Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/36570
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Aspectos legais e constitucionais da maioridade penal

Aspectos legais e constitucionais da maioridade penal

Publicado em . Elaborado em .

Principais aspectos jurídicos pertinentes à polêmica da redução da maioridade penal e a importância das medidas socioeducativas e preventivas no combate a criminalidade por menores infratores.

                   Os debates acerca da redução da maioridade penal dividem opinião não apenas dos operadores do Direito, mas da sociedade como um todo, já que envolve questões afetas ao aumento dos índices de criminalidade, as políticas de segurança pública, a eficácia do Estado quanto à aplicabilidade das medidas socioeducativas, dentre tantas outras.

                   Não bastasse isso, não se faz possível discutir o tema com olhos voltados apenas para um ramo do Direito, já que a temática envolve aspectos do Direito Penal, Constitucional, da Criança e do Adolescente, Direitos Humanos, sem ignorar a sua inter-relação com outros ramos do Direito.

                   Ademais, o senso comum traz à baila argumentos diversos para defender ou criticar a redução da maioridade penal, sem, contudo, se preocupar em aferir a veracidade de tais fundamentos e, principalmente, as consequências de uma eventual alteração na legislação brasileira, embora as discussões se acirrem sempre que um delito ganha evidência, principalmente nos meios de comunicação de massa, e a sua autoria é atribuída a um menor de 18 (dezoito) anos de idade, contribuindo para o clamor social no tocante à adoção de medidas mais enérgicas quanto à punição do menor infrator.

                   Não é demais ressaltar que, não raras vezes, o senso comum contribui para difundir a errônea ideia de que os menores infratores restam impunes quando praticam algum ato contrário às normas jurídicas, impulsionados pelos meios de comunicação sensacionalista difundem a impunidade do menor infrator, bem como políticas de “tolerância zero” no combate à criminalidade.

                   Ocorre que, como preconiza Mirabete (2003, p. 211), o legislador brasileiro, ao tratar da imputabilidade penal, não considerou o “desenvolvimento mental do menor, que não está sujeito à sanção penal, ainda que claramente capaz”, pois observando critérios de política criminal preconizou que o menor de 18 (dezoito) anos de idade é inimputável penalmente.

                   Há, portanto, uma presunção de que o adolescente é um ser em desenvolvimento, pessoa incompleta, em fase de socialização e instrução e, por isso, não possui condições de compreender a ilicitude do ato e as consequências da sua conduta, como se extrai da Exposição de Motivos do Código Penal (BRASIL, 1984).

                   Factualmente muitas críticas são tecidas a manutenção da idade de 18 (dezoito) anos, uma vez que o referido diploma legal data da década de 1940, embora a sua Parte Geral tenha sido reformada em 1984, e é nela que  se encontra consagrada a regra da imputabilidade. Preconiza-se que o jovem do século passado não apresentava o mesmo desenvolvimento e discernimento, o que justificaria uma redução da idade para responsabilização penal.

                   Porém, o Estatuto da Criança e do Adolescente, editado no ano de 1990, e que veio adequar a legislação menorista à Constituição da República promulgada em 1988, com ela se adéqua, além de observar diplomas internacionais, consagrando a Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente.

                   Anote-se, ainda, que atento à necessidade de se resguardar ao máximo os interesses desses seres em desenvolvimento, o ECA elenca um rol de medidas socioeducativas em seu art. 112, que se aplicam aos adolescentes quando da prática do ato infracional (BRASIL, 1990) indo desde a advertência até mesmo a internação, sanção que tolhe a liberdade do adolescente infrator.

                   De igual forma, no bojo do ECA também se encontram consagradas medidas outras, que objetivam o acompanhamento do adolescente infrator, seja no âmbito familiar, na instituição de ensino, dentre outras, já que pode o magistrado, na análise do caso em concreto, estabelecer medidas que entender apropriada.

                   Desta feita, existem medidas previstas na legislação pátria a serem aplicadas à criança e adolescente que praticar algum ato contrário à legislação; e em que pese não se aplicar o Direito Penal ao adolescente infrator, as medidas socioeducativas consagradas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, se observarem os princípios que as regem, atendem aos fins propostos.

                   O que não se pode conceber é que se aceite o argumento de que o aumento da criminalidade, notadamente a praticada por menores de 18 (dezoito) anos seja suficiente para reduzir a idade para a responsabilização penal, principalmente porque se sabe que, na atualidade, o sistema prisional apresenta graves problemas, e a pena privativa de liberdade não vem cumprindo com a sua finalidade precípua, qual seja, ressocializar o infrator e, assim, proporcionar a sua reinserção na sociedade.

                   Por isso Santos (2007, p. 46) ressalta que a redução da maioridade penal contribuiria tão somente para inserir o jovem infrator em um convívio maléfico, levando-o para uma verdadeira “escola do crime” que se instalou nas penitenciárias brasileiras. Logo, investir nas medidas socioeducativas, que observam as peculiaridades do adolescente, é imperioso, pois só assim estar-se-á dando efetivas chances de reeducação, principalmente porque tais medidas são graduadas conforme a gravidade da infração cometida, permitem o acompanhamento familiar e não inserem o jovem infrator, como ocorreria na hipótese de ser o mesmo responsabilizado penalmente, nos estabelecimentos prisionais.

                   Nesse breve estudo não se faz possível apresentar os inúmeros argumentos favoráveis e contrários à redução da maioridade penal, a exemplo de ser o art. 228 da Constituição da República uma cláusula pétrea, ou mesmo a (in)eficácia das medidas socioeducativas, as mazelas do sistema prisional, dentre tantos outros.

                   Porém, como ressalta Costa (2009, p. 35), não se pode discutir a temática ignorando os princípios constitucionais, pois diante da prática de um ato infracional surge, para o Estado, o dever de aplicar uma medida socioeducativa, que deve observar, antes de qualquer coisa, o fato de que o adolescente se encontra na fase de desenvolvimento biopsicossocial, e a sua dignidade deve ser ao máximo resguardada, sob pena de se comprometer toda a sua vida.

                   Ademais, cogitar a redução da maioridade penal é clara afronta a Doutrina da Proteção Integral, consagrada na atual Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente, além de permitir um retrocesso, em uma época na qual se falava em um Direito Penal do Menor, nos idos do Código Criminal do Império, quando se conferia à criança e ao adolescente tratamento semelhante àquele dispensado ao adulto, sem sequer se preocupar com o discernimento.

                   Não se pode deixar de ressaltar, ainda, que países nos quais houve considerável redução da idade penal, no afã de reduzir a criminalidade, não se viu resultado satisfatório, sendo mister ressaltar a importância das medidas socioeducativas, que hoje, assim como o sistema prisional, também se apresentam falhas, priorizando, por conseguinte, a permanência do adolescente infrator junto à família, pois é dever do Estado, família e sociedade como um todo assegurar o exercício dos direitos e garantias fundamentais, inclusive quando da prática de atos infracionais.

                   De outro norte, as políticas públicas, entendidas como o conjunto de ações coordenadas pelos entes estatais em diversas áreas como saúde, educação, segurança e tudo que se refere ao bem-estar do povo, influenciando assim a vida de um conjunto de cidadãos, com o fim de alterar as relações sociais existentes, visando à resolução de problemas poderiam ser direcionadas a melhor efetivação da prevenção de cometimento de delito por menores de idade, bem como à aplicação de medidas socioeducativas àqueles que já o cometeram.

                    As políticas públicas têm o papel de solucionar determinados tipos de problemas enfrentados pela população de um dado espaço. Cabe, portanto, ao setor público, elaborar, planejar e executar tais políticas. Contudo, em muitos casos, elas não são planejadas e executadas de forma sistemática, pois os interesses das classes envolvidas são díspares (FREITAS, 2011, p. 143).

                    Neste cenário, impõe-se a necessidade de mudança no foco estratégico da atuação policial, que deve priorizar a prevenção, principalmente a prevenção inteligente, que diagnostica e age sobre as causas, fatores, circunstâncias, condições e pessoas vinculadas ao cometimento de crimes e desordens numa determinada área (ARAÚJO, 2001, p. 208-209).

                    Assim, uma política de segurança pú­blica não pode deixar de privilegiar ações voltadas para a inclusão social dos jovens, política essa que deve visar à integração destes à sociedade e deve ser expandida para que esta sociedade, juntamente com o Estado, enquanto poder público tenham condições de proporcionar a esses jovens a esperança de um futuro melhor. É indispen­sável e urgente reformar as estruturas so­ciais em benefício da justiça social, impondo um basta às desigualdades, reduzindo a mi­séria, expandindo a cidadania, prolongando a vida, interceptando as ações geradoras de violência, gerando, por conseguinte, o bem estar social (MAGALHÃES, 2013, p. 18)

                   Conclui-se, portanto, que a redução da idade para a responsabilização penal do jovem infrator, hoje estabelecida em 18 (dezoito) anos, vai de encontro aos princípios norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, e da Doutrina da Proteção Integral, consagrada também na Constituição da República de 1988,  e não contribuirá para a redução dos índices de criminalidade e violência que assola o país. Logo, é imprescindível que se invista em políticas públicas direcionadas tanto para a aplicação de medidas preventivas, como meio eficiente de evitar a inserção do menor de idade no âmbito criminoso, quanto para a eficácia das medidas socioeducativas voltadas à reeducação do adolescente infrator, pois lançá-lo no sistema prisional, que hoje se apresenta falho, é contribuir para o agravamento do complexo problema da violência.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Francisco Erivaldo Gomes de. O exercício do poder de polícia da Polícia Militar. Fortaleza: [s.e.], 2001.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil De 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 26 jan. 2015.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm. Acesso em: 26 jan. 2015.

BRASIL. Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7209.htm. Acesso em: 26 jan. 2015.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm. Acesso em: 26 jan. 2015.

COSTA, Antonio Gomes da. A Pedagogia Social e o Adolescente Autor de Ato Infracional. In: SOUZA NETO, João Clemente de; SILVA, Roberto da; MOURA, Rogério Adolfo (Orgs.). Pedagogia social. São Paulo: Editora Expressão e Arte, 2009.

FREITAS, O; RAMIRES, J. C. Políticas públicas de prevenção e combate à criminalidade envolvendo jovens. Caminhos de Geografia, Uberlândia, v.12, n. 37, p. 143, 2011.

MAGALHÃES, Antonio Carlos Silva. Novas experiências de políticas públicas para controle da criminalidade e da violência no Brasil. REBESP, Goiânia, v.5, n. 1, p. 18, 2013.

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual do Direito penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 1.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 2. ed. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007.



Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.