal Convenção em 1989, mas percebemos nos noticiários em todo mundo a persistência da ocorrência de tais atos.

Este artigo apresentará as barbáries praticadas por Hissène Habré no período em que este a frente do governo do Chade, tentando apresentar o seu roteiro criminoso.

Na segunda parte do artigo será apresentado um pequeno histórico do caminho percorrido até a elaboração da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

O terceiro capítulo será focado na ação da vítimas e seus familiares, visando que os crimes de Hissène Habré não fiquem impunes.

O quarto capítulo aborda o julgamento do pedido de extradição de Hissène Habré, feito pela Bélgica junto a Corte Internacional de Justiça e o seu desfecho.

O quinto capítulo trata da manifestação da Corte Internacional de Justiça ante ao pedido da Bélgica e os argumentos apresentados pelo Senegal para explicar a não realização do julgamento de Hissène Habré.

O capítulo seguinte traz o voto de Cançado Trindade que fica temeroso de que as vítimas e seus familiares não assistam ao julgamento de seu algoz, frisando o juiz, em seu voto, que o tempo dos seres humanos certamente não parece ser o tempo da justiça humana.

Por derradeiro temos as considerações finais, onde são delineados as possíveis soluções para o impasse reinante ante a Bélgica que quer a extradição de Hissène Habré, em face da inércia de Senegal, calcado aquele no brocardo de Hugo Grotius, aut dedere aut judicare.


1 - EMBASAMENTO HISTÓRICO

O presente artigo tem por objeto a apresentação de uma decisão proferida pela Corte Internacional de Justiça, no ano de 2009, onde o agente provocador foi a Bélgica, que tentava conduzir ao Tribunal o presidente do Chade, Hissène Habré pela prática de crimes punidos pela Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura de 1984, tratado de direitos humanos que incorpora o princípio da jurisdição universal. 

Hissène Habré, conhecido como “Pinochet da África”, foi presidente do Chade no período de 1982-1990, quando, por um golpe, foi sucedido pelo presidente Idriss Déby, que nunca tentou extraditar Habré do Senegal, local onde se refugiou, ou tomar medidas legais contra os seus cúmplices que permaneceram no Chade.

Conforme documentado no Relatório da Comissão da Verdade do Chade, de 7 de maio de 1992, que abrangeu o período do regime (de 7 de junho de 1982 a 1º de dezembro de 1990), o ex-presidente Hissène Habré cometeu crimes sistematicamente contra a integridade física e mental das pessoas e seus bens durante o período acima referido. Determinou a morte de mais de 40 mil pessoas, resultando em mais de 80 mil órfãos, mais de 54 mil pessoas foram detidas arbitrariamente e 200 mil pessoas ficaram destituídas e privadas de apoio moral e material. A Comissão deixou claro que este foi o resultado de um padrão sistemático de ações fruto de detenções arbitrárias, de tortura, de condições subumanas durante as detenções sumárias ou arbitrárias ou extrajudiciais, massacres sucessivos ou execuções em massa, ocultação dos restos mortais, destruição de aldeias, perseguições, expulsões forçadas e pilhagens, adotando uma ditadura violenta, na qual por várias vezes promoveu violações aos direitos humanos. Foi considerado um dos mais violentos ditadores da história da África, tendo perseguido membros de quase todas as 200 etnias do país. No auge da ditadura, Habré cimentou uma grande piscina construída pelos colonizadores franceses e fez dela um centro de torturas[2].

O relatório ainda investigou o desvio de fundos públicos e concluiu que o regime de Habré deliberadamente aterrorizou a população, sendo tal atividade exercida pela polícia política, denominada de Direção de Documentação e Segurança (DDS) e pelo Serviço de Investigação Presidencial (SIP). A DDS, no início dos anos 1980, matou centenas de pessoas no episódio conhecido como “Setembro Negro”. A Comissão acrescentou que a comunicação entre o DDS e o presidente era direta, sem intermediários. O Estado-político, idealizado, ao mais alto nível do Executivo, de acordo com a Comissão da Verdade, foi realizado com predisposição à crueldade e ao desprezo pela vida humana. As execuções foram diretamente ligadas ao Presidente e os objetos recolhidos pela pilhagem foram levados diretamente para o escritório do Presidente.

Em suma, o regime de Habré, de acordo com a Comissão da Verdade do Chade, levou um reinado de oito anos de terror ao país, com pessoas que choram seus mortos em impotência completa, numa distorção abominável dos fins do Estado, e com a impunidade para tais crimes vigentes até hoje. O relatório da Comissão da Verdade do Chade foi apenas o início da saga das vítimas das atrocidades cometidas durante o regime de Habré no Chade. Sua busca por justiça tem seguido um longo caminho, tanto em nível nacional como internacional. 


2 – CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE TORTURA

Com o termino da Segunda Guerra Mundial houve uma preocupação, por parte da Organização das Nações Unidas, objetivando a eliminação da tortura na sociedade mundial, sendo tal preocupação delineada no artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Mas foi através da Resolução 39/46, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1984 que foi promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Tal dispositivo tem amparo na Carta da ONU, especialmente em seu artigo 55, de promover o respeito universal e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, levando, também, em conta o artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o artigo 7º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que estabelecem que ninguém será submetido à tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, Levando também em consideração a Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembléia Geral em 9 de dezembro de 1975. Tentou a Assembléia tornar mais eficaz a luta contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes em todo o mundo. A Convenção foi ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de [1989]{C}[3].

A definição de tortura pode ser encontrada no próprio corpo da Convenção, em seu artigo 1º:

Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de Ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram. O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo.

A Convenção contra a Tortura (CT) materializa o entendimento a nível internacional de que a tortura ocorrida no Estado, através de seus funcionários civis, policiais, militares ou pela ação do próprio governo, sendo tal prática comum em determinados Estados, tendo conseqüências sinistras, cruéis e graves, devendo ser reprimida por leis nacionais, com maior rigor e de forma mais efetiva por todos os Estados que ratificaram ou aderiram a esta Convenção.

O artigo 2º da CT insta aos Estados a programarem todas as medidas necessárias objetivando inibir a prática de atos de tortura em seus respectivos territórios não dando margem a alegação de situações excepcionais como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência, como justificação para tortura[4]{C}.

Conforme salientado pelo Protocolo Facultativo à Convenção da ONU sobre Tortura[5]{C} o artigo 1º apresenta três elementos fundamentais na definição da tortura como crime:

a) deve haver dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais;

b) as dores ou sofrimentos devem ser infligidos com um propósito ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; e

c) as dores ou sofrimentos devem ser infligidos por ou sob instigação de, ou com o consentimento ou aquiescência, de um funcionário público ou uma pessoa no exercício de funções públicas.

Muitos instrumentos nos âmbitos internacionais e regionais contêm definições alternativas de tortura. Entretanto, os três atributos acima elencados são comuns às três definições. O enfoque aceito sob o direito internacional tem buscado evitar a enunciação exaustiva de atos que podem ser considerados como característicos de tortura, devido à preocupação de que tal lista possa ser limitada em seu escopo e, portanto, falhe ao não responder adequadamente ao desenvolvimento tecnológico e dos valores das sociedades[6].

No estudo em analise, neste artigo, temos como foco a atuação de Hissène Habré no seu governo como sendo um ato de tortura imposto a população civil de seu país e a reação das vítimas a impunidade das autoridades ao caso. 


3 - AÇÕES DAS VÍTIMAS

Este regime não seria conhecido pelo mundo, se um grupo de sobreviventes, mesmo sem nunca ter vivido um período democrático e sem conhecimento do Direito, não tivesse se unido para fazer o ditador pagar por seus crimes. Em 1999 eles formaram a Associação de Vítimas de Crimes e Repressões Políticas no Chade e procuraram a associação de direitos humanos Humans Rights Watch, sediada nos EUA, tendo o advogado Reed Brody decidido ajudá-los. Iniciou-se então, uma campanha internacional para julgar Habré. As vítimas, em parceria com organizações internacionais, iniciaram um caso contra Habré no Senegal, país signatário da Convenção contra Tortura, desde 1987, que, por este tratado, os países são obrigados a julgar ou extraditar torturadores que se encontram em seu território.

Em 25 de janeiro de 2000, em um juízo de instrução realizado em Dakar, foi feita uma reclamação por Suleymane Bale Guengueng e sete outros peticionários contra Habré, por crimes contra a humanidade, tortura, atos bárbaros, discriminação, assassinatos e desaparecimentos forçados. Ocasião em que os oito peticionários alegaram terem sido vítimas de crimes contra a humanidade e atos de tortura no Chade, entre junho de 1982 e dezembro 1990. Mas o processo foi arquivado na mesma data.

Em julho, do mesmo ano, o Senegal declarou-se incompetente para julgar Habré, sob o fundamento de que seu código penal não havia se adaptado às obrigações da Convenção contra Tortura e que assim não poderia julgar um presidente de outro país. Esta decisão foi confirmada pela mais alta corte senegalesa.

Com a intervenção do Secretário Geral da ONU, à época, o presidente do Senegal, Abdullah Wade, concordou em manter Hissène Habré sob custódia, sendo esta a terceira vez que o país se comprometera a levá-lo a julgamento. Habré foi preso em Dakar em 2005[7].

Em seguida, a Bélgica pediu a extradição de Habré, baseada em sua lei de jurisdição universal, o acusando de crimes contra a humanidade, sob o fundamento de que existiam vítimas do Regime Habré, sendo alguns com cidadania belga. Em setembro de 2005, a Bélgica expediu mandado de prisão contra Habré, solicitando sua extradição do Senegal. Em novembro do mesmo ano, a corte de cassação em Dakar, alegando que Habré como antigo chefe de Estado possuía imunidades, recusou-se a enviar o ditador à Bélgica.

O Senegal pediu que a União Africana decidisse o que deveria ser feito no caso Habré. A União Africana, em janeiro de 2006, criou uma Comissão de Notáveis Juristas Africanos para examiná-lo (Decisão 103 [VI]). No seu relatório à Assembleia de Chefes de Estado e de Governo da União Africana (2006), a Comissão, em julho de 2006, recomendou ao Senegal para processar e garantir que Hissène Habré fosse julgado, em nome da África, por um tribunal competente senegalês com garantias de um julgamento justo.

Em janeiro de 2007, o parlamento senegalês alterou o código penal para incluir os crimes contra humanidade em seu rol, abrindo uma porta para um possível julgamento de Habré. Mas no final de 2008, alegando falta de verba, não iniciou o processo, com custo estimado em 28 milhões de euros. Após muita pressão internacional, os EUA e a União Europeia concordaram em subsidiar o julgamento.

Em janeiro de 2008, a União Europeia enviou uma missão de experts ao Senegal para estudar a melhor forma de dar assistência técnica e financeira para a organização do processo, o primeiro em que um país em desenvolvimento julgará um presidente de outra nação por atos cometidos fora de seu território. Em 15 de agosto de 2008, um tribunal em N'Djamena, no Chade, julgou à revelia Hissène Habré a pena de morte por crimes contra a humanidade.

A Comunidade Econômica dos Estados do Oeste Africano (ECOWAS) é favorável a criação de um tribunal especial para julgar Habré, o qual, segundo o presidente do Senegal, se tornou um fardo muito pesado a ser carregado, compartilhando também da visão da ECOWAS, quanto à criação de um tribunal para o julgamento do antigo ditador.


4 - O JULGAMENTO PERANTE A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA

Em fevereiro de 2009, a Bélgica apresentou um pedido à Corte Internacional de Justiça (CIJ), no sentido de que Habré fosse julgado no Senegal, caso não o fosse deveria ser extraditado para o país solicitante do pedido, com base no brocardo de Grotius: aut dedere aut judicare, com suas partes principais, no seguinte teor:

- la Cour est compétente pour connaître du différend qui oppose le Royaume de Belgique à la République du Sénégal en ce qui concerne le respect par le Sénégal de son obligation de poursuivre M. H. Habré ou de l’extrader vers la Belgique aux fins de poursuites pénales ;

- la demande belge est recevable ;

- la République du Sénégal est obligée de poursuivre pénalement M. H. Habré pour des faits qualifiés notamment de crimes de torture et de crimes contre l’humanité qui lui sont imputés en tant qu’auteur, coauteur ou complice ;

- à défaut de poursuivre M. H. Habré, la République du Sénégal est obligée de l’extrader vers le Royaume de Belgique pour qu’il réponde de ces crimes devant La justice belge [...][8].

            No mesmo período, a Bélgica adicionou um pedido original à CIJ, para esta proceder à indicação de medidas provisórias, conforme preceituado no artigo 41 do Estatuto do Tribunal e nos artigos 73 a 75 do seu Regulamento, baseando tal pleito em notícias veiculadas na Rádio França Internacional, de uma entrevista do presidente do Senegal, Abdullah Wade, na qual afirmava que a prisão domiciliar de Hissène Habré poderia ser interrompida em função de não haver orçamento para promover o julgamento do ex-presidente do Chade, o que ocasionaria uma possível fuga de Habré do Senegal. Desta forma, fugiria da ação da Justiça e causaria um prejuízo irreparável ao Direito sob a lei internacional para a Bélgica no exercício da acusação criminal contra ele. Isso também violaria a obrigação do Senegal de processar Habré por crimes de Direito Internacional que lhe eram imputados, conforme descrição da decisão da CIJ, diante do pedido belga, como se segue:

[…] 11. Considérant que, le 19 février 2009, après avoir déposé sa requête, la Belgique a presente une demande en indication de mesures conservatoires en se référant à l’article 41 du Statut de La Cour et aux articles 73 à 75 de son Règlement;

12. Considérant que, dans sa demande en indication de mesures conservatoires, la Belgique renvoie aux bases de compétence de la Cour invoquées dans sa requête (voir paragraphe 2 ci-dessus);

13. Considérant que, dans cette demande en indication de mesures conservatoires, la Belgique expose qu’«[a]ctuellement, M. H. Habré est en résidence surveillée à Dakar, mais [qu’]il ressort d’un entretien donné par le président sénégalais, Abdullah Wade, à Radio France Internationale, que le Sénégal pourrait mettre fin à cette mise en résidence surveillée s’il ne trouve pas le budget qu’il estime nécessaire à l’organisation du procès de M. H. Habré» ;et que, selon la Belgique, dans cette hypothèse, il serait facile pour M. Habré de quitter le Sénégal et de se soustraire à toute poursuite;

14. Considérant que, dans ladite demande en indication de mesures conservatoires, la Belgique fait valoir que, si M. Habré devait quitter le territoire sénégalais, cela porterait un préjudice irréparable au droit que le droit international confère à la Belgique d’exercer des poursuites pénales contre l’intéressé; qu’elle soutient en outre que cela violerait l’obligation du Sénégal de poursuivre M. Habré pour les crimes de droit international qui lui sont imputés, à défaut de l’extrader;

15. Considérant que, au terme de sa demande en indication de mesures conservatoires, la Belgique prie la Cour «d’indiquer, en attendant qu’elle rende un arrêt définitif sur le fond, que le Sénégal doit prendre toutes les mesures en son pouvoir pour que M. H. Habré reste sous le contrôle et la surveillance des autorités judiciaires du Sénégal afin que les règles de droit international dont la Belgique demande le respect puissent être correctement appliquées»;

16. Considérant que, le 19 février 2009, date à laquelle la requête et la demande en indication de mesures conservatoires ont été déposées au Greffe, le greffier a informé le Gouvernement sénégalais du dépôt de ces documents et lui en a adressé immédiatement des copies certifiées conformes en application du paragraphe 2 de l’article 40 du Statut ainsi que du paragraphe 4 de l’article 38 et du paragraphe 2 de l’article 73 du Règlement; et que le greffier a également informe le Secrétaire général de l’Organisation des Nations Unies de ce dépôt [...][9].           

Após análise do pedido da Bélgica e ouvidas as partes envolvidas, a Corte Internacional de Justiça considerou que não eram cabíveis medidas provisórias, no caso em análise, sob o fundamento de que a entrevista do presidente do Senegal, na Rádio França Internacional, foi entendida de forma destorcida pelo governo belga e que Habré seria mantido em prisão domiciliar, aguardando seu julgamento no Senegal. Considerou a CIJ que o alegado pelo Senegal foi feito de forma consistente, dando garantias de que Habré não sairia do país, enquanto o caso não fosse resolvido pela Corte, sendo que o poder da Corte de indicar medidas cautelares seria exercido se houvesse urgência por estar prestes a ocorrer um risco real ou iminente de dano irreparável aos direitos em causa perante a Corte, fato que não se materializou, na visão Corte, visto que as circunstâncias como agora se apresentam a Corte, não são suscetíveis de exigir o exercício do seu poder de indicar medidas cautelares ao abrigo do Artigo 41 do Estatuto, salientando que tal decisão não inibirá que a Bélgica no futuro apresente um novo pedido para a indicação de medidas provisórias com base na evolução do caso, por força do nº 3 do artigo 75 do Regulamento, conforme transcrição abaixo das partes principais da decisão da CIJ:

Risque de préjudice irréparable et urgence.

62. Considérant cependant que le pouvoir de la Cour d’indiquer des mesures conservatoires ne sera exercé que s’il y a urgence, c’est-à-dire s’il existe un risque réel et imminent qu’un préjudice irréparable soit causé aux droits en litige avant que la Cour n’ait rendu sa décision définitive (voir par exemple Passage par le Grand-Belt (Finlande c. Danemark), mesures procédures pénales engagées en France (République du Congo c. France), mesure conservatoire, ordonnance du 17 juin 2003, C.I.J. Recueil 2003, p. 107, par. 22; Usines de pâte à papier sur le fleuve Uruguay (Argentine c. Uruguay), mesures conservatoires, ordonnance du 23 janvier 2007, p. 11, par. 32; Application de la convention internationale sur l’élimination de toutes les formes de discrimination raciale (Géorgie c. Fédération de Russie), mesures conservatoires, ordonnance du 15 octobre 2008, par. 129); et que la Cour doit donc examiner si, dans la présente instance, une telle urgence existe;

63. Considérant que la Belgique, dans sa demande en indication de mesures conservatoires,fait référence à un entretien donné à Radio France Internationale, le 2 février 2009, par le président Wade (voir paragraphe 13 ci-dessus); que la Belgique s’est également référée, à l’audience, à des entretiens accordés par le président Wade au journal espagnol Público, au journal français La Croix ainsi qu’à l’agence France-Presse, en date du 14 octobre 2008, du 18 décembre 2008 et du 3 février 2009, respectivement, au cours desquels la question de l’organisation du procès de M. Habré et de son financement a été évoquée; que la Belgique releve qu’à ces diverses occasions le président du Sénégal a indiqué, selon le cas, qu’il n’allait pas garder indéfiniment M. Habré au Sénégal, qu’il ferait que M. Habré abandonne le Sénégal, même s’il ne savait pas où l’intéressé irait, qu’il accepterait de le juger si on lui en donnait les moyens, ou encore que, si le procès ne se tenait pas, il renverrait M. Habré chez lui ou au président de l’Union africaine; qu’il en ressort, selon la Belgique, que le Sénégal pourrait mettre fin à la mise en résidence surveillée à laquelle est soumis M. Habré si le financement nécessaire à l’organisation de son procès n’était pas assuré;

[...]

67. Considérant que le Sénégal soutient par ailleurs que la déclaration du président Wade à Radio France Internationale, dont se prévaut la Belgique pour demander des mesures conservatoires, a été extraite de son contexte et «s’est vu attribuer… un sens qu’elle n’avait évidemment pas»; qu’il allègue que, au contraire, ladite déclaration démontre la volonté du Sénégal de tenir un procès, le président Wade précisant ce qui suit au sujet du financement dudit procès: «[Après toutes les promesses d’appui qui ont été faites], comme ça traînait un peu, j’ai dit «il faut que le [soutien financier promis] soit réellement disponible…C’était pour pousser un peu pour qu’on accélère… Dès que nous aurons les moyens, le procès va commencer. Il ny a absolument aucun doute.»»; qu’il souligne que les négociations avec l’Union européenne et avec l’Union africaine, visant à l’obtention des fonds nécessaires aux poursuites de M. Habré, se déroulent bien ; que le Sénégal considère que les mesures prises par les autorités sénégalaises attestent que celles-ci exécutent de bonne foi leurs obligations en vertu de la convention contre la torture; et que, de l’avis du Sénégal, il en résulte qu’il n’existe aucun risque imminent justifiant l’indication de mesures conservatoires;

68. Considérant que, comme il a été indiqué plus haut (voir paragraphes 29 et 66), le Sénégal a affirmé, à plusieurs reprises à l’audience, qu’il n’envisageait pas de mettre fin à la surveillance et au contrôle exercés sur la personne de M. Habré tant avant qu’après que les fonds promis par la communauté internationale soient mis à sa disposition pour assurer l’organisation de la procedure judiciaire; que le coagent du Sénégal, au terme de l’audience, a solennellement déclaré, en réponse à une question posée par un membre de la Cour, ce qui suit:

«Senegal will not allow Mr. Habré to leave Senegal while the present case is pending before the Court. Senegal has not the intention to allow Mr. Habré to leave the territory while the present case is pending before the Court» (En anglais dans l’original);

«Le Sénégal ne permettra pas à M. Habré de quitter le Sénégal aussi longtemps que la présente affaire sera pendante devant la Cour. Le Sénégal n’a pas l’intention de permettre à M. Habré de quitter le territoire alors que cette affaire est pendante devant la Cour.»

[...]

71. Considérant par ailleurs que la Cour note que le Sénégal, tant proprio motu qu’en réponse à une question posée par un membre de la Cour, a formellement et à plusieurs reprises, au cours des audiences, donné l’assurance qu’il ne permettra pas à M. Habré de quitter son territoire avant que la Cour ait rendu sa décision définitive;

72. Considérant que, comme la Cour l’a déjà rappelé ci-dessus, l’indication de mesures conservatoires ne se justifie que s’il y a urgence; considérant que la Cour, prenant acte des assurances données par le Sénégal, constate que le risque de préjudice irréparable aux droits revendiqués par la Belgique n’est pas apparent à la date à laquelle la présente ordonnance est rendue;

73. Considérant que la Cour conclut de ce qui précède qu’il n’existe, dans les circonstances de l’espèce, aucune urgence justifiant l’indication de mesures conservatoires par la Cour;

74. Considérant que la décision rendue en la présente procédure ne préjuge en rien la question de la compétence de la Cour pour connaître du fond de l’affaire, ni aucune question relative à la recevabilité de la requête ou au fond lui-même, et qu’elle laisse intact le droit des Gouvernements de la Belgique et du Sénégal de faire valoir leurs moyens en ces matières;

75. Considérant que la présente décision laisse également intact le droit de la Belgique de présenter à l’avenir une nouvelle demande en indication de mesures conservatoires fondée sur des faits nouveaux, en vertu du paragraphe 3 de l’article 75 du Règlement;

76. Par ces motifs, LA COUR, par treize voix contre une, Dit que les circonstances, telles qu’elles se présentent actuellement à la Cour, ne sont pas de nature à exiger l’exercice de son pouvoir d’indiquer des mesures conservatoires en vertu de l’article 41 du Statut.

POUR: M. Owada, président; MM. Shi, Koroma, Al-Khasawneh, Simma, Abraham, Sepúlveda-Amor, Bennouna, Skotnikov, Yusuf, Greenwood, juges; MM. Sur, Kirsch, juges ad hoc ;

CONTRE: M. Cançado Trindade, juge [...][10]

A votação proferida pela Corte Internacional de Justiça ao pedido em comento foi favorável a não existência de emergência que justificasse as medidas provisórias solicitadas pela Bélgica, tendo 13 juízes votado nesse sentido. Em sentido contrário somente o juiz Cançado Trindade, com voto em separado, que inicia discordando lamentavelmente de seus colegas e, em seguida, declara que, nos termos do artigo 41 do Estatuto da CIJ, estavam configuradas as condições para concessão das medidas provisórias, conforme o pleito da Bélgica.


5 – A MANIFESTAÇÃO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA           

A Corte Internacional de Justiça considerou que Senegal descumpriu suas obrigações sob os artigos 6(2) e 7(1) da Convenção contra a Tortura, sua responsabilidade internacional foi invocada. Em consequência, tem a obrigação de cessar este ato ilícito internacional, devendo tomar as medidas necessárias para encaminhar o caso de Habré às autoridades competentes para processá-lo, se resolver não extraditá-lo.

A CIJ se pronunciou da seguinte forma:

1 - Por unanimidade, a Corte decide que tem jurisdição para adjudicar a disputa entre as partes concernente à interpretação e aplicação do artigo 6(2) e do artigo 7(1) da Convenção contra a Tortura;

2 - Por 14 votos a dois, a Corte decide que não tem jurisdição para adjudicar os pedidos da Bélgica relativos a alegações de violações de obrigações de direito internacional costumeiro;

3 - Por 14 votos a dois, a Corte decide que os pedidos da Bélgica baseados no artigo 6(2) e no artigo 7(1) da Convenção contra a tortura são admissíveis;

4 - Por 14 votos a dois, a Corte decide que o Senegal, por não ter feito investigação preliminar sobre os fatos relativos aos crimes atribuídos a Hissène Habré, violou sua obrigação sob o artigo 6(2) da Convenção contra a Tortura;

5 - Por 14 votos a dois, a Corte decide que o Senegal, por não ter encaminhado o caso de Hissène Habré às suas autoridades competentes para que fosse processado, violou suas obrigações sob o artigo 7(1) da Convenção sobre a Tortura;

6 - Por unanimidade, a Corte decide que o Senegal deve, imediatamente, encaminhar o caso de Hissène Habré às suas autoridades competentes para que seja processado, caso não o extradite.

            Ante a tal manifestação fica o Senegal premido a atuar conforme manifestado pela Corte Internacional de Justiça, visto que se tal procedimento não for adotado, fatalmente, a Bélgica reivindicará a primazia para processar Hissèna Habré, alicerçado no brocardo de Grotius: aut dedere aut judicare.


6 - O VOTO EM SEPARADO DO JUIZ CANÇADO TRINDADE

Em seu voto, Cançado Trindade asseverou que o caso Habré era o primeiro a ser apresentado à Corte com base na Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, merecedora de maior atenção.

O artigo 41 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça estabelece a competência do Tribunal da Haia para indicar medidas provisórias, sendo que tais medidas visão preservar a própria capacidade do Tribunal de cumprir sua função de resolução pacífica de disputas internacionais, sendo as mesmas vinculativas.

Observa-se que somente os Estados em litígios internacionais podem se socorrer da CIJ, como partes no conflito, podendo solicitar medida provisórias, mas nos últimos anos esses pedidos foram invocados além da dimensão estritamente interestatais.

Cançado Trindade afirma que não só o Comitê das Nações Unidas contra a Tortura, como órgão de supervisão da Convenção correspondente, mas também uma organização internacional regional, a União Africana, estava engajada na luta contra a impunidade no caso Habré.

Mais adiante o juiz afirmou que o tempo dos seres humanos certamente não parece ser o tempo da justiça humana. O tempo dos seres humanos não é longo (vita brevis), pelo menos não o tempo suficiente para a plena realização de seu projeto de vida. No entanto, o tempo da justiça humana é prolongado, não raro muito mais do que a vida humana, parecendo fazer abstração da vulnerabilidade e brevidade deste último, mesmo diante das adversidades e injustiças. O tempo da justiça humana parece, em suma, fazer abstração de o tempo dos seres humanos contarem para o atendimento de suas necessidades e aspirações, sendo, portanto, premente a necessidade da resolução do caso Habré. Para os vitimados, a passagem do tempo sem justiça é doloroso, pois é tempo que conduz ao desespero. Urgência, portanto, diz respeito a medidas que devem ser tomadas rapidamente, no contexto de uma dada situação, de modo a evitar mais atrasos que possam trazer prejuízo adicional ou, certamente, um dano irreparável. Mas o direito a ser preservado agora é, no entanto, de natureza distinta: é o direito à realização da justiça, que encontra expressão nas correspondentes obrigações estabelecidas nos artigos 5 (2) e 7 (1) de 1984 da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura.

Afirma Cançado Trindade que, independente dos argumentos trazidos à Corte, tem ela a faculdade de uma apreciação totalmente livre do caráter de urgência da situação trazida ao seu conhecimento e decidir. O fator crucial aqui é, em sua opinião, a resistência por parte das vítimas da passagem do tempo ingrato ao longo da sua longa busca, em vão, pois a justiça humana ocorrerá em que data?

Considera Cançado, na exposição de seu voto que o caso em comento diz respeito às questões relacionados com a obrigação de processar e extraditar, e não há espaço para a dúvida de que os elementos de urgência e da probabilidade de dano irreparável estão presentes, como pode ser claramente observado no corpo do processo.

Continua o juiz delineando que o exercício da jurisdição universal pretende superar os obstáculos do passado no espaço. Um deles é a gravidade das violações dos direitos humanos, dos crimes perpetrados, que não admite a extensão prolongada no tempo da impunidade dos agressores, a fim de honrar a memória das vítimas fatais e trazer alívio para os sobreviventes e seus familiares.

Com base no exposto, a decisão tomada pela maioria da Corte, em não indicar medidas provisórias no presente caso, pode ser severamente questionada, pois na opinião do juiz os pré-requisitos estavam presentes para a indicação das medidas provisórias e, mesmo que a Corte não estivesse totalmente satisfeita com os argumentos das partes, não é limitada ou condicionada por tais argumentos. Salienta o juiz que a Corte não está restrita pelos argumentos das partes, conforme artigo 75 (1) e (2) do Regulamento da Corte, que expressamente autoriza indicar, motu proprio, as medidas provisórias que considerar necessárias, mesmo que sejam totalmente ou em parte distintas das solicitadas. A decisão da CIJ, indicando as medidas provisórias no presente caso, como aqui sustentadas, teria criado um precedente notável na busca por justiça na teoria e na prática do Direito Internacional. Afinal, este é o primeiro caso apresentado à Corte Internacional de Justiça tendo por base a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura de 1984, que, por sua vez, é "o primeiro tratado de direitos humanos que incorpora o princípio de jurisdição universal, como uma obrigação internacional de todos os Estados-partes, sem qualquer condição que não a presença do suposto torturador".

Há vários anos o Comitê das Nações Unidas contra a Tortura, no exercício das suas funções, decidiu emitir uma medida cautelar ou provisória, no caso de S. et alii Guengueng, sobre o Senegal, para garantir a plena aplicação das disposições pertinentes da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura. E, apesar de tudo isso, a Corte Internacional de Justiça considerou que as circunstâncias, como agora se apresentaram à Corte, não foram de molde a exigir medidas provisórias de proteção.

Na sua exposição, Cançado Trindade considera que as obrigações estabelecidas pela Convenção das Nações Unidas contra a Tortura simplesmente não são obrigações de conduta ou comportamento, mas na verdade as obrigações de resultado.

Considera o juiz que as medidas provisórias têm um lugar no caso em comento, como os pré-requisitos para eles são aqui cumpridas, devendo ter urgência na sua implementação, de modo a evitar a probabilidade de dano irreparável ainda mais como resultado de um prolongamento de atrasos injustificados na realização da justiça. 


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a inércia apresentada, no caso em analise, constata-se que a dignidade da pessoa humana fica pulverizada, ante a inércia da comunidade internacional na resolução de uma barbárie ocorrida no período compreendido entre 1982-1990 e sem solução até a presente data, ficando patente que os familiares das vítimas morreram sem que presenciem que o autor dos crimes venha a ser julgado.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada a mais de cinco décadas ainda não é conhecida, na prática, em vários países do continente africano, como se pode perceber do caso sob analise, dificultando que os direitos civis ali enunciados sejam implementados de forma efetiva.

O descompasso entre a justiça humana e o tempo de vida dos seres humanos leva ao desespero daqueles que sofreram na carne as atrocidades praticadas por Hissène Habré, onde o primeiro pode ser longo, enquanto o segundo pode ser escasso. O tempo da justiça humana parece, em suma, fazer abstração de o tempo dos seres humanos contarem para o atendimento de suas necessidades e aspirações, sendo, portanto, premente a necessidade da resolução do caso Habré.

Neste caso, o Senegal tem agora uma oportunidade rara, trazendo rapidamente o H. Habré a julgamento, para dar um exemplo ao mundo, em conformidade com o mandato conferido pela União Africana em 2006, que está bem de acordo com a natureza jurídica, conteúdo e efeitos de direito a ser preservado no caso em espécie (cas d'espèce) e o erga omnes contraditórios correspondentes às obrigações da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura.

Há aqui a atuação da jurisdição universal consorciada à extradição com o fito de alcançar a paz social, ou seja, o julgamento de Habré, pelo Senegal, como se espera, ou pela Bélgica, por inadimplemento do Senegal, mas que haja a realização do julgamento.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CIRENZA, Cristina de Freitas; NUNES, Clayton Alfredo. Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado10.htm. Acesso em: 29 dez. 2012.

ICJ. Disponível em: <http://www.icj-cij.org.>. Acesso em: 29 maio 2012.

LONG, Debra; NAUMOVIC, Nicolas Boeglin. Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura. Manual de Implementação. Tradução: Ana Luisa Gomes Lima. Instituto Interamericano de Derechos Humanos: San José, 2010.


Notas

[2] Disponível em: <http://www.icj-cij.org.>. Acesso em: 29 maio 2012.

[3]A Lei n. 9.455/97, que veio de encontro à tão esperada regulamentação do artigo 5º, inciso XLIII da Constituição Federal. Aliado ao fato de o Brasil ter ratificado, respectivamente, em 28.09.1989 e em 20.07.1989 a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, assumindo o compromisso internacional de considerar como crime, todos os atos de tortura e as tentativas de praticar atos dessa natureza, porém sem nenhuma incursão no campo prático, seja para atender os compromissos internacionais ou ao disposto na Carta Cidadã. Conforme: CIRENZA, Cristina de Freitas; NUNES, Clayton Alfredo. Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado10.htm. Acesso em: 29 dez. 2012.

[4] CIRENZA, Cristina de Freitas; NUNES, Clayton Alfredo, op. cit.

[5] LONG, Debra; NAUMOVIC, Nicolas Boeglin. Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura. Manual de Implementação. Tradução: Ana Luisa Gomes Lima. Instituto Interamericano de Derechos Humanos: San José, 2010, p. 28.

[6] LONG, Debra; NAUMOVIC, Nicolas Boeglin, op. cit., p. 29.

[7] Não se deve deixar de ressaltar que o "caso Hissène Habré" foi lembrado em mais de uma oportunidade na Organização das Nações Unidas, nomeadamente o Grupo de Trabalho de Revisão Periódica Universal (UPR) das Nações Unidas e ao Conselho de Direitos Humanos. Uma compilação preparada para esse Grupo de Trabalho do Gabinete do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, bem como um projeto de relatório (de fevereiro de 2009) do Grupo de Trabalho, contêm referências expressas ao caso, no âmbito da luta contra a impunidade.

[8]Manifestação ao pedido de medidas provisórias da Bélgica, com suas partes principais, feito pela Corte Internacional de Justiça, de 28 de maio de 2009, quando estavam presentes o presidente da Corte M. Owada, os juízes MM. Shi, Koroma, Al-Khasawneh, Simma, Abraham, Sepulveda-amor, Bennouna, Skotnikov, Cançado Trindade, Yusuf, Greenwood, o juiz ad hoc MM. Sur, Kirsch, e o escrivão: M. Ouvreur. Primeiramente a Bélgica havia pedido que H. Habré fosse julgado pelo Senegal, caso isto não ocorresse que ele fosse extraditado para a Bélgica, atendendo a norma aut dedere aut judicare, conforme descrito a seguir (tradução livre do autor):

[...] A Bélgica pede respeitosamente à Corte que declare e julgue que:

- o Tribunal tem jurisdição sobre o conflito entre o Reino da Bélgica e da República do Senegal em relação ao cumprimento pelo Senegal de sua obrigação em processar o Sr. H. Habré ou extraditá-lo para a Bélgica para ali ser processado criminalmente;

- o pedido belga é admissível;

- a República do Senegal é obrigada a processar H. Habré por crimes de tortura e crimes contra a humanidade atribuída a ele como autor, co-autor ou cúmplice;

- se não processar o Sr. H. Habré, a República do Senegal é obrigada a extraditá-lo para o Reino da Bélgica para responder a estes crimes perante a Justiça belga [...]. Disponível em: <http://www.icj-cij.org.>. Acesso em: 29 maio 2012.

[9] Manifestação sobre o pedido de Medidas Provisórias da Bélgica, feito pela Corte Internacional de Justiça, de 28 de maio de 2009 no caso Habré, conforme a tradução livre do autor abaixo:

[...] 11. Considerando que, em 19 de fevereiro de 2009, após a apresentação da sua reclamação, a Bélgica introduziu um pedido para a indicação de medidas provisórias amparados no artigo 41 do Estatuto do Tribunal e nos artigos 73 a 75 do seu Regulamento;

12. Considerando que, em seu pedido para a indicação de medidas provisórias, a Bélgica refere-se às bases da competência do Tribunal para fundamentar seu pedido (ver nº 2 acima);

13. Considerando que no presente pedido de indicação de medidas provisórias, a Bélgica, informa que o Sr. H. Habre tem estado sob prisão domiciliar em Dakar, mas que em uma entrevista dada pelo Presidente do Senegal, Abdullah Wade, a Radio França Internacional, falou que o Senegal poderá cessar esta prisão domiciliar se não tiver o orçamento, que ele considera necessário, para a organização do julgamento do Sr. H. Habré; e que, de acordo com a Bélgica, neste caso, seria fácil para o Sr. Habré sair do Senegal para escapar da acusação;

14. Considerando que, no pedido de indicação de medidas provisórias, feito pela Bélgica, onde argumentou que se o Sr. Habré saisse do território do Senegal, seria um prejuízo irreparável ao direito sob a lei internacional para a Bélgica para o exercício da acusação criminal contra ele, que ela também argumenta que isso violaria a obrigação do Senegal em processar Habré por crimes de Direito Internacional que são alegadas contra ele, sob pena de extraditá-lo;

15. Considerando que, após o seu pedido para a indicação das medidas provisórias, feito pela Bélgica, foi pedido ao Tribunal que solicitasse ao Senegal para que aguardasse a decisão final sobre o mérito, devendo o Senegal tomar todas as medidas, ao seu alcance, para que H. Habré sofra o controle e supervisão das autoridades judiciais deste país referentes as regras direito internacional, incluindo o cumprimento da decisão que pode ser favorável à Bélgica";

16. Considerando que, em 19 de fevereiro de 2009, quando da sua reclamação e o pedido de medidas foram depositadas na Secretaria, o secretário informou ao governo senegalês da apresentação de tais documentos e imediatamente enviou cópias autenticadas dos mesmos, em conformidade com o nº 2 do artigo 40º do Estatuto e do nº 4 do Artigo 38 e nº 2 do artigo 73º do Regimento, e que o secretário também informou ao Secretário-Geral das Nações Unidas de tal depósito [...]. Disponível em: <http://www.icj-cij.org.>. Acesso em: 29 maio 2012.

[10] Manifestação sobre o pedido de Medidas Provisórias da Bélgica, feito pela Corte Internacional de Justiça, de 28 de maio de 2009, no caso Habré, havendo tradução livre do autor, conforme segue:

“62. Considerando, porém, que o poder do Tribunal de indicar medidas cautelares será exercido se houver urgência para dizer se há um risco real e iminente de dano irreparável aos direitos em causa perante o Tribunal tomou sua decisão final (ver, os exemplos, através do Grande Belt (Finlândia/Dinamarca), Medidas Provisórias, Ordem de 29 de julho de 1991, Relatórios CIJ 1991, p. 17, par. 23; Alguns Processos Penais, na França (República do Congo/França), verificar despacho de 17 de junho de 2003, Relatórios CIJ 2003, p. 107, par. 22, Usina de Papel no Rio Uruguai (Argentina contra o Uruguai), Medidas Provisórias, despacho de 23 de janeiro de 2007 p. 11, par. 32, Aplicação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Geórgia contra Rússia), Medidas Provisórias, Ordem de 15 de outubro de 2008, par. 129), e que o Tribunal deve considerar se, neste caso, há uma emergência desse tipo;

63. Considerando que a Bélgica, no seu pedido para a indicação das medidas provisórias, refere-se a uma entrevista concedida a Rádio França Internacional, em 2 de fevereiro de 2009, pelo presidente Wade (ver ponto 13), e que a Bélgica também se referiu na audiência, a entrevistas dadas pelo Presidente Abdullah Wade a um jornal Público espanhol, também ao jornal francês, La Croix, e a Agência France-Presse, de 14 de outubro de 2008, de 18 de dezembro de 2008 e 3 de fevereiro de 2009, respectivamente, em que a questão da organização do julgamento do Sr. Habré e seu financiamento foram levantados, tendo o Presidente do Senegal, dito que conforme o caso, ele não manteria indefinidamente Habré no Senegal, que ele iria deixá-lo sair do Senegal, pois não teria os meios para organizar o julgamento de Habré, remetendo Habré para casa ou ao Presidente da União Africana, acabando com a prisão domiciliar de Habré;

67. Considerando que o Senegal também alega que a declaração do presidente Wade a Rádio França Internacional, invocado pela Bélgica para buscar medidas provisórias, foi tirada do contexto, e "fora dado um sentido diverso", que ele alega que, ao contrário, sua declaração demonstra o compromisso do Senegal em realizar um julgamento, Wade afirmou o seguinte sobre o financiamento do processo: "[Depois de todas as promessas de apoio que tem sido feito], uma vez que a mesma se arrastou eu disse recentemente: "precisamos da promessa de que o apoio financeiro estará realmente disponível... Era um pequeno empurrão para acelerar as coisas... Uma vez que temos os meios, o julgamento começará. Não existe absolutamente nenhuma dúvida. Wade disse que as negociações com a União Europeia e União Africana para a obtenção dos fundos necessários para processar o Sr. Habré correm bem, sendo que o Senegal considera que as medidas tomadas pelas autoridades senegalesas atestam que eles realizam com boa fé as suas obrigações decorrentes da Convenção contra a Tortura e que, na opinião do Senegal não há risco iminente para justificar a indicação de medidas provisórias;

68. Considerando que, conforme mencionado acima (ver parágrafos 29 e 66), Senegal disse, repetidamente, durante a audiência, que não tinha a intenção de interromper a vigilância e o controle imposto sobre a pessoa do Sr. Habré antes e após os fundos prometidos pela comunidade internacional fossem disponibilizados para garantir a organização do processo judicial, que o coagente do Senegal, após a audiência, declarou solenemente, em resposta a uma pergunta de um membro da Corte, como segue: "O Senegal não vai permitir que o Sr. Habré deixe o Senegal enquanto o assunto estiver pendente nesta Corte de Justiça".

71. Considerando, além disso, a Corte constatou que o Senegal, como em motu próprio respondeu a uma pergunta de um membro da Corte, formal e reiteradamente, e durante as audiências, deu a garantia de que ele não vai permitir que Habré saia de seu território até que a Corte tenha dado a sua decisão final;

72. Considerando que, como a Corte de Justiça já se referiu a indicação de medidas provisórias só se justificariam se houvesse urgência e que a Corte de Justiça, observando garantias dadas pelo Senegal, constatou que o risco de prejuízo irreparável aos direitos reivindicados pela Bélgica não se apresentam a partir da data realização desta ordem;

73. Considerando que a Corte conclui do exposto que não há, nas circunstâncias do caso, nenhuma emergência para justificar a indicação de medidas provisórias pela Corte;

74. Considerando que a decisão em apreço não prejudica a questão da competência da Corte para entreter o mérito do caso ou qualquer questão sobre a admissibilidade ou a substância em si, e deixa intacto o direito dos governos da Bélgica e do Senegal para apresentação de argumentos sobre estas questões;

75. Considerando que esta decisão não inibe que no futuro a Bélgica apresente um novo pedido para a indicação de medidas provisórias com base na evolução do caso, por força do nº 3 do artigo 75 do Regulamento;

76. Por estas razões, a Corte de Justiça, por treze votos contra um, decidiu que as circunstâncias, como agora se apresentam à Corte, não são suscetíveis de exigir o exercício do seu poder de indicar medidas cautelares ao abrigo Artigo 41 do Estatuto. Sr. Owada, Presidente da Corte: Favoráveis à medida os juízes Shi, Koroma, Khasawneh-Al, Simma, Abraão, Sepúlveda-Amor, Bennouna, Skotnikov Yusuf, Greenwood, MM. Sur, Kirsch, juízes ad hoc; Contra: Juiz Cançado Trindade”. Disponível em: <http://www.icj-cij.org.>. Acesso em: 29 maio 2012.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, David Augusto. A Convenção de tortura: caso Hissène Habré e o Direito Internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4871, 1 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35797. Acesso em: 4 maio 2024.