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As pessoas jurídicas no Novo Código Civil

As pessoas jurídicas no Novo Código Civil

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INTRODUÇÃO

Cada vez mais, fico impressionado com a facilidade com que são expostas questões técnicas de direito, sem qualquer compromisso com o sistema jurídico vigente ou sem um prévio e acurado estudo das fontes e princípios que o regem. Essa é, ao meu ver, a situação em que se encontra a chamada Teoria da Empresa, nos moldes em foi adotada no nosso novo Código Civil.

É assombroso ver que alguns profissionais do direito apregoam a extinção do direito comercial, do comerciante ou do próprio comércio, apenas em razão da revogação, parcial, do Código Comercial, como se isso fosse possível.

Há, até, os que fazem referências ao direito italiano, sem que, ao que parece, tenham ao menos lido o seu Código Civil. O tivessem feito, e saberiam que a fonte de onde foram retiradas, em grande parte, as disposições do Livro II, do referido Código Civil, e que versa sobre "O Direito de Empresa", no Código Civil Italiano, que data de 16 de março de 1942, está incluído no seu Livro V, que trata "Do Trabalho", isso porque ajustado ao regime facista, então em vigor, unificou não só o Direito Civil e o Comercial, mas, também, o Direito do Trabalho, matéria que o nosso regime protecionista não se atreveu a tratar.

Vejamos, assim, dentro de nossas parcas possibilidades, os sistemas de interpretação das leis; o direito comparado, italiano, sobre o assunto; as disposições do novo Código Civil pátrio, que abeberou-se em suas fontes; e a doutrina, quanto à hermenêutica e exegese da norma em vigor, para aclarar o mercado jurídico.


A HERMENÊUTICA

Ensinava CARLOS MAXIMILIANO, sobre a tarefa do intérprete da lei, que "não lhe compete apenas procurar atrás das palavras os pensamentos possíveis, mas também entre os pensamentos possíveis o único apropriado, correto, jurídico" [1]. Foi, também, o insigne Ministro da Corte Suprema quem melhor definiu os métodos de diagnose, subsunção e interpretação das leis, ao tratar dos requisitos para utilização dos diversos métodos disponíveis aos juristas. Sobre a interpretação gramatical, dizia o mestre:

O processo gramatical exige a posse dos seguintes requisitos:

1.conhecimento perfeito da língua empregada no texto, isto é, das palavras e frases usadas em determinado tempo e lugar; propriedades e acepções várias de cada uma delas; leis de composição; gramática;

2.informação relativamente segura, e minuciosa quanto possível, sobre a vida, profissão, hábitos pelos menos intelectuais e estilo do autor; orientação do seu espírito; leituras prediletas; abreviaturas adotadas;

3.notícia completa do assunto de que se trata, inclusive a história respectiva;

4.certeza da autenticidade do texto, tanto em conjunto como em cada uma das suas partes. [2]

Adotado esse critério, vimos que o legislador pátrio foi buscar no ordenamento italiano sua fonte. Observamos, também, que as expressões utilizadas o foram em sua acepção e sentido jurídico dos institutos, não vulgar, como é próprio aos renomados juristas que compuseram a Comissão, da qual resultou a lei civil unificada, de cujas lições extraímos o espírito que norteou a opção legislativa e seus ensinamentos, que serão oportunamente apontados, corroborando nosso entendimento. Verificamos, ainda, no direito italiano, o histórico da norma ora importada. Enfim, procedemos, passo a passo, sob a guia do saudoso jurista, para esboçarmos a interpretação que abaixo nos permitimos externar.

Fizemos mais, adotamos, também, os demais métodos interpretativos, inclusive o processo sistemático, hoje melhor aceito pela doutrina e jurisprudência, que consiste, na lição do citado mestre, "em comparar o dispositivo sujeito à exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto" [3], confrontando "a prescrição positiva com outra de que proveio, ou de que da mesma dimanaram; verifica-se o nexo entre a regra e a exceção, entre o geral e o particular, e deste modo se obtêm esclarecimentos preciosos." [4] Assim, comparamos o disposto no artigo 966 e seu parágrafo único com os demais dispositivos do Código sobre o assunto, seja na parte geral das pessoas jurídicas, seja no próprio Livro sobre o Direito de Empresa, seja nas disposições finais transitórias. Enfim, confrontamos regra e exceção, o geral e o particular, de modo a obter os almejados esclarecimentos preciosos.

Fomos além, seguindo o método de CARLOS MAXIMILIANO, culminamos o método sistemático, com o exame do Direito Comparado, que,

"levado às suas últimas conseqüências, naturais, lógicas, induz a pôr em contribuição um elemento moderníssimo – o Direito Comparado. Efetivamente, deve confrontar-se o texto sujeito a exame, com os restantes, da mesma lei ou de leis congêneres, isto é, com as disposições relativas ao assunto, quer se encontrem no Direito nacional, quer no estrangeiro; procura-se e revela-se a posição da regra normal no sistema jurídico hodierno, considerado no seu complexo." [5]

E o fizemos, porque o nosso legislador entendeu por recepcionar o Direito de Empresa do Código Civil italiano. Segundo HERMES LIMA, "chama-se recepção a adoção por certo país, como próprio, de um direito estrangeiro" [6]. No mesmo sentido, BOBBIO esclarece que "fala-se de reconhecimento ou recepção quando existe um fato social precedente ao Estado ou, de qualquer maneira, independente deste, que produz regras de conduta a que o Estado reconhece (isto é, atribui) a posteriori o caráter da juridicidade ou, em outros termos, que o Estado recepciona (isto é, acolhe em bloco) no próprio ordenamento sem ter contribuído para a formação do seu conteúdo." [7]

Examinamos, também, o Direito de Empresa observado seu histórico nacional, porque, como se sabe, sua idealização nacional remonta a TEIXEIRA DE FREITAS, não sendo uma descoberta italiana. [8]

Examinamos, enfim, a melhor doutrina, inclusive os ensinamentos do Jusfilófoso MIGUEL REALE, coordenador dos trabalhos que resultaram no novo Código Civil, tudo a fim melhor fundamentar as conclusões a que chegamos.


A DOUTRINA

Dentro da lição de CARLOS MAXIMILIANO, acima cotejada, vamos investigar o pensamento dos integrantes da Comissão de Revisão do Projeto de Código Civil, não sem descurar que

Com a promulgação, a lei adquire vida própria, autonomia relativa; separa-se do legislador; contrapõe-se a ele como um produto novo; dilata e até substitui o conteúdo respectivo sem tocar nas palavras; mostra-se, na prática, mais previdente que seu autor. [9]

Citando FERRARA, diz que

A lei é a expressão da vontade do Estado, e esta persiste autônoma, independente do complexo de pensamentos e tendências que animaram as pessoas cooperantes na sua emanação. Deve o intérprete descobrir e revelar o conteúdo de vontade expresso em forma constitucional, e não as volições algures manifestada, ou deixadas no campo intencional; pois que a lei não é o que o legislador quis, nem o que pretendeu exprimir, e, sim, o que exprimiu de fato. [10]

Com essas ressalvas, iniciemos o estudo do Direito de Empresa, lendo MIGUEL REALE, para quem

Na Itália, que é indiscutivelmente, o país onde o Direito Comercial adquiriu maior altitude cultural, a tese da unificação do Direito Privado acabou triunfando. É obra dos nossos dias: o Código Civil Italiano é de 1942 e, com ele, se abriu um novo capítulo na história da codificação civil.

Observe-se que, na Itália, depois da unificação do Direito Privado, com o desaparecimento do Código Comercial, disputaram os autores para saber se desaparecera apenas o Código Comercial, ou se desaparecera também o Direito Comercial. Alguns mestres, como, por exemplo, Mário Rotondi, que é um dos grandes partidários da tese da unificação, sustentava que o Direito Comercial deixara de existir como disciplina autônoma.

Em contraposição a essa tese de Mario Rotondi, vemos um jurista insigne, Francesco Messineo, afirmar que, não obstante a inexistência do Código Comercial, ainda subsiste, com caracterização plena, o Direito Comercial, como um Direito autônomo.

Afirma, com razão, Messineo que o fato de existir ou não um Código não cria, ou extingue, o Direito correspondente, pois não se trata de autonomia legislativa, mas sim de autonomia científica. O Direito Comercial é um Direito autônomo, porquanto visa a determinados problemas, cuja existência se configura de forma clara e bem nítida nas relações sociais, sendo necessário, além do mais, ponderar que o Código Civil abrange matéria que não é toda de Direito Civil, assim como este não se contém por inteiro nesse Código. Pelas mesmas razões, além de se fundar nas normas constantes do Código Civil unificado, o Direito Comercial tem outras fontes legais, como, por exemplo, as leis sobre falência, títulos cambiais, etc. Ora, se vigora, separadamente, uma lei de falências, além de outras especiais, regulando as atividades empresariais, é porque, indiscutivelmente, persiste algo nos fatos sociais que não justifica o desaparecimento do Direito Comercial, como campo autônomo de pesquisa. [11]

Especificamente, sobre a mantença do Direito Comercial, nos trabalhos desenvolvidos no estudo do Projeto do novo Código Civil, disse o mestre que,

Continuarão a existir, lado a lado, o Direito Civil e o Comercial, pelos motivos já aduzidos.

Absurdo seria contestar o valor autônomo da atividade empresarial, a qual dá nascimento a certos tipos de associações, como, por exemplo, as sociedades anônimas. Haverá, sempre, um Direito Comercial relativo a essas organizações privadas constituídas por iniciativa dos empresários visando a fins de lucro, com base no investimento feito.

Além do mais, o Direito Comercial precisa de certas garantias, especialmente no que se refere ao crédito. Impõe-se a existência de um registro próprio, onde os atos dos empresários fiquem claramente salvaguardados, para que seja determinada a responsabilidade em relação a terceiros ou de terceiros. O registro das empresas é uma necessidade da própria mobilidade da vida econômica dos nossos dias.

O Direito Comercial não pode, nem deve desaparecer, embora as suas normas fundamentais passem a integrar o Código Civil. Foi esta a solução adotada pela Comissão Revisora do Código Civil, por nós presidida, que, além do Livro das Obrigações, apresenta outro, destinado a disciplinar a atividade negocial em geral, e a das empresas mercantis e industriais, em particular. A essa preferimos das o nome de Direito de Empresa, que abrange tanto a comercial como a industrial. [12]

Mais especificamente, sobre as pessoas jurídicas de direito privado, distinguindo as sociedades de natureza civil das de natureza comercial, acentuou o jurista MIGUEL REALE, que

As pessoas jurídicas de Direito Privado discriminam-se em duas grandes categorias: as civis e as mercantis, podendo aquelas também ser de fins econômicos. No Anteprojeto do Código Civil, elaborado pela Comissão por nós presidida, a matéria se acha disciplinada com maior rigor técnico e com terminologia mais apurada, distinguindo-se, consoante sua redação final, as:

a)entidades de fins não econômicos, que são sempre civis, compreendendo as associações e as fundações;

b)entidades de fins econômicos, que podem ser ou sociedades simples ou sociedades empresárias.

Não é mais possível continuar-se a empregar a antiga denominação de "sociedades mercantis", pois a empresa é uma estrutura que atende a outros ramos não menos relevantes de atividade econômica, como o é o industrial. Vamos, pois, dar aos termos "mercantil" ou "comercial" um sentido lato.

Por outro lado, há certas sociedades de fins econômicos que não são empresas, como as constituídas para exercer atividades de ensino, a advocacia, a medicina etc. Não basta o simples "escopo de lucro", para transformar um ente em sociedade de tipo empresarial, que pressupõe estrutura e organização específicas.

A esta altura da exposição surge por sinal uma pergunta. Se todas as associações e sociedades possuem uma forma e um conteúdo, isto é, uma estrutura e, ao mesmo tempo, um conjunto de finalidades a serem atingidas, que é que decide da natureza civil ou comercial (lato sensu) de uma pessoa jurídica?

Em regra, é o conteúdo, ou o tipo de atividade que dá qualificação jurídica a uma entidade e, não, a sua forma. Assim, por exemplo, se uma associação civil se organizar sob forma de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que é tipicamente comercial, será civil se visar, por exemplo, à satisfação de finalidades recreativas ou culturais. As associações caracterizam-se, de modo geral, pelo exercício de atividades de natureza comum a todos os membros da convivência, ou de atividades que exigem qualificação específica nas quais o elemento pessoal é dominante. [13]

É certo que há casos em que, apesar do objeto civil, a própria lei fez exceção à regra. É o que diz o ilustre Coordenador do Anteprojeto:

Nem sempre, porém, é o conteúdo que qualifica a entidade. Casos há em que a lei liga, de modo cogente, o problema da forma ao da caracterização jurídica, como se dá no caso das sociedades anônimas, as quais são sempre de natureza comercial, qualquer que seja o seu objeto. [14]

Vemos, pois, que é o próprio mentor do novo Código Civil que diz que é o objeto que indica a natureza jurídica, a estrutura, civil ou comercial, das sociedades, excetuados os casos em que a própria lei determina que não se observe a regra geral. A exceção confirma a regra, como dizia CARLOS MAXIMILIANO.

A alteração da denominação não altera a natureza jurídica das sociedades, ditada pela atividade que irá desenvolver. Conforme essa atividade, ou objeto, subsumir-se-á à estrutura jurídica ditada pelo Direito Civil ou pelo Direito Comercial. Estruturada sob as regras do Direito Civil, sua forma, ou seja, sua organização, será simples, qualquer que seja o tipo de sociedade escolhido pelos sócios, exceto a por ações, por expressa exceção legal.


O CÓDIGO CIVIL ITALIANO, FONTE DO NACIONAL.

Como vimos no intróito, o Código Civil Italiano, além de disciplinar as atividades profissionais, nas suas formas organizadoras e executórias, e seus objetivos intelectuais, técnicos ou manuais (Titulo I, art. 2060); disciplinou, também, "o trabalho em empresas" (titulo II), estabelecendo regras para as "empresas em geral" (Cap. I), onde, em sua Seção I, trata do "empresário", o qual, classifica como aquele que "exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada com o fim de produção ou troca de bens e de serviços" (titulo II, art. 2082); em sua Seção II, dispõe sobre os "colaboradores do empresário"; e, na seção III, versa a "relação do trabalho", tudo voltado a regular as diversas formas de trabalho, sob o ponto de vista do profissional, seja autônomo, seja pequeno empresário, seja um grande empreendedor e suas relações com seus colaboradores, desde os dirigentes, administradores ou técnicos até os simples operários.

No Capitulo II, do mesmo Título I, do Livro V, dá tratamento diferenciado aos empresários agrícolas (sim, empresários), dispondo que, a esses, não se aplicam as regras inerentes ao registro das empresas mercantis, que exercem atividade comercial (arts. 2136 e 2200), porque sua atividade é produção de bens e serviços, e não de intermedição desses, nem agrega algo aos seus produtos, como ocorre nas indústrias.

Especificamente no que toca ao direito societário, ou seja, a forma de organização das empresas, classifica, em seu Capitulo III, as "Empresas Comerciais e das Outras Empresas Submetidas a Registro", donde já se pode antever, com clareza solar, que manteve a distinção entre as sociedades de âmbito comercial e as demais, de âmbito não mercantil. Ao tratar da estrutura dos empresários, os elementos que o legislador italiano entendeu caracterizadores da atividade comercial, sujeitos ao Registro das Empresas (no Brasil, Registro do Comércio ou Juntas Comerciais), foram elencados no artigo 2195 do seu Código de Direito Privado, assim:

Art. 2195 (Empresários obrigados a registro)

Estão submetidos à obrigação de inscrição no Registro das Empresas os empresários que exercem:

1.uma atividade industrial dirigida à produção de bens ou de serviços;

2.uma atividade intermediária na circulação de bens;

3.uma atividade de transporte por terra, por água ou por ar;

4.uma atividade bancária ou de seguros;

5.outras atividades auxiliares das precedentes.

As disposições da lei que fazem referência às atividades e às empresas comerciais, se aplicam, se não houver declaração em contrário, a todas as atividades indicadas neste artigo e às empresas que as exercem.

Art. 2196 (inscrição das empresas)

Dentro de trinta dias do início da empresa, deve o empresário, que exerce uma atividade comercial, pedir a inscrição ao ofício do Registro das Empresas em cuja circunscrição estabeleceu ele a sede, indicando:

1. o seu prenome, etc... [15]

Quer dizer, os elementos caracterizadores da estrutura jurídica da empresa (que nada tem a ver com sua estrutura material ou física, isto é, tamanho ou número de colaboradores ou sócios), estão ligados aos objetivos da sociedade, sua atividade principal, estruturada pelo Direito Comercial. O fato da unificação das leis em um só Código não extinguiu a ciência ou os princípios regedores do Direito Comercial, nem o do Trabalho e muito menos o Civil.

A demonstrar que o vocábulo "estrutura" foi recepcionado no nosso Código Civil, também como a indicar a natureza jurídica do instituto, além dos ensinamentos de REALE, já transcritos acima, está o parágrafo único do artigo 41 do novo Código Civil brasileiro, que diz:

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:

... omissis

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.

Ora, quando o legislador fala em estrutura, obviamente, está se referindo à estrutura de direito, estrutura jurídica, que pode ser público ou privado, e, este, subdivide-se em de Direito Civil ou Comercial.

Não se ouse dizer, também, que o nosso sistema jurídico expurgou a atividade comercial, eis que, o nosso próprio novel Código revela, por exemplo, que, dentre outros motivos, "cessará a incapacidade pelo estabelecimento civil ou comercial", para os menores de 16 anos com economia própria (art. 5°, parágrafo único, inciso V).

Aí está, portanto, o nosso sistema jurídico a estabelecer a distinção das sociedades, segundo sua estrutura jurídica, civil ou comercial, de acordo com a atividade desenvolvida.

Reforçando o conceito de que a estrutura de que trata a lei é a estrutura jurídica e não o tamanho da empresa, o Código Italiano, no mesmo Livro V, após tratar, como vimos, no Título I, da disciplina das atividades profissionais, e no Titulo II, do trabalho em empresas, regula, em seu Titulo III, o "Trabalho Autônomo", e, em suas disposições gerais, contidas no Capitulo I, o define como aquele em que a realização do "trabalho ou serviço", dá-se "com esforço prevalentemente próprio e sem vínculo de subordinação" (art. 2222); e, no Capitulo II, trata "Das Profissões Intelectuais", que estão excluídos da inscrição no Registro das Empresas (aqui, Registro do Comércio), podendo "valer-se, sob a própria direção e responsabilidade, de substitutos e auxiliares", sem qualquer restrição ao número de colaboradores. E diz mais, que, "se o exercício da profissão constituir elemento de uma atividade organizada em forma de empresa", aplicam-se as regras previstas para as empresas em geral; e, no que tange às suas relações com seus colaboradores (empregados, lato sensu), o disposto nas seções II (dos colaboradores do empresário), III (da relação de trabalho) e IV (do aprendizado – aqui estágio), dos referidos Capítulos I (das empresas em geral) do Título II do trabalho em empresas) do Livro V (do trabalho), excluindo, no entanto, expressamente, o disposto na Seção I, do mesmo Titulo II, que trata do "empresário" e as regras do Capítulo III Seção I, que tratam do Registro das Empresas.

Distintas as atividades profissionais, entre as comerciais e afins (art. 2195 – industrial, comercial, transportes, bancárias e de seguros) e as intelectuais (médicos, dentistas, contadores, etc.), e do trabalho autônomo, passa o Código Italiano a tratar da organização do trabalho em sociedades. Quer dizer, a forma como se organiza uma sociedade, ou sua organização, é estabelecida no Título V (Das Sociedades), daquele Digesto Privado, e diz respeito ao tipo de sociedade adotado pelos sócios (limitada, por ações, em comandita simples, etc).

É elucidativa, também, a norma italiana, ao repetir a mantença do Direito Comercial a estruturar suas atividades típicas, ao distinguir os "tipos de sociedades". Diz o artigo 2249:

Art. 2249 (Tipos de Sociedades)

As sociedades que tiverem por objeto o exercício de uma atividade comercial, devem constituir-se de acordo com um dos tipos regulados nos Capítulos III e seguintes deste Título.

As sociedades que tiverem por objeto o exercício de uma atividade diversa, são reguladas pelas disposições sobre as sociedades simples, a não ser que os sócios tenham querido constituir a sociedade de acordo com um dos outros tipos regulados nos Capítulos III e seguintes deste Título.

Vê-se, portanto, que, também no direito italiano, o que define a estrutura jurídica de uma sociedade é o seu objeto, que se divide em comercial ou afim (industrial, bancário, securitário ou de transportes) ou as intelectuais e quaisquer outras não comerciais ou afins (medicina, odontologia, contabilidade, advocacia, recreação, entretenimento, etc.). Fica claro, também, que, as sociedades que tiverem estrutura jurídica de Direito Comercial serão obrigadas a adotar a forma de organização das sociedades em nome coletivo, em comandita simples, por ações, em comandita por ações ou de responsabilidade limitada (Capítulos III a VII do Titulo V, referido); enquanto as estruturadas pelo Direito Civil poderão organizar-se sob a forma de sociedade simples, por quaisquer das outras formas previstas em lei, exceto a por ações.

Feita essa digressão, fica mais fácil compreender o novo Código Civil, em especial o seu Livro II, que trata "do Direito de Empresa".


O NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

Caracteriza, o Código nacional, o empresário e o registro da sociedade, por esse constituída, segundo seu objeto. Diz a lei:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

Quer dizer, o que define o empresário é a atividade por ele exercida. E atividade organizada significa a constituída sob a forma de empresa individual (empresário) ou por qualquer dos tipos societários admitidos em lei (sociedade). Não será empresário, nem sociedade empresária, o exercício de atividade de natureza civil, qualquer que seja o volume de colaboradores, salvo se a profissão constituir elemento de empresa, como o exercício da profissão de banqueiro, ou compra e venda de créditos (factoring), por exemplo.

"Organização, derivado de organizar (constituir em organismo), é, em sentido técnico, empregado para designar o conjunto de regras adotadas para a composição e funcionamento de certas instituições, sejam de interesse público ou de interesse privado. Desta forma, a evidência de uma organização já imprime o sentido de constituição ou instituição de alguma coisa, cujo funcionamento está subordinado às normas e regras, que lhe deram estrutura", como asseverava DE PLÁCIDO E SILVA. E mais, que, "a rigor técnico, organização exprime propriamente o conjunto de regras e de princípios que vão servir de base à criação ou formação de uma instituição, respeitadas as regras e princípios legais, para que se lhe dê personalidade jurídica e se tracem as normas de funcionamento e de existência legal." [16] Atividade econômica organizada, assim, significa a constituição de uma sociedade para o exercício dessa atividade, subordinada às normas e regras que lhe deram estrutura, ou seja, o Direito Civil ou o Comercial.

Diz, ainda, o nosso Código em comento:

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.

Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias.

Vê-se, pois, claramente, que o que define a natureza da sociedade é o seu objeto, a atividade a ser desenvolvida.

Dispõe, mais, nosso ordenamento civil, que

Art. 1.000 A sociedade simples que instituir sucursal, filial ou agência na circunscrição de outro Registro Civil das Pessoas Jurídicas, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária.

Por isso, também, fica claro que pouco importa o tamanho da sociedade ou o exercício direto, pelos sócios, das suas atividades.

Ora, como é notório, a hermenêutica exige a integração e interpretação das leis, de modo a que façam algum sentido, vedando-se as interpretações que não fazem sentido algum. E não faz nenhum sentido, por exemplo, entender inúteis à interpretação da natureza jurídica das sociedades, as exceções previstas no parágrafo único do artigo 982, que dizem que, qualquer que seja o objeto da sociedade por ações, essa será empresária, e que, qualquer que seja o objeto da sociedade cooperativa, essa será simples. "Verba cum effectu, sunt accipienda: ‘Não se presumem, na lei, palavras inúteis’. Literalmente: ‘Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia’" [17] Essas exceções confirmam a regra de que é o objeto da sociedade que define sua estrutura, empresária (comercial) ou simples (civil), por força da lei. E essa exceção já vem desde o ordenamento comercial anterior, ao dispor a Lei das S.A., exatamente no mesmo sentido (art. 2°, §1°) .

Também não teria nenhum sentido, a lei nova permitir que as sociedades simples contem com colaboradores, em número indefinido, e possa abrir filiais, sucursais ou agências, se pensarmos que não será empresário somente quem, por si e diretamente, exerça a atividade social, porque, ao que sabemos, aos homens ainda não é dado o dom da ubiqüidade. Se fosse necessário o exercício da atividade, diretamente e per si, não seria possível a abertura de filiais e nem necessária a colaboração de auxiliares sem número definido. A lei, se al quisesse, teria restringido.

Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus. Se o legislador utilizou termos e institutos jurídicos para definir as hipóteses, não é dado ao intérprete entender que há limitação de pessoal ou do tamanho do local de trabalho, em que serão exercidas as atividades objetivadas pelas sociedades.

Assim, e considerando que às sociedades simples, independentemente da forma de sua organização jurídica (simples, limitada, etc.), é facultado o concurso de auxiliares ou colaboradores, inclusive com instituição de sucursal, filial ou agência, parece claro que a adoção dos vocábulos estrutura, organizada e elemento de empresa, somente podem ser entendidos, respectivamente, como estrutura jurídica (sujeição a determinado ramo do Direito, como visto), organizada, como forma de sua constituição, gerenciamento, responsabilidade, etc (simples, limitada, etc.), e, elemento de empresa, como elemento caracterizador da atividade empresarial desenvolvida (comercial, bancária, financeira, intelectual ou não comercial), que é ditado pelo objeto social. Quais são os elementos, ou requisitos, para a constituição de uma sociedade? Dentre eles encontra-se o fundamental, caracterizador, que é o objeto social.

Assim, por exemplo, o particular, economista, que deseje constituir um pequeno banco de investimentos, apenas com uma sede (ou uma sede e um ou dois escritórios de negócios em outras capitais, como sói ocorrer), com cerca de vinte a trinta funcionários, exerce atividade de banqueiro e o exercício dessa atividade, declarada como objeto social, em seu contrato constitutivo, o impede de constituí-la como sociedade simples, porque o exercício dessa atividade é elemento de empresa. No mesmo sentido, se esse mesmo economista resolver constituir uma pequena indústria de plásticos, mecanizada, com o auxilio de seus dois filhos e mais dois empregados, não poderá organizá-la sob a forma de sociedade simples, porque o exercício de atividade industrial, que agrega um valor à matéria prima, é elemento de empresa, face ao seu objeto social ser a indústria de matéria plástica. Igualmente, se um escritor renomado resolver abrir uma livraria, com o auxilio apenas de sua filha, onde irá comerciar livros, pouco importa o tamanho da estrutura ou da organização material de seu negócio, porque sua atividade é elemento de empresa, que é o objeto social das sociedades que compram e vendem livros. Nesses casos, o registro é mercantil, no Registro de Empresas.

Por outro lado, se um grupo de médicos resolve associar-se ao Doutor Ivo Pitangui, e constituir uma clínica, com apoio de diversos enfermeiros, secretárias, faxineiros, nutricionistas e demais auxiliares necessários ao exercício de sua atividade profissional cientifica, essa sociedade poderá ser simples e esse exercício não irá configurar elemento de empresa, porque o objeto social de prestação de serviços médicos não é atividade típica comercial ou afim, como disse REALE [18]. De igual modo, um contador poderá constituir uma sociedade para prestação de serviços de auditoria, com diversos colaboradores, sem que essa atividade designe elemento de empresa. Nesses casos, o registro é civil, e é feito no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Quer dizer, o que define o regramento da estrutura e organização das sociedades não é a profissão do sócio ou o "tamanho" da sociedade, mas, sim, a atividade que irá exercer naquela sociedade e, a atividade, que é elemento de empresa, é definida no objeto, descrito no contrato social.

No estudo dos atos jurídicos, VICENTE RÁO ensinava o que são "elementos", na ciência do Direito, esclarecendo que, pelo antigo sistema de classificação dos componentes dos atos jurídicos parte da noção filosófica de elementos, ou seja, das partes que, em seu todo, formam ou constituem as coisas materiais, aplicando esta noção, analogicamente, às coisas imateriais. E os elementos distingue em essenciais (genéricos e específicos), naturais e acidentais.

Essenciais dos atos jurídicos são, pois, os elementos que os compõem, qualificam e distinguem dos demais atos, elementos, isto é, sem os quais aqueles atos não se forma, nem se aperfeiçoam. Deles, uns são genéricos porque a todos os atos jurídicos dizem respeito; específicos são outros, por atinentes a cada tipo de ato particularmente considerado. Elementos essenciais genéricos dos atos jurídicos são a vontade do agente capaz (elemento volitivo compreendendo a autodeterminação do agente, a declaração voluntariamente produzida e a vontade do conteúdo do ato), o objeto possível, lícito, determinado ou determinável, a forma e, segundo certa corrente doutrinária, a causa. [19]

Sabendo o que são elementos dos atos jurídicos, ou seja, uma parte do todo que o compõe; e que, dentre esses, o objeto é elemento essencial, ORLANDO GOMES, estudando a empresa e seus elementos, dizia que

A noção de empresa interessa ao Direito Comercial, ao Direito do Trabalho e ao Direito Tributário, mas é no Direito Civil que a definição da sua natureza jurídica se elabora.

Na empresa combinam-se elementos humanos, materiais e intelectuais. Os elementos humanos são os empregados, os operários e os dirigentes. Os elementos materiais, os meios utilizados na atividade econômica e, também, na organização do trabalho (contratos, regulamento coletivo, código disciplinar). Os elementos intelectuais definem-se nas suas diversas finalidades lucrativas.

Preferem outros autores definir o empresário, isto é, quem combina e organiza os fatores da produção para exercer em proveito próprio, e assumir o risco, uma atividade econômica. Constitui-se juridicamente como sociedade que exerce profissionalmente a referida atividade, que produz para o mercado.

São elementos componentes da empresa, considerada patrimônio especial: a) bens corpóreos (móveis, imóveis, dinheiro, mercadorias); b) bens incorpóreos (nome comercial, siglas, insígnias, patentes de invenção, marcas de fábrica); c) créditos e débitos; d) o fundo de comércio, representado, dentre outros fatores, pela clientela, o ponto, a fama, os segredos do negócio, a propaganda, o sistema de organização.

No Direito italiano distingue-se a empresa da azienda. O termo empresa usa-se para designar a atividade econômica do empresário, enquanto azienda é o complexo de elementos objetivos organizados, que são indispensáveis como instrumento de empresa, mas não constituem parte desta; os meios que o empresário organiza para o exercício da empresa. [20]

Da lição de ORLANDO GOMES extrai-se que, também para ele, dentre os elementos da empresa, a atividade profissional exercida é que interessa para a definição de sua natureza jurídica; os meios de sua organização não constituem elemento da empresa. E isso, aliás, está evidente na própria dicção do parágrafo único do artigo 966 do nosso Código Civil, eis que, "não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa". O quer isso dizer? Que o único elemento, ponderado e admitido pelo legislador, para caracterizar empresária uma sociedade, é a natureza do exercício da profissão a ser desenvolvida, ou seja, a atividade dela, o seu objeto social.

Finalmente, pondo uma pá de cal sobre se subsistem, ou não, as atividades comerciais ou mercantis, e a mera alteração de sua nomenclatura, dispôs o novo Código Civil pátrio:

Art. 2037. Salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código, referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis.

E por que isso? Porque o Direito Comercial é muito maior do que o Código de Direito Privado unificado, não se extinguindo nem as atividades mercantis, nem as sociedades comerciais e, muito menos, os comerciantes, por lei ou decreto. O Direito Comercial é uma ciência e o estudo científico não fica adstrito às disposições legais.


O REGISTRO

Depois de examinarmos com a profundidade que o tema societário merece, conceituando o que é estrutura, organização, elemento e o exercício profissional de atividade econômica, interpretando esses institutos jurídicos, dentro do nosso sistema e de acordo com o Direito Comparado, é de rigor examinar aspecto essencial às "sociedades civis e comerciais", que "dependem, para a sua existência plena no mundo do Direito, de certas formalidades que se chamam formalidades de registro" [21].

Há Direito especial a reger os registros das sociedades, sendo da competência privativa da União legislar sobre registros públicos (Constituição Federal, art. 22, XXV, em distinção expressa constitucional ao Direito Civil e Comercial, previstos no mesmo artigo, porém no inciso I); e da competência concorrente da União, dos Estados e dos Municípios, para legislar sobre as Juntas Comerciais (Constituição Federal, art. 24, III).

Esse Direito especial encontra-se, hoje, regulado nas Leis n° 8.935, de 18 de novembro de 1994, no tocante aos Registros Civis de Pessoas Jurídicas; e, n° 8.934, de 18 de novembro de 1994, quanto ao registro público de Empresas Mercantis e atividades afins.

A importância do estudo das formalidades de registro está na disposição contida no artigo 1.153 do novo Código Civil, que determina

Art. 1.153. Cumpre à autoridade competente, antes de efetivar o registro, verificar a autenticidade e a legitimidade do signatário do requerimento, bem como fiscalizar a observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados.

Esse dispositivo deixa clara a responsabilidade com que se devem haver as autoridades competentes ao registro, obrigados a verificar, dentre outros aspectos, a adequação do ato levado a registro à sua competência legal, conforme atribuído nas respectivas leis de regência (8.934/94 ou 8935/94).

Por isso, força é reconhecer o equívoco com que vem se manifestando alguns vogais da Junta Comercial do Estado de São Paulo, que não apreenderam a exata exegese dos dispositivos do novo Código Civil sobre os institutos acima referidos, quanto ao Direito de Empresa.

Assim, equivoca-se, no nosso sentir, o douto vogal CASSIO PORTUGAL GOMES FILHO, ao entender que

Não existe mais a distinção entre sociedades comerciais e sociedades civis, as primeiras reguladas pelo Código Comercial de 1850 ou pelo Decreto 3.708, de 1919, e as segundas pelo Código Civil de 1916, artigos 1.363 e seguintes. A típica sociedade civil, de prestação de serviços, registrada no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, passa agora, com o novo Código, a ser uma sociedade empresária, e como tal, sujeita a registro na Junta Comercial.

De acordo com a colocação do novo Código, afigura-nos difícil vislumbrar para que finalidade será constituída uma sociedade simples, já que não terá atividade econômica. [22]

Como já visto ad nauseam, acima, não houve extinção do Direito Comercial e, muito menos, das sociedades por ele reguladas, nem às reguladas pelo Código Civil. De igual modo, já vimos que as típicas sociedades civis, de prestação de serviços, não passaram a ser sociedades empresárias, muito menos sujeitas a registro nas Juntas Comerciais. E não há nenhuma dificuldade em vislumbrar a natureza jurídica que estrutura as sociedades de Direito Civil e sua organização pela via simples ou qualquer dos tipos das societárias admitidas para sua constituição, porque o que as rege é a atividade exercida, o objeto da sociedade.

Nem dá margem a dúvidas ou dificuldades, data venia, as apontadas pelo referido Vogal, ao dizer que

Parece-nos que vai ser difícil fazer a distinção se determinado artista ou intelectual é empresário ou não, tomando-se, por exemplo, o caso de Paulo Coelho, que exerce profissão intelectual e literária, escrevendo livros que são vendidos no mundo inteiro, e também do conhecido artista plástico Gustavo Rosa, que pinta e vende lindos quadros no país e no exterior, sob encomenda. Será que ambos serão considerados empresários, ante as disposições do novo Código? Parece-nos que sim, por estar evidente o intuito de ganhar dinheiro e ter lucratividade, porém não se sabe até que ponto se tornará obrigatória a inscrição de ambos no Registro Público de Empresas Mercantis, isto é, na Junta Comercial, que é condição para serem considerados empresários. [23]

Em primeiro lugar, Paulo Coelho não vende seus livros, quem os vende são as livrarias, lojas de conveniências, bancas de jornais, etc. A natureza jurídica do contrato entre o "Mago" e sua editoras, é de contrato típico, de edição, que, inclusive, dá, ao autor, privilégio especial, na massa falida do editor, sobre os exemplares da obra existente (art. 964, VII, do novo Código Civil). Em segundo, porque tanto Paulo Coelho, quanto Gustavo Rosa, são remunerados pela sua própria elaboração, literária e artística, ou como diz REALE, a razão da qualificação de civil a uma atividade econômica que pode dar resultados às vezes iguais ou superiores aos obtidos no plano industrial ou mercantil, é que o profissional "não tem por escopo adquirir matéria-prima para fins de produção, mas sim vende, ou elabora bens de seu próprio cultivo. Não é também um intermediário, ou seja, alguém situado entre o produtor e os consumidores a fim de auxiliar ou possibilitar o fenômeno da circulação da riqueza, com ou sem a transformação dos bens negociados." [24]

É, também, REALE, quem informa que as sociedades civis de caráter econômico são as que visam fins de lucro, sem praticarem atos de comércio [25]. O fim de lucro em nada altera a estrutura civil da sociedade, como vimos.

Equivoca-se mais, com a devida venia, o Vogal e ex-presidente da JUCESP, MORELLO NETTO, ao afirmar que "se a sociedade simples revestir-se dos tipos societários referentes à sociedade em nome coletivo, à sociedade em comandita por ações, em sociedade limitada, e tiver as características empresariais, inclusive a sociedade cooperativa, deverá registrar-se no Registro Público das Empresas Mercantis". [26] Tal interpretação peculiar é, na verdade, contra legem. Em primeiro lugar, porque a sociedade simples só pode ser registrada no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local da sua sede, como diz, com todas as letras, o artigo 998 do novo Código Civil. Em segundo, porque se a lei facultou, às sociedades simples, constituir-se sob qualquer dos tipos societários previstos nela previstos, à exceção das sociedades por ações (artigo 983, segunda parte), o inverso não é verdadeiro, porque a lei não abriu a faculdade de constituir-se simples às sociedades empresarias. E, em terceiro, porque as sociedades cooperativas serão sempre simples (assim como as por ações serão sempre empresárias) por força da exceção expressa no parágrafo único do artigo 982 do novo Código Civil.

Retratam, na verdade, e até pela pouca profundidade com que versado o tema nas matérias citadas, publicações ad usum delphini, olvidando que os registros públicos são regidos pelas regras do Direito Público, seguindo, sempre, critérios objetivos e expressos nas leis próprias, não podendo ficar ao sabor das opiniões ou entendimentos contra legem. Não há, no direito público, autonomia da vontade, nem discricionariedade

Temos, assim, que, observada a atividade profissional exercida, é que se diagnostica a estrutura jurídica a que estará sujeita a sociedade, Civil ou Comercial, e sua organização se dará por qualquer dos tipos societários admitidos no Código Civil (que unificou, não extinguiu, o Direito Civil e o Comercial), salvo as sociedades por ações, que sempre serão empresárias, e as cooperativas, que sempre serão simples.

Resta, assim, em matéria de formalidades de registro, acrescentar que, face às disposições transitórias do novo Código Civil, os contratos sociais e estatutos de sociedades, constituídos antes da entrada em vigor da nova lei, obedecem ao disposto nas leis anteriores, para fins de registro no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (arts. 998, 1151 e §§, e 2035 do Código Civil), independente da prova de data.

Também as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, avençados antes da vigência do novo Código Civil, obedecerão ao disposto nas leis anteriores, exceto se contrariarem preceitos de ordem pública ou a função social da propriedade ou dos contratos (art. 2035, parágrafo único).

De igual modo, a dissolução ou liquidação de pessoas jurídicas, iniciadas antes da vigência do novo Código Civil, obedecerão ao disposto nas leis anteriores (art. 2.034, CC).

Por fim, vale frisar que o novo Código Civil utiliza o vocábulo "autenticidade" em sua acepção jurídica, ou seja, de autêntico, firmado por quem tem legitimidade para faze-lo, devendo ser provada essa condição.


CONCLUSÃO

Vimos, ao longo deste trabalho, que o que define a estrutura jurídica da empresa, ou seja, o regramento a que está sujeita, pelo Direito Público ou Privado, Civil ou Comercial, é o seu objeto social, a atividade que irá exercer profissionalmente. Se for de índole comercial ou afim, estará sujeita às regras do Direito Comercial e no Registro Comercial será feita sua inscrição; se for de índole não comercial, ou comum, ou civil, ou sujeito à forma de organização simples, qualquer que seja a forma de sua organização (simples, limitada, etc.) será regrada pelas normas de Direito Civil e no Registro Civil das Pessoas Jurídicas será feita sua inscrição.


NOTAS

01. MAXIMILIANO, Carlos; Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, Rio de Janeiro, 2000, pág. 16.

02. Ob. cit., pág. 107.

03. Ob. cit., pág. 128.

04. Ob. cit. pág. 129.

05. Ob. cit. pág. 131.

06. LIMA, Hermes; Introdução à Ciência do Direito, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1955, 8ª. ed., pág. 134.

07. BOBBIO, Norberto; O Positivismo Jurídico, lições de filosofia do direito, Ícone, São Paulo, 1999, pág. 164, destaques no original.

08. REALE, Miguel; Lições Preliminares de Direito, Saraiva, São Paulo, 25ª ed., 2000, pág. 365.

09. Ob. Cit. Págs. 30-31.

10. FERRARA, Francesco; Trattato di Diritto Civile Italiano, vol. I, 1921, p. 210; apud MAXIMILIANO, Carlos, ob. cit. pág. 30-31, destaques no original.

11. Ob. cit., pág. 366-367.

12. Ob. cit., págs. 368-369, destaques no original, negrito nosso.

13. Ob. cit., pág.242-243, destaques no original, negrito e sublinhas nossos.

14. Ob. cit. pág. 243, destaques em itálico no original, em negrito nossos.

15. Código Civil Italiano, Record, 1961, trad. SOUZA DINIZ, apres. JOSÉ DE AGUIAR DIAS.

16. SILVA, De Plácido; Vocabulário Jurídico, vol. III, Forense, São Paulo, pág. 1102; destaques em itálico no original; em negrito, nossos.

17. MAXIMILIANO, Carlos, ob. cit. pág.250.

18. Ob. cit., pág.242-243.

19. RÁO, Vicente; Ato Jurídico, noção, pressupostos, elementos essenciais e acidentais. O problema do conflito entre os elementos volitivos e a declaração, RT, São Paulo, 4ª ed., 2ª tir., 1999, pág. 89, destaques em itálico no original; em negrito, nossos.

20. GOMES, Orlando; Introdução ao Direito Civil, Forense, Rio de Janeiro, 2001, pág. 205-207, at. HUMBERTO THEODORO JUNIOR, destaques em itálico no original, negrito nosso.

21. REALE, Miguel, ob. cit. pág.248.

22. GOMES F°, Cássio Portugal; Novo Código Civil – Direito de Empresa – Sociedades Limitadas; in DOE, Caderno Junta Comercial, São Paulo, 11 de dezembro de 2002, pág. 2; destaques nossos.

23. Idem, ibidem.

24. Ob. cit., pág. 245.

25. Ob. cit., pág. 244.

26. MORELLO NETTO; João Baptista; in Do Registro Público de Empresas Mercantis, DOE, Caderno Junta Comercial, São Paulo, 11 de janeiro de 2003, pág.2; destaques nossos.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Paulo Roberto de Carvalho. As pessoas jurídicas no Novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3813. Acesso em: 7 maio 2024.