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Isenção de imposto de renda por motivo de doença especificada em lei

Isenção de imposto de renda por motivo de doença especificada em lei

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O artigo examina como a jurisprudência aplica a regra da interpretação estrita da norma isentiva tributária, sem prejuízo do equilíbrio entre os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade tributária e da justiça fiscal.

1 O problema da compreensão da norma do Art. 111, II do CTN

Tratando-se de isenção, a regra decorrente do art. 111, II do CTN é que a interpretação quanto à aplicação da norma em cada caso concreto deve ser feita de modo literal, já que a obrigação geral é a de se pagar o tributo.1

Não obstante, a tentativa do legislador de vincular o intérprete da norma isentiva tributária a uma determinada técnica de hermenêutica, e exatamente a que é geralmente apontada como a mais frágil e pobre de significado e alcances, tem sido objeto de severas críticas.2

Mas, se a analogia é proscrita, para o efeito de se criar uma hipótese de incidência tributária não prevista, ou de não incidência, o emprego da interpretação extensiva pelo aplicador da norma legal tributária pode ser aceito, embora aí também grasse a polêmica3, inclusive na jurisprudência4.

Postas em linhas gerais as divergentes compreensões sobre os limites estabelecidos na norma do art. 111, II do CTN, é chegado o momento de se examinar como o tema da isenção de imposto de renda do contribuinte portador de moléstia grave vem sendo considerado pela jurisprudência, para então se concluir se as respostas dadas encontram-se dentro daquilo que seria razoável de se esperar como resultado próprio daquela norma, ou não; ainda, e nesta última hipótese, se a jurisprudência estaria, afinal de contas, exercendo o papel que se espera dos juízes e tribunais, ou, ao contrário, estaria extrapolando o âmbito devido de sua atuação.

Para essa análise, o método mais adequado é o da crítica de casos concretos individualizados, através dos quais se poderá chegar às conclusões gerais que responderão àquelas indagações.

2   A isenção de imposto de renda do contribuinte portador de doença grave especificada em lei

Uma das hipóteses de isenção de imposto de renda é no caso de o contribuinte estar acometido de doença grave, especificada em lei, conforme o art. 6º, XIV da Lei no 7.713/88, com a redação dada pela Lei no 11.052/2004. Várias são as situações cotidianas não antevistas no texto legal e que demandam a intervenção judicial. Alguns exemplos:

Pode-se reconhecer o direito à isenção ao imposto de renda ao contribuinte portador de doença tão ou mais grave do que as especificadas em lei, mas que não foi ainda incluída no respectivo rol?

A resposta dada pela jurisprudência é negativa, e já em sede de recurso repetitivo.5

Observe-se que o acórdão salienta que a doença especificada em lei pode ser compreendida em suas variadas espécies – no caso, cegueira “monocular” ou “binocular” – mas precisa estar discriminada em lei, podendo-se notar a aplicação da interpretação extensiva sem que o nome seja dito, em limites muito restritos.

Diferenças trabalhistas recebidas em reclamações trabalhistas por contribuintes aposentados, e portadores de moléstias graves especificadas em lei, são tributáveis?

A resposta é afirmativa, em nome da interpretação literal da norma isentiva tributária.6

Reconhecida a doença, não é necessária a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial, ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o interessado faça jus àquela isenção.7

Chama-se a atenção para o fato de que os elementos – “contemporaneidade dos sintomas”, “comprovação da recidiva da enfermidade”, “fixação de prazo de validade do laudo”, “laudo pericial do serviço médico oficial” – estabelecidos como condição para o reconhecimento da isenção encontram-se não na norma do art. 6º, XIV da Lei no 7.713/88, mas sim no atual art. 6º, II e III da IN/SRFB no 1500, de 29.10.2014.8

Ora, a norma do art. 111, II do CTN dirige-se ao intérprete e aplicador da norma de isenção tributária, e este tanto pode ser o juiz, como o administrador.9

No mister interpretativo/aplicativo da norma legal impositiva tributária que os agentes do Direito desempenham, há que se buscar a harmonização do tratamento dado às hipóteses de isenção tributária, de modo a alcançar, também aí, o ponto de equilíbrio nas relações contribuinte–Poder tributante, tendo como premissa e objetivo final a afirmação da dignidade da pessoa humana.

3   O papel do juiz na conciliação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade e da justiça tributárias, bases da regra de interpretação estrita da norma de isenção tributária

A esta altura, nesta quadra do século XXI, tornou-se lugar comum afirmar que a atividade judicial de interpretação de uma norma legal pode também envolver a criação mesma da regra de direito10, assim como que o juiz, mais que um intérprete/aplicador da lei, o é da Constituição Federal, e dos princípios e valores que lhe são essenciais, avultando dentre eles o princípio da dignidade da pessoa humana11.

Como conciliar, então, a regra de interpretação estrita do art. 111, II do CTN com os princípios e valores constitucionais, a começar pelo mais importante deles, o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, IV CF/88)?

Na jurisprudência, encontram-se exemplos tais como: de extensão da isenção de pagamento de tributos concedidos por lei a portadores de certa moléstia grave aos de outras, todas especificadas em lei12; de proibição de retenção de equipamentos médicos importados, por motivo de não pagamento de tributos13; acima de tudo, é preciso compreender o portador de moléstia grave especificada em lei em seu ambiente de vida, suas circunstâncias14, e o papel constitucional dos juízes, de servirem como canais de acesso dos “excluídos”.15

CONCLUSÕES

A regra do art. 111, II do CTN tem sido objeto de severas críticas por parte da doutrina e da jurisprudência.

A interpretação por analogia é proscrita; embora haja grande controvérsia a respeito, é admissível a interpretação extensiva em matéria de isenção por motivo de doença grave especificada em lei.

Para fazer jus à isenção, não basta a gravidade da doença, é preciso que esteja especificada em lei, segundo a jurisprudência.

Diferenças trabalhistas recebidas antes da aposentadoria do contribuinte portador de doença grave especificada em lei são tributáveis, ainda segundo a jurisprudência.

Reconhecida a doença, não é necessária a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial, ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o interessado faça jus à isenção de imposto de renda.

No mister interpretativo/aplicativo da norma legal impositiva tributária que os agentes do Direito desempenham, há que se buscar a harmonização do tratamento dado às hipóteses de isenção tributária, de modo a alcançar, também aí, o ponto de equilíbrio nas relações contribuinte–Poder tributante, tendo como premissa e objetivo final a afirmação da dignidade da pessoa humana.

Não se pode olvidar o papel constitucional dos juízes, de servirem como canais de acesso dos “excluídos”, e para isso há que se compreender o portador de moléstia grave especificada em lei em seu ambiente de vida, suas circunstâncias.

NOTAS

1 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992,  p. 69: “Realmente, a suspensão, como a exclusão do crédito tributário, e a dispensa do cumprimento de obrigações acessórias constituem exceções. A regra é o pagamento do tributo nos prazos legalmente fixados. A suspensão do crédito ou, mais exatamente, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, constitui exceção. Também a regra é que todos paguem tributos segundo a capacidade contributiva de cada um. A isenção geralmente constitui exceção a essa regra. Finalmente, a regra é que todos cumpram suas obrigações tributárias acessórias. A dispensa desse cumprimento é excepcional.”

2 Ibid., p. 69, “fine”/70: “Ocorre que o elemento literal, como por nós já várias vezes afirmado, é absolutamente insuficiente. Assim, a regra do art. 111 do Código Tributário Nacional há de ser entendida no sentido de que as normas reguladoras das matérias ali mencionadas não comportam interpretação ampliativa nem integração por equidade. Sendo possível mais de uma interpretação, todas razoáveis, ajustadas aos elementos sistemático e teleológico, deve prevalecer aquela que mais se aproximar do elemento literal. É inadequado o  entendimento segundo o qual a interpretação das normas reguladoras das matérias previstas no art. 111 do Código Tributário não admite outros métodos, ou elementos de interpretação, além do literal. O elemento literal é de pobreza franciscana e, utilizado isoladamente, pode levar a verdadeiros absurdos, de sorte que o hermeneuta pode e deve utilizar todos os elementos da interpretação, especialmente o elemento sistemático, absolutamente indispensável em qualquer trabalho sério de interpretação, e ainda o elemento teleológico, de notável valia na determinação do significado das normas jurídicas.”

3 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e Prática das Isenções Tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro:  Forense, 1990, p. 179, “fine”/180: “A necessidade de se integrarem diversas hipóteses legais para comporem um comando único, sintético, demonstra a impossibilidade, pelo menos em direito tributário, da interpretação de um único texto de lei, ou da pura interpretação gramatical, como bem lembrou Carlos da Rocha Guimarães: ‘É princípio assente, atualmente, que a compreensão de um texto não se processa dessa maneira: o compreender começa, desde logo, pela busca do sentido geral do texto, para além das palavras que o compõe, inclusive levando em conta o sistema jurídico em que está integrado.’ Assim, o intérprete de uma lei tributária, além de integrá-la com as outras leis vigentes, deverá, também, compará-la com as normas de hierarquia superior contidas em leis complementares e nas leis constitucionais, cujos princípios gerais fundamentam todo o sistema jurídico, e, em especial, o sistema tributário.”  TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 256-257: “A interpretação das isenções transcende a questão dos métodos – literal, histórico, sistemático ou teleológico – para se colocar no campo maior do Direito Constitucional ou da dimensão política dos privilégios. Houve nos últimos anos uma modificação sensível na interpretação das isenções e dos privilégios. Nem toda isenção, nem todo incentivo seria inconstitucional ou odioso. Mas a atitude do intérprete deve ser a de presumir odioso o benefício até que se prove que é necessário. Este novo enfoque das isenções e dos privilégios resulta também da recuperação da importância da crítica jurídica. Os incentivos fiscais deixam de ser objeto exclusivo da análise dos economistas e passam à preocupação dos juristas, pois envolvem aspectos da igualdade, da justiça e dos direitos humanos. De modo que se torna muito importante esse tema da interpretação, principalmente pelos aspectos políticos e econômicos dos privilégios, que passam agora, neste final de século, a ser examinados na estrita consonância com os princípios da igualdade e da justiça, sobre eles pesando a suspeita generalizada de ilegitimidade, até prova em contrário. A interpretação das isenções deve ser igual a qualquer outra. O Código Tributário nos diz, no art. 111, que a interpretação das isenções deve ser literal, com o que apenas repudia a analogia, que interpretação não é. Interpretação literal é a que vai até os limites da expressividade da linguagem jurídica. Enquanto as palavras da lei da isenção forem susceptíveis de interpretação ou de compreensão, o intérprete poderá estendê-las, desde que não destorça o sentido possível. Quer dizer: interpretação literal é limite para interpretação, mas balizado pela possibilidade expressiva da letra da lei. Nunca a interpretação literal poderá ser entendida no sentido de uma redução ou de uma restrição da isenção. É, pois, uma interpretação igual à de qualquer outro instituto ou figura de direito tributário, com a ressalva de que aqui não caberá analogia para a dispensa de impostos; quando houver uma lacuna na lei de isenção não pode o intérprete buscar em outra lei semelhante uma disposição para completar aquela lacuna.” MARTINS, Yves Gandra da Silva (Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v. II, p. 130/132: “13. Dessa forma, a interpretação analógica, para ser legítima, deve estar conforme aquele princípio, do qual decorre, a bem dizer, a obrigação tributária, de natureza ex lege. Assim, os efeitos de sua aplicação não podem violar a normatividade material tributária. 14. A restrição envolve também os casos de preenchimento de lacunas ou imperfeições da lei – casos de integração da legislação. 15. O pensamento do Prof. Barbosa Nogueira sobre o delicado problema pode ser resumido: a) analogia – possibilidade de aplicação no campo do direito tributário formal; b) inaplicação aos elementos constitutivos da obrigação tributária (analogia facti é impossível por resultar na teoria dos tipos); c) distinção entre interpretação extensiva e analógica (art. 108, I do CTN: ‘[...]não se pode falar em analogia onde não há lacuna ou omissão da lei’ – Prof. Geraldo Ataliba). Na primeira hipótese há obscuridade do direito – o texto deve atingir a situação fática, que é clara; na segunda, a inclareza está na situação fática, pois a de direito é clara; d) não há como aplicar-se método extensivo, com o uso da analogia, para criar obrigações, que ‘somente podem decorrer da lei’; e) a interpretação da norma material deve ser estrita – não ampliar, nem restringir: se houver omissão da lei, deve ser sentenciada a inexistência da obrigação; f) é elementar o princípio da impossibilidade de aplicação das normas restritivas ou de proibições; g) a interpretação, se literal, estrita, por força de lei (art. 111 do CTN) não comporta recursos analógicos, nem extensiva nem mesmo restritiva. 16. Enormes são as divergências nesse campo da doutrina, embora se encontrem pensamentos semelhantes. Vejamos: ‘[...]o que se condena é o uso da analogia, quando se fala em interpretação estrita, havendo, todavia, a possibilidade de se chegar, através do método lógico – teleológico, a uma interpretação lógico – extensiva, a qual não se confunde com a analogia, e é admitida na doutrina e na jurisprudência.’ 17. A analogia é desadequada ao direito fiscal (Ministro Nonato), mas acolhe a interpretação feita por A. Silveira. Outro Ministro, igualmente ilustre, Baleeiro, exclui a interpretação analógica, ‘não, porém, a extensiva com relativa elasticidade’, cuja lição se firma em Giannini, em contraposição a Trotabas. 18. O problema interpretativo vincula-se à autonomia do direito financeiro, conclui Baleeiro (segue Griziotti). Sintetiza o método funcional, investigação da ratio: importa não tanto o como estatui a lei, mas o porquê de ela o fazer [...]. Ou, ‘[...] guie-se o intérprete pela função e causa inspiradoras da regra fiscal.’ 19. Ulhôa Canto, por sua vez, discorda da aplicação analógica extensiva para estabelecer tributos não previstos em lei. Agasalha, todavia, a analogia por compreensão – método admissível em direito tributário (art. 108, I do CTN). 20. O Prof. Rubens Gomes de Sousa manifesta sua opinião: no direito tributário acolhe-se a analogia por compreensão ou interpretação analógica porque não cria direito novo; rejeita a analogia por extensão ou interpretação extensiva, porque implica criar tributos sem lei. Maior Borges inclina-se pela aceitação da interpretação extensiva ao campo das normas tributárias gerais e defende a construção de uma teoria geral de hermenêutica das leis excepcionais para, talvez, evitar perplexidades e vacilações no campo doutrinário. 21. O pensamento de Araújo Falcão merece ser exposto, em resumo: a) analogia e interpretação são categorias (art. 108, I do CTN) substancialmente distintas; b) é impossível, pela via da interpretação analógica, chegar-se à identificação do fato geral – não se preencheria o requisito da legalidade ou da previsão em lei; c) em vários casos, o intérprete procede segundo o método extensivo e não pela aplicação analógica.”

4 Afastando a possibilidade de aplicação de isenção como resultado de aplicação de interpretação extensiva, veja-se, como exemplo: “PROCESSUAL CIVIL – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA – TRIBUTÁRIO – ISSQN – TRANSPORTE DE ESCOLARES – PRETENSÃO DE GOZO DA ISENÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 11, V, DO DECRETO DISTRITAL N. 16.128/94 PARA PRESTADORES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE PÚBLICO DE PASSAGEIROS DE NATUREZA ESTRITAMENTE MUNICIPAL – IMPOSSIBILIDADE – ART. 111, INCISO II, DO CTN – INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA – NÃO ENQUADRAMENTO DO SERVIÇO AO CONCEITO DE TRANSPORTE PÚBLICO. 1. Ausência de similitude fática e jurídica apta a ensejar o reconhecimento do dissídio jurisprudencial, bem do necessário cotejo analítico capaz de demonstrar as circunstâncias identificadoras da divergência entre o caso confrontado e o aresto paradigma. 2. Pretende a recorrente o reconhecimento de que o serviço de transporte escolar insere-se no conceito de ‘prestação de serviços de transporte público de passageiros de natureza estritamente municipal’, para fins de gozo da isenção de ISSQN contida no artigo 11, inciso V, do Decreto Distrital n. 16.128/94 - Regulamento do ISS. 3. Concluiu o TJDF que o serviço de transporte de escolares, muito embora seja de passageiros, de natureza municipal e requeira permissão, não se amolda ao conceito de serviço público, por faltar-lhe a submissão aos princípios norteadores do Direito Público, dentre os quais inserem a universalidade, a impessoalidade, a continuidade e a modicidade de tarifas. 4. Nos termos do art. 111, inciso II, do CTN, a legislação tributária que outorga a isenção deve ser interpretada literalmente. Não prevista na norma distrital, expressamente, a hipótese de exclusão do serviço de transporte escolar do campo de incidência do ISSQN, incabível fazê-lo por interpretação extensiva – tampouco por analogia. Recurso especial improvido.” (RESP 1041836, STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJE 02.12.2008) Admitindo a interpretação extensiva, veja-se: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN. LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI 406/68. TAXATIVIDADE DA LISTA. ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA POSSIBILIDADE. ‘SERVIÇO DE RECEBIMENTO’ DE CONTAS DE ÁGUA, LUZ, TELEFONE, CARNÊS E SIMILARES. CASAS LOTÉRICAS. LEIS MUNICIPAIS 3.998/93 e 4.078/94. REPRODUÇÃO DO ITEM 95, DA LC 56/87. INCIDÊNCIA. 1. A lista de serviços anexa ao Decreto-Lei 406/68, para fins de incidência do ISS sobre serviços bancários, é taxativa, admitindo-se, contudo, uma leitura extensiva de cada item, a fim de enquadrar-se serviços idênticos aos expressamente previstos [...]” (RESP 874997, STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 12.05.2008)

  1. “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. ‘DEFICIÊNCIA AUDITIVA SENSÓRIA NEURAL BILATERAL PROFUNDA IRREVERSÍVEL’. MOLÉSTIA NÃO PREVISTA NO ROL TAXATIVO DO ART. 6º, INCISO XIV, DA LEI N. 7.713/88. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA. ART. 111 DO CTN. ORIENTAÇÃO ADOTADA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO, NA FORMA DO ART. 543-C, DO CPC. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Nos autos do REsp nº 1.196.500/MT, julgado em 2.12.2010, esta Turma entendeu que a cegueira prevista no art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 inclui tanto a binocular quanto a monocular. Tal entendimento é permitido pelo art. 111, II, do CTN, eis que a literalidade da legislação tributária não veda a interpretação extensiva. Assim, havendo norma isentiva sobre a cegueira, conclui-se que o legislador não a limitou à cegueira binocular. No caso dos autos, contudo, a isenção concedida na origem não se arrimou em interpretação extensiva com base na literalidade da lei; antes, o Tribunal de origem laborou em interpretação analógica, o que não é permitido na legislação tributária para a hipótese. A cegueira é moléstia prevista na norma isentiva; a surdez não. 2. A Primeira Seção desta Corte, quando do julgamento do REsp nº 1.116.620/BA, de relatoria do Ministro Luiz Fux, na sistemática do art. 543-C, do CPC, pacificou entendimento no sentido de que o rol de moléstias passíveis de isenção de imposto de renda previstas no inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713/88 é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a concessão de isenção às situações nele enumeradas. 3. O Poder Judiciário não pode substituir a vontade do legislador para conceder isenção onde a lei não prevê, sobretudo porque o art. 111 do CTN somente permite a interpretação literal de normas concessivas de isenção. Não se pode considerar que a omissão do legislador em incluir a surdez no rol do art. 6º, XIV, da Lei nº  7.713/88 tenha sido em razão de falha ou esquecimento e, ainda que esse fosse o caso, não poderia o julgador estender o benefício fiscal à hipótese não contemplada pela norma. Assim, o acórdão recorrido merece reforma, eis que, laborando em interpretação analógica, equiparou a deficiência auditiva do contribuinte à cegueira, sendo que somente a última encontra-se no rol do referido dispositivo legal. 4. Recurso especial provido.” (RESP 200702951340, STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell, DJE 08.06.2012)

  1. “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. LEIS 7.713/1988 E 9.250/1995. DECRETO 3.000/1999. INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF 15, DE 06.2.2001. TRABALHADOR NÃO APOSENTADO. NÃO APLICAÇÃO DA ISENÇÃO. ART. 111, II, DO CTN. 1. Controvérsia relacionada ao recolhimento de valores a título de imposto de renda sobre proventos, considerando a existência das condições especificadas em norma isentiva. 2. Lei nº 7.713/1988 (Art. 6º, XIV) e Decreto nº 3.000/1999 (art. 39, XXXIII). Instrução Normativa SRF 15, de 06.2.2001. Previsão de isenção de descontos relativamente aos proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos por portadores de moléstias consideradas graves, ainda que a doença tenha sido contraída após a aposentadoria ou reforma. [...] 4. A sentença reconheceu que o contribuinte é portador de doença especificada em lei, ressaltando, contudo, que a norma isentiva não busca proteger os trabalhadores que permanecem em atividade remunerada, mas aqueles que são compelidos à aposentadoria ou reforma, e ainda os seus dependentes, por força da doença incapacitante. 5. O art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 reconhece que os rendimentos percebidos por pessoas físicas sejam excluídos da tributação do imposto de renda mediante a existência de proventos de aposentadoria ou reforma e moléstia grave. Os documentos dos autos demonstram que o Recorrente encontra-se no exercício de atividade remunerada, fato ratificado em razões de Apelação. 6. Ainda que comprovado por laudo médico que o contribuinte é portador de moléstia grave, não é cabível a extensão do benefício fiscal ante a ausência de aposentadoria. Aplicação do art. 111, II, do CTN, que impõe interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção. Precedentes do E. STJ (2ª Turma, ROMS 201000304121, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 14.2.2013; REsp 907.236/CE, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª TURMA, DJe 01/12/2008) e dos Tribunais Regionais (TRF1, 7ª Turma, AG 0022809-96.2012.4.01.0000, Rel. Des. Fed. LUCIANO TOLENTINO AMARAL, e-DJF1 28.9.2012; TRF2, 4ª Turma Especializada, 200851010273526, Rel. Des. Fed. LUIZ ANTONIO SOARES, E-DJF2R 25.10.2010; TRF5, 3ª Turma, AC 200984010016903, Rel. Des. Fed. Rel. LUIZ ALBERTO GURGEL DE FARIA, DJE 1.3.2012). 7. Apelação não provida.” (AC 200851010221400, TRF-2ª Região, 3ª Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro, e-DJF2R 29.05.2013)

  1. “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. ISENÇÃO DE DESCONTOS. PORTADOR DE  DOENÇA GRAVE (SÍNDROME DE IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA – AIDS). LEIS 7.713/1988 E 9.250/1995. DECRETO 3.000/1999. INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF 15, DE 06.2.2001. LAUDO MÉDICO. CONJUNTO PROBATÓRIO. DEMONSTRAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS. DESNECESSIDADE. TERMO INICIAL DA ISENÇÃO. ENTENDIMENTO DO E.STJ. PRECEDENTES. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. 1. Apelações da União e da Demandante. Controvérsia relacionada ao recolhimento de valores a título de imposto de renda sobre proventos, considerando existência de doença especificada em norma isentiva (art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/1988). 2. Imposto de renda. Tributo previsto constitucionalmente (art. 153, III) e no CTN (art. 43), cujo fato gerador é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, figurando entre os contribuintes pessoas físicas residentes ou domiciliadas no exterior que recebam no Brasil rendimentos tributáveis. 3. Lei nº 7.713/1988 (Art. 6º, XIV) e Decreto nº 3.000/1999 (art. 39, XXXIII). Instrução Normativa SRF 15, de 06.2.2001. Previsão de isenção de descontos relativamente aos proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos por portadores de moléstias consideradas graves, ainda que a doença tenha sido contraída após a aposentadoria ou reforma. [...] 7. Reconhecida a doença, não é necessária a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial, ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o interessado faça jus à isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/1988 [...]” (APELRE 201251010499131, TRF-2ª Região, 3ª Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro, e-DJF2R 05.08.2014)

  1. IN/SRF no 1.500, de 29.10.2014: “Art. 6º: São isentos ou não se sujeitam ao imposto sobre a renda, os seguintes rendimentos originários pagos por previdências: [...] II – proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida (Aids), e fibrose cística (mucoviscidose), comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, devendo ser fixado o prazo de validade do laudo pericial no caso de moléstias passíveis de controle, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma, observado o disposto no § 4º; III – valores recebidos a título de pensão, quando o beneficiário desse rendimento for portador de doença relacionada no inciso II do caput, exceto a decorrente de moléstia profissional, comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, devendo ser fixado o prazo de validade do laudo pericial no caso de moléstias passíveis de controle, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da concessão da pensão, observado o disposto no § 4º; [...].”

  1. Com razão SACHA CALMON NAVARRO COELHO (Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p.156, “fine”/157), quando afirma que: “Aliás, a problemática da norma e a temática da sua incidência implicam diretamente a teoria da interpretação. Em verdade os intérpretes das leis, juízes, funcionários públicos, professores, os agentes do direito, estão sempre às voltas com o problema da norma. Em primeiro lugar controvertem sobre os fatos que compõem a hipótese da norma. Em segundo lugar, discutem sobre o nexo de imputabilidade entre os fatos e os efeitos jurídicos queridos pelo legislador. Indaga-se, além dos fatos que seriam jurígenos, sobre os reais efeitos decorrentes da sua realização no mundo. Finalmente, quando os fatos estão ocorrendo ou já ocorreram, a controvérsia é sobre se juridicamente ditos fatos efetivamente se deram. [...] Isto ocorre porque as palavras com que são feitas as leis são ambíguas, possuem textura aberta e são vagas, como toda linguagem natural. Disso resulta que as pessoas quase sempre controvertem sobre o real significado das palavras. Consequentemente estas incertezas se transladam para as normas, por isso que suas hipóteses são fatos que necessariamente foram descritos pelo legislador. O trabalho está todo em tipificar as hipóteses de incidência das normas de tributação.”

  1. CAPPELLETTI, Mauro. The Expanding Role of Judicial Review in Modern Society. In: The Role of Courts in Society, Shimon Shetreet (ed).  Martinus Nijhoff Publishers, Dordrectht. 1988, p. 86: “Today we know very well that there is an inevitable element of law-making in judicial interpretation, so that judicial review cannot be evaluated by the simple criteria of formalistic legal hermeneutics.”

  1. Assim, veja-se o art. 1º do CPC/2015: “Art. 1º – O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.” CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 47: “Ao não se definir como um ordenamento valorativamente neutro, a Constituição permite que, frente a um conflito entre direitos fundamentais, juízes e tribunais possam recorrer aos ‘valores supremos’ que se expressam nos princípios fundamentais para dar solução ao caso. Não é por outra razão que, no transcurso da fundamentação das decisões, juízes e tribunais, na tarefa de interpretação do texto constitucional, se refiram a uma hierarquia valorativa, em função da qual faz-se necessário uma ponderação.”

  1. AC 00355543320074013800, TRF-1ª Região, 8ª Turma, Rel. Juiz Federal Roberto Carvalho Veloso, e-DJF1 28.02.2014, p. 1.703.

  1. AMS 00339986420054013800, TRF-1ª Região, 5ª Turma Suplementar, Rel. Juiz Federal Wilson Alves de Souza, e-DJF1 16.10.2013, p. 363.

  1. AGARESP 201202093569, STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJE 08.03.2013.
  2. NOGUEIRA, Alberto. Sistemas Judiciais das Liberdades Públicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 57: “Na moderna concepção do ‘judicial control’, o Judiciário desobstrui os canais democráticos, assegurando o livre funcionamento das forças sociais – inclusive – e principalmente – ‘dos excluídos’, operando, nesse papel, como verdadeiros “outsiders” políticos no conflito inevitável entre os excluídos (os outs ou sem) e os ‘incluídos’ (nos frutos da sociedade, os ins ou detentores). Nessa função, o juiz atua como um ‘conduto’ (pipeline) para o acesso do ‘povo’ [...]”.

REFERÊNCIAS

CAPPELLETTI. Mauro. The Expanding Role of Judicial Review in Modern Society. In: The Role of Courts in Society, Shimon Shetreet (ed),  Martinus Nijhoff Publishers, Dordrectht, 1988.

CITTADINO. Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

MARTINS, Yves Gandra da Silva (Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.v. II.

NOGUEIRA. Alberto. Sistemas Judiciais das Liberdades Públicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e Prática das Isenções Tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995.

                                                                                                             


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