Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/37534
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O caráter contributivo do regime geral da previdência social

O caráter contributivo do regime geral da previdência social

Publicado em . Elaborado em .

O presente estudo trata de uma reflexão sobre a qualidade de segurado como um dos pressupostos para a concessão das prestações previdenciárias no Regime Geral de Previdência Social. Preliminarmente, mister destacar a noção de Previdência Social.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho dará margem a questionamentos sobre a situação das pessoas que embora atendam aos requisitos para receber benefícios, nunca contribuíram com a Previdência Social e por isso não fazem jus a receber tal benefício.

Serão abordados os princípios constitucionais da isonomia e dignidade da pessoa humana, na perspectiva de delinear os fatores ensejadores da (in)justiça social que ocorre pelo fato do sistema ser de caráter meramente contributivo.

Os questionamentos suscitados abrirão espaço para o surgimento de idéias ensejadoras de mudanças no sistema previdenciário brasilieiro.

O objetivo maior é ensejar perspectivas capazes de efetivamente garantir a dignidade da pessoa humana, o princípio da isonomia e acima de tudo que sejam respeitados todos os direitos humanos.

O surgimento da Previdência Social adveio  de um período em que o Estado era voltado para o bem-estar social (Welfare State). A previdência, espécie do gênero Seguridade Social nasceu para garantir o bem-estar dos trabalhadores que, por algum fator (idade avançada, doença e etc.) não pudessem mais trabalhar.[1]

A chamada Lei Eloy Chaves, Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, deu início ao seguro social financiado pelos próprios interessados. Tal denominação ocorreu em homenagem ao Deputado que foi um de seus maiores defensores, esse Decreto, criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões – CAPs - para os ferroviários, e foi a primeira norma previdenciária a ser editada no Brasil, permitindo a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões para as demais categorias profissionais.

Com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, após o ano de 1933, essas “CAPs” passaram a ser substituídas pelos diversos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs – que iam sendo criados e que agrupavam as categorias de trabalhadores e desvinculou-se dos empregadores. A partir da criação desses institutos, foram elaboradas leis especiais, independentes, isso porque além de serem reivindicadas constantemente, havia a grande necessidade de adequar as novas leis aos métodos e princípios mais modernos.

A Constituição Federal de 1934 pela primeira vez abordou o tema da proteção social do trabalhador sem prejuízo à instituição da previdência mediante contribuições análogas por parte da União, do empregador e do empregado. Em seguida, a Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, chamada também de Lei Orgânica da Previdência Social, organizou em um único instrumento legal toda a legislação referente à Previdência Social existente à época.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Carta Magna dedicou um capítulo à Seguridade Social,[2] englobando a previdência social, saúde e assistência social. O artigo 194 do diploma constitucional reza que "A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social".

A Seguridade Social, nos termos do art. 194 da Carta Constitucional de 1988 é o gênero do qual são espécies: a Saúde, art. 196 e seguintes; a Previdência Social, art. 201 e seguintes e a Assistência Social, artigos 203 e 204.

A previdência social tem caráter contributivo e a filiação é obrigatória, pois não basta que ocorra a contingência prevista em lei, mas é condição sine qua non que o trabalhdor esteja filiado ao regime para que possa usufruir dos benefícios previdenciários. Por outro lado, a assistência social independe de contribuição, o que lhe dá um caráter universal.

O sistema previdenciário brasileiro é composto de dois Regimes básicos, quais sejam: Regime Geral de Previdência Social e Regimes Próprios de Previdência dos Servidores Públicos e Militares e de dois Regimes Complementares de Previdência Social, sendo eles: o privado, que pode ser aberto ou fechado no RGPS, e o público, que por sua vez pode ser apenas fechado, nos Regimes Próprios de Previdência Social.

2. Objetivo

Analisar em profundidade os aspectos gerais do regime geral da previdência social; Identificar o caráter contributivo da Previdência Social imposto pela Constituição Federal; compreender a diferença entre previdência e assistência social; levantar sugestões para a existência de um sistema mais justo e equânime.

3.METODOLOGIA

Foi utilizado o método hipotético-dedutivo para analisar o instituto do caráter contributivo da Previdência Social frente ao princípio constitucional da isonomia.

Os métodos utilizados para elaborar a monografia foram o histórico e o monográfico. O primeiro para brevemente apresentar a evolução histórica da previdência social até os dias atuais. Já o segundo com a finalidade de estudar em profundidade todos os aspectos importantes relativos à especificidade do caráter contributivo, principalmente quando não tenha ocorrido contribuição.

4 .REFERENCIAL TEÓRICO

                 O sistema previdenciário está baseado na proteção dos trabalhadores. Segundo a Constituição Federal, circunstâncias como doença, invalidez ou idade avançada podem impedir as pessoas de proverem o seu próprio sustento. Ao longo do tempo, as sociedades desenvolveram sistemas de proteção para seus membros em situação de risco. O mais antigo desses sistemas de proteção social é o intrafamiliar, no qual, mediante a ajuda do grupo familiar, os idosos e os inválidos encontram amparo para sua sobrevivência. Muitas dessas pessoas porém, tem que se valer da “Assistência Social”, desde que cumpram determinados requisitos. Poderiam se valer da “Previdência Social”, mas se e somente se estiverem contribuído por determinado período.

                        Necessária a aplicação do princípio da proporcionalidade, adentrando no princípio da dignidade humana diante dos direitos fundamentais trazidos na Carta Magna. Os valores tornam-se preponderantes na busca por este equilíbrio, tais como a dignidade em sentido moral e jurídico, efetivamente; a igualdade tal como prevista em nossa Carta Magna, direito fundamental, no art. 5º, caput e a liberdade, o que remete ao antigo trinômio “igualdade, liberdade e fraternidade” parte de nossa história e de onde são captadas as premissas para o entendimento como algo maior que são os direitos humanos.

                        Segundo Ruy Barbosa Marinho Ferreira, a missão da Previdência Social é garantir condições básicas de vida, subsistência para seus participantes, de acordo com o padrão econômico de cada um. Daí o questionamento: e o princípio constitucional da isonomia?

5.  A NATUREZA DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

Contribuições previdenciárias são o resultado da intervenção estatal de forma direta no seio da sociedade, autorizado inclusive pelo artigo 3º da CF/88 afim de atingir os objetivos específicos elencados no artigo supra mencionado.

A redação dada à Constituição Federal, insere às contribuições sociais para custeio da seguridade social o caráter de tributo, inclusive incluindo-as no Capítulo do Sistema Tributário Nacional, dentro do Título que trata da Tributação e do Orçamento. Sendo assim, é pacífica a noção de que a contribuição previdenciária tenha natureza tributária, inclusive no entendimento do STF – Supremo Tribunal Federal – (ADIN nº 3.105 – Reforma Previdenciária).

As contribuições sociais aqui abalizadas são aquelas voltadas para o financiamento a seguridade social, tendo como escopo o custeio da saúde, da previdência e assistência social. Conforme descrito no artigo 149, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, as contribuições para a seguridade social devem observar as normas gerais em matéria tributária (artigo 146, III da CF), dando natureza tributária à contribuição.

Embora exista uma idéia de financiamento do sistema pela geração atual em favor das gerações futuras, fato é que existem exceções gritantes, que são abarcadas de forma injusta pelo rigor da sistemática utilizada. As exceções dizem respeito aos casos de pessoas que embora sejam acometidas por fatores que ensejariam em concessão de beneficio previdenciário, pelo simples fato de não terem contribuído, por algum motivo, dentro do prazo determinado pela lei, acabam por simplesmente serem excluídas do rol de pessoas com direito a receber esses benefícios, sem nenhuma chance de serem prestigiadas pelo “sistema”, não havendo uma segunda chance à essas pessoas, que na maioria das vezes, seriam as mais merecedoras de adentrarem no rol de segurados. Temos vários exemplos para ilustrar: uma pessoa que não estava contribuindo com a previdência após o período de carência, tem uma recaída na doença grave (câncer), fica internada alguns dias, falece, deixando dois filhos menores.... nesse caso os menores ficaram sem ter direito a receber a pensão por morte da mãe. Uma pessoa que sofreu aneurisma cerebral, fez cirurgia, que deixou seqüelas, sem instrução, a família não voltou a contribuir para o INSS, passou o período de carência, ela ficou impossibilitada para o trabalho e não conseguiu o auxilio doença previdenciário, quiçá, a aposentadoria por invalidez... finalmente, uma senhora acometida pelo câncer, nunca contribuiu, pois sua renda era pequena, não conseguiu se aposentar por invalidez, por não ter tido condições financeiras para contribuir. Esses são alguns exemplos da (in)justiça social! Seria essa a finalidade do “PRINCIPIO DA SOLIDARIEDAE SOCIAL” NO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO?

Tal questionamento se faz necessário porque cabe à Previdência Social a cobertura do risco social das contingências , especialmente, sob pena de ferimento ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, na forma do art. 1º, inciso III, da Carta Magna.Neste sentido,  a lição de Sérgio Nascimento que observa que o Brasil apresenta-se como um Estado Democrático de Direito que tem como um de seus objetivos, na forma dos artigos 1º e 3º, inciso I, da CF, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sendo certo que esses almejos devem sempre ser levados em conta pelo intérprete do texto normativo, especialmente, quando a matéria em debate é a previdenciária.

O parágrafo único do art. 194 da CF estabelece os princípios específicos da seguridade social, aos quais devem ser acrescidos os preceitos do caput e o § 5º do art. 195.[3]

6. PRINCÍPIOS DA SEGURIDADE SOCIAL

O mais amplo princípio da seguridade social está implícito na CF/88, e é o princípio da solidariedade social[4], no qual resta claro o dever da sociedade contribuir para o sistema previdenciário, inclusive por meio de impostos, independente de se beneficiar de todos os seus benefícios futuramente.

6.1 Princípio da Isonomia na Sistemática da Previdência Social

Em se tratando de Direitos de Segunda Geração, nos ditames da doutrina constitucionalista, a Previdência Social está presente inclusive nos direitos sociais constantes do preâmbulo da Constituição Federal, direitos esses que além de tudo, são cláusulas pétreas da Carta Magna, imutáveis, portanto.(art. 60, § 4º da CF/88).

Levando em consideração que o princípio da isonomia atualmente existe no sentido de tratar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam,[5] não há que se falar em exigência de contribuição às pessoas incapazes de cumprir com tal requisito, desde que necessite ser acolhida pelo sistema previdenciário.

Isso não é absurdo. Não levaria a Previdência à falência, como muitos alegam, pois, existem muitas formas de custeio para garantir a sobrevivência da instituição. Não é justo tratar da mesma forma uma pessoa incapaz de contribuir em relação a outra pessoa que naturalmente possui condições para tanto. Não é justo deixar pessoas desamparadas, pelo simples fato de que outros conseguem cumprir os requisitos estipulados pela lei.[6]

6.2 A Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana está inserto na Constituição Federal dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito, no qual se constitui a República Federativa do Brasil – art. 1º, III.

Diz respeito à máxima proteção aos indivíduos, exigida não somente pela Constituição Federal de 1988, bem como por vários tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte.

A dignidade da pessoa humana é um direito inalienável, imprescritível e irrenunciável, está agregado a vários fatores da vida das pessoas, como por exemplo, o trabalho, o lazer, a saúde, a paz, a liberdade e o desenvolvimento social.

Alexandre de Moraes a conceitua da seguinte forma:A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Para a efetivação do princípio, se faz necessário que todos tenham a proteção do Estado, sempre que houverem riscos sociais. Nesse diapasão, chegamos ao ponto chave de nossa discussão, pois, se houverem exigências que cerceiem dos indivíduos o direito de usufruir de benefícios, haverá uma gritante injustiça.

Existem outros princípios específicos:


6.3 Princípio da Universalidade da Cobertura e do Atendimento

O princípio enunciado no art. 194, parágrafo único, inciso I da CF, revela a adoção de um sistema protetivo amplo, o único capaz de atingir o bem-estar e a justiça sociais, que são objetivos da ordem social, conforme preceitua o art. 193, já comentado. O princípio em apreço está em consonância com o sistema adotado (seguridade social), uma vez que esta amplia a idéia de seguro social, o qual é dirigido apenas aos trabalhadores.

A proteção social passou por diversas fases: assistência privada, assistência pública, previdência social ou seguro social e seguridade social.

A seguridade social, fruto do constitucionalismo social que conferiu dignidade constitucional à questão social, é o instrumento utilizado pelo Estado para realizar o bem-estar e a justiça sociais, o que somente será realidade quando todos tiverem acesso a um padrão mínimo. Por isso, o princípio da universalidade é intrínseco à seguridade, na medida em que cabe ao Estado e à sociedade garantir a todos o mínimo necessário.

O princípio em tela prevê a universalidade da cobertura e do atendimento. A universalidade da cobertura corresponde às situações de riscos (objetos da seguridade social). É o elemento objetivo da universalidade. Constitui um vir a ser, uma vez que somente haverá a universalidade propriamente dita quando todas as situações de risco forem atendidas.

Já a universalidade do atendimento, que é a dimensão subjetiva do princípio, está ligada aos destinatários das prestações de seguridade social.

A universalidade deve ser entendida no sistema de seguridade social como um todo: em relação à saúde, todos são seus destinatários. Já no que tange aos recursos para a sobrevivência, quando diante da incapacidade de auferi-los por conta própria, temos a previdência, a qual é dirigida aos trabalhadores e seus dependentes, e a assistência que é destinada aos necessitados. O mencionado princípio relaciona-se às prestações e aos beneficiários da seguridade social.

6.4 Princípio da Uniformidade e Equivalência das Prestações

                        O inciso II do parágrafo único do art. 194 estabelece a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais. Historicamente, o tratamento dado ao trabalhador rural foi inferior àquele dispensado ao trabalhador urbano.

 Este princípio também consagra a equivalência dos benefícios e serviços. Isso significa que as regras infraconstitucionais que não atendam ao conteúdo do princípio, tanto no que se refere aos tipos de prestações concedidas, quanto aos critérios para apuração do seu valor, não encontram fundamento de validade na Constituição.

No entanto, deve-se observar que a equivalência dos benefícios e serviços deve ser isonômica, ou seja, se o trabalhador rural contribui de forma diversa do urbano, os benefícios deverão ter relação a sua forma de custeio. A própria Constituição, no § 8º do art. 195 estabeleceu forma diversa do segurado especial contribuir.

6.5 Princípio da Irredutibilidade do Valor dos Benefícios

A irredutibilidade do valor dos benefícios, prevista no art. 194, parágrafo único, IV, está relacionada ao seu valor nominal. O benefício não pode ser reduzido. Esse princípio também é aplicado à remuneração dos trabalhadores em atividade (art. 7º da CF), salvo acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Em relação à manutenção do valor real dos benefícios previdenciários, prevista no § 4º do art. 201 da Constituição, assegura “o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei”. Referido dispositivo, relaciona-se ao poder aquisitivo que deve ser observado no reajuste dos benefícios de previdência social. Ressaltamos que os critérios são fixados em leis e não podem afetar a preservação do valor real. Com efeito, não encontrará fundamento de validade, na Constituição, o indexador fixado pelo legislador que não preservar o valor real do benefício. Mas, por outro lado, na determinação do percentual de reajuste, deve ser considerado o enunciado do § 5º do art. 195, o qual contém o princípio da contrapartida.

Mister salientar que a manutenção do valor real é dirigida apenas à previdência social, enquanto a irredutibilidade do valor dos benefícios destina-se a toda a seguridade social.


6.6  Princípio da Eqüidade na Forma de Participação no Custeio

Os princípios da eqüidade na forma de participação no custeio e da diversidade da base de financiamento referem-se ao custeio da seguridade.

Na eqüidade deve ser considerada a capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação, uma vez que o art. 193 estabelece como objetivo da ordem social, a justiça social.

Mas a eqüidade na forma de participação no custeio não se reduz apenas na apreciação da capacidade contributiva. A ela devem ser acrescentadas as especificidades relacionadas com o sistema de seguridade social.

A primeira especificidade a ser considerada é a observância da relação entre a contribuição e as prestações, devendo ser estabelecidas contribuições segundo o risco apresentado pelo contribuinte. Se maior o risco social, maior a contribuição.

Outra especificidade, do princípio em comento, é a utilização da mão-de-obra, a qual não deixa de ser um desdobramento da especificidade acima comentada (produção de riscos sociais), uma vez que se a atividade utiliza pouca mão-de-obra estará contribuindo para a produção do risco social que a Constituição já determinou, no art. 201, III, que deve ser coberto com benefício previdenciário (proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário). Também, o § 9º do art. 195, com a redação que lhe fora atribuída pela EC nº 20/98, explicitou a possibilidade de “alíquotas ou bases de cálculo diferençadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra”. Entendemos que, mesmo antes da referida emenda, era possível a adoção de alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, dados os princípios que regem a matéria.


6.7 Princípio da Diversidade da Base de Financiamento

O princípio da diversidade da base de financiamento deve ser entendido a partir da história do financiamento do sistema protetivo. No modelo alemão de seguro social, concebido por Bismarck, o financiamento estava relacionado à remuneração do trabalho, contribuindo tanto o empregador como o trabalhador.

O Brasil adotou o modelo acima, sendo que a remuneração era o fator de produção que tinha maior expressão econômica. Entretanto, houve alteração desse quadro, decrescendo o fator trabalho em face do aumento do capital, diminuindo proporcionalmente a receita sobre aquele fator. Além disso, o sistema protetivo foi ampliado com a Constituição de 1988, passando de modelos isolados, que visavam proteger determinados setores da população, para um sistema de seguridade social, o qual objetiva atender a todos os cidadãos nas situações geradoras de necessidades. Para tanto, necessita de outros sinais de riqueza.

Assim, a Constituição determinou a diversificação de bases de financiamento, o que significa utilizar outras fontes, além da folha de pagamento, uma vez que somente esta já não é suficiente para custear a totalidade das prestações de seguridade.

7  FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL

 “É a Previdência Social o segmento da Seguridade Social, composta de um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social, mediantes contribuição, que tem por objetivo proporcionar meios indispensáveis de subsistência ao segurado e sua família, contra contingências de perda ou redução da sua remuneração, de forma temporária ou permanente, de acordo com a previsão da lei”. (MARTINS, Sérgio Pinto, 2004).

Para garantir a existência da proteção social, a Constituição prevê meios que dizem respeito ao financiamento da seguridade social, nos quais a responsabilidade prevista no caput do art. 195 da Carta Magna, é de toda a sociedade de forma direta e indireta. Tal participação traduz o princípio da solidariedade, aplicável à proteção social. A forma indireta é financiada por meio dos recursos que as pessoas jurídicas de direito público interno destinam dos seus orçamentos, compostos de receitas advindas da tributação, que é suportada pela sociedade, o que justifica a denominação “indireta”. Já os recursos dos concursos de prognósticos promovidos pelo poder público constituem, financiamento indireto.

No caso da saúde, a própria Constituição, no art. 198, § 2º, com a redação dada pela EC nº 29/2000, estabeleceu que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão destinar recursos do orçamento fiscal para a saúde, sendo que, a União vai destinar esses recursos na forma definida em lei complementar, conforme art. 198, § 2º, I.

Na forma direta de financiamento, a participação da sociedade efetua-se por meio das contribuições sociais, elencadas nos arts. 195 e 239, da Constituição Federal, além de outras fontes, instituídas pela competência residual, prevista no § 4º do art. 195, e através de previsão decorrente do poder constituinte reformador. Cumpre salientar que o art. 195, §5º da CF determina que o sistema de seguridade exige a previsão de custeio prévio. [7]

Assim, as mudanças econômicas e a ampliação do sistema protetivo instituído pela Constituição Federal de 1988, estabeleceu o princípio da diversidade de bases de financiamento, que impõe a existência de outras bases de financiamento, além da remuneração do trabalho, uma vez que ultrapassada e insuficiente para custear todos os benefícios de seguridade. Este novo modelo, abrange, além da previdência; saúde e assistência.


8  O ELEMENTO “CONTRIBUTIVIDADE”

                        A Previdência Social é um sistema que exige contribuição do empregado e do empregador para a manutenção de aposentadorias e pensões. Trata-se de uma espécie de seguro, no qual o segurado contribuinte investe através de sua contribuição, com o intuito de um dia receber como aposentado o que recebia quando trabalhava. Tudo para tentar chegar à idade avançada com um mínimo de dignidade.

                        O que se almeja é que a contribuição acumulada por 35 anos sobre um percentual do seu salário, lhe assegure um benefício compatível com sua remuneração em atividade.

                        Já a Assistência Social não exige contribuição por parte do indivíduo que necessita, o financiamento é fiscal com recursos da União. Constitui um programa de renda mínima, com contribuições ou não dos beneficiários, dando respaldo necessário aos que não tem capacidade de adquirir renda.

                        A grande injustiça que abarca a forma de custeio da Previdência Social advém dos  desvios das contribuições previdenciárias para financiamento de saúde, habitação, alimentação, mesmo dos trabalhadores urbanos, e dos inúmeros programas de desenvolvimento do país, que acabam por provocar o chamado “Déficit da Previdência.

9  A EXIGÊNCIA DA QUALIDADE DE SEGURADO

A manutenção da qualidade de segurado é um dos requisitos para a concessão de todos os benefícios por incapacidade, quais sejam: aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente. A regra é de que o segurado mantém a qualidade de segurado enquanto mantiver suas contribuições previdenciárias para o Sistema. As exceções encontram-se previstas no artigo 15, da Lei n. 8.213/91:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória; 

IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;

V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;

VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.

§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. 

§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.

§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos”.

Os demais pressupostos para a concessão desses benefícios se diferem de acordo com o risco social abarcado por cada um deles, ou seja, incapacidade permanente, incapacidade temporária e seqüela redutora da capacidade laborativa resultante de acidente de qualquer natureza, doença do trabalho ou profissional; e da natureza da prestação, que é condicionante para a exigência ou não de carência mínima, para os benefícios de auxílio doença e aposentadoria por invalidez. Quanto ao auxílio-acidente, não é necessário um número mínimo de contribuições.

O artigo 102, da Lei n. 8.213/91, elenca as conseqüências da perda da qualidade de segurado:

Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

§ 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)

§ 2º Não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior”. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

O artigo 102 da Lei n. 8.213/91, exclui o direito à aposentadoria por invalidez, ao auxílio-doença e ao auxílio acidente, àqueles segurados que perderam a qualidade de segurado, nos termos do artigo 15, da mesma Lei de Benefícios. Porém, o aplicador do direito deve observar outras normas do ordenamento, afim de utilizar a mais perfeita hermenêutica constitucional no caso concreto.

A Constituição da República Federativa do Brasil reza que:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.”

Conforme dispõe o artigo 3º, da Lei n. 10.666/2003, a qualidade de segurado é mantida para os benefícios de aposentadoria por idade, tempo de contribuição e especial:

Art. 3o A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial. 

§ 1o Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.

§ 2o A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do § 1o, observará, para os fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3o, caput e § 2o, da Lei no 9.876, de 26 de novembro de 1999, ou, não havendo salários de contribuição recolhidos no período a partir da competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991.

Entretanto, há uma exigência de um número mínimo de contribuições para a aquisição do direito aos benefícios previdenciários que exigem carência, conforme dispõem os artigos 24, 25, inciso I, e 142, todos da Lei n. 8.213/91:

Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.

Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.  (Vide Medida Provisória nº 242, de 2005)

Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:

I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais

Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício:”

Ano de implementação das condições

Meses de contribuição exigidos

1991

60 meses

1992

60 meses

1993

66 meses

1994

72 meses

1995

78 meses

1996

90 meses

1997

96 meses

1998

102 meses

1999

108 meses

2000

114 meses

2001

120 meses

2002

126 meses

2003

132 meses

2004

138 meses

2005

144 meses

2006

150 meses

2007

156 meses

2008

162 meses

2009

168 meses

2010

174 meses

2011

180 meses

Ao observar essas normas, podemos concluir que a partir da EC 20/98, a Constituição Federal, expressamente atribuiu caráter contributivo à Previdência Social.

Vários autores atribuem essa nova característica da Previdência Social, como sendo um de seus princípios específicos, ao lado da filiação obrigatória, do equilíbrio financeiro e atuarial, da garantia ao benefício mínimo, da correção monetária dos salários de contribuição, da preservação real do valor dos benefícios, da facultatividade de previdência complementar e da indisponibilidade dos direitos dos beneficiários.

Em 08/05/2003 foi editada a Lei n. 10.666 que, em parte, regulamentou infraconstitucionalmente, no artigo 3º, o novo princípio constitucional do caráter contributivo para os benefícios de aposentadoria por idade, por tempo de contribuição e especial. Segundo essa regulamentação legal, para a concessão de alguns benefícios (aposentadoria por idade, por tempo de contribuição e especial), não mais se exige a qualidade de segurado como um de seus requisitos, quando já houver o cumprimento da carência exigida pela lei.

Já em relação aos benefícios por incapacidade, não há que se falar em inexigência de contribuição, o que se mostra incoerente, uma vez que o risco social se torna ainda mais gritante.

Trata-se de omissão legislativa, que deve ser sanada pela analogia (art. 4º, da LICC), porém, só poderá ser utilizada quando o segurado houver perdido a qualidade de segurado, mas houver cumprido o prazo de carência previsto nos artigo 25, inciso I ou 142 da Lei 8.213.

O artigo 3º, da Lei n. 10.666/03, preleciona: “nos casos de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença (incapacidade comprovada) a situação ainda não foi disciplinada pelo legislador ordinário, mas, como há relação de semelhança com a aposentadoria por idade (incapacidade presumida), pode, em tese, tal lacuna ser preenchida por analogia”.

Desta forma, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, possui julgados admitindo a aplicabilidade da tese em comento:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. PRESENÇA. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. CUSTAS. ISENÇÃO. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. I - Agravo Retido interposto pelo réu não conhecido, tendo em vista o disposto no parágrafo 1º, do art. 523 do Código de Processo Civil. II- A questão dos reflexos da perda da qualidade de segurado nos benefícios por incapacidade não se trata de relação que o legislador tenha procurado regular negativamente. III - São manifestas as relações de semelhança entre a situação de perda da qualidade de segurado na aposentadoria por idade (incapacidade presumida) e a situação de perda da qualidade de segurado nos benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença (incapacidade comprovada), tendo em vista que ambos benefícios objetivam a proteção da incapacidade laborativa, além do que a proteção social referente à incapacidade laborativa por invalidez e doença encontra-se prevista no mesmo dispositivo constitucional (art. 201, inciso I, da CF/88) que também se destina à proteção social do evento idade avançada. IV - A perda da qualidade de segurado não causa óbice à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez se já havia sido cumprida a carência para a concessão do benefício de aposentadoria por idade. Integração do direito para preenchimento de lacuna por analogia, em razão das situações previstas no art. 3º, da Lei nº 10.666/2003. V - Com a edição da EC nº 20/98 a previdência social brasileira passou a ter caráter nitidamente contributivo, não se justificando, portanto, que, em virtude da perda da qualidade de segurado, sejam desprezadas, nos benefícios por incapacidade, as contribuições já vertidas ao sistema por período equivalente ao prazo de carência estabelecido pelo art. 25, inciso II, da Lei 8.213/91, ou seja, o maior prazo de carência mínima estabelecido pela legislação previdenciária, ou equivalente aos prazos da tabela prevista no art. 142 da mesma lei. VI - O termo inicial do benefício deve ser considerado a partir da data da perícia médica judicial, quando constatada a incapacidade do autor, conforme precedente do C. Superior Tribunal de Justiça (STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, RESP 354401/MG, v. u., DJ 08.04.2002). VII - A correção monetária incide sobre as prestações em atraso, desde os respectivos vencimentos, na forma da Súmula 8 do E. TRF da 3ª Região, observada a legislação de regência especificada na Portaria nº 92/2001 DF-SJ/SP, de 23 de outubro de 2001, editada com base no Provimento nº 26/01 da E. Corregedoria-Geral da Justiça da 3ª Região. VIII- Os juros moratórios devem ser calculados a partir do mês seguinte à publicação do presente acórdão, de forma decrescente, à taxa de 1% ao mês, nos termos do art. 406 do Código Civil e do art. 161; § 1º, do Código Tributário Nacional, incidindo tais juros até a data de expedição do precatório, caso este seja pago no prazo estabelecido pelo art. 100 da CF/88 (STF, RE n.º 298.616-SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, maioria, julgado em 31 de outubro de 2002, DJ de 20/10/2006, p. 84). IX - Ante a sucumbência recíproca cada uma das partes arcará com as despesas que efetuou, inclusive verba honorária de seus respectivos patronos, nos termos do art. 21 do Código de Processo Civil. X - A autarquia está isenta de custas e emolumentos. XI - Benefício que deve ser implantado de imediato, tendo em vista o "caput" do artigo 461 do CPC. XII- Agravo Retido interposto pelo réu não conhecido. Apelação da parte autora parcialmente provida.” (TRF da 3ª Região. 10ª Turma. Proc. n.: 2005.03.99.051813-5, AC 1076199. Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento. j. 22/05/2007. DJU:06/06/2007)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. TRABALHADOR URBANO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PRELIMINAR. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. DESNECESSIDADE. LAUDO PERICIAL. ART. 436 CPC. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. ANALOGIA. ART. 3º DA LEI Nº 10.666/03. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. TERMO INICIAL. CUSTAS. ISENÇÃO.  (...) III - A questão dos reflexos da perda da qualidade de segurado nos benefícios por incapacidade não se trata de relação que o legislador tenha procurado regular negativamente. IV - São manifestas as relações de semelhança entre a situação de perda da qualidade de segurado na aposentadoria por idade (incapacidade presumida) e a situação de perda da qualidade de segurado nos benefícios de aposentadoria por invalidez e auxílio-doença (incapacidade comprovada), tendo em vista que ambos benefícios objetivam a proteção da incapacidade laborativa, além do que a proteção social referente à incapacidade laborativa por invalidez e doença encontra-se prevista no mesmo dispositivo constitucional (art. 201, inciso I, da CF/88) que também se destina à proteção social do evento idade avançada. V - A perda da qualidade de segurado não causa óbice à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez se já havia sido cumprida a carência para a concessão do benefício de aposentadoria por idade. Integração do direito para preenchimento de lacuna por analogia, em razão das situações previstas no art. 3º, da Lei nº 10.666/2003. VI - Com a edição da EC nº 20/98 a previdência social brasileira passou a ter caráter nitidamente contributivo, não se justificando, portanto, que, em virtude da perda da qualidade de segurado, sejam desprezadas, nos benefícios por incapacidade, as contribuições já vertidas ao sistema por período equivalente ao prazo de carência estabelecido pelo art. 25, inciso II, da Lei 8.213/91, ou seja, o maior prazo de carência mínima estabelecido pela legislação previdenciária, ou equivalente aos prazos da tabela prevista no art. 142 da mesma lei. (...) XII - Preliminar rejeitada. No mérito, apelação da autora parcialmente provida.” (TRF da 3ª Região. 10ª Turma, AC n. 1999.03.99.097274-9, Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento, v.u. participaram do julgamento os desembargadores Federais Castro Guerra e Galvão Miranda. j. 17/08/2004. DJU de 13/09/2004, Seção II, p. 524).

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalmente, faz-se é necessária a atenta aplicação da Constituição Federal, utilizando-se, nos casos de omissão, de todos os meios de integração do direito para a concretização da justiça social.

Por sua vez, existe a assistência social[8] para proteger as famílias de determinados riscos sociais, entretanto, as exigências para a consecução de tais benefícios nem sempre deixam abertura para todos aqueles que necessitam de amparo.

Para que exista proteção aos realmente necessitados, torna-se necessária uma visão sistemática de todo o ordenamento jurídico, desde a Carta Magna em conjunto com toda a legislação esparsa, sendo ainda necessário, para o alcance deste intento, a análise de cada norma de forma específica, comparando-as, para que o intérprete alcance o real sentido da Seguridade Social e suas subdivisões.

A proposta da autora para solução das injustiças que acontecem àqueles que trabalharam a vida toda, de forma informal e sem condições para contribuir, ou àqueles que sempre foram acometidos por doenças e não puderam trabalhar, e não são abarcados pelas exigências da LOAS, é que a exigência de contribuição deve ser relativizada, por exemplo, utilizando como respaldo jurídico, a aplicação da analógica do art. 3º da Lei n. 10.666/2003 e os princípios gerais de direito.

11 – REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e documentação – referências – elaboração. Rio de Janeiro, 2002. 24p. Disponível em:
http://www.unb.br/ciord/informacoes/defesa/abnt_nbr6023_2002_referencia.pdf>. Acesso em: 22 set. 2011.

BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas – Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 7. ed. atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

BIGOLIN, Giovani. A Reserva do Possível como Limite à Eficácia e Efetividade dos Direitos Sociais. Disponível em <http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br>. Acesso em 25 de abril de 2006.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, n.191-A, 5 out. 1988.

BRASIL. Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 de julho de 1991.

COMPARATO, Fábio Konder. Direito Público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996 p. 59.

FERREIRA, Ruy Barbosa Marinho. Manual de Prática Previdenciária. 4ª edição, Anhanguera Editora Jurídica. Leme/SP, 2011.

INSS: Revista da Previdência Social – 88 anos. Disponível em: http://www.inss.gov.br/conteudoDinamico.php?id=422. Acesso em 25 set. 2011.

Martins, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social, 18ª edição, São Paulo, Atlas, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Origem e evolução legislativa no Brasil. Disponível em: http://www.angelfire.com/ar/rosa01/direito153.html acesso em 12/12/2011.

[1]  Antes da EC nº 20/98, o que existia eram institutos previdenciários em que o objetivo principal era a concessão de benefícios, assistência financeira e serviços que garantiam aos segurados e seus dependentes empréstimos financeiros, auxílio-natalidade e outros benefícios de cunho meramente assistencial.

[2] A Constituição da República conceitua a a seguridade social como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194)

[3] Sérgio Pinto Martins, por sua vez assim conceitua Seguridade Social:“O Direito da Seguridade Social é um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

[4] No direito brasileiro a solidariedade resulta de expressa previsão legal ou da vontade das partes, portanto, não se admite sua aplicação de forma presumida ou por analogia.

[5] “As chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal”.

[6] O inciso I do artigo 3ºda CRFB/88 prevê que constitui como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a redução das desigualdades sociais.

[7] “A contribuição de seguridade social possui destinação constitucional específica. A contribuição de seguridade social não só se qualifica como modalidade autônoma de tributo (RTJ 143/684), como também representa espécie tributária essencialmente vinculada ao financiamento da Seguridade Social, em função de específica destinação constitucional.” (ADC 8-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-10-1999, Plenário, DJ de 4-4-2003.)

[8] LEI 8742/93, LOAS: Art. 1.º. A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.


Autor

  • Irmann Genari

    Graduada em Direito pela Universidade de Uberaba - MG em 2008, Advogada militante nas áreas previdenciária, tributária, cível, família e trabalhista desde o ano de 2009, pós graduada pela Universidade Anhanguera - Uniderp em 2012 na área de Direito Previdenciário & Magistério Superior em Direito; foi conciliadora cível pelo TJMG do período de 2007 a 2009; Analista Governamental em Direito na Prefeitura Mun. de Uberaba desde o ano de 2011, lotada na Procuradoria Geral do Município; Membro do COMAM, gestão 2012-2014; membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/MG.

    Textos publicados pela autora

    Site(s):

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.