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Construção de usinas hidrelétricas e povos indígenas afetados

Construção de usinas hidrelétricas e povos indígenas afetados

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O presente artigo trata dos problemas decorrentes da construção de usinas hidrelétricas quando há povos indígenas afetados

(a)   Introdução: colisão entre desenvolvimentismo e sustentabilidade

A demanda por energia elétrica no país é crescente. Diante da necessidade de ampliação do parque de geração, transmissão e distribuição discutem-se tanto a escolha quanto a prevalência das fontes de geração de energia. Os critérios à seleção são embasados em uma série de variáveis como o caráter renovável da energia, o custo, a sazonalidade da geração, entre outros.

Diante disso, a União[1], embora não deixe de considerar a utilização de fontes de geração de energia que podem vir a ter maior viabilidade no futuro - a partir de sua utilização em escala e aprimoramento da tecnologia - como a solar, eólica e das marés, ainda prioriza, na matriz brasileira, a construção de usinas hidrelétricas. E, como há um potencial de geração nas bacias hidrográficas da Amazônia, em locais em que há várias terras indígenas já demarcadas, tem ocorrido casos em que os empreendimentos causam influências sobre terras indígenas, máxime no que se refere a grandes hidrelétricas.

Nesse cenário, de colisão, entre o direito essencial de continuidade do abastecimento de energia elétrica, e os direitos dos povos indígenas, se descortina um hard case uma vez que vários princípios constitucionais demandam cedência recíproca para possibilitar uma concordância prática que seja apta a não aniquilar o núcleo essencial de nenhum dos direitos.

A harmonização deve ser feita no contexto da esfera pública: ou seja, faz-se necessário um debate, em uma lógica pós-positivista, com discursividade e comunicação, para que seja possível alcançar uma solução negociada para o choque entre o desenvolvimentismo e a sustentabilidade dos povos indígenas.

Nesse eito, poderão ser identificados e mitigados os efeitos indiretos da construção, e do funcionamento, do empreendimento e afastados os riscos previsíveis - tanto às comunidades indígenas quanto ao meio ambiente. Assim, torna-se possível compatibilizar, de forma a possibilitar coexistência, os valores constitucionais do direito ao desenvolvimento da sociedade brasileira – a partir da necessária expansão do parque energético do país, com qualidade e modicidade nos preços - com a sobrevivência da comunidade tradicional, ante a devastação cultural e ambiental que pode ocorrer.

Tal discussão mostra-se necessária se o empreendimento for estabelecido dentro dos limites das terras indígenas ou - mesmo que o empreendimento seja localizado topograficamente fora do território demarcado - vier a afetar as comunidades, desde que haja conseqüências danosas em decorrência dos diversos impactos, diretos e indiretos, potencialmente causados pelo empreendimento aos índios[2].

As externalidades negativas à população indígena podem ser diversas em razão da proximidade com a obra, como o comprometimento da qualidade da água dos rios, a redução da diversidade biológica, com pungentes riscos à sobrevivência e à saúde da população indígena. Sem falar nos danos potenciais às eventuais áreas sagradas, que - no momento de avaliação dos impactos e viabilidade dos empreendimentos - devem ser compreendidas em sentido amplo, como relevantes para as crenças, costumes, tradições, simbologia e espiritualidade das etnias, como preceituam os artigos 216 e 231 da Constituição[3]

É certo que a construção de usina à geração de energia elétrica também tem o condão de gerar externalidades positivas, ante uma cadeia de riquezas oriunda da infraestrutura material decorrente do complexo hidrelétrico, que não deixa de ter enorme potencial de alavancar a economia local, para além de sua finalidade precípua: a colaboração para a consolidação da matriz energética do País, que ostenta fundamentalidade para possibilitar o crescimento da economia do país.

(b)   Do meio ambiente cultural: princípios da precaução e equidade intergeracional

Com a construção do empreendimento, ao mesmo tempo em que se alcança a possibilidade da geração de energia renovável e economicamente barata - permitindo-se a modicidade das tarifas – não se pode desconsiderar que há intervenção em elementos socioculturais de comunidades tradicionais e no meio ambiente.

Tanto o meio ambiente, quanto a cultura da comunidade, têm como princípios informadores a equidade intergeracional e a precaução. Tais princípios do direito ambiental podem ser emprestados à tutela dos povos indígenas, ante a relação peculiar que tais povos possuem com as terras que ocupam.

Insta asseverar que o elemento imaterial ou espiritual da cultura indígena é atavicamente ligado ao elemento territorial, seja pelo seu uso, seja pela sua ocupação.

Cumpre considerar que a utilização dos princípios do Direito Ambiental para as comunidades indígenas decorre do item 15 da ementa do leading case Raposa Serra do Sol em que se enfatizou “a relação de pertinência entre terras indígenas e meio ambiente” já que “há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda que estas envolvam áreas de "conservação" e "preservação" ambiental”. Ademais, é certo que o direito ambiental abrange - além do meio ambiente natural, artificial e do trabalho - o meio ambiente cultural.

Disso dimana que, inelutavelmente, o meio ambiente sadio e equilibrado tem relação mutualística com a existência dos povos indígenas. Da essencialidade da preservação à sobrevivência e reprodução, física e cultural, decorre a utilização dos princípios ambientais supracitados.

O princípio da solidariedade intergeracional do Direito Ambiental é previsto no inciso IV do §1º do art. 225 da Constituição Federal[4].

A razão de tal previsão é a constatação de que a maioria dos danos causados ao meio ambiente e à cultura dos povos indígenas são irreversíveis. E, por via de consequência, com os danos ambientais, os danos socioculturais da comunidade indígena. Portanto, diante do duvidoso, deve prevalecer o meio ambiente cultural equilibrado e a higidez do modo de vida da comunidade indígena afetada, em detrimento do lucro.

Nessa seara deve ser trazido à baila o ditado popular de que “o seguro morreu de velho”; ou ainda de que é melhor “prevenir a remediar”. Com efeito, não se pode tolerar que o Poder Judiciário inicialmente se abstenha de impedir a destruição de um modo de vida de minorias, para depois da construção, e finalização do empreendimento, alegar a perda de objeto da demanda ante o fato consumado. Primeiro se refuta o provimento do pedido da tutela de urgência, para depois se confirmar a já previsível negativa de tratamento adequado ao bem jurídico constitucional.

Insta assinalar que a recomposição específica do dano ambiental – assim como do dano sociocultural - revela-se incerta e penosa. Por isso, fica autorizada a afirmação de que, além da invocação da equidade intergeracional, sem a utilização do princípio da precaução, além de um malferimento dos artigos 216 e 231 da Constituição, corre-se um risco de etnocídio da minoria dos índios pela sociedade envolvente.

Nessa quadra, não se pode ignorar a assertiva de que a vontade da Constituição é de preservação e fomento do multiculturalismo; e não da produção de um assimilacionismo e integracionismo, de matriz colonialista, impostos pela vontade da cultura dominante em detrimento dos modos de criar, fazer e viver dos povos índigenas (art. 216, II, da Constituição).

Por isso, não pode o empreendedor, como medida de compensação aos impactos da obra, se limitar a construir casas populares, escolas, postos de saúde e alardear que a usina trará benefícios à coletividade, como tem sido feito em alguns grandes empreendimentos em regiões antropizadas da Amazônia, como Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, Belo Monte, no Pará, e o complexo de sete usinas no rio Teles Pires, em Mato Grosso[5].

Já no que se refere à precaução, em um contexto da delicada e complexa tarefa da busca de equilíbrio e conformação entre os valores já mencionados no item anterior - do desenvolvimento com a sustentabilidade do meio ambiente cultural sadio - com preservação de direitos dos povos indígenas, torna-se também imperioso assinalar que este princípio tem a lógica de que se existir incerteza científica e, em decorrência, ausente segurança das prováveis conseqüências de uma atividade, há de se repensar ou, no mínimo, adiar tal atividade.

Tal princípio foi originariamente previsto no Princípio n.º 15 da Declaração do Rio de 1992[6].

Nesse contexto, a meu ver, se mostram ilógicas e açodadas, do ponto de vista do princípio da precaução, expedições de licenças, realização de leilões, se ainda não foram envidados esforços para sanar desconformidades em relação a povos indígenas - que possuem ligação peculiar com o meio ambiente natural - como exige o princípio da precaução. Tal comportamento faz tábula rasa da necessidade da proteção de minorias pelo Poder Judiciário, cuja necessidade em uma democracia foi ressaltado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 477554[7], em um cenário de jurisdição constitucional coletiva e histórica. 

A necessidade da preservação de um multiculturalismo, que garante a existência da comunidade indígena, está positivada nos itens 9 e 10 da ementa do julgado paradigmático, exarado pelo Supremo Tribunal Federal, no supracitado caso Raposa Serra do Sol em que restou consignado que o desenvolvimento sempre deve levar em conta os direitos dos índios a partir da efetiva consideração do modo de vida das minorias[8]

Nesse diapasão, para a Suprema Corte pátria, forçoso concluir-se que se tem por inconstitucional desenvolvimento sem ou contra os índios. Tal conduta ignora a Constituição intercultural, que não aceita a dominação pelo pensamento unívoco da cultura hegemônica e impõe uma Administração Pública dialógica, máxime com grupos minoritários.

Por isso, o Poder Judiciário não pode, tão somente calcado no pretexto da necessidade de desenvolvimento célere, ignorar o marco regulatório vigente à construção de usinas - mormente a Resolução 01/86 do CONAMA e o princípio da precaução - quando haja povos indígenas afetados.

E a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais tem se atentado aos impactos socioambientais das usinas hidrelétricas.

Com efeito, o e. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no que se refere à usina hidrelétrica Teles Pires, censurou a apressada política governamental, que desconsidera o supracitado princípio da precaução, bem como, a possível interferência nas comunidades indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká[9].

Ainda, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, recentemente, também não se furtou em reconhecer a necessidade de consideração pelo Poder Judiciário da preservação do modo de vida das comunidades indígenas afetadas, na hipótese de construção de usinas hidrelétricas, em caso que se refere à UHE Mauá[10]. Para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o Poder Judiciário não pode se furtar a fiscalizar um licenciamento possivelmente feito de forma viciada, como ocorreu no caso supracitado da Usina Hidrelétrica Mauá, conforme se denota da leitura dos itens 1 e 10 de sua ementa.

(c) da suspensão de liminar

Ocorre que, as decisões de mérito do Poder Judiciário, quando tem o condão de gerar a paralisação do empreendimento, não têm sido efetivadas concretamente já que o Poder Público, nos grandes empreendimentos hidrelétricos tem lançado mão do instrumento jurídico da suspensão de liminar e, dessa forma, conseguido sobrestar a eficácia das determinações judiciais[11].

O instrumento da suspensão de liminar possibilita uma contracautela a decisões de mérito e é previsto no art. 4º da lei 8437/92 e no art. 15 da lei 12.016/09. Em linhas gerais a ação de impugnação permite que o Presidente do Tribunal - em caso de interesse público, ou ilegitimidade, da decisão jurisdicional, para atender aos objetivos de impedir uma grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas - pode suspender a decisão de mérito até o trânsito em julgado da demanda.

Ou seja, com base em cláusulas gerais, e conceitos jurídicos indeterminados, cuja interpretação é difusa, e subjetiva, a lei permite que seja excepcionado o princípio do juiz natural, sem qualquer análise, pelo Presidente da Corte, da questão de fundo posta na demanda. Em caso de deferimento da suspensão não se cassa a decisão sobrestada. Ao revés, apenas se torna ineficaz seu comando até que a demanda transite em julgado (ou o Supremo Tribunal Federal profira decisão, nos termos da súmula 626[12] daquela Corte).

Por isso, há severas críticas da doutrina ao instrumento de impugnação, como, por exemplo, advindas do Desembargador Federal Souza Prudente para quem “a esdrúxula figura da suspensão de segurança, nascida nas entranhas da lei 4348, de 26 de junho de 1964, no liminar sangrento da ditadura militar, visando amordaçar a magistratura independente do Brasil na truculência do regime de exceção que ali se instalava (...)”[13].

A prova de que a utilização do instrumento é aberta, e pode ser invocada em diversos cenários, é que, no que se refere ao tema do presente artigo, além das suspensões de liminares que paralisam as usinas hidrelétricas, recentemente o Procurador Geral da República entrou com pedido de suspensão no Supremo Tribunal Federal[14] com o pleito de que seja suspensa uma decisão, que deferiu outro pedido de suspensão, obstativa do licenciamento.

Assim, referido pedido de suspensão visa a conferir eficácia paralisante à suspensão deferida no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, para que seja revigorada a eficácia da decisão liminar de mérito, de minha lavra, que suspendeu o licenciamento da usina São Manoel, para proteger índios isolados[15]. Ou seja, fica autorizada a conclusão de que a suspensão é um “abracadabra jurídico”: tanto é manejada com o intento de permitir o andamento do empreendimento, quanto para que seja restaurada a decisão que o suspendeu.

Nesse contexto dimana que uma discussão jurídica, contida em ação civil pública, sai da esfera do juiz natural, dos recursos ordinários aos desembargadores do Tribunal, para se situar tão somente em decisões monocráticas de suspensão de liminar, de natureza política, seja pelo Presidente do Tribunal Regional Federal, seja pelo Presidente dos Tribunais Superiores.

Ambas as partes se valem de um instrumento, que não está centrado nos fatos e provas objeto da demanda para se chegar a uma conclusão, mas tão somente no aspecto metajurídico incrustado nas cláusulas gerais vistas acima[16].

Com isso, uma decisão monocrática muitas vezes tem validade até a finalização da construção da usina, sendo que, na prática, a demanda judicial acaba por perder o seu objeto, uma vez que eventual dano sociocultural não poderá mais ser contido.   

(d) do papel do Poder Judiciário

O Poder Judiciário precisa impedir referida perda de objeto da demanda.

Já dizia Rui Barbosa que a justiça que tarda não é mais justiça, senão rematada e manifesta injustiça. Por isso, as questões postas nos autos não podem se resolver em futuras compensações meramente patrimoniais, diante da irreversibilidade da construção do empreendimento, com a assunção inconstitucional do risco da consumação de uma destruição da integridade étnica, culminando-se em crônica de uma tragédia anunciada.

Estas eventuais indenizações, seja para os índios, seja para um possível arrematante, além de sua insuficiência à proteção do bem jurídico, ainda podem onerar o erário (já que o empreendedor e proponente do projeto, em grandes usinas que têm ido a leilão é, como regra geral a Empresa de Pesquisa Energética[17], ente público).

Cumpre assinalar, no que pertine à tutela do Poder Judiciário sobre direitos indígenas em hidrelétricas, que a interferência do Poder Judiciário, na decisão administrativa de licenciamento do empreendimento, reveste-se de excepcionalidade.

Nessa senda, não cabe ao magistrado sindicar o mérito do ato administrativo: a opção governamental pela matriz energética nacional.

Com efeito, a vontade do Poder Executivo, com legitimidade haurida do voto popular, em linha de princípio, é infensa à apreciação judicial. A conveniência de expedir licenças prévias e realizar os leilões com celeridade é, em linha de princípio, decisão pertencente ao órgão governamental.

É certo que, na esteira da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 45, somente cabe o exame do mérito dos atos e decisões administrativas em hipóteses excepcionais. Estas podem se dar em caso de grave afronta dos direitos de minorias, em que não pode o Poder Judiciário se abster de efetivar o seu papel contramajoritário, no contexto do paradigma pós-positivista, como ocorre no caso de violação de direitos socioculturais dos povos indígenas.

Ao revés, o Estado-juiz deve tão somente, resguardar interesses legítimos das partes afetadas (stakeholders): os povos indígenas, ribeirinhos e a coletividade atingida por eventual violação do direito difuso de um meio ambiente sadio e equilibrado, holisticamente considerado, inclusive sobre o prisma cultural, nos territórios indígenas. Ainda, cumpre tutelar os próprios investidores interessados no empreendimento que, em caso de grandes usinas hidrelétricas, têm adquirido o empreendimento no leilão já licenciado pela Empresa de Pesquisas Energética.

Isso porque, cumpre consignar que, após o desenrolar das fases do licenciamento, com a realização do leilão e continuidade das fases seguintes do processo de licenciamento, o governo afiança ao mercado que todas as etapas anteriores à licença, prévia, de instalação, ou operação, já foram superadas.

Por isso, de rigor que os impactos sobre os povos indígenas, comprovados por meio dos Estudos do Componente Indígena, e as mitigações a serem implementadas não sejam ignorados: estes devem ser adequadamente precificados pelo licitante.

(e) dos instrumentos de direito internacional e do direito de consulta prévia, livre e informada

Nesse diapasão, em caso da produção de um dano socioambiental, é certo que este não virá somente em vilipêndio à vontade constitucional, máxime em seus artigos 216 e 231.

Há que se fazer referência ainda à ordem supralegal, nos termos de diplomas internacionais aplicáveis à espécie, de que o Brasil é signatário, como a Convenção 169/89 da OIT, Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Convenção Internacional de Proteção ao Patrimônio Cultural Imaterial e o Protocolo de San Salvador, cujo descumprimento pode, inclusive, gerar a condenação da República Federativa do Brasil em instâncias internacionais.

Cumpre ressaltar ainda que não tem sido observados instrumentos de soft law, que contêm valor persuasivo, como as “Diretrizes Voluntárias Akwé: Kon”[18], firmadas em 2004 durante a Conferência das partes da Convenção da Biodiversidade, e que foram adotadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos como razão de decidir no caso “Povo Indígena Saramaka versus Suriname”.

Tais orientações revelam padrões internacionais mínimos para a elaboração de estudos de impacto às comunidades indígenas e povos tribais, seja nas esferas ambientais, sociais, culturais e econômicas.

Ainda é preciso considerar o princípio 22[19] da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em que se consignou que os indígenas têm papel de centralidade na preservação ambiental e desenvolvimento sustentável. Ainda, se estipulou que os Estados Nacionais devem reconhecer e apoiar a preservação das identidades culturais.

Dos instrumentos de direito internacional à tutela dos direitos das comunidades indígenas destaca-se o direito de consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção 169/89 da OIT.

O direito das comunidades indígenas de serem consultadas quanto ao aproveitamento dos recursos hídricos em suas terras também tem supedâneo na Constituição.

Com efeito, o § 3º do artigo 231 da Constituição dispõe que “O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.

Além da Constituição, a Convenção nº 169/89 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada pelo Decreto Legislativo nº 143, de 20/06/2002 e promulgada pelo decreto nº 5051, de 19/04/2004, garantiu a participação dos povos indígenas em ação que visa a proteger os seus direitos, nos termos de seus artigos 2º, 6º e 7º[20].

Nesse diapasão, registre-se, por oportuno, que a Emenda Constitucional nº 45/2004 equiparou os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos, às emendas constitucionais. A despeito da Convenção nº 169/89 da OIT não ter sido submetida ao referido quórum de votação, o STF firmou entendimento no sentido de considerá-la de caráter supralegal (RE 349703, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, 03/12/2008).

Portanto, as disposições contidas na Convenção nº 169 da OIT garantem aos indígenas, como corolário lógico de suas disposições, o direito de consulta prévia e participação, bem como, o consentimento prévio e informado sobre a Usina Hidrelétrica.

A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em diversos casos submetidos à sua apreciação, corrobora a necessidade de materializar os direitos de consulta e participação dos indígenas mediante consentimento prévio e informado. A esse respeito, as decisões da Corte, que corroboram referidos direitos, podem ser consultadas nos itens B e C do Capítulo IX [21] de obra que compila alguns de seus julgados.

Ainda no que se refere aos julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cumpre destacar o caso Saramaka vs. Suriname”, julgado em 2007. Neste caso houve concessão da exploração de recursos naturais em territórios indígenas, sem observância do direito de consulta prévia. A Corte censurou a conduta dos empreendedores, já que, ao restringirem direitos sobre os territórios das comunidades tradicionais deveria ter sido franqueada participação efetiva das comunidades afetadas.

Outro caso que cumpre trazer à baila é oXákmok Kásek vs. Paraguai”, de 2010, em que a Corte consignou que, em hipótese de criação de criação de reserva ambiental, com restrições aos povos indígenas, deve o Estado realizar o direito de consulta prévia para assegurar a efetiva participação dos povos afetados.

Em 2012, foi julgado o caso “Kichwa de Sarayaku vs. Equador”, em que o Estado autorizou extração e prospecção de petróleo em território indígena. Mais uma vez, a CIDH consignou a obrigação de realizar a consulta prévia, e dispôs que a efetivação do direito é indelegável.

Esse posicionamento também é previsto pela Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, nos seus Artigos 19 e 32, em que é reiterada a necessidade do consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas antes de os Estados tomarem decisões que possam afetar seus interesses.

Insta asseverar que um amplo processo democrático de participação popular convive não só com a possibilidade de ouvir, mas também de ter participação efetiva nas soluções que emergirão da soma de estudos técnicos completos, com a realização de audiências públicas posteriores. É isso que se espera de uma Administração Pública dialógica, atenta aos efeitos colaterais de suas políticas públicas sobre os chamados stakeholders, que são todas as partes afetadas pelo empreendimento.

Cumpre ainda elevar os estudos, necessários antes da expedição do licenciamento, a instrumento substancial de harmonização dos valores do desenvolvimento, com o direito das comunidades impactadas, e não mera formalidade - que teria o condão de acabar convertida em letra morta - justamente para permitir um debate qualificado sobre todas as externalidades a serem geradas pela usina hidrelétrica.   

É preciso, por isso, também atentar para o conteúdo dos estudos. Por exemplo, cumpre desconsiderar, por ocasião da elaboração dos estudos, e efetivação da consulta prévia, as definições heterônomas, em que o grupo dominante adota conceitos restritivos de índios para induzir a utilização tacanha de uma razoabilidade de fachada, em que se confronta um pequeno número de índios, e as vantagens do empreendimento, em comparação com o risco de se ativarem as usinas térmicas, que são mais caras e poluentes[22].

Da ordem natural das coisas dimana uma relação de prejudicialidade entre discussões prévias com as comunidades indígenas afetadas, a posterior confecção de Estudo do Componente Indígena, e, por fim, a discussão com a sociedade civil em sede de audiências públicas, anteriores ao licenciamento, dos custos e benefícios da obra.

Embora haja uma ordem lógica de consulta prévia, estudos e audiências públicas cumpre ressaltar que o procedimento não é estático. Das deliberações da audiência pública, ou da análise dos estudos, é possível retornar à fase anterior.

Malgrado o procedimento de consulta e elaboração dos estudos seja dinâmico, não se mostra possível a maleabilidade com relação à inversão das fases do licenciamento, no sentido de se avançar à fase seguinte sem cumprir os requisitos do momento anterior.

Isso porque há risco à preservação do direito das minorias. Assim, uma exigência da licença prévia não pode ser postergada para a licença de instalação para que se imponha uma aceleração da obra. E, nos grandes empreendimentos hidrelétricos, a postergação das exigências têm sido feita com base em uma lógica pragmática de respeito aos cronogramas da obra para que haja uma coincidência entre a disponibilização da geração, transmissão e distribuição[23].

Não obstante a ordem de escalonamento dinâmico das fases, sem que se mostre possível postergar a tutela dos direitos para fases seguintes, verifica-se que o direito de consulta prévia sequer tem sido observado na construção de usinas hidrelétricas, donde se depreende que, nesses casos, não há outra saída que não a censura ao empreendimento pelo Poder Judiciário.

Do contrário, haverá malferimento do papel contramajoritário do Poder Judiciário, reforçado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento das Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental de números 132 e 187.

                                  Nota-se ainda que à realização da consulta prévia se impõe o respeito aos princípios da ampla divulgação e publicidade, de maneira efetiva. E mais, é importante, que as comunidades indígenas participem de forma substantiva e efetiva: ou, em outras palavras, que possam ouvir e serem ouvidas, sob pena de tal participação ser apenas pró-forma, destituída, de qualquer essência.

Impende ainda trazer à baila o artigo 13 da referida Convenção, que exige dos órgãos governamentais - como o IBAMA, a FUNAI e a Empresa de Pesquisa Energética - o respeito para valores culturais do habitat ocupado pelos indígenas[24]. Já o item 2 do art. 15 assevera que em caso de direitos sobre recursos das terras indígenas deve ser assegurado o direito de consulta “antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras”. O item 2 do art. 17 da Convenção também aduz que “os povos interessados deverão ser consultados sempre que for considerada sua capacidade para alienarem suas terras ou transmitirem de outra forma os seus direitos sobre essas terras para fora de sua comunidade”.

O direito de consulta pode ser visto como concretização do paradigma neoconstitucionalista, pois, a um só tempo, resta concretizada: (a) a centralidade e força normativa da Constituição (art. 231, Par. 3º); (b) os direitos fundamentais à preservação do modo de vida das minorias são efetivados; (c) o Judiciário exerce o seu papel contramajoritário; (d) há uma lógica discursiva e argumentativa; (e) por fim, há aproximação do direito com a ética e justiça, e a superação do modelo positivista, em que o Direito se mostrava estanque, sem interdisciplinaridade com outras ciências.

A consulta visa à solução autônoma, com a obtenção de consentimento das comunidades indígenas afetadas. Em caso de discordância é preciso deliberar sobre mitigações e compensações do projeto. Por isso, não se pode admitir licença automática e apressada desconsiderando o marco regulatório constitucional e supralegal atinente a intervenções em terras indígenas.

O autogoverno é enfatizado por Letícia Borges da Silva, no que pertine ao direito de consulta ao aduzir que “Trata-se de um direito coletivo, pois a comunidade como um todo deve aceitar ou não, as propostas políticas ou econômicas travadas com ela, respeitando-se assim sua forma tradicional na tomada de decisão”[25].

Como a consulta não foi regulamentada e não tem sido realizada nos empreendimentos recentes sugerimos, para fins de regulamentação por parte dos Poderes Legislativo e Executivo, parâmetros mínimos a serem observados por ocasião do exercício do direito de consulta.

A consulta deve ser feita diretamente aos povos indígenas e não indiretamente, através da FUNAI. O consulente deve ser o Poder Legislativo, seja porque fiscaliza os atos do Poder Executivo, seja por corolário lógico do supracitado Parágrafo 3º do art. 231 da Constituição. A coordenação dos trabalhos deve ser feita por comissão parlamentar temporária. Nada impede que uma perícia ou auditoria ofereçam subsídios para os responsáveis pela consulta.

A audiência deve ser feita na área afetada. Seja para que os parlamentares tenham contato com a realidade local, em que se almeja construir o empreendimento, seja para maximizar a possibilidade de participação dos membros das comunidades atingidas, o que se mostra apto a incrementar a legitimidade do processo.

Cumpre assinalar ainda que de nada adianta consultar se houver desconhecimento da realidade antropológica, econômica e social das comunidades que serão afetadas pelos impactos ambientais, por parte dos consulentes. Destarte, referida comissão precisa conhecer e ouvir a comunidade, além de realizar estudos antropológicos sobre os povos indígenas, para só depois avaliar os possíveis impactos, as mitigações e compensações, em uma lógica cautelosa e consequencialista.

O direito de consulta é corolário da democracia participativa em que a participação e a obtenção da informação, se revelam instrumentos à negociação e tomada de posição. Tal conduta gerará o que Robert David Putnam denominava de “capital social”: ou seja, a participação estimula a cooperação e a confiança, de todas as partes, em todo o processo relacionado ao empreendimento.

Após, o Congresso Nacional deverá publicar ato com a decisão sobre a autorização do empreendimento[26].

Essa influência no processo decisório, seja para a instalação da usina, seja para deliberar acerca de mitigações e compensações, é direito fundamental dotado de estatura constitucional e supralegal.

(f) dos índios isolados

Toda a argumentação expendida avulta no que se refere aos índios isolados. Com efeito, verifica-se que há comunidades que optaram pelo isolamento voluntário como estratégia de sobrevivência, em decorrência da traumática relação travada com não-índios.

A movimentação constante, nos arredores de terras indígenas, às detonações, prospecções e construção de barragens, pode provocar diversos efeitos indesejáveis, como especulação imobiliária, alcoolismo, prostituição e aumento da competição por recursos naturais, como já se verifica em algumas das usinas em construção. E, o grupo de índios isolados ostenta sensibilidade maior em relação a tais intervenções e efeitos colaterais, o que demanda um cuidado ainda maior por ocasião da decisão de construção do empreendimento.

Nessa quadra, pode ocorrer incremento de tensão entre os próprios grupos indígenas. E os isolados ostentam maior vulnerabilidade, bem como tal componente mostra-se capaz de acirrar ainda mais os conflitos socioambientais. Não bastasse isso, no grupo de isolados, há uma sensibilidade maior para contaminação com inúmeras doenças como leishmaniose, dengue, febre amarela, malária e outras, causando danos que podem provocar epidemias. Estas, por seu turno, podem reduzir significativamente o número de indivíduos desses grupos que, muitas vezes, já é diminuto.

Ainda, é fato incontroverso que a construção de uma grande usina tem o condão de, inexoravelmente, romper o isolamento e impactar direta e irreversivelmente os povos indígenas das terras indígenas próximas ao empreendimento, impedindo-se o direito das comunidades de conservar o autogoverno sobre o modelo de desenvolvimento que reputem adequado[27].

Se o Supremo Tribunal Federal, conforme noticiado em seu informativo 233[28] entende que não se pode retirar um indígena de sua terra, temporariamente, para prestar depoimento em uma CPI, por que seria permitida, de forma permanente e inexorável, a ida dos brancos até a Terra Indígena para destruir, de forma irreversível, o habitat e os modos de criar, fazer e viver desses povos? Trata-se de um comportamento desproporcional em relação à jurisprudência da Corte Constitucional.

(g) conclusão

À guisa de conclusão, verifica-se que, no equilíbrio entre a sustentabilidade e o desenvolvimento, é preciso se valer do neoconstitucionalismo para realizar o sopesamento dos dois direitos em uma escala móvel de valores. Tudo para acomodar a necessidade do desenvolvimento com o direito das minorias.

É preciso considerar a Constituição como centro irradiador do ordenamento jurídico, com necessidade da efetiva concretização de direitos fundamentais, máxime a preservação do modo de vida grupos vulneráveis. A eficácia irradiante dos direitos fundamentais é direcionada tanto ao Poder Público (Administração Direta e Indireta) quanto aos particulares, (licitantes do empreendimento) nos termos da denominada eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais (Drtitwirkung).

Ademais, a hierarquia entre os valores em choque não se dá com base nos interesses puramente econômicos da maioria; ao revés, cumpre contrapor a carga valorativa das normas e objetivos da democracia brasileira, positivados na Constituição vigente.  É justamente com base nesse pilar democrático que se legitima o papel contramajoritário do Poder Judiciário, com esteio em uma racionalidade discursiva e argumentativa.

Em caso da construção de usinas hidrelétricas em terras indígenas é inadmissível, por violar os princípios da precaução, e solidariedade intergeracional, no meio ambiente cultural, a imposição da aceleração de um procedimento complexo de licenciamento, que ignore os impactos socioculturais, ante a irreversibilidade do dano a ser infligido a minorias.

É cediço que o Poder Judiciário não deve se substituir ao administrador na análise da conveniência e oportunidade ao decidir construir o empreendimento. Assim, o ato administrativo é sindicável do ponto de vista formal. Com essa consciência, é preciso que o Estado-juiz preserve direitos de minorias e, ao mesmo tempo, zele para que o resultado do processo se revele útil. Nesse diapasão, muitas vezes, é necessária a concessão da tutela de urgência, já que a demora na tramitação do processo pode ser apta a nulificar direitos fundamentais de minorias.

Por isso, a utilização do instrumento da suspensão de liminar é perigosa, já que se trata de instrumento processual com fundamentação vinculada, sem enfrentamento direto do mérito da demanda. Com base em cláusulas abertas é possível obstar o cumprimento de decisões judiciais até o trânsito em julgado da demanda, quando, muitas vezes a usina já está construída.

Assim, a ação impugnativa da suspensão de liminar tem impedido o cumprimento pelo Poder Judiciário do seu papel de proteção das minorias, uma vez que suas decisões se tornam inexeqüíveis. Nesse eito, calha à fiveleta recordar as palavras do escritor Joseph Joubert, para quem “A justiça sem força e a força sem justiça são duas grandes desgraças”.

O Direito Internacional também possui vários instrumentos de proteção aos direitos das comunidades indígenas, das quais avulta o direito de consulta prévia, livre e informada, previsto pela Convenção 169/89 da OIT, e que não tem sido observada nas usinas hidrelétricas que são construídas no Brasil.

O direito de consulta prévia reveste-se de fundamentalidade para evitar o dano sociocultural e ambiental, porquanto, como visto, este pode vir a se tornar irreversível, com o desenrolar das obras.

A depender do estado em que a obra chegar, as decisões judiciais sequer teriam o condão de gerar uma reparação específica aos interesses das comunidades tradicionais afetadas, de molde que podem vir a gerar dano sociocultural irreparável aos índios, mormente os isolados.

Em caso de se decidir pela construção de empreendimentos torna-se necessária, também, a ampla discussão de medidas mitigadoras, suficientes a excluírem, de plano, a necessidade de paralisação do empreendimento.

E toda a argumentação expendida ganha mais relevo no caso dos índios isolados, que representam grupo mais sensível às intervenções em regiões que afetem, direta ou indiretamente, os seus territórios.

Em suma, não se pode fazer vistas grossas a um possível fato consumado de destruição sociocultural.

Assim como em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, a cachorra Baleia sonhava, de forma inatingível, com seus preás, não se pode permitir que os povos indígenas, futuramente, ao recordar de seu passado, sonhem com um presente que já lhes seja impossível de se viver.

Não se podem relegar aos livros de História os elementos socioculturais de grupos que possuem modos de criar, fazer e viver diversos da cultura prevalente.


[1] A Constituição Federal estabeleceu que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços e instalações de energia elétrica (art. 21, XII, b). Afirma ainda que os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento e, dessa forma, pertencem à União (art. 176), podendo o aproveitamento dos potenciais hidrelétricos ser efetuado mediante autorização ou concessão da União (art. 176, § 1º).

[2] A norma que fixa o limite de 40 km, constante do anexo II, da Portaria Interministerial n. 419/2011, quanto à presunção de interferência da usina em terra indígena, a meu ver revela-se ilegal, pois restringe direitos sem o crivo do Poder Legislativo. A norma, feita de forma unilateral pelo Executivo, extravasou o objetivo de mera regulamentação e explicitação das leis vigentes.

[3] Um exemplo de área sagrada, afetada pelos recentes empreendimentos, é o” Salto Sete Quedas”, que é lugar sagrado para os “Munduruku” e será afetado pelas sete usinas a serem construídas no Rio Teles Pires. O Salto das Sete Quedas contempla o Aspecto ecológico e reprodutivo, com reprodução de peixes migratórios e impacto da ictiofauna do rio Teles Pires, bem como o aspecto espiritual e sociocultural, em que o Salto é referência simbólica para os povos que habitam a região

[4] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

(...)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (grifos nossos)

[5] É certo que as novas usinas como Jirau, Santo Antônio e Belo Monte são da espécie “a fio d´água”, também denominadas de “sem reservatório”. Na prática, a área alagada é diminuta. Por isso, na época em que não há chuvas quase não há geração, já que não há um grande estoque de água. Tudo isso contribui para diminuir o impacto sobre as comunidades tradicionais, mas não tem o condão de eliminá-lo.

[6] “Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custo para evitar a degradação ambiental”. (grifos nossos)

[7] Ao julgar o referido que recurso sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a Corte ressaltou o tópico da proteção de grupos vulneráveis na democracia representativa: “A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. - A proteção das minorias e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito. Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe confere “o monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina.”

[8] 9. A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. Os arts. 231 e 232 da Constituição Federal são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o proto-valor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural. Processo de uma aculturação que não se dilui no convívio com os não-índios, pois a aculturação de que trata a Constituição não é perda de identidade étnica, mas somatório de mundividências. Uma soma, e não uma subtração. Ganho, e não perda. Relações interétnicas de mútuo proveito, a caracterizar ganhos culturais incessantemente cumulativos. Concretização constitucional do valor da inclusão comunitária pela via da identidade étnica.

10. O FALSO ANTAGONISMO ENTRE A QUESTÃO INDÍGENA E O DESENVOLVIMENTO. Ao Poder Público de todas as dimensões federativas o que incumbe não é subestimar, e muito menos hostilizar comunidades indígenas brasileiras, mas tirar proveito delas para diversificar o potencial econômico-cultural dos seus territórios (dos entes federativos). O desenvolvimento que se fizer sem ou contra os índios, ali onde eles se encontrarem instalados por modo tradicional, à data da Constituição de 1988, desrespeita o objetivo fundamental do inciso II do art. 3º da Constituição Federal, assecuratório de um tipo de “desenvolvimento nacional” tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena.
 

[9] CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DE RECURSOS ENERGÉTICOS EM ÁREA INDÍGENA. UHE TELES PIRES. LICENÇA DE INSTALAÇÃO. AUTORIZAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL E AUDIÊNCIA PRÉVIA DAS COMUNIDADES INDÍGENAS AFETADAS. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO À NORMA DO § 3º DO ART. 231 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EIA/RIMA VICIADO E NULO DE PLENO DIREITO. AGRESSÃO AOS PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE AMBIENTAL (CF, ART. 37, CAPUT). ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. CONCESSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 2º DA LEI Nº. 8.437/92 E AO ART. 63 DA LEI Nº. 6.001/73. NÃO OCORRÊNCIA. CONTROLE JUDICIAL DO ATO IMPUGNADO EM SEDE DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA E DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE. DESISTÊNCIA RECURSAL. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E DIFUSO. INDEFERIMENTO. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. EMPREENDIMENTO HIDRELÉTRICO DE ABRANGÊNCIA REGIONAL. PRELIMINARES DE NULIDADE PROCESSUAL POR AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO E DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. REJEIÇÃO.
(...)
IX - Na ótica vigilante da Suprema Corte, "a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (...) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações" (ADI-MC nº 3540/DF - Rel. Min. Celso de Mello - DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, com abrangência dos direitos fundamentais à dignidade e cultura dos povos indígenas, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que "o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável.
X - A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada). No caso concreto, impõe-se com maior rigor a observância desses princípios, por se tratar de tutela jurisdicional em que se busca, também, salvaguardar a proteção da posse e do uso de terras indígenas, com suas crenças e tradições culturais, aos quais o Texto Constitucional confere especial proteção (CF, art. 231 e §§), na linha determinante de que os Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses das populações e comunidades indígenas, bem como habilitá-las a participar da promoção do desenvolvimento sustentável (Princípio 22 da ECO-92, reafirmado na Rio + 20).
XI - Nos termos do art. 231, § 3º, da Constituição Federal, "o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei".
XII - Na hipótese dos autos, a localização da UHE Teles Pires encontra-se inserida na Amazônia Legal (Municípios de Paranaíta/MT, Alta Floresta/MT e Jacareacanga/PA) e sua instalação causará interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras imemoriais e tradicionalmente ocupadas, impondo-se, assim, a prévia autorização do Congresso Nacional, com a audiência dessas comunidades, nos termos do referido dispositivo constitucional, sob pena de nulidade da licença de instalação autorizada nesse contexto de irregularidade procedimental (CF, art. 231, § 6º).
XIII - De ver-se, ainda, que, na hipótese dos autos, o EIA/RIMA da Usina Hidrelétrica Teles Pires fora elaborado pela empresa pública federal - EPE, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com capital social e patrimônio integralizados pela União (Lei 10.847, de 15/03/2004, arts. 1º e 3º), totalmente comprometida com a realização do Programa de Aceleração Econômica (PAC) do Poder Público Federal, que é o empreendedor, o proponente e o executor desse projeto hidrelétrico, licenciado pelo Ministério do Meio Ambiente, através do IBAMA, como órgão da administração indireta do próprio Governo Federal. Nesse contexto, o licenciamento ambiental das usinas hidrelétricas situadas na bacia hidrográfica do Rio Teles Pires, na Região Amazônica, é totalmente viciado e nulo de pleno direito, por agredir os princípios constitucionais de ordem pública, da impessoalidade e da moralidade ambiental (CF, art. 37, caput).
XIV - Agravo de instrumento desprovido, para restabelecer a eficácia plena da decisão recorrida, na dimensão do artigo 512 do CPC. Numeração Única: AG 0018341-89.2012.4.01.0000 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO, r. Des. Fed. Souza Prudente, 10/08/2012 e-DJF1 P. 823, (grifos nossos)

[10] AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. UHE MAUÁ. COMUNIDADES INDÍGENAS. AFETAÇÃO. COMPROVAÇÃO. PODER JUDICIÁRIO. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. ENTIDADE ATRIBUÍDA. IBAMA. VALOR DA CAUSA. CRITÉRIOS OBJETIVOS. MPF. INTERESSE DE AGIR. NULIDADE PROCESSUAL. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. DANO MORAL COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. EXTENSÃO. AMPLITUDE. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OFENSA A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROVA DA MÁ-FÉ. INEXISTENTE. TERMO DE REFERÊNCIA. EIA/RIMA. EXISTÊNCIA. CADASTRO TÉCNICO FEDERAL. CANCELAMENTO. DESNECESSIDADE.
1. Havendo elementos probantes seguros acerca da influência indígena na região de instalação da Usina Hidrelétrica de Mauá, sobretudo na Bacia do Rio Tibagi, prudente se apresenta o reconhecimento da irregularidade tópica na obtenção do licenciamento ambiental pela entidade empreendedora do complexo, que desconsiderou os gravames (ou alterações do modo de vida e das tradições) incidentes sobre as comunidades indígenas atingidas (Mococa, Queimadas, Apucaraninha, Barão de Antonina, São Jerônimo, Pinhalzinho, Laranjinha e Yvyporã-Laranjinha).
2. Verificada a influência das obras da UHE Mauá sobre área indígena, não há como afastar a possibilidade de reconhecimento, pelo Poder Judiciário, da necessidade de preservação das respectivas culturas, uma vez que a CRFB, em seu artigo 231, assevera que "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
3. Não cumprindo a União com o seu dever constitucional de demarcar áreas indígenas (aliás, inobservando prazo constitucional - artigo 67 do ADCT), cabe ao Poder Judiciário atuar em prol dos direitos fundamentais das comunidades impactadas por relevante empreendimento energético, na forma do artigo 5º, XXXV, da Carta Política.
4. A intervenção judicial, em hipóteses tais, encontra amparo tanto na CRFB, quanto em norma internacional convencional que se compatibiliza com os preceitos da Carta Magna pátria (Convenção OIT n. 169).
5. Apurada a existência de reflexos das obras de instalação da UHE Mauá sobre áreas indígenas e reconhecido que a localidade objeto de estudo se caracteriza como território indígena, sobreleva-se a atribuição do IBAMA para o respectivo licenciamento ambiental, nos termos da Lei n. 6.938/1981 e da Resolução CONAMA n. 237/1997, interpretadas na esteira da CRFB (sobretudo quando verificadas irregularidades no licenciamento levado a efeito por entidade ambiental estadual).
6. Quando a valoração da causa encontra amparo em documentos acostados aos autos, denotando a observância, pelo autor, de critérios objetivos na apuração dos reflexos econômicos da demanda, inexiste ofensa às disposições do artigo 259 do CPC.
7. O provimento jurisdicional postulado pelo autor é útil (pois os efeitos da sentença prolatada vão ao encontro da proteção do meio ambiente e da comunidade indígena impactada) e necessário (pois inexistente meio menos invasivo de obtenção do resultado prático equivalente). Há, portanto, interesse de agir, na forma do artigo 3º do CPC.
8. A razão de ser do ajuizamento da demanda originária está contida nas irregularidades verificadas na obtenção do licenciamento ambiental (UHE Mauá) pelas partes envolvidas. Ou seja, havendo indícios de ilegalidade (ou ausência de juridicidade), não há como deixar de reconhecer o interesse de agir do autor e a plena viabilidade de exame judicial da matéria (inteligência, ademais, do enunciado n. 473 da súmula de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal).
9. A utilização de elementos de convicção não constantes dos autos como mera forma de reforço de argumentação não ofende o contraditório e a ampla defesa, mormente quando a fundamentação esta baseada, à exaustão, em provas produzidas em contraditório judicial.
10. Verificada a omissão da empreendedora em abranger, nos estudos prévios, os impactos do empreendimento sobre o modo de vida das comunidades indígenas atingidas, mostra-se de rigor a respectiva condenação ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais coletivos, pois inexistente causa excludente de responsabilidade na situação concreta em apreciação.
11. A natureza da responsabilidade reconhecida na origem, ademais, é objetiva, consoante redação expressa do artigo 14, §1º, da Lei n. 6.938/1981.
12. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si considerados).
13. Quando a fixação do quantum indenizatório está em acordo com a extensão do dano moral coletivo, inviável a respectiva redução, sob pena de ofensa à legislação ordinária, à revelia de base fática ou axiológica.
14. A extensão subjetiva do dever de indenizar decorre das disposições expressas do artigo 927, caput, do Código Civil: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
15. A mera cumulação de cargo público e função em Conselho Fiscal de entidade privada, por si só, não é suficiente para impor ao administrador o sancionamento delineado na Lei de Combate à Improbidade Administrativa, pois o próprio Supremo Tribunal Federal, em julgado paradigmático, já indiciou a regularidade de atuação cumulativa em hipótese similar (ADI n. 1.485/DF).
16. Para o reconhecimento do atuar ímprobo, faz-se necessária a demonstração concreta, em juízo, da má-fé do agente público, sob pena de indesejada responsabilização objetiva. Precedentes.
17. A normatização ambiental de regência (Resolução CONAMA 01/1986, artigo 6º, parágrafo único; e Resolução CONAMA 237/1997, artigo 10, I) não faz menção a "Termo de Referência", referindo-se apenas à definição, pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários para analisar a viabilidade ambiental do projeto, devendo o órgão ambiental competente fornecer informações adicionais que se fizerem necessárias.
18. Embora tenham sido reconhecidas deficiências em EIA/RIMA (sobretudo por conta da incorreta definição da área de influência do projeto da UHE Mauá, especialmente no tocante aos impactos sobre as populações indígenas e sobre os levantamentos de impactos sobre a qualidade da água e o abastecimento dos municípios da Bacia do Tibagi), não há necessidade de reconhecer-se a inexistência do próprio documento ou a nulidade do despacho ANEEL n. 433, uma vez que o próprio IBAMA, por meio de Informação Técnica, assegurou que os limites definidos no Estudo não são imutáveis.
19. A atualizada redação do artigo 11, caput, da Resolução n. 237/1997 do CONAMA expressa que "os estudos necessários ao processo de licenciamento deverão ser realizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas do empreendedor". Ou seja, não mais se exige que a equipe técnica responsável pelo projeto seja independente do proponente. Apelação Cível, 5012980-68.2012.404.7001, Terceira Turma, 04/09/2013 (grifos nossos).

[11] São exemplos de decisões, proferidas pela Presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que suspenderam decisões de mérito, exaradas em sede de tutela de urgência, para as usinas situadas no Rio Teles Pires, as suspensões de números: 0018625-97.2012.4.01.0000/MT, 0058115-92.2013.4.01.0000/MT, 0045964-25.2011.4.01.0000/MT, 75395-76.2013.4.01.0000 e 0075520-44.2013.4.01.0000/MT, cujo teor da decisão, bem como acompanhamento do andamento processual, pode ser consultado na página do Tribunal Regional Federal da Primeira Região.

Ainda, nas suspensões de liminar de números 722, 723, 724 e 726, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, suspendeu decisão de mérito colegiada, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que determinou paralisação de obras da usina Teles Pires. (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=249462)

[12] “A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração”

[13] PRUDENTE, Antônio Souza. “O terror jurídico da contracautela de suspensão de segurança e a proibição do retrocesso ecológico-ambiental” Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v.25 n. 9/10, set/out 2013.

[14] Trata-se da Suspensão de Liminar número 797 que ainda não tem decisão da Presidência do Supremo Tribunal Federal.

[15] O processo tramita na Primeira Vara Federal de Cuiabá, sob o número 17643- 16.2013.4.01.3600.

[16] Por isso o Desembargador Federal faz duras críticas ao instrumento “De ver-se, assim, que o texto normativo em referência estrangula, com requintes de crueldade, a garantia constitucional do devido processo legal e da segurança jurídica, em tons de violência autoritária, próprios dos regimes ditatoriais, anulando-se o juízo natural das instâncias judiciais singulares e colegiadas (CPC, art. 512)1, com o propósito indisfarçável de enfraquecer e intimidar os magistrados do Brasil, ao restabelecer o império do juízo de exceção na suspensão de segurança, no âmbito monocrático das decisões presidenciais de nossos tribunais, que só tardiamente se manifestam em sessão de julgamento colegiado sobres essas suspensões, quando já se tornam irreversíveis e com danos irreparáveis ao interesse público, ante situações de fato consolidadas pelo decurso do tempo no processo. Aniquila, ainda, a segurança jurídica que resulta das decisões colegiadas dos tribunais de apelação, que não mantenham essas odiosas suspensões, anulando-se o fenômeno preclusivo das referidas decisões, a permitir, qual “fênix malignamente renascida”, a reedição da mesma pretensão de segurança perante a presidência dos Tribunais Superiores (STJ e STF).” “A suspensão de segurança como instrumento agressor dos tratados internacionais e convenções internacionais sobre direitos humanos”. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v.26 n. 5/6, mai/jun 2014.  Disponível em http://www.editorajc.com.br/2014/05/suspensao-seguranca-instrumento-agressor-tratados-internacionais/ consulta em 6/9/2014.

[17] Nota-se que que o Estudo de Impacto Ambiental e Estudo do componente indígena têm sido elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE, empresa pública federal, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, como ocorreu no complexo de usinas do rio Teles Pires, em Belo Monte e em Jirau e Santo Antônio. Esta leva o empreendimento já licenciado a leilão. A meu ver, de lege ferenda, embora haja permissão da lei para tal atitude, o ente responsável por licenciar é suspeito para realizar os estudos.

Cumpre assinalar que o Estado do Rio Grande do Sul disciplinou a matéria, em seu Código Estadual do Meio Ambiente, Lei estadual 11.570/2000 no art. 74: “O estudo prévio de impacto ambiental (EPIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) serão realizados por equipe multidisciplinar habilitada, cadastrada no órgão ambiental competente, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados, não podendo assumir o compromisso de obter o licenciamento do empreendimento. § 1º. A empresa executora do EPIA/RIMA não poderá prestar serviços ao empreendedor, simultaneamente, quer diretamente ou por meio de subsidiária ou consorciada, quer como projetista ou executora de obras ou serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do estudo prévio de impacto ambiental. § 2º. Não poderão integrar a equipe multidisciplinar executora do EPIA/RIMA técnicos que prestem serviços simultaneamente ao empreendedor’. (grifos nossos)”

No âmbito federal, quem verifica os impactos socioculturais do empreendimento é o empreendedor e o proponente da usina. Além da manifesta suspeição, uma vez que há interesse de avançar no empreendimento com celeridade, verifica-se ainda espaço para pressões políticas. Com isso, a impessoalidade e moralidade, insculpidas no art. 37 da Constituição Federal cedem a interesses pragmáticos de política governamental.

Por isso, entendemos necessário que a legislação do Estado do Rio Grande do Sul também seja aprovada no âmbito federal.

[18] “As mencionadas diretrizes foram denominadas de Akwe: Kon  que é o nome de uma expressão do povo Mohawk, "Akwe: Kon", cujo significado é: "tudo na criação", para enfatizar a natureza holística do instrumento proposto. As diretrizes Akwe: Kon terão que ser adaptadas a cada contexto e cada povo específico, mas representam um interessante padrão que pode ser útil na construção específica de diretrizes para cada caso.” http://www.socioambiental.org/inst/esp/consulta_previa/?q=node/21

[19] “Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar adequadamente sua identidade, cultura e interesses, e oferecer condições para sua efetiva participação no atingimento do desenvolvimento sustentável.”

[20] Art. 2º

1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade.

2. Essa ação deverá incluir medidas:

a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população;

(...)

Art. 6º

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;

(...)

1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente.

2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria.

3. Os governos deverão zelar para que, sempre que for possível, sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as atividades de desenvolvimento, previstas, possam ter sobre esses povos. Os resultados desses estudos deverão ser considerados como critérios fundamentais para a execução das atividades mencionadas.

4. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam.

[21] CIDH. Derechos de los pueblos indígenas y tribales sobre sus tierras ancestrales y recursos naturales: normas y jurisprudencia del Sistema Interamericano de Derechos Humanos. Capítulo IX: Derechos a la consulta y a la participación (p. 108-128). Disponível em:

http://cidh.org/countryrep/TierrasIndigenas2009/Indice.htm. Acesso em: 25 de agosto de 2014.

[22] Para evitar a suspeição e dados que não sejam fidedignos, fizemos referência supra à importância de que seja positivada, no âmbito federal, lei similar à vigente no Rio Grande do Sul em que o responsável pela elaboração dos estudos não pode ser dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto.

[23] “Atrasos na conclusão de obras do setor elétrico como usinas e linhas já geram um prejuízo de ao menos R$ 8,3 bilhões que está sendo assumido, em parte, pelo consumidor, aponta auditoria do Tribunal de Contas da União.” (…)”O problema, segundo o ministro José Jorge, que relatou o caso, é o descasamento entre os empreendimentos, o que faz com que a energia que um pode produzir não entre no sistema, gerando custos adicionais ao consumidor.  É o caso das usinas de Jirau e Santo Antônio, do rio Madeira (RO), que estão com sua capacidade de geração reduzida porque a linha de transmissão não ficou pronta. Além do problema das usinas do Madeira, o TCU analisou outros dez casos em que houve descolamento nos cronogramas. O impacto financeiro disso -recebimento por um serviço que acabou não sendo prestado- foi de R$ 8,3 bilhões, segundo o órgão.” Jornal Folha de São Paulo. Edição de 04/09/2014

[24] Artigo 13

1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação.

2. A utilização do termo "terras" nos Artigos 15 e 16 deverá incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma.

[25] SILVA, Letícia Borges da. Povos indígenas, direitos humanos e a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). In: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos. Volume I. Curitiba: Juruá, 2006. p. 134.

[26] Esse entendimento, em linhas gerais, também é compartilhado pela Desembargadora Federal aposentada Selene de Almeida, como se pode observar a partir da leitura do voto proferido nos autos da Apelação Cível nº 2006.39.03.000711-8/PA (Rel. Desembargadora Federal Selene Maria De Almeida, Rel. Acor. Desembargador Federal Fagundes De Deus, Quinta Turma,e-DJF1 p.566 de 25/11/2011).

[27] É justamente por isso, que, conforme referido acima, o Procurador Geral da República, para proteger índios isolados, ajuizou suspensão de liminar, para restabelecer a decisão de primeiro grau, e impedir a continuidade do licenciamento, no Supremo Tribunal Federal.

[28] CPI e Intimação de Índio

Tendo em vista a proteção constitucional outorgada aos índios (CF, arts. 215, 216 e 231), o Tribunal deferiu habeas corpus impetrado em favor do Presidente do Conselho Indígena do Estado de Roraima para tornar sem efeito sua intimação para prestar depoimento, em audiência a ser realizada em Boa Vista, à CPI destinada a investigar a ocupação de terras públicas na região amazônica, sem prejuízo de sua oitiva na área indígena, em dia e hora previamente acordados com a comunidade, e com a presença de representante da FUNAI e de um antropólogo com conhecimento da mesma comunidade.
HC 80.240-RO, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 20.6.2001.(HC-80240)



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