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Tributação de atos ilícitos

Tributação de atos ilícitos

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O tributo é uma prestação compulsória, ou seja, não permite escusas. Destaca-se a possibilidade de tributação de atos ilícitos, pois, uma vez ocorrido o fato, não há por que deixar de tributá-lo por ser ilícito.

 RESUMO:Tributo é, segundo o art. 3º do Código Tributário Nacional, “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. A cobrança de tributos acaba por ser a principal fonte de receita pública, voltada à plenitude dos exercícios dos objetivos fundamentais previstos na Carta Magna. “Com efeito, o Direito Tributário é a representação positivada da ciência jurídica que abarca o conjunto de normas e princípios jurídicos, reguladores das relações intersubjetivas na obrigação tributária” (SABBAG, 2010, p. 37). Pode acontecer, no entanto, de um fato concreto caracterizar um ato ilícito, e mesmo assim se submeter à tributação prevista na norma reguladora, implicando na obrigação do pagamento do tributo.

Palavras-chave: Atos ilícitos. Tributação.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO.2 TRIBUTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..2.1 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL..2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA..2.3 RECEITAS PÚBLICAS..2.4 AUTONOMIA DO DIREITO TRIBUTÁRIO...2.4.1 Relação com outros ramos do Direito..2.5 ATO JURÍDICO.3 ISONOMIA TRIBUTÁRIA...3.1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA..3.2 RAZOABILIDADE..3.3 PROPORCIONALIDADE..3.4 EQUIDADE E TRIBUTAÇÃO JUSTA.4 TRIBUTAÇÃO DE ATOS ILÍCITOS..4.1 HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA..4.2 FATO GERADOR...4.2.1 A cláusula “pecunia non olet” ..4.2.2 A intributabilidade dos atos ilícitos..4.2.3 Natureza da sanção..4.3 ABSTRAÇÃO DO ILÍCITO NA FASE DO LANÇAMENTO...4.4 JURISPRUDÊNCIAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...7 REFERÊNCIAS.. 


1 INTRODUÇÃO

O tributo é uma prestação compulsória, ou seja, não permite escusas. É uma receita derivada, pois uma vez cobrada pelo Estado, transfere recursos particulares para o patrimônio estatal. É também uma obrigação firmada por lei, sendo, portanto, obrigatória. Sua ocorrência se dá no momento da realização de um fato gerador previsto na hipótese de incidência.

O Estado, para manter-se funcionando, ou como no jargão popular, “para a máquina ficar de pé”, necessita captar recursos. Para isso, oferece ao contribuinte diversos serviços e, em contrapartida, recebe deste uma contribuição fiscal, formando assim a fonte das receitas públicas. Receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondências no passivo, vem acrescer o seu vulto. Em termos diretos e objetivos, receita pública é o ingresso definitivo de bens e valores ao erário público, sem condição preestabelecida de saída.

Há muita controvérsia na doutrina no que diz respeito à possibilidade de tributação de atos ilícitos.

Muito se sustenta que a não tributação de atos ilícitos, inclusos aqui os que caracterizam crimes, fere o princípio da isonomia tributária privilegiando os delinquentes em detrimento dos que pagam seus tributos de acordo com a lei.

Assim, o que gera o tributo é sempre a prática do ato descrito na norma que define o fato gerador. Da mesma forma, o que gera o crime não são as normas penais, mas a conduta da pessoa que pratica o ato tipificado na lei penal. Analisando a questão deste ângulo, não há impedimento na tributação dos atos ilícitos, até porque na definição de fato gerador não há qualificação de ato lícito ou ilícito.

De acordo com art. 3º do Código Tributário Nacional, um tributo não pode ser a sanção de um ato ilícito, ou seja, não tem a função de proibir um ato contrário a lei. De encontro, temos o princípio da “pecunia non olet” (dinheiro não tem cheiro), definindo que, desconsiderada a ilicitude, se configurada a hipótese de incidência poderá ser exigido o tributo dessa atividade ilegal, uma vez que “o dinheiro não cheira”, não importando, então, sua origem.

A ocorrência ilícita de um fato jurídico não realiza a hipótese de incidência tributária [...] porque a regra jurídica tributária quando escolhe para composição de sua hipótese de incidência, um fato jurídico, refere-se implicitamente a fato jurídico lícito. A matriz tributária, que define abstratamente a conduta deflagradora de uma relação jurídica, pressupõe a prática de atos ilícitos. No entanto, ao ler-se o art. 118 do Código Tributário Nacional pode-se concluir que a interpretação da hipótese de incidência independe da licitude ou ilicitude do ato e seus efeitos, pois não é necessária a validade jurídica dos atos praticados, bem como de seus efeitos. Fato gerador é um simples fato econômico com relevância jurídica, sendo indiferente seu caráter valorativo.

Em suma, pode haver tributação de atos ilícitos, uma vez que o que importa ao Direito Tributário é o fato concreto, refletido na capacidade contributiva, independente da origem ou validade do ato que originou o tributo.


2 TRIBUTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 

As normas tributárias são, em uma abordagem ampla, uma ordem para que seja entregue dinheiro ao estado. Assim, pode-se dizer que “a norma que está no centro do direito tributário é aquela que contém o comando: “entregue dinheiro ao estado.” (ATALIBA, 2004, p. 21). Então, as normas que regem o Direito Tributário são iguais às demais normas do ordenamento jurídico.

O tributo, juridicamente, é concebido sob a luz de princípios e da técnica jurídica e a sua sistemática aperfeiçoada. Não se admite trazer, para o mundo do direito, noções pré-jurídicas que possam a ele ser aplicadas. O direito constrói suas próprias realidades, características e natureza.

O conceito de tributo, juridicamente, é privativo, não podendo ser confundido com o conceito financeiro, ou econômico de outro objeto, de outros setores científicos. Em suma, tributo, para o direito, é diferente do conceito de tributo para outras ciências.

Conforme Eduardo Sabbag (2010, p. 370):

A cobrança de tributos se mostra como a principal fonte das receitas públicas, voltadas ao atingimento dos objetivos fundamentais, insertos no art. 3º da Constituição Federal, tais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, tendente à redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem-estar da coletividade. Daí haver a necessidade de uma positivação de regras que possam certificar tão relevante desiderato de percepção de recursos – o que se dá por meio da ciência jurídica intitulada Direito Tributário, também denominado Direito Fiscal.

A expressão “Direito Fiscal”, chegando a nós por influências francesa (Droit Fiscal) e inglesa (Fiscal Law), foi substituída, com o tempo, pelas denominações domésticas “Direito Financeiro” e, mais especificamente, “Direito Tributário” – esta consagrada na Emenda Constitucional nº 18/65 e, após, no próprio Código Tributário Nacional [...].

Se Tributário é o Direito que nos orienta, em primeiro lugar, nesta obra, urge trazermos a lume um conceito de Direito, para, em seguida, dimensionarmos a extensão semântica do qualificativo “Tributário”.

Efetivamente, o Direito Tributário é a representação positivada da ciência jurídica que engloba as normas e princípios jurídicos, que regulam as relações na obrigação tributária, cujos elementos são as partes, a prestação e o vínculo jurídico.

2.1 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

O tributo, portanto, resultado de uma exigência do Estado, que, nos primórdios da história fiscal, decorria da vontade do soberano, então identificada como a lei, e hoje se funda na lei, como expressão da vontade coletiva. Nessa medida, o tributo é uma prestação que deve ser exigida nos termos previamente definidos pela lei, contribuindo dessa forma os indivíduos para o custeio das despesas coletivas (AMARO, 2006, p. 17).

Logo, nota-se que o tributo é uma prestação compulsória, não contratual, não voluntária ou não facultativa. Assim, o Direito tributário pertence ao mundo do Direito Público e, através da supremacia do interesse público, dá legitimidade para obrigar o cidadão a contribuir.

O tributo não é multa, e a multa não é tributo. Entretanto, sabe-se que a multa deve estar prevista em lei, uma vez que ela é componente adstrito à reserva legal. A multa é a reação do Direito ao comportamento devido que não tenha sido realizado. Trata-se de penalidade cobrada pelo descumprimento de uma obrigação tributária, possuindo nítido caráter punitivo ou de sanção. Em face do descumprimento de uma obrigação tributária, quer seja principal, quer seja acessória, ensejar-se-á a aplicação da penalidade (SABBAG, 2010, p. 374).

São inconfundíveis o tributo e a penalidade. Aquele deriva da incidência do poder tributário sobre a propriedade privada. A penalidade pecuniária resulta do poder penal do Estado e tem por objetivo resguardar a validade da ordem jurídica. O próprio artigo 3º do Código Tributário Nacional, ao se definir tributo, exclui do seu conceito a prestação que constitua sanção de ato ilícito. Logo o art. 3º estaria em aparente conflito com o art. 113, §1º (TORRES, 2004, p. 236).

Vejamos os artigos 3º e 113 do Código Tributário Nacional:

Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Assim, vemos que o pagamento, tanto do tributo quanto da multa, é obrigação principal.

Convém relembrar que, embora o tributo não resulte de sanção por ato ilícito, pode-se ter de pagá-lo com abstração do fato de ele ter sido praticado.

Kiyoshi Harada (2001, apud SABBAG, 2010, p. 375) diz que:

A expressão não significa, necessariamente, que o tributo sempre pressupõe a licitude do ato que o gerou, como sustentado por alguns autores, mesmo porque os atos ilícitos são passíveis de tributação, sob pena de violação do princípio constitucional de isonomia. O que a expressão significa é que a cobrança de tributo não representa imposição de penalidade.

O tributo se distingue da penalidade exatamente porque esta tem como hipótese de incidência um ato ilícito, enquanto a hipótese de incidência do tributo é sempre algo lícito. Não se conclua, por isto, que um rendimento auferido em atividade ilícita não está sujeito ao tributo. Nem se diga que admitir a tributação de tal rendimento seria admitir a tributação do ilícito (MACHADO, 2004, p. 57).

O tributo é uma prestação em dinheiro (pecúnia) instituído através de lei. Nasce pela simples realização do fato descrito na hipótese de incidência prevista na lei, sendo irrelevante a vontade das partes. Dizer que a prestação pecuniária é instituída em lei, já expressa que o nascimento da obrigação tributária não tem por base a vontade dos sujeitos da relação jurídica, mas sim o comando legal. (AMARO, 2006, p. 26).

2.2  COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

A competência tributária é a habilidade privativa e constitucionalmente atribuída ao ente político para que este, com base na lei, proceda à instituição da exação tributária (SABBAG, 2010, p. 377).

Competência tributária é a aptidão para criar tributos. O poder de criar tributo é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhe é assinalada na Constituição (AMARO, 2006, p. 93).

Para Kiyoshi Harada (2001, apud SABBAG, 2010, p. 377):

A ausência de hierarquia entre elas fez que o Texto Magno estabelecesse a repartição de competência legislativa de cada uma, delimitando o campo de atuação de cada pessoa jurídica de direito público interno, notadamente em matéria tributária, que mereceu um tratamento específico em atenção à tipicidade da Federação Brasileira, onde o contribuinte é súdito, ao mesmo tempo, de três governos distintos. A essa atribuição de impostos a cada uma das entidades políticas, de forma privativa, estabelecida na Carta Política, denomina-se discriminação constitucional de rendas tributárias.

2.3 RECEITAS PÚBLICAS

Todo e qualquer dinheiro que ingressa nos cofres públicos, será denominado entrada ou ingresso. Por outro lado, nem todo ingresso será uma receita pública (SABBAG, 2010, P. 38).

Dessa forma, enquanto o ingresso dá uma ideia de ser provisório, a receita pública dá a ideia de ser definitiva. São exemplos de entradas ou ingressos provisórios:

a)A caução ou a fiança (garantias de adimplemento da obrigação principal): como exemplo, cite-se a garantia ofertada pelo vencedor em dada licitação pública. Tal garantia ingressará nos cofres do Estado com previsão de saída, podendo, todavia, transformar-se em receita pública, se houver descumprimento contratual;

b)    O depósito prévio: como exemplo, cite-se o depósito recursal, como condição à protocolização do recurso da órbita administrativa federal; tal requisito veio a ser considerado inconstitucional em decisões recentes no STF (RE 388.359-PE, RE 389.383-SP, RE 390.513-SP).

c)O empréstimo compulsório: conquanto revista-se de natureza tributária, o empréstimo compulsório é gravame restituível, devendo sua lei instituidora prever o prazo e as condições de sua restituição aos contribuintes. Tornar-se-á, todavia, uma receita pública, caso não ocorra a restituição;

d)    O empréstimo público: tendo natureza contratual, é entrada provisória para o Estado que, tomando uma quantia como empréstimo, deverá prever sua saída, a título de pagamento ao mutuante. (SABBAG, 2010, p. 39).

Assim, as receitas públicas consistem no ingresso definitivo de bens e valores aos cofres públicos, sem previsão ou condição de saída, e são divididas na seguinte classificação:

a)Receitas extraordinárias: com entrada ocorrida em hipótese de anormalidade ou excepcionalidade, a receita extraordinária, longe de ser um ingresso permanente nos cofres estatais, possui caráter temporário, irregular e contingente. Assim, traduz-se em uma receita aprovada e arrecadada no curso do exercício do orçamento. Exemplos: a arrecadação de um imposto extraordinário de guerra, ou mesmo, de um empréstimo compulsório para calamidade pública ou para guerra externa.

b)    Receitas ordinárias: com entrada ocorrida com regularidade e periodicidade, a receita ordinária é haurida dentro do contexto de previsibilidade orçamentária e no desenvolvimento normal da atividade estatal. As receitas ordinárias podem ser subdivididas em receitas derivadas e receitas originárias.

Quanto às receitas derivadas, o Estado, de modo vinculado, e valendo-se do seu poder de império, na execução de atividades que lhe são típicas, fará “derivar” para seus cofres uma parcela do patrimônio das pessoas sujeitas à sua jurisdição.

[...] A receita originária é, em regra, proveniente da exploração estatal de seus bens e empresas comerciais ou industriais, à semelhança de particulares, nas atividades de locação, administração ou alienação.

2.4 AUTONOMIA DO DIREITO TRIBUTÁRIO

O Direito Tributário tem autonomia frente aos demais ramos jurídicos. Portanto, apresenta-se como um direito autônomo, em face de sua estrutura normativa homogênea e de seus preceitos elementares. Ele frui, sem dúvidas, de uma autonomia dogmática e de uma autonomia estrutural.

O direito tributário positivo é o ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto das proposições jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos (CARVALHO, 2013).

O Direito, em si, é indivisível, e a respeito disso, é evidente que não se pode falar em autonomia deste ou daquele ramo do direito querendo significar que ele tenha vida própria e independente dos setores da ciência jurídica (AMARO, 2006, p. 17).

Portanto, afirmar que o Direito Tributário é totalmente autônomo é um equívoco. Na verdade, o que ocorre é uma relativização da autonomia, em face da coexistência no Direito Tributário de realidades e institutos tipicamente particulares e de conceitos utilizados em outros ramos do Direito. (SABBAG, 2010, p. 46).

O ordenamento jurídico é um todo uno, não se pode reconhecer vida própria e independente a nenhum de seus setores. Cada qual dos ramos do direito se relaciona com os demais, embora possa ser tratado de maneira especializada e assumir ares de relativa autonomia (AMARO, 2006, p. 8).

O estudo, a compreensão e a aplicação do Direito Tributário não podem ser realizados de forma unilateral e isolada das inúmeras regras integrantes de demais segmentos jurídicos, uma vez que as normas tributárias incidem e recaem sobre uma infinidade de preceitos e institutos do universo jurídico, de natureza civil, comercial, trabalhista, previdenciária, etc. (MELO, 2008, p. 1).

Então, pode-se afirmar, com maior segurança, que o estudo do Direito Tributário está longe de dispensar o estudo das demais normas e regras jurídicas, pois o mesmo está vitalmente ligado a todo o universo jurídico.

2.4.1 Relação com o Direito Constitucional

Com o Direito Constitucional, o Direito Tributário estabelece uma profunda ligação, como os limites ao poder de tributar, o estabelecimento de preceitos específicos de determinados impostos, as discriminações das rendas tributárias e das competências impositivas, as espécies de tributos, bem como outras particularidades constitucionais dos tributos.

A Constituição contém as bases do ordenamento jurídico, é nela que se encontra o próprio fundamento de validade do tributo [...] O conjunto de normas sobre tributos, contido na Constituição, compõe o que se chama de direito tributário constitucional (AMARO, 2006).

2.4.2 Relação com o Direito Financeiro

Há uma estreita relação entre Tributário e Financeiro; aquele não pode se confundir com este. “Enquanto o Financeiro é uma ciência que registra toda a atividade financeira do Estado, na busca de uma aplicação prática, o Tributário, por sua vez, é a ciência jurídica que [...] dedica-se à receita tributária” (SABBAG, 2010, p. 47).

O Direito Tributário é um capítulo à parte do Direito Financeiro, porém aquele mantém íntimo elo com este, pois ambos têm princípios gerais comuns e disciplinam sobre a atividade financeira.

É possível falar-se que o Direito Tributário, como ramo autônomo da ciência jurídica, segregado do direito financeiro, [...] é apenas um setor do direito financeiro que passou a ser legislado em diploma normativo específico (AMARO, 2010).

2.4.3 Relação com o Direito Administrativo

Há uma grande ligação entre essas duas disciplinas jurídicas, relacionada com o funcionamento dos órgãos públicos.

O contexto que envolve o órgão tributário – as repartições e servidores – nas atividades impositivas de arrecadação e fiscalização dos tributos, em razão do fato de serem tarefas administrativas, sujeitam-se às normas disciplinares do Direito Administrativo (SABBAG, 2010, p. 49).

Portanto, influi-se que o Direito Tributário trata da organização administrativa tributária, lançamento do tributo e fiscalização, também incidindo sobre as relações entre funcionários e contribuintes.

Assim, pode-se dizer que o Direito Tributário é dependente do Direito Administrativo, uma vez que regula obrigatoriamente as relações entre funcionários e contribuintes.

2.4.4 Relação com o Direito Penal

Segundo Eduardo Sabbag (2010, p. 49):

Há clara intimidade entre o Direito Tributário e o Direito Penal, na medida em que o primeiro, marcado pela compulsoriedade na tributação, dá margem à aplicação de sanções, em caso de inadimplemento obrigacional ou de infração tributária, a prisão, a multa, o regime especial de fiscalização, a interdição, o perdimento de bens, a apreensão de coisas, etc.

Não há dúvida de que subsiste vigoroso elo entre o Direito Penal e o Direito Tributário, principalmente quanto à interpretação dos chamados crimes tributários, como também à interpretação e aplicação das infrações fiscais que capitulam penas pecuniárias. Esse forte nexo leva o estudioso do Direito Tributário a bem trafegar em terreno do Direito Penal, ao lidar com os conceitos e institutos que lhe são genuínos, contrabando, descaminho, apropriação indébita, entre outros, sem contar aqueles delitos de ordem precipuamente tributária, ali tratados, por exemplo, o excesso de exação.

Assim, vê-se que em muitos aspectos não há como separar o Direito Tributário do Direito Penal, sendo este necessário para dar suporte e respaldo àquele em várias questões jurídicas. Apesar disso, o estudo de um pelos especialistas do outro causa certa repulsa. Conforme Hugo de Brito Machado (2004) “os penalistas geralmente pouco conhecem do Direito Tributário, e os tributaristas quase nada sabem do Direito Penal”.

2.4.5 Relação com o Direito Processual

Pode-se perceber a conexão entre Tributário e Processual “na medida em que a tributação, naturalmente abre-se para a resistência, e esta, para a composição de litígios, no palco do contraditório e da ampla defesa” (SABBAG, 2010, p. 50).

Cabe ao Direito Processual estipular os regramentos que incidirão sobre a lide tributária, tanto no processo administrativo fiscal, como na esfera judicial.

2.4.6 Relação com o Direito Internacional Público

Há forte laço comunicante entre as searas jurídicas em destaque, uma vez imprescindível o devido tratamento a ser dado aos tratados e convenções internacionais, com o fito de inibir a bitributação internacional, ao lado da inafastável necessidade de sistematização dos impostos aduaneiros, perante suas implicações no plano econômico interno (SABBAG, 2010, p. 50).

2.4.7 Relação com o Direito Civil

A ligação entre Direito Tributário e Direito Civil se faz nos conceitos de propriedade e transmissão de bens móveis e imóveis, compra e venda, prestação de serviços, etc.

Então, pode-se dizer que o Direito Tributário se conecta com o Direito Civil, na medida em que aquele foi buscar neste várias de suas categorias jurídicas, muitas vezes, vinculando a estrutura privada desses conceitos à estrutura do direito público.

2.5 ATO JURÍDICO

A doutrina dominante tem se mostrado favorável à tributação dos atos nulos e anuláveis e contrária a dos atos inexistentes; infelizmente, aquela doutrina é de surpreendente superficialidade no exame deste problema, carente de juridicidade na argumentação, além de confusa e contraditória (BECKER, 1998, p. 450).

Assim, é visto que o imposto é devido mesmo que o ato seja juridicamente considerado nulo, não havendo diferenças entre nulidade absoluta e relativa ou entre nulidade e anulabilidade. O que se pede é que, ao menos, “o ato tenha a aparência exterior de ato jurídico” (BECKER, 1998, p. 451).


3 ISONOMIA TRIBUTÁRIA 

O princípio da isonomia tributária está contido no art. 150, II da Constituição Federal, nos seguintes termos:

É vedado [...] instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por ele exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

Se o princípio da isonomia tributária preconiza que é proibido dar tratamento desigual a contribuintes que se encontrem em situação equivalente, mostra-se que tal princípio é uma importante cláusula de defesa do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado, aproximando-se da isonomia na lei.

O princípio da igualdade tributária também é denominado “princípio da proibição dos privilégios odiosos”, à medida que procura impedir a odiosidade tributária, manifestada em atos normativos discriminatórios, pregando favoritismos através da tributação.

No momento que sucedeu à ditadura, notava-se que as odiosidades tributárias foram dando lugar a critérios mais baseados na razoabilidade, na concessão de benefícios, no intuito de evitar a ofensa de um preceito constitucional. O princípio da isonomia, então, passou a ser uma espécie de escudo garantidor, protegendo das discriminações em razão de classe e/ou condição social do indivíduo.

Partindo-se da premissa de que a faculdade de discriminar é da essência do poder tributário, é induvidoso que o princípio da isonomia tributária se revela como mandamento de difícil aplicabilidade, pois deverá ser burilado em meio a conflituosos e múltiplos interesses convergentes, que aglutinam antagônicos elementos volitivos: a vontade do Estado tributante, a vontade do particular tributado e a vontade dos setores econômicos beneficiados por dada política desonerativa (benefícios e isenções) (SABBAG, 2010, p. 133).

O princípio da isonomia tributária é um postulado vazio, recebendo o conteúdo de outros valores, como liberdade e justiça, ou, “justiça tributária”, como utiliza o STF (RE 423.768/SP). Trata-se, então de um desafio, pois o mesmo não está imune a mandos e desmandos dos poderes políticos, que, maquiavelicamente, ofertam remédios exegéticos “seguros”, sob a premissa de justificar um dado tratamento que, na verdade, apenas dissemina desigualdades reprováveis.

A isonomia tributária não aceita contextos absolutos, pois o legislador pode impor critérios razoáveis de discriminação. O questionamento que se faz presente é que tal atitude do legislador faz emergir uma afronta à isonomia. Obviamente, no Estado de Direito, a igualdade jurídica não pode ser meramente superficial, sem uma interação com as peculiaridades concretas da realidade social, que lhe permitem, de fato, voltar a atenção à efetiva correção das desigualdades. Daí se diz que o legislador infraconstitucional, quando busca o efetivo princípio da isonomia tributária, deve levar em consideração as condições reais de todos os envolvidos (cidadãos e grupos econômicos), evitando a incidência da mesma carga tributária àqueles com capacidade econômica diferenciada, sob risco de macular as camadas mais pobres, que passariam a contribuir além do que suportam, enquanto os detentores de maior poderio econômico suportariam cargas tributárias menores das que realmente devem.

3.1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O princípio da capacidade contributiva diz que os cidadãos detentores de um maior poderio financeiro devem ter alíquotas maiores no pagamento de seus impostos, fazendo com que a perda econômica seja sentida por eles numa proporção maior do que aqueles economicamente mais frágeis. Todos os impostos devem, a priori, ser progressivos, pois é graças à progressividade que atendem ao princípio da capacidade contributiva.

A progressividade traduz-se em técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá à medida que se majora a base de cálculo de gravame. O critério da progressividade diz com o aspecto quantitativo, desdobrando-se em duas modalidades: a progressividade fiscal e a progressividade extrafiscal. A primeira alia-se ao brocardo “quanto mais se ganha, mais se paga”, caracterizando-se pela finalidade meramente arrecadatória, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior e contempla o grau de “riqueza presumível do contribuinte”. A segunda, por sua vez, fia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório (SABBAG, 2010, p. 160).

A proporcionalidade que se obtém através da aplicação de apenas uma alíquota sobre uma base tributável variável, é um meio fiscal imparcial, pelo qual se busca realizar plenamente o princípio da capacidade contributiva. A proporcionalidade faz com que a alíquota se mantenha invariável, ou seja, desse modo, a alíquota é constante e a base de cálculo variável.

Vale ressaltar que a proporcionalidade não está descrita expressamente na matéria constitucional, como a progressividade.

O STF já se pronunciou no sentido de que o princípio da capacidade contributiva é prestigiado, no caso dos impostos ditos reais, pela mera técnica da proporcionalidade. Assim, eles serão progressivos somente no caso de uma expressa previsão no texto constitucional (SABBAG, 2010, p. 174).

Deste modo, pode-se afirmar com segurança que cada cidadão deverá pagar seus impostos de acordo com sua renda auferida. A capacidade contributiva possui dois elementos: objetivo e subjetivo. O objetivo diz respeito a que o Estado deve tributar o cidadão de acordo com a riqueza que este auferiu, bastando apenas a prática do ato, portanto entende-se que este possa ser decorrente tanto de práticas lícitas, como de ilícitas. O subjetivo infere que, para aferir o exato tributo que deverá ser cobrado de determinado contribuinte, basta se medir a riqueza deste, assim entendendo-se que ela pode provir de qualquer origem.

3.2 RAZOABILIDADE

De acordo com Eduardo Sabbag (2010, p. 246):

A razoabilidade é conceito jurídico indeterminado e elástico, podendo variar no tempo e no espaço. Como o próprio termo prenuncia, o ser “razoável” significa atuar com bom senso e moderação, ponderando com equilíbrio as circunstâncias que envolvam a prática do ato.

A razoabilidade na ação estatal justifica-se na veiculação de ações coerentes, que levem em conta o equilíbrio no binômio “meios empregados e fins alcançáveis”. O princípio vem moldar a conduta da Administração que, atuando com a racionalidade necessária, adotará critérios aceitáveis por qualquer pessoa equilibrada, afastando-se das condutas desarrazoadas e bizarras que se distanciam das finalidades da lei atributiva da discrição manejada.

Em resumo, o princípio da razoabilidade, em harmônico convívio com o postulado da proporcionalidade, apresenta-se no cenário em que o excesso e as atitudes incongruentes são proibidos à Administração, disposta a homenagear a prudência no nobre exercício da função estatal.

Nesse passo, deve o intérprete, no intrincado trabalho de aquilatar até que ponto o tributo é ou não confiscatório, valer-se da razoabilidade que lhe servirá de “bússola” para diferençar aquilo que se põe como confiscatório, em dada conjuntura, sob certa cultura e condição de cada povo, e o que se mostra “razoável”, do ponto de vista da tributação.     

Portanto, infere-se que a razoabilidade deve incidir sobre todos os atos, pois estes, mesmo que ilícitos, podem ser a única fonte de renda do indivíduo, configurando um confisco tributário.

3.3 PROPORCIONALIDADE

O princípio da proporcionalidade, também denominado “princípio da proibição ao excesso”, guarda semelhança com a razoabilidade, pois está fadado a servir como um instrumento controlador dos atos estatais.

A aplicabilidade do princípio da proporcionalidade do Direito Tributário será feita à luz da casuística, inexistindo uma padronização limitadora de seu espectro de abrangência. Somente o caso concreto demarcará a adequação de seu uso. Entretanto, tem-se visto sua suscitação, de modo iterativo, no campo das sanções políticas, por meio das quais se almeja garantir a arrecadação tributária a toda força, em detrimento das garantias constitucionais fundamentais, em frontal ofensa ao postulado ora analisado. [...] Em suma, o postulado da proporcionalidade desponta como inafastável instrumento de limitação da ação estatal, tendente a inibir o excesso de poder cometido por toda e qualquer pessoa que atue em nome do Estado (SABBAG, 2010, p. 247).

Entende-se que a proporcionalidade, de um lado, atua como limitadora do poder público e, por outro, atua como juízo de adequação entre o interesse público, através de atos estatais, e as ocorrências destes sobre os particulares.

3.4 EQUIDADE E TRIBUTAÇÃO JUSTA

O princípio da capacidade contributiva, apesar de estar atrelado ao da isonomia, não pode se confundir com este.

A capacidade contributiva ressalta uma das dimensões da isonomia, qual seja, a igualdade na lei. Assim, diz-se que o principio da capacidade contributiva está crucialmente ligado ao da igualdade, porém com ressalvas. Enquanto a isonomia oferece um caráter relacional, a capacidade contributiva abre-se para a busca de um efetivo sentimento de justiça para o Direito Tributário.

O sentimento efetivo da justiça busca a equidade na tributação. Esta correlaciona-se à maneira como os recursos são distribuídos na sociedade, dividindo-se em duas dimensões:

a)Equidade Horizontal: os contribuintes que possuam igual capacidade de pagar deverão contribuir com a mesma quantidade pecuniária, destinada aos cofres do Estado. É a ideia do “tratamento igual para os iguais”;

b)    Equidade Vertical: os contribuintes que possuam desigual capacidade de pagar deverão contribuir com diferentes quantidades pecuniárias, destinadas aos cofres do Estado. É a ideia do “tratamento desigual para os desiguais”. Aqui despontam os critérios de concretização do postulado da capacidade contributiva, a progressividade, a seletividade, entre outros. Assim, indivíduos com rendas maiores deverão contribuir, proporcional e equitativamente, com mais recursos do que aqueles que possuem menores rendimentos. O objetivo dessa forma de tributação não é o de inverter a posição das classes de renda, mas reduzir a diferença entre elas, por sinal, exageradamente grande no Brasil. (SABBAG, 2010, p. 147).

Como visto, se valer de critérios de distinção, como meio de aferir a real capacidade contributiva, está atrelado à maneira como o Estado recebe recursos e como os utiliza no atendimento das necessidades da coletividade. Assim, precisa-se arrecadar a receita que a justiça exige.

Logo, a capacidade contributiva deve ser analisada, na maioria das vezes, ao lado de outros postulados, os quais devem ser ponderados.

Deve haver a tributação da capacidade contributiva que apenas esteja prevista em lei; deve haver o afastamento, pelo Poder Judiciário, de uma certa lei isentiva, cujo benefício se traduz em privilégio odioso; deve haver o reconhecimento de que, conquanto o tributo esteja previsto em lei, é possível que dado segmento de contribuintes não possua capacidade contributiva para suportá-lo (SABBAG, 2010, p. 148).


4 TRIBUTAÇÃO DE ATOS ILÍCITOS

  O problema da tributação de atos ilícitos é um dos mais intrigantes para o Direito Tributário, e sua análise ajuda a alçar o lícito como um dos elementos imprescindíveis ao conceito jurídico de tributo.

Uma parte da doutrina admite a tributação de atos ilícitos, sob a premissa de que ao Direito Tributário interessa apenas o fenômeno da vida sob a visão da relação econômica, não importando a forma externa jurídica. O Direito Tributário, em suma, recebe os fatos e atos jurídicos meramente em seus efeitos econômicos.

Outra parte da doutrina, na análise do tributo e concluindo pela admissibilidade dos oriundos do ilícito, estendem essa conclusão a todos os outros tributos. Se isto afigura-se razoável para o imposto de renda, onde é bastante compacta a doutrina e jurisprudência que o sustenta, embora com argumentos nem sempre nítidos e aceitáveis, deve-se ter a coragem de extrair todas as consequências do princípio realístico e autonomistico e aplicá-lo à determinação daquilo que pode ser tributado por todos os outros tributos, enucleando o fato fiscal na sua nua essência econômico-social também lá aonde são mais firmes as vestes jurídicas e sociais da ilicitude e anormalidade com as quais se apresenta envolvido (BECKER, 1998, p. 598).

Francesco D’Angelillo (1936 apud BECKER, 1998, p. 599) admite tributos de proventos ilícitos, mas nada fala a respeito dos demais tributos.

O posicionamento de A. Berliri (1957, apud BECKER, p. 599) é o seguinte: “O art. 53 da Constituição dispõe que todos os cidadãos devem contribuir para a despesa pública na proporção de sua capacidade contributiva e, visto que a capacidade contributiva outra coisa não é que a possibilidade de suportar uma parte dos encargos públicos, parece-nos que um cidadão sem indagar se a riqueza gastável, na qual se substancia a capacidade, derive de uma atividade ilícita”. Tal autor estende seu posicionamento a todos os tributos, mas faz uma importante ressalva: num sistema constitucional rígido, não seria viável, através de lei, criar um tributo específico sobre prática ilícita.

Giannini (1956 apud BECKER, p. 599) defende ser possível a tributação de atos ilícitos, inclusive quando a ilicitude é elemento integrante da hipótese de incidência e ainda que este não seja presuntivo de capacidade contributiva.

Quem se manifesta doutrinariamente contra a tributação de atos ilícitos e seus efeitos é Petrônio B. Araújo (1954 apud BECKER, p. 600).

Os tribunais alemães e italianos são favoráveis à tributação de atos ilícitos, porém a jurisprudência brasileira tem se pronunciado contrariamente.

Tanto os argumentos favoráveis, como os contrários, perdem força no plano jurídico, pois são fundamentos pré-jurídicos de natureza ética ou econômica. Os poucos argumentos – reais – de natureza jurídica levantados não convencem, por insuficiência de fundamentos ou por incompatibilidade com o sistema jurídico.

O problema na tributação de atos ilícitos deve ser analisado em dois momentos.

Primeiro momento: surge um problema quanto à lei. Deve-se verificar se é possível, do ponto de vista jurídico, que ela tome a ilicitude como elemento integrante da hipótese de incidência.

Segundo momento: aqui, surge um problema quanto ao lançamento. A verificação deve ocorrer para se saber se é possível, juridicamente, a autoridade competente para lançar o tributo abstrair ou ignorar a ilicitude constatada quando verifica a hipótese de incidência.

São duas posições opostas: no primeiro, há, previamente, o conhecimento da ilicitude de um ato futuro; no segundo, se desconhece a ilicitude. Naquele, o tributo incide porque se conhece a natureza ilícita do fato; neste, tributa-se porque a natureza ilícita é ignorada.

Há que se ressaltar que, para os ordenamentos que aceitam a tese de que ao Direito Tributário, interessa apenas o fenômeno da vida sob a visão da relação econômica, à maneira que todos os fatos e atos jurídicos seriam recebidos como fato econômico; para estes, a tributação de atos ilícitos será admissível em qualquer dos momentos acima citados.

Apesar disso, a tese referida, de que o Direito Tributário receberia fatos e atos jurídicos somente como fatos econômicos, é um grande equívoco na doutrina tributária, pois, em breves palavras, ela é a negação da utilidade do positivismo, pois consiste na inversão da fenomenologia jurídica.

4.1 HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA

  Em um primeiro momento, deve-se frisar que a hipótese de incidência é a descrição legal de um fato. Assim, diz-se que é um simples conceito abstrato, como a lei, que deve ser, além de abstrata, geral e impessoal.

A figura típica penal constitui-se num conceito legal, da mesma forma que a hipótese de incidência. A figura legal do crime é mera descrição legal, simples conceito legal hipotético. Há crime in concretu, se e quando alguém pratica o fato abstratamente descrito na lei. A hipótese de incidência é a hipótese da lei tributária. É a descrição genérica e abstrata de um fato. É a concentração (conceito legal) de um fato: mero desenho contido num ato legislativo (ATALIBA, 2004, p. 59):

Em síntese, a hipótese legal é apenas um conceito contido na lei. Pertence ao universo das valorações jurídicas. Por outro lado, o fato imponível real é a realização dessa hipótese legal, sendo pertencente ao universo da realidade fática:

Na verdade, como a hipótese de incidência é um conceito (legal), não tem nem pode ter as características do objeto conceituado (descrito), mas recolhe e espelha certos caracteres, isolados do estado de fato conceituado, dele extraídos, na medida necessária ao preenchimento da função técnico-jurídica que lhe é assinalada, como categoria jurídica conceitual-normativa.

Assim, a lei – ao descrever um estado de fato – limita-se a arrecadar certos caracteres que bem o definam, para os efeitos de criar uma hipótese de incidência. Com isto, pode negligenciar outros caracteres do mesmo, que não sejam reputados à configuração de uma hipótese de incidência. Pode, portanto, o legislador arrolar muitos ou só alguns dos caracteres do estado de fato, ao erigir uma hipótese de incidência. Esta, como conceito legal, é ente jurídico bastante em si (ATALIBA, 2004, p. 61).

Os múltiplos fatos concretos não são englobados pelos conceitos legais. Pelo contrário, apenas alguns fatos são objeto de conceitos legais, sendo que apenas um número muito reduzido constitui fato jurídico relevante.

4.2 FATO GERADOR

Fato gerador é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede (ATALIBA, 2004, p. 60).

Para Eduardo Sabbag (2010, p. 652), o fato gerador é “a concretização do arquétipo legal (abstrato), compondo, dessa forma, o conceito de fato. Assim, com a realização da hipótese de incidência, ter-se-á o fato gerador ou jurígeno”.

O fato gerador é de suma importância porque define a lei a ser aplicada no momento da cobrança do tributo. Assim, a hipótese de incidência é a situação descrita na lei e, uma vez concretizada no fato gerador, possibilita o surgimento da obrigação principal.

O tributo deve incidir sobre as atividades lícitas e, de igual modo, sobre aquelas consideradas ilícitas ou imorais (SABBAG, 2010, p. 653).

Portanto, denota-se que realmente deve haver uma incidência universal do tributo, pois a hipótese de incidência, uma vez materializada no fato imponível, é circunstância suficiente para a equitação da incidência tributária.

Logo, Eduardo Sabbag (2010, p. 654) conclui “assim, podem ser tributados os atos nulos e os atos ilícitos, prevalecendo o princípio da interpretação objetiva do fato gerador”.

Se o cidadão pratica atividades ilícitas com consistência econômica deve pagar o tributo sobre o lucro obtido, para não ser agraciado com tratamento desigual frente às pessoas que sofrem a incidência tributária sobre os ganhos provenientes do trabalho honesto ou da propriedade legítima. (TORRES, 2004, p. 372).

A lógica da equiparação está na racionalidade que deve vir a reboque do princípio da isonomia – e também no viés da capacidade contributiva -, evitando que, no caso, oferte-se um tratamento mais benévolo a autores, por exemplo, de ilícitos, em detrimento daqueles que se põem, diante do fenômeno da tributação, sob as vestes da legalidade, haurindo legitimamente os seus rendimentos, provindos de lícitas fontes (SABBAG, 2010, p. 656).

Assim, nota-se que a capacidade tributária é plena e igualitária, ou seja, não comporta restrições.

4.2.1 A cláusula “pecunia non olet” 

Expressão originada na Roma Antiga, quando o Imperador Nero criou um tributo para a utilização de banheiros públicos. Foi extinto, porém logo restabelecido pelo Imperador Vespasiano, e segundo consta na história, após seu filho Tito, reclamar da imoralidade da taxa, alegando que faria com que a cidade literalmente fedesse, o Imperador lançou uma moeda ao alto e pronunciou as palavras “Non olet” (não tem cheiro).

Segundo a cláusula da “pecunia non olet”, a incidência tributária deve ser entendida de forma que o intérprete se abstraia da licitude ou ilicitude da atividade exercida.

Efetivamente, deve-se haver uma incidência universal sobre o tributo, portanto a hipótese de incidência, materializada no fato imponível, é circunstância bastante para a irradiação equitativa da incidência tributária. (SABBAG, 2010, p. 648).

Assim, o Direito Tributário atém-se somente sobre a relação econômica relativa a um determinado negócio jurídico, o que se nota na leitura do art. 118 do Código Tributário Nacional:

Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

Tal dispositivo abarca a “pecunia non olet”, ou seja, tributo não tem cheiro, o que significa que toda atividade ilícita deveria ser tributada.

A validade, invalidade, nulidade, anulabilidade ou mesmo a anulação já decretada do ato jurídico não importam ao Direito Tributário. Uma vez praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio que a lei tributária erigiu em fato gerador, está nascida a obrigação para com o fisco. E essa obrigação subsiste independentemente da validade ou invalidade do ato. Se nulo ou anulável, não desaparece a obrigação fiscal que dele decorre, nem surge para o contribuinte o direito de pedir repetição do tributo acaso pago sob invocação de que o ato era nulo ou foi anulado. O fato gerador ocorre e não desaparece, do ponto de vista fiscal, pela nulidade ou anulação (BALEEIRO, 2007, p. 714).

Assim, deve prevalecer, exclusivamente, a análise objetiva do fato típico tributário, em homenagem ao princípio da isonomia tributária. Daí se deve invocar a “pecúnia non olet”, direcionando a exigência de tributação sobre quem possui capacidade para contribuir, mesmo que os proventos sejam oriundos de atividades ilícitas, como prostituição, lenocínio, corrupção, etc.

Eduardo Sabbag (2010, p. 136) fornece o exemplo de um caso ocorrido recentemente na Itália:

Recentemente, na Itália, deu-se curioso episódio que merece uma citação nesta obra: uma prostituta, no exercício de sua profissão, ao movimentar cifras vultuosas em sua conta bancária (cerca de um milhão de reais), entre 2005 e 2008, foi autuada pela Guarda de Finanças italiana, sendo chamada a pagar o imposto de renda devido. A polícia fiscal aplicou à mulher uma norma de 2006 que estabelece que “a prostituição é um ato ilícito cujos lucros são taxados como rendas diferentes derivadas de faturamentos ilícitos”. A propósito, a legislação italiana impõe que, se as circunstâncias dos negócios ou atos jurídicos celebrados ou praticados forem inexistentes, nulas ou anuláveis, ou tiverem objeto impossível, ilegal, ilícito ou imoral, não exclui, modifica ou difere a tributação, desde que os seus resultados efetivos sejam idênticos aos normalmente decorrentes do estado de fato ou situação jurídica que constitua o fato gerador da obrigação principal.

Na França, há legislação semelhante, que diz “a tributação dos proventos da prostituição, por exemplo, ocorre, embora adote o fisco uma via indireta para atingi-los”.

O que interessa ao Direito Tributário são os fatos econômicos e não a forma jurídica, razão pela qual a atividade ilícita, se rendosa, deve ser tributada (MORAES, 1984).

Na legislação brasileira, há uma semelhança com o princípio “pecunia non olet”, no art. 26 da Lei 4506/64, que diz “os rendimentos derivados de atividades ou transações ilícitas, ou percebidas com infração à lei, são sujeitos à tributação sem prejuízo das sanções que couberem”.

A validade da ação, da atividade ou do ato em Direito Privado, a sua juridicidade ou antijuridicidade em Direito Penal, disciplinar ou, em geral, punitivo, enfim, a sua compatibilidade ou não com os princípios da ética ou com os bons costumes não importam para o problema da incidência tributária, por isso que a ela é indiferente a validade ou nulidade do ato privado através do qual se manifesta o fato gerador: desde que a capacidade econômica, legalmente prevista esteja configurada, a incidência há de inevitavelmente ocorrer (FALCÃO, 1994).

Eduardo Sabbag (2010, p. 130) reforça a ideia da tributação a atos ilícitos, dando exemplos:

Vale dizer que, à luz de tais entendimentos doutrinários uníssonos, que o fato tributário deverá ser analisado em sua nudez econômica, longe de conotações extrínsecas. Desse modo, irrelevante será se a atividade é “limpa” ou “suja”, devendo o tributo gravar o resultado econômico de todas as circunstâncias fáticas, lícitas ou ilícitas. Note alguns exemplos emblemáticos:

1)Cobrança de IPTU de proprietário de bem imóvel situado em zona urbana, cuja ocupação, em área de preservação ambiental, tenha sido considerada ilegal (área não aedificandi): neste caso, o fato de cobrar IPTU dos ocupantes em nada altera a situação de ilicitude da ocupação, porquanto a simples cobrança do tributo não indica qualquer concordância do Poder Público em relação à situação fática geradora de sua incidência;

2)Cobrança de ITBI de adquirente de imóvel, conquanto o negócio translativo da propriedade tenha sido celebrado por pessoa absolutamente incapaz: tal situação enquadra-se, com fidelidade, no inciso I do art. 118¹, bem como no inciso I do art. 126², ambos do Código Tributário Nacional.

4.2.2 A intributabilidade dos atos ilícitos

Vale lembrar que, apesar de haver uma forte parte da doutrina que defende a tributação de atos ilícitos, há outra no sentido oposto, sustentando que a tributação não pode ocorrer sobre atos ilícitos. Tal corrente doutrinária argumenta que a incidência da tributação sobre o ilícito vai de encontro ao art. 3º do Código Tributário Nacional: “tributo é toda prestação [...] que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Essa corrente argumenta, por exemplo, que os proventos de atividades ilícitas, por estarem separados de qualquer fator de produção, não se encaixariam em verdadeira riqueza tributável, tornando-os insuscetíveis de tributação.

Outro ponto de sustentação da corrente é que a tributação de ato ilícito poderia provocar uma colisão entre os vários ramos do Direito. Portanto, de um lado, não seria admissível que uma norma jurídica reprovasse um fato, considerando-o crime, e de outro, o Estado se valesse desse mesmo fato para tributá-lo. Diz-se que o Estado, ao se focar nos efeitos econômicos decorrentes das atividades efetivamente praticadas, aprovando a conduta ilícita, estaria dando respaldo ao crime e ao criminoso.

A doutrina tem dado soluções interessantes para casos de tributação do ilícito, como disposto no Código Penal e Código de Processo Penal, que preveem o “perdimento de bens e recursos, fruto da infração” (BALEEIRO, 2007). “Por isto mesmo a Administração Tributária, acertadamente, não cobra os impostos que seriam devidos pela importação de mercadorias nos casos de contrabando ou descaminho”. (MACHADO, 2004, p. 317).

4.2.3 Natureza da sanção

Havendo regra jurídica, há a hipótese (hipótese de incidência, suporte fático, fato gerador) que ela previu. Em caso de a hipótese se realizar com todos os elementos possíveis previstos na regra jurídica, esta incide sobre a hipótese realizada, tornando-a um fato jurídico.

As ações humanas, quando alguma regra jurídica incide sobre eles, acabam por se tornar jurídicas. A ação humana que é meramente de conduta moral, princípio religioso, político ou econômico não é fato jurídico. Não há ato jurídico sem uma regra jurídica que incida sobre ele, e para haver esta incidência, se faz necessário que a hipótese se realize com todos os elementos possíveis na regra jurídica. Para um ato ser ilícito, é necessário que ele seja jurídico, ou seja, o ato é ilícito porque é jurídico, caso contrário será apenas imoral ou irreligioso ou antieconômico.

Tem-se insistido demais em separar os atos ilícitos e os atos jurídicos. Em verdade, a rega jurídica incide sobre aqueles como sobre esses; cobre-os; dá-lhes entrada no mundo jurídico. Esses são atos cuja eficácia é ativa, aqueles, atos cuja eficácia é reativa. Falar-se de atos jurídicos como se só fossem tais os atos humanos que não importam em reação, já é diminuir o sentido de atos jurídicos, isto é, reduzi-los aos atos não contrários ao direito, em vez de considerá-los como classe de atos sobre que incide a regra jurídica. Nesse sentido, o crime, o ato ilícito, é ato + incidência da regra jurídica, e essa é a definição mesma do ato jurídico. Os crimes são atos jurídicos; porque atos jurídicos não são somente os atos conforme o direito, os atos (lícitos) sobre os quais a regra jurídica incide, regulando-os; são-no também os atos ilícitos, ou de reparação de danos; ou de violação dos direitos de crédito, ou outros (MIRANDA, 1954 apud BECKER, 1998 p. 603).

É importante destacar, também, alguns detalhes que, frequentemente, confundem o conceito jurídico do ilícito, segundo Alfredo Augusto Becker (1998, p. 603):

a)   Também existe o fato ilícito. Quando o fato contrário ao direito aconteceu independente de ato humano e alguém é responsável por ele, não há “ato” ilícito, mas “fato” ilícito.

b)   Há atos ilícitos sem obrigação de indenizar e há obrigação de indenizar decorrente de ato sem ilicitude.

c)   Tudo o que não está proibido, é permitido. O lícito é ausência de regra jurídica proibitiva, pois a regra jurídica permissiva pressupõe a existência de regra jurídica proibitiva [...].

Com razão, adverte Fernando Sáinz de Bujanda:

Acho pouco fértil, do ponto de vista da construção jurídica, diferenciar Direito Penal Tributário de infrações formais e um Direito Penal Tributário de infrações penais substantivas, para extrair a conclusão de que são penais as primeiras e administrativas as segundas. Creio que todas essas infrações são "penais" e, portanto, são definidas e sancionadas em um Direito unitário.

Em rigor, a única separação entre as infrações contidas no Código penal e as contidas em outras leis – qualquer que seja a natureza destas – é de tipo formal. As infrações e as sanções estão compreendidas no Código penal ou em leis administrativas, atendendo exclusivamente a valores político-sociais. Existem infrações que se incorporam ao Código penal para destacar a especial gravidade que lhes são atribuídas, com arranjo a este tipo de valoração político-social ou de baixo grau dos bens jurídicos lesionados. Porém, entre umas e outras, não é possível apontar uma linha divisória substancial.

Pois bem, com arranjo nestas ideias, estimo que o que se convencionou chamar de Direito Tributário sancionador, ou Direito Tributário penal, deve denominar-se “Direito Penal Tributário”. Efetivamente, as infrações de ordem jurídica, de natureza substancialmente idêntica às incorporadas ao Código penal e as leis penais especiais. A circunstância de que essas infrações, e as sanções inerentes a elas, estejam contidas em leis tributárias, não altera a validade da afirmação anterior. Efetivamente, as normas em que se definem as infrações e se estabelecem as sanções são de natureza jurídico-penal, qualquer que seja o texto de lei a que estejam incorporadas.

Sem dúvidas, sempre que uma norma jurídica contempla uma possível violação do ordenamento jurídico, e associa à conduta infratora uma pena, estamos na presença, a meu ver, de uma normal penal, e como tal devemos qualifica-la. É indiferente, portanto, que a norma apareça alojada em uma lei das que se chamam administrativas, em uma lei das que se chamam penais, ou em uma lei das que se chamam tributárias. O modo de qualificar a lei é, de certo modo, algo acessório e formal. O substantivo é a natureza da norma. Esta será jurídico-penal, aonde quer que seja formulada, se contempla uma infração e se associa a esta infração uma sanção ou pena. Neste sentido, penso que as normas penais estão distribuídas no ordenamento positivo em todas as classes de leis, e que são penais, ainda que não apareçam formuladas nas leis que ali se designem, precisamente porque são normas que contemplam infrações e que estabelecem penas. (1962, apud BECKER, p. 604-605, tradução do autor).

Foi demonstrado que a tributação de atos e fatos ilícitos sofre com um problema: “o problema jurídico no momento da lei é diametralmente oposto ao problema jurídico no momento do lançamento do tributo” (BECKER, 1998, p. 605).

A lei tributária engloba o ilícito como parte de sua hipótese de incidência; o problema a resolver é se a obrigação tem natureza jurídica tributária ou natureza jurídica de sanção.

É importante distinguir o caso da lei tributária anterior à lei que confere ilicitude a um ato ou fato, do caso da lei tributária posterior à lei que confere natureza ilícita. Conforme Alfredo Augusto Becker (1998, p. 606):

a) Lei tributária anterior à lei conferidora da natureza ilícita. Note-se que a regra jurídica tributária escolheu, como hipótese de incidência (fato gerador), fato ou ato ilícito, pois ao tempo de sua promulgação ainda não existia a lei que veio declarar ilícito dito fato ou ato. A lei posterior que veio atribuir natureza ilícita àquele ato ou fato, não revogou a lei tributária, esta apenas deixa de incidir porque não mais se realizará a sua hipótese de incidência, pois, agora, sempre que ocorrer dito ato ou fato, ela surgirá com uma natureza jurídica fundamentalmente distinta: o ilícito. Por isto, neste caso (lei tributária anterior à lei que conferiu natureza ilícita) o problema da tributação dos atos ilícitos surge no segundo momento: no lançamento.

b) Lei tributária posterior à lei conferidora da natureza ilícita. A lei tributária não “legaliza” (torna lícito) aquele fato ou ato ilício que escolheu como elemento integrante de sua hipótese de incidência, pois se ela tivesse “legalizado” dito fato ou ato, ela não poderia incidir sobre os mesmos, de vez que estaria ausente um dos elementos (a ilicitude) integrantes da sua hipótese de incidência. No exemplo em exame, o elemento integrante da hipótese de incidência é um ato ou fato juridicizado precisamente ilícito.

O dever (que nasce da incidência daquela regra jurídica tributária sobre a indicada hipótese de incidência) tem natureza jurídica tributária ou tem natureza jurídica de sanção?

Pelos fundamentos a seguir expostos, conclui-se que o dever em foco tem natureza jurídica de sanção. Em consequência – desde seu nascimento até sua extinção – está sujeito à disciplina jurídica específica às sanções e não às regras jurídicas que disciplinam as obrigações tributárias. Eis os fundamentos:

No tributo extrafiscal coexistem ambos os finalismos: o fiscal e o extrafiscal, com prevalência, entretanto, do finalismo extrafiscal; o fiscal fica relegado a um plano secundário, de tal sorte que há tributos extrafiscais cuja finalidade não é render: é deixar de render; é nada arrecadar para o fisco.

Ora, na sanção a situação é idêntica à anterior: coexistem ambos os finalismos, com prevalência do extrafiscal.

Por isto, pergunta-se: como os tributos extrafiscais “proibitivos” se distinguem das sanções, ou melhor, o que confere natureza jurídica tributária ao tributo extrafiscal “proibitivo”?

Os três exemplos a seguir apontados, mostrando a dificuldade da distinção, ajudam a pinça o lícito como um dos fatores genéticos específicos do conceito jurídico de tributo.

Primeiro exemplo, pergunta-se: Por que os impostos de importação “proibitivos” têm natureza tributária e por que as sanções decorrentes da importação de mercadorias proibidas por lei, não têm natureza tributária?

Segundo exemplo, pergunta-se: É possível distinguir, no plano jurídico, o tributo extrafiscal “proibitivo” (cuja hipótese de incidência é um fato ilícito) da sanção penal decorrente da incidência da regra jurídica penal que escolheu como sua hipótese de incidência aquele mesmo fato ilícito?

Terceiro exemplo, pergunta-se: Como distinguir a sanção por violação de determinada lei tributária (multa fiscal), de um tributo extrafiscal “proibitivo” cuja hipótese de incidência seria precisamente aquele ilícito fiscal?

A qualificação de uma receita não pode ser outra senão aquela resultante da sua disciplina legislativa e por isso modifica-se, modificando-se esta. Em consequência, deve reconhecer-se o caráter de tributo a qualquer receita de um ente público que a lei regule no campo das relações jurídicas tributárias (GIANNINI; BERLIRI, 1956 apud BECKER p. 599).

Os tributos têm a tríplice característica: que são devidos a um ente público, que encontram seu fundamento jurídico no Poder de Império do Estado; que são impostos com a finalidade de fornecerem os meios para a necessidade financeira do mesmo (GIANNINI, 1956 apud BECKER, p. 58).

Entretanto, conforme Alfredo Augusto Becker (1998, p. 609):

Na verdade, o conceito de tributo decorre da estrutura lógica (regra e hipótese de incidência) daquela regra jurídica que cria o dever cuja natureza jurídica se investiga. O conceito jurídico de tributo é conferido pela coexistência de determinados efeitos preestabelecidos pela regra em harmonia com determinados elementos integrantes da composição da hipótese de incidência, coexistência esta que é sempre presente num determinado gênero de relações jurídicas e ausente nas demais relações jurídicas.

A natureza jurídica da sanção distingue-se, perfeitamente, da natureza jurídica do tributo extrafiscal, “proibitivo” porque:

Sanção é o dever preestabelecido por uma regra jurídica que o Estado utiliza como instrumento jurídico para impedir ou desestimular, diretamente, um ato ou fato que a ordem jurídica proíbe.

Tributo extrafiscal proibitivo é o dever preestabelecido por uma regra jurídica que o Estado utiliza como instrumento jurídico para impedir ou desestimular, indiretamente, um ato ou fato que a ordem jurídica permite.

O ilícito, como elemento integrante da hipótese de incidência, é o único elemento que distingue, no plano jurídico, a sanção do tributo extrafiscal “proibitivo”. Noutras palavras, somente fatos ilícitos podem integrar a composição da hipótese de incidência da regra jurídica tributária.

4.3 ABSTRAÇÃO DO ILÍCITO NA FASE DO LANÇAMENTO

A tributação dos atos ilícitos sofre, juridicamente, com dois problemas distintos e opostos. Quando do lançamento, o problema a ser solucionado é saber se a autoridade competente para lançar o tributo pode ignorar a ilicitude eventualmente constatada quando realiza a investigação da hipótese de incidência, ou seja, quando faz a análise de vários fatos com o intuito de saber se os mesmos estão previstos na lei como integrantes da hipótese de incidência.

Alfredo Augusto Becker (1998, p. 610) faz algumas ressalvas a respeito de se abstrair ou ignorar o ilícito ao se lançar o tributo:

Cumpre ter bem presente que:

Primeiro: a hipótese de incidência da regra jurídica tributária pode ser fato econômico, ou ato humano, ou fato jurídico.

Segundo: a hipótese de incidência não é um fato ou ato singular, mas um conjunto de atos e fatos em harmonia atômica, de tal modo que um fato ou ato constitui o núcleo e os demais fatos e atos formam os elementos adjetivos. O núcleo confere o gênero jurídico ao tributo; exemplo: venda, renda. Os elementos adjetivos conferem as diferentes espécies àquele gênero de tributo.

Terceiro: o núcleo pode ser um fato econômico e todos ou alguns de seus elementos adjetivos podem ser fatos jurídicos; e vice-versa.

Quarto: a composição da hipótese de incidência pode estar integrada: ou com o fato jurídico e também com seus efeitos jurídicos (eficácia jurídica); ou só com o fato jurídico (ex.: o fato jurídico, ainda que nulo ou ineficaz, realiza a hipótese de incidência); ou só com o seu efeito jurídico (ex.: com o acontecimento do fato jurídico nulo ou ineficaz, a hipótese de incidência continua hipótese irrealizada).

Quinto: quando a regra jurídica tributária prevê, como elemento integrante da sua hipótese de incidência um efeito econômico condicionado a determinado fato jurídico, e aquele efeito econômico ocorre embora este fato jurídico tenha nascido ineficaz (ex.: por nulidade), então a hipótese de incidência continua hipótese irrealizada. Ela continua irrealizada porque o efeito econômico não foi causado pelo fato jurídico ineficaz, mas pelo fato físico ou ato humano (não jurídico) subjacente ao fato jurídico ineficaz e a regra jurídica, ao escolher os elementos integrantes de sua hipótese de incidência, preferiu escolher a causação de fato jurídico (portanto, eficaz), em lugar da causação de fato físico ou ato humano.

Sexto: para que nasça o dever tributário é necessário que a regra jurídica incida sobre a sua hipótese de incidência. Porém, esta incidência só ocorrerá quando tiverem acontecido todos os elementos previstos pela regra jurídica como integrantes de sua hipótese de incidência. Se faltar um só; ou se existir algum com natureza (econômica ou jurídica) distinta da prevista; ou se existir com causação (econômica ou jurídica) distinta da prevista; continuará irrealizada a hipótese de incidência e por isso não haverá incidência daquela regra jurídica. Entretanto, poderá ocorrer a incidência de outra regra jurídica cuja hipótese de incidência previra exatamente aquela falta de elemento.

Sétimo: a incidência da regra jurídica é infalível (automática) e ocorre no instante lógico posterior à realização da hipótese de incidência. A regra jurídica incide independente de qualquer ação da autoridade pública incumbida do lançamento ou do órgão judiciário ou do contribuinte. O órgão executivo e o órgão judiciário, na verdade, não aplicam a lei, mas apenas fiscalizam e constatam a sua incidência, assegurando o respeito e a obediência às consequências (eficácia ou efeito jurídico) da incidência da regra jurídica.

Oitavo: o lançamento tributário consiste na série de atos psicológicos e materiais e/ou jurídicos praticados pelo sujeito passivo (contribuinte), ou pelo sujeito ativo (Estado) da relação jurídica tributária, ou por ambos, ou por um terceiro, com a finalidade de, investigando e analisando fatos pretéritos:

a) Constatar a realização (núcleo e elementos adjetivos) da hipótese de incidência e a incidência infalível (automática) da regra jurídica tributária que ocorreu no momento em que aquela sua hipótese de incidência se realizou;

b) Captar o fato que realizou o núcleo (base de cálculo) daquela hipótese de incidência e que já estava predeterminado pela regra jurídica ao indicar a base de cálculo do tributo;

c) Proceder a transfiguração daquele núcleo (base de cálculo) em uma cifra aritmética, mediante a aplicação do método de conversão (peso, medida ou valor) já preestabelecido pela regra jurídica;

d) Calcular a quantidade aritmética do tributo, mediante a aplicação da alíquota (que fora prefixada pela regra jurídica) sobre o núcleo da hipótese de incidência (base de cálculo) agora já transfigurado numa cifra aritmética.

Nono: finalmente, também é indispensável ter bem nítidos os conceitos de inexistência, nulidade, anulabilidade e ineficácia dos fatos jurídicos.

O mesmo Alfredo Augusto Becker (1998, p. 130), após importantes apontamentos, questiona:

Havendo-se bem recordado, os nove supra indicados pressupostos, pergunta-se:

Por ocasião do lançamento do tributo (em cuja hipótese de incidência a lei não incluiu a ilicitude) pode-se abstrair a ilicitude porventura constatada?

a) Respostas afirmativas: quando a hipótese de incidência tem como elemento integrante fato econômico ou ato humano, considerados em sua realidade factícia. Se a ilicitude ocorre naquele fato econômico ou ato humano, ela não impede que o acontecimento daquele fato ou ato realize a hipótese de incidência tributária, porque aquilo que o legislador escolheu para a composição desta foi o fato econômico ou ato humano com abstração de sua natureza jurídica (lícita ou ilícita). Exemplo: o fato material consistente no consumo, importação ou produção de bens materiais. O ato humano consistente no exercício de profissão, indústria ou comércio.

Outro exemplo: o fato econômico consistente na renda, porém desde que uma ilicitude (causadora de nulidade ou ineficácia) não ocorra no negócio jurídico (contrato de compra e venda; emissão de ação ao portador) que esteja integrando a composição da hipótese de incidência tributária porque embora exista um dos seus elementos (a renda), falta ainda um elemento: negócio jurídico eficaz causador daquela renda.

Se a ilicitude determina a nulidade ou ineficácia do negócio jurídico, este é ineficaz e aquela renda não pode originar-se do negócio jurídico, pois este é ineficaz. A origem (causa) daquela renda é exclusivamente o ato humano subjacente àquele negócio jurídico ilícito. Porém, este ato humano não é o elemento integrante da hipótese de incidência em foco, porque o legislador escolheu um negócio jurídico como elemento adjetivo da renda.

Por outro lado, se o elemento integrante da hipótese de incidência fosse um ato humano então a hipótese de incidência poderá realizar-se ainda que tal ato humano venha acontecer ilícito. Exemplo: imposto de renda sobre remuneração de serviços médicos, advocatícios, engenheiros, etc. Nestes casos, haverá realização da hipótese de incidência tributária do imposto de renda, ainda que a prestação dos serviços venha a ser ilícita (exercício ilícito de advocacia ou medicina, etc.)

b) Resposta afirmativa: quando a hipótese da incidência tem como elemento integrante um efeito jurídico de um fato jurídico, porém a ilicitude deste fato não impede a irradiação do efeito jurídico. Exemplo: morte por suicídio é fato jurídico ilícito. Entretanto, a ilicitude deste fato não impede a irradiação do efeito jurídico consistente na transmissão de propriedade para os herdeiros do suicida. Em consequência, realiza-se a hipótese de incidência do imposto de transmissão de propriedade causa mortis.

c) Resposta afirmativa: quando a hipótese de incidência tem como elemento integrante o efeito jurídico de um fato jurídico, porém a ilicitude deste fato determina apenas a sua anulabilidade, ainda não decretada por sentença transitada em julgado (enquanto não decretada aquela sentença o ato jurídico anulável é eficaz). Exemplo: distribuição de dividendo por deliberação assembleiar anulável.

d) Resposta negativa: quando a hipótese de incidência tem como elemento integrante o efeito jurídico de um determinado fato jurídico e a ilicitude deste fato determina a sua nulidade ou ineficácia, Exemplo: morte por assassinato, sendo o assassino o único herdeiro. Neste caso, não há o efeito jurídico consistente na transmissão de propriedade. A inexistência da transmissão da propriedade deixa irrealizada a hipótese de incidência do imposto de transmissão de propriedade causa mortis.

e) Resposta negativa: quando embora o efeito econômico seja o elemento integrante da hipótese da incidência, aquele efeito econômico deva ser causado por um fato jurídico e a ilicitude deste fato determina sua nulidade ou ineficácia. Exemplo: emissão ilícita de ações ao portador e renda percebida por intermédio deste título.

f) Resposta negativa: quando a hipótese de incidência tem como elemento integrante um fato jurídico e este ocorre, porém ilícito. Exemplo: tanto a compra e venda lícita, quanto a ilícita, são fatos jurídicos. Entretanto, tem natureza jurídica distinta, justamente porque uma é lícita e outra ilícita. A ocorrência ilícita de um fato jurídico não realiza a hipótese de incidência tributária que esteja integrada com aquele fato jurídico, porque a regra jurídica tributária quando escolhe para composição de sua hipótese de incidência, um fato jurídico, refere-se implicitamente a fato jurídico lícito.

4.4 JURISPRUDÊNCIAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

No ordenamento jurídico brasileiro, há diversas posições jurisprudenciais corroborando a ideia da tributação dos atos ilícitos: 

a) PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 8.137/90. SONEGAÇÃO. IRRF. PIS. COFINS. QUADRILHA. ART. 288 DO CP. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ART. 299 DO CP. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PARCELAMENTO. TRIBUTAÇÃO DOS ATOS ILÍCITOS. PRESCRIÇÃO. AUTORIA. MATERIALIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. CONSEQÜÊNCIAS. MULTA. FIXAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO. 1. Tendo havido o lançamento definitivo do crédito tributário que originou a ação penal, com a correspondente inscrição em dívida ativa antes do oferecimento da denúncia, implementada está a condição objetiva de procedibilidade. 2. Inexistindo nos autos comprovação de parcelamento ou pagamento do débito, não há óbice ao prosseguimento da ação penal. 3. É possível a tributação do resultado econômico dos atos delituosos, havendo crime de sonegação fiscal em face da ausência de declaração ao Fisco dos rendimentos decorrentes das atividades ilícitas. Precedente do STF. (grifo do autor) 4. Tendo em conta as reprimendas fixadas em relação aos crimes de quadrilha e falsidade ideológica, declara-se extinta a punibilidade dos réus, pela prescrição retroativa, haja vista o transcurso de mais de quatro anos entre a data do último fato criminoso e o recebimento da denúncia. 5. Comete crime contra a ordem tributária o agente que, dolosamente, suprime o pagamento de tributos, omitindo do Fisco a percepção de rendimentos sujeitos à tributação. 6. A autoria do crime de sonegação fiscal é atribuída ao sócio ou preposto que exercia a gerência do empreendimento, mesmo se tratando de sócio minoritário ou havendo certa divisão de tarefas entre eles. Aplicação da teoria do domínio do fato, onde se considera autor quem tem o controle final do fato e decide sobre a prática, circunstância e interrupção do crime. 7. Descabe a aplicação da causa de aumento prevista no art. 12, I, da Lei 8.137/90 quando o valor subtraído da Fazenda Pública já foi considerado para o agravamento da pena-base, a título de conseqüências do delito. Precedente. 8. A 4ª Seção desta Corte firmou entendimento no sentido de que "a experiência e conhecimento técnico profissional podem ser valoradas como causa de maior reprovabilidade da conduta em crimes tributários", pois a circunstância judicial da culpabilidade prevista no artigo 59 do CP leva em consideração "anormal censura social ao ato criminoso, seja pela qualificação e preparo do agente, seja pela intensidade do seu dolo, seja por questões pessoais demonstrando fortemente que dele se esperava conduta diversa." (Emb. Inf. nº 1999.71.00.022647-6, Relator Des. Néfi Cordeiro, DJU 31/05/06). 9. Incide, na hipótese, a causa de aumento da continuidade delitiva (art. 71 do CP) conforme o período da participação de cada um dos denunciados na gestão da empresa. 10. A fixação da pena de multa deve observar os parâmetros do artigo 49 do CP, considerando a extinção do índice previsto no art. 9º, § único, da Lei 8.137/90 (BTN). 11. A pena privativa de liberdade, observados os requisitos do art. 44 do CP, pode ser substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, quando a condenação for superior a um ano de reclusão. Precedente da Quarta Seção do TRF/4. (TRF-4 - ACR: 231165320054047100 RS 0023116-53.2005.404.7100, Relator: LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Data de Julgamento: 21/03/2012, OITAVA TURMA, Data de Publicação: D.E. 03/04/2012).

b) PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. SONEGAÇÃO. IRPF. RECURSOS ORIUNDOS DE CRIME DE PECULATO. TRIBUTAÇÃO DOS ATOS ILÍCITOS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 2º, I, DA LEI Nº 8.137/90. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. ARTIGO 59 DO CP. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. SUBSTITUIÇÃO. 1. É possível a tributação do resultado econômico advindo de atos ilícitos. Portanto, há crime de sonegação fiscal quando ausente declaração ao Fisco dos rendimentos obtidos a partir de tais práticas. Precedente do STF (grifo do autor). 2. Demonstrado nos autos que a ré suprimiu Imposto de Renda Pessoa Física omitindo da Declaração de Ajuste Anual valores auferidos no respectivo ano-base, bem como não tendo comprovado sua origem, impõe-se a condenação às penas do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. 3. Subsumem-se ao art. 2º da aludida norma apenas as condutas que não produzem resultado, não sendo esse o caso dos autos. 4. Mantida a pena-base diante das 02 (duas) circunstâncias judiciais do art. 59 do CP desfavoráveis à acusada. 5. Presentes os requisitos do art. 44 do CP, deve ser efetuada a substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos. (TRF-4 - ACR: 10854 PR 1998.70.04.010854-0, Relator: ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, Data de Julgamento: 01/10/2008, OITAVA TURMA, Data de Publicação: D.E. 08/10/2008).

Aqui, dois casos peculiares, em que também se admite a tributação de atos ilícitos, porém a cobrança destes foi prescrita, em decorrência do princípio actio nata, ou seja, “um princípio do Direito segundo o qual a prescrição e decadência só começam a correr quando o titular do direito violado toma conhecimento de fato e da extensão de suas consequências” (SABBAG, 2010, p. 650):

a) EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SOCIEDADE. SÓCIO. ADMINISTRADOR. ATO ILÍCITO. PRESCRIÇÃO. ACTIO NATA. 1. Não é de ser decretada a nulidade da sentença que extingue a execução fiscal pela prescrição intercorrente sem oitiva prévia da Fazenda Pública, ausente prova do prejuízo. Precedentes do STJ. 2. A falência não configura modo irregular de dissolução da sociedade. Jurisprudência do STJ. Decretada a falência da devedora e sendo insuficientes os bens da massa, os sócios administradores respondem pelo débito tributário se praticaram atos ilícitos previstos no art. 135, inciso III, do CTN (grifo do autor). 3. A ausência de pedido de autofalência não implica, por si só, a responsabilização pessoal do sócio com poderes de administração. 4. A prescrição da cobrança do crédito tributário contra os sócios administradores da devedora, fundada na prática de ato com excesso de poder ou infração à lei ou ao contrato social, flui da data da constatação, nos autos, da prática do ato ilícito por força do princípio da actio nata. Precedente do STJ no AgRg no REsp 1.100.907/RS em 18.09.09. 5. Decorridos mais de cinco anos da elaboração do relatório do inquérito judicial pelo Síndico que descreve a prática de ilícitos na gestão da empresa, consuma-se a prescrição da pretensão de cobrança do tributo contra os administradores (grifo do autor). Negado seguimento ao recurso. (Agravo de Instrumento Nº 70054731997, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 24/05/2013).

b) EXECUÇÃO FISCAL. ICMS. FALÊNCIA. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE. ATO ILÍCITO. PRESCRIÇÃO. ACTIO NATA. 1. A prescrição da cobrança do crédito tributário contra os sócios-gerentes da devedora fundada na prática de ato com excesso de poder ou infração à lei ou ao contrato social flui da data da constatação, nos autos, da prática do ato ilícito por força do princípio da actio nata (grifo do autor). Precedente do STJ no AgRg no REsp 1.100.907/RS em 18.09.09. 2. Consuma-se a prescrição da pretensão de cobrança do tributo contra os sócios-gerentes da extinta devedora, depois de decorridos mais de cinco anos da elaboração do relatório do inquérito judicial pelo Síndico que descreve a prática de ilícitos na gestão da empresa. Negado seguimento ao recurso. (Agravo de Instrumento Nº 70048782502, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 15/05/2012). 


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frente a tudo o que foi demonstrado no presente Trabalho de Conclusão de Curso, pode-se concluir que toda e qualquer atividade que vá de encontro com a lei, em caso de originar um fato gerador previsto no Direito Tributário, deverá ser tributada sobre todos os rendimentos e quaisquer outras hipóteses que acompanhem a referida atividade, levando-se em conta sempre princípios básicos como moralidade, eficiência, isonomia e abstração da ilicitude.

Uma das bases para a tributação de atos ilícitos está na cláusula “pecunia non olet”. Como dito no parágrafo anterior, diante da ocorrência de um fato gerador de tributo, a receita tributária desvincula-se do próprio fato tributado e ninguém pode se escusar da obrigação tributária. Nesta seara, a cláusula “non olet” é um ponto que está cada vez mais consolidado na doutrina, encontrada frequentemente em decisões de tribunais.

Uma vez não tributados os atos definidos como ilícitos, o Estado, de certa forma, fomentaria e abriria o precedente para que os contribuintes se mantivessem na ilegalidade, dando a errônea ideia de que sobre o ilícito não incidem tributos e que o Estado dá respaldo a tal conduta. Todo e qualquer contribuinte deve ser tratado de forma isonômica, portanto inclui-se aqui aquele que obtém lucro e renda oriundos de atividades proibidas por lei, devendo ser considerada legítima toda a tributação sobre qualquer ato ilícito.

Os princípios da igualdade e da capacidade contributiva norteiam a legislação tributária, portanto, pode-se dizer que tributação igualitária, capacidade contributiva e extra fiscalidade formam uma cadeia peculiar. O princípio da igualdade proíbe o legislador de deixar de considerar as desigualdades oriundas dos fatos. Assim, é necessário sempre considerar que, em regra, as desigualdades existenciais também o são jurídicas.

A isonomia, seja ela tributária, seja de qualquer outro ramo de Direito, é tida universalmente com uma igualdade de direitos e deveres entre todo e qualquer cidadão que se encontre em situações semelhantes.

Mesmo que em algumas atividades seja dificultoso encontrar o fato gerador e o sujeito passivo da obrigação tributária e que elas, ainda, não configurem crime algum, como a prostituição, tais atividades ficam à mercê da tributação muitas vezes, portanto, ao Fisco não há outra possibilidade se não a de tributar baseado nos sinais exteriores de renda, sem questionar a origem desta. Uma vez que o tributo é um dever, ou seja, uma obrigação de dar que emana da capacidade contributiva de cada qual, todos os que estão gozando de direitos iguais, devem contribuir plenamente, respeitando-se sua capacidade contributiva, pois é justamente o princípio em questão que “impede” o contribuinte de buscar caminhos ardis e fraudulentos de obter seus proventos.


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OMIZZOLO, Matheus. Tributação de atos ilícitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5095, 13 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36527. Acesso em: 26 abr. 2024.