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Princípios da instrumentalidade das formas, celeridade e verdade real e a validade judicial das oitivas das testemunhas e das vítimas, das acareações e dos interrogatórios colhidos na fase pré-processual (inquérito policial)

Princípios da instrumentalidade das formas, celeridade e verdade real e a validade judicial das oitivas das testemunhas e das vítimas, das acareações e dos interrogatórios colhidos na fase pré-processual (inquérito policial)

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A presente texto tem por finalidade trazer argumentos para tornar válida, na esfera judicial, determinadas provas colhidas dentro do inquérito policial, como o caso dos depoimentos, interrogatórios e acareações, dando-lhe presunção de validade.

A doutrina majoritária vê inquérito policial como peça meramente informativa, asseverando que ele não serve como prova para efeitos de condenação penal. Todavia, é insofismável que tal procedimento investigativo busca a verdade real, baseado em princípios constitucionais e processuais, mormente da legalidade, moralidade, publicidade, eficiência e impessoalidade, com atenção aos princípios da celeridade processual, da instrumentalidade das formas e da verdade real. Assim, surge a seguinte pergunta: qual seria a validade dos elementos colhidos na investigação preliminar para efeitos de condenação? Serviriam essas provas para basear um provimento condenatório?

Entendemos que sim e que é possível a validação das provas colhidas em sede de inquérito policial. Para tanto, vamos analisar a finalidade do processo penal moderno e seu surgimento no Brasil, além da conceituação de inquérito policial, medidas cautelares judiciais, provas, indícios e alguns princípios, tais como a celeridade processual, instrumentalidade das formas e verdade real.

Mirabete (2008) assevera que o processo penal moderno surgiu na segunda metade do século XVIII, com o chamado período humanitário do Direito Penal, que buscou conciliar a legislação penal com as exigências da justiça e os princípios da humanidade. Greco Filho (1991) salienta que a ideia dos direitos e garantias individuais não é recente, esclarecendo que apesar de o povo não renegar uma constituição que zele pelos direitos e sua eficácia, isso não significa a concretização da garantia da justiça, já que essas garantias previstas podem variar conforme pensamento político ou filosófico de determinado Estado.

Para Tourinho Filho “o Estado elabora as leis, por meio das quais se estabelecem normas de conduta, disciplinam-se as relações entre os homens e regulam-se as relações derivadas de certos fatos e acontecimentos que surgem na vida em sociedade. Essas normas, gerais e abstratas, dispõem, inclusive, sobre as consequências que podem advir do seu descumprimento. Em face de um conflito de interesses, dês que juridicamente relevante, a norma dispõe não só quanto à relevância de um deles, como também quanto às consequências da sua lesão.” (TOURINHO FILHO, 2009, p. 3).

No Brasil o direito processual penal surgiu com o advento da Lei nº 2.033, de setembro de 1871, e regulamentada pelo Decreto-Lei nº 4.824, de 28 de novembro de 1871. Dentro do processo penal, ainda que autores nomeiem como fase pré-processual, está o inquérito policial, o qual a referida lei conceituava o como instituto que consistia em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito (BARBOSA, 2006).

Ora, para nós, o inquérito policial, ainda que “desnecessário”, é início da persecução criminal, sendo ele a primeira pedra da construção do processo penal. Segundo Nucci (2012), o inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, conduzido pela polícia judiciária, voltado à colheita de provas, simples e urgentes, que possam desaparecer após a prática de um delito, para apurar uma infração penal e sua autoria.

Para Avena, o inquérito policial é procedimento administrativo-jurídico realizado pela Polícia Judiciária, com natureza jurídica inquisitiva, não possibilita a ampla defesa e não há que se falar em contraditório, salvo exceção de inquérito para objetivar a expulsão de estrangeiro do país (AVENA, 2009).

Já Rocha assevera que “o inquérito policial é um procedimento administrativo de natureza persecutória, destinado a preparar a ação penal, que pode ser pública incondicionada ou condicionada à representação do ofendido ou do seu representante legal e privada, nos casos de queixa-crime. Esse procedimento, instruído com laudos periciais e outros documentos, fornece ao Ministério Público ou ao querelante, este, através de seu advogado, elementos para a propositura da ação penal.” (ROCHA, 2002, p. 327).

Como observamos, o inquérito policial tem como finalidade preparar a ação penal. Por isso, ainda dentro da chamada investigação pré-processual, há a aplicação de institutos de ordem processual penal, como os exames periciais e as cautelares judiciais, tais como a interceptação telefônica, busca e a apreensão, infiltração de agentes e gravação entre presentes. Com isso verificamos que dentro do próprio inquérito há, em tese, elementos válidos como prova e outros elementos “informativos”, o que deveria ser padronizado e todos os elementos probatórios reconhecidos como prova judicial, como é o caso dos depoimentos, acareações e interrogatórios, colhidos na fase pré-processual.

Falando em medida cautelar, deferida no bojo do inquérito policial e válida como prova, percebemos que ela é um ato de precaução ou um ato de prevenção promovido no judiciário em que o Juiz pode autorizar quando for manifesta a gravidade, quando o risco for comprovado da possibilidade de que ocorra lesão de qualquer natureza, ou na hipótese de ser demostrada a existência de motivo justo (SANTOS, 2013), não podendo considerar que são um fim, mas um fim de si mesmas, já que não representam uma sanção penal (pena). Para Gomes (2011), as medidas cautelares existem para assegurar a aplicação da lei penal, ou a eficácia do Processo Penal, ou da investigação, ou, ainda, para evitar novas infrações penais.

Segundo Capez (2011), prova é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (artigo 156, I e II do Código de Processo Penal) e por terceiros (como por exemplo, peritos) a fim de levar o magistrado a crer sobre a existência ou não de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Capez (2011) ainda afirma que as provas são parte importantíssima no processo, ao ponto que constituem os olhos, o alicerce aonde se chegará o mais próximo da verdade, para um julgamento, sendo possível a sua realização antes mesmo da fase processual, através de previsão legal, como os exames periciais ou até mesmo através das cautelares.

Embora o Código de Processo Penal enumere alguns meios probatórios, como por exemplo, o exame de corpo de delito e outras perícias, o interrogatório do acusado, a confissão, as declarações do ofendido, as testemunhas, o reconhecimento de pessoas ou coisas, a acareação, os documentos, os indícios e a busca e a preensão, não há um esgotamento dos meios de provas admitidos no ordenamento jurídico, já que é um rol exemplificativo, e não taxativo. (LENZA, 2012).

Prova difere de indícios, sendo que “Lucchini, citado por Espíndola Filho, afirma que há um preconceito na doutrina e, principalmente na prática, de que o indício é uma prova imperfeita, e menos atendível, de certeza do que a prova direta. Isso não é exato. A eficácia do indício não é menor do que a prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à história ou física. O indício é somente subordinado à prova, porque não pode subsistir sem uma premissa, que é a circunstancia indiciante, ou seja, uma circunstancia provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância indiciante. Quando esteja esta bem estabelecida, pode o indício adquirir uma importância predominante e decisiva no Juizo.” (BARBOSA, 2006, p. 41-42).

Como dissemos acima, o entendimento doutrinário e também jurisprudencial, majoritário. é no sentido de que o inquérito policial é uma peça meramente informativa, que serve como base para deflagração da ação penal, já que durante a confecção do inquérito policial não são garantidos, legalmente, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, tornando assim seu valor probatório, relativo. Todavia, observamos que várias provas colhidas dentro do inquérito policial são utilizadas, judicialmente, como é o caso da busca e apreensão, das interceptações telefônicas, das perícias e da infiltração, o que indica que, para garantir a celeridade processual prevista no artigo 5º, inciso LXXXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como a busca pela verdade real a instrumentalidade das formas. Então, porque não restar garantido que outros elementos, colhidas dentro do inquérito policial, não podem ter validade judicial, como por exemplo, as provas testemunhais e o interrogatório.

Sabemos que a lei e a jurisprudência abrem exceções de validade das provas nas situações probatórias técnicas, como exames de corpo de delito e perícias em geral, bem como provas cautelares, como interceptação telefônica, busca e apreensão (AVENA, 2009).

Pelo princípio da instrumentalidade das formas, previsto no artigo 563 do Código de Processo Penal indica que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa." o qual fundamenta o artigo 566 do mesmo código, que diz que “não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”.

Já o princípio da celeridade processual está previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição da República, garantindo que o processo deverá ter uma duração razoável de tempo e será célere, visando assegurar que  ele atinja sua finalidade respeitando as normas e princípios jurídicos, mas que será concluído em prazo aceitável, sem prejudicar o julgamento (MIRABETE, 2008).

No mais, dentro do processo penal, antes de proceder a decisão final, o juiz deverá  se fundamentar com os dados contidos no processo, averiguar a verdade real e material das informações nele contidas, conforme afirma Tourinho Filho.

Considerando que os depoimentos tomados das testemunhas, da vítima, acareações e o interrogatório sejam no mesmo sentido das provas obtidas durante a fase de investigação, não seriam tais provas passíveis de presunção de validade, podendo somente ser discutidas em juízo caso não fossem cumpridos os requisitos legais, sem a necessidade de sua reprodução? Acreditamos que sim, em homenagem aos princípios da verdade real, instrumentalidade das formas e celeridade processual, previstos na própria Constituição da República Federativa do Brasil, já que não haveria prejuízos ao investigado/acusado.

BIBLIOGRAFIA

AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. São Paulo: Método, 2009.

BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito Policial. 5. ed. São Paulo: Método, 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

GOMES, Luis Flávio. Suspensão Condicional do Processo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1991.

LENZA, Pedro. Direito Processual Penal Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2012.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas S. A, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

ROCHA, Luiz Carlos. Manual do Delegado de Polícia: Procedimentos policias civil e federal. São Paulo: Édipo, 2002.

SANTOS, Lara Cíntia de Oliveira. Medida Cautelar. Antecipação de Tutela. Medida Cautelar Preparatória. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10174>. Acesso em: 02 out. 2013.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 1.


[1] Delegado de Polícia Civil. Especialista em Processo Civil. Especialista em Marketing Empresarial. Especializando em Gestão Empresarial. Professor Licenciado dos cursos de Direito da UNISUL e UNIBAVE. Professor da Academia de Polícia Civil de Santa Catarina. Presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil de Santa Catarina (ADEPOL/SC)


Autor

  • Ulisses Gabriel

    Delegado de Polícia Civil em Santa Catarina. Especialista em Processo Civil. Especialista em Marketing Empresarial. Especializando em Gestão Empresarial. Professor Licenciado dos cursos de Direito da UNISUL e UNIBAVE. Professor da Academia de Polícia Civil de Santa Catarina. Presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil de Santa Catarina (ADEPOL/SC)

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