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A natureza cambiária da certidão de crédito em precatório judicial

A natureza cambiária da certidão de crédito em precatório judicial

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O trabalho discute a adequação social da aplicação do regime cambiário à comercialização de precatórios judiciais no âmbito do Distrito Federal, no contexto criado a partir do julgamentos das ADIs 4357 e 4425 pelo STF.

Resumo: O tema do presente trabalho é a comercialização de precatórios judicias, especialmente para fins de compensação fiscal. Para tanto, empreendeu-se uma pesquisa empírica com o objetivo de levantar dados acerca desse mercado no âmbito do Distrito Federal, tomando-se a realidade social adjacente à norma de Direito como ponto de partida. O caso particular estudado da Capital Federal foi inserido em um contexto maior, tendo como plano de fundo a modulação pelo Supremo Tribunal Federal dos efeitos da declaração parcial de inconstitucionalidade do Regime Especial de Pagamento de Precatórios, instituído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009, proferida no julgamento conjuntos das Ações Direta de Inconstitucionalidade nº 4357 e 4425. Essa decisão redefiniu mais uma vez o regime jurídico aplicável à liquidação de precatórios no Brasil e teve reflexos diretos nos negócios jurídicos de cessão civil dessas obrigações, ao revelar a existência de um mercado desregulado. A ausência de norma regulamentadora da matéria é abordada como uma das causas para a ocorrência de fraudes, mediante a multiplicidade de cessões do mesmo crédito. Após o tratamento analítico dos dados estudados, foi-nos possível constatar que os próprios atores envolvidos, incluindo-se entre eles o Próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, a fim de assegurar confiabilidade e celeridade a estas transações, passaram a aplicar o regime jurídico cambial à certidão de crédito em precatório, um documento representativo dessas obrigações, utilizado para a circulação de precatórios no mercado distrital, ao ponto de ser possível atribuir-lhe o estatuto de título de crédito atípico.

Palavras-chave: Precatório Judicial. Cessão Civil. Certidão de Crédito. Compensação Tributária. Emenda Constitucional nº 62, de 09.12.2009.

Sumário: Introdução. 1. Precatórios judiciais. 1.1. Acepções do termo Precatório. 1.2. As espécies de precatórios judiciais. 1.3. Natureza jurídica do PCT. 1.4. Quitação e regime especial de pagamento. 1.4.1. Emenda Constitucional nº 62/09. 1.4.2. Resolução nº 123 do CNJ 1.4.3. julgamento das ADIs nº 4357 e 4425 pelo STF. 2. Cessão de precatório judicial. 2.1. Precatório e formação do crédito. 2.2. Precatório e vínculo jurídico obrigacional 2.3. Cessão Civil de crédito. 2.3.1. Decomposição do crédito. 2.4. Cessão de Precatório Judicial particularidades. 2.4.1. O Instrumento da Cessão (existência) 2.4.2. Prova da titularidade do crédito (validade) 2.4.3. A Habilitação de Crédito (eficácia) 2.5. Compensação Fiscal. 3. Comercialização de precatórios no Distrito Federal. 3.1. O Problema de Pesquisa. 4. A natureza cambiária da certidão de crédito. 4.1. Princípio da Cartularidade. 4.2. Título de Crédito impróprio. Considerações finais. Referências. Anexo 1: Orientações do TJDFT para pedido habilitação de crédito. Anexo 2: Pronunciamentos do STF nas ADIs 4357 e 4425.


INTRODUÇÃO

O Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente, concluiu o julgamento e a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade parcial do Regime Especial de Pagamentos de Precatórios (REPP), instituído pela Emenda Constitucional nº 62, de 09 de dezembro de 2009 (EC Nº 62/09). Declaração essa que foi proferida por ocasião do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 4357 e 4425. Na oportunidade, o Pretório Excelso também se manifestou acerca do tema da comercialização dessas obrigações para fins de compensação com débitos tributários inscritos em dívida ativa, um mercado em crescimento no Brasil, que envolve credores de precatórios vencidos de um lado e empresas em débito com o fisco de outro. No julgado mencionado, o STF pronunciou-se sobre a urgente necessidade de regulamentação dessas operações. Nesse contexto, o tema da presente pesquisa é a natureza cambiária da certidão de crédito em precatório judicial - um documento representativo desses valores e que é utilizado para sua circulação no mercado, ao menos no âmbito do Distrito Federal.

No Brasil, as dívidas a que estão obrigadas as Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, oriundas de sentenças condenatórias transitadas em julgado ou títulos executivos extrajudiciais inadimplidos1, são pagas por meio de precatórios judiciais, uma prerrogativa do Poder Público de não pagar suas dívidas à vista. Trata-se de uma forma ordenada de inclusão no orçamento das entidades de direito público devedoras da verba suficiente ao pagamento das condenações sofridas em processo judicial. O precatório, nesse contexto, seria o procedimento adotado para a quitação de um débito executado contra a fazenda pública.

Encerrada a discussão quanto à exigibilidade da obrigação pecuniária a ser prestada pelo Ente Público devedor no bojo da execução por quantia certa contra a fazenda pública, expedir-se-á em favor do exequente um precatório para seu cumprimento. Com efeito, o demandante em benefício de quem se processa a execução passará a compor uma fila ordenada para quitação do débito na ordem cronológica de apresentação do precatório, na qual a preterição, fora das hipóteses legais, implica em crime de responsabilidade do Presidente do Tribunal de Justiça correlato (CF/88, art. 100, § 7º).

Os precatórios judiciais, pois, consubstanciam uma típica relação jurídica obrigacional, porquanto confira ao sujeito ativo (credor) o direito de exigir o cumprimento de determinada prestação economicamente aferível e ao o sujeito passivo (devedor) o dever jurídico de solvê-la. No campo patrimonial, essa obrigação economicamente mensurável forma um crédito em favor de seu beneficiário, pessoa física ou jurídica.

Assim, como em qualquer outra relação obrigacional, também em se tratando de precatórios judicias é admissível a modificação das partes envolvidas, com a transferência da titularidade do crédito. A EC nº 62/09 incluiu o parágrafo 13º no artigo 100 da Constitucional Federal de 1988 (CF/88), que disciplinou o modo de transmissão dessas obrigações, facultando ao credor a possibilidade de transferir, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, por meio de cessão civil. Observa-se, atualmente, no Brasil, um crescente aumento do número de negociações desses papeis no mercado, especialmente por empresas em débito com o fisco, interessadas na realização de compensações tributárias.

Para as Administrações Públicas brasileiras, a comercialização de precatórios tem-se revelado como um importante recurso para amortização dos débitos públicos com precatórios vencidos. O Governo do Distrito Federal (GDF), inclusive, instituiu programas de recuperação de créditos tributários (REFAZ I, II e III, ICM em Dias etc.)2, mediante os quais se tem fomentado a extinção recíproca de débitos.

Do ponto de vista dos particulares, pessoas físicas ou jurídicas, tal operação é fruto de dois fatores em especial. O primeiro é o atraso3 na quitação de precatórios vencidos. O Distrito Federal, v.g., atualmente, encontra-se em débito com precatórios do ano de 1998, o que é equivale a 17 anos de demora. Portanto, embora o pagamento do precatório seja um evento certo e inevitável no futuro, é sempre incerto quanto à data exata de seu adimplemento. Com efeito, credores de precatórios enxergam na “venda” de seu crédito uma oportunidade de antecipação do recebimento, a despeito do deságio. Já para os compradores de tais papéis, trata-se de um negócio extremamente vantajoso. Isso porque eles são comprados por uma fração do valor principal (de face), que varia de 30 a 70 por cento conforme o caso, para serem compensados por seu valor integral acrescidos dos acessórios - juros e correção desde a data da expedição.

Neste contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento sobre a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da EC nº 62/09, no bojo das ADIs 4357 e 4425, quanto ao tema aqui em apreciação, fixou a possibilidade de compensação de precatórios vencidos com o estoque de créditos já inscritos em dívida ativa. Essa decisão do Pretório Excelso, evidentemente, teve como escopo a preservação de empresas com débito tributário, visando à proteção da atividade econômica.

A oportunidade oferecida pelo comercio de precatórios não tem atraído apenas em presas com débitos inscritos em dívida ativa, mas também especuladores que enxergam nesse tipo de investimento uma oportunidade de lucro fácil. A ausência de regulamentação da matéria tem resultado numa situação de insegurança jurídica, tornando tais operações assaz arriscadas para o negociante incauto. No caso do Distrito Federal, v.g., observa-se a recorrência de episódios de fraudes, mediante a multiplicidade de cessões do mesmo crédito.

Do ponto de vista prático, a prova da titularidade de um crédito inscrito em precatório é feita por meio de certidão expedida pelo Poder Judiciário, a requerimento do titular interessado em negociá-lo. O que equivale dizer que tal documento nasce de um ato unilateral de vontade e se exterioriza por meio de um instrumento público. A princípio, a finalidade de tal certidão é tão somente fazer prova do direito e representar o crédito, conferindo-lhe os atributos idoneidade, certeza e exigibilidade. Todavia, essa certidão enquadra-se perfeitamente na definição de título de crédito cunhada por Cesare Vivante, a saber, o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado, e é dotada da mobilidade necessária para circulação dessas obrigações no mercado.

Assim, a fim de conferir maior segurança e dinamismo à comercialização de precatórios judicias, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) expede apenas uma certidão de crédito para cada credor, que a requerer para fins de negociação do precatório, como também exige sua posse como condição para o recebimento dos valores que lhe são devidos, impedindo-os assim de se apresentem como credores após terem negociado o crédito com outrem ou de o negociá-lo com mais de um interessado. Deste modo, embora o crédito exista por si só, podendo ou não existir um documento que o exteriorize, a certidão mencionada no parágrafo precedente assegura ao portador sua exigibilidade. Destarte, pode-se asseverar que o TJDFT, visando uma tutela efetiva (justa, adequada e tempestiva), passou a conferir à certidão de crédito em precatório um tratamento jurídico assemelhado àquele conferido aos títulos de crédito em geral, aplicando-lhe os princípios de direito cambiário, especialmente o da cartularidade, ainda que de maneira abrandada.

A justificativa para o tratamento do tema proposta reside em sua atualidade. Com a modulação dos efeitos do julgamento das ADIs 4357 e 4425 pelo STF em 25 de março de 2015, foram mantidas as compensações tributárias entre precatórios e dívidas inscritas em dívida ativa até a data do julgado. Por outro lado, O STF vedou a possibilidade de seu uso até que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamente a matéria, apresentando ao STF de uma proposta normativa. Logo, resta evidente a necessidade da realização de estudos sobre a questão, tanto teóricos quanto empíricos.

O problema de pesquisa que se enfrenta pode ser assim endereçado: a certidão de crédito em precatório assemelha-se aos demais documentos representativos de direitos e obrigações a ponto de ser lícito conferir-lhe o estatuto jurídico de título de crédito atípico, com vistas a conferir segurança e agilidade à comercialização de precatórios?

Ao analisar a experiência do TJDFT quanto ao tratamento jurisprudencial conferido à certidão de crédito em precatório, em cotejo com os princípios de direito cambiário (cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais), objetiva-se aferir os limites e contornos da aplicação desses à espécie, a fim de que se possa elucidar a questão central proposta.

Deste modo, para se nos seja possível acalcar o objetivo geral mencionado no parágrafo precedente, estabelecemos quatro objetivos específicos, a saber:

  1. estudar o conceito e a aplicabilidade do instituto da cessão civil de crédito;

  2. analisar a aplicação dos princípios de direito cambiário à certidão de crédito em precatórios judicias;

  3. realizar o levantamento e sistematização dos precedentes judiciais relevantes sobre o tema no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios;

  4. aferir como a aplicação do princípio da cartularidade à comercialização de precatórios judiciais pode contribuir para uma maior segurança jurídica e agilidade nessas operações.


1. PRECATÓRIOS JUDICIAIS

Neste capítulo inaugural, trataremos dos institutos jurídicos mais relevantes para a adequada compreensão do objeto central do presente estudo, a certidão de crédito em precatório. Para tanto, além dos conceitos e definições correlatos aos institutos jurídicos atinentes à matéria, serão apresentados os principais pressupostos a partir do quais serão tecidas as argumentações apresentadas.

Deste modo, serão abordados brevemente os conceitos de precatório judicial, obrigações, título de crédito, cessão civil e compensação, assim como as inter-relações entre eles, tudo com o escopo tão somente de tornar o tema de pesquisa compreensível, já que não nutrimos a pretensão de transformar o presente trabalho monográfico em um manual de direito.

1.1. Acepções do termo Precatório

O termo técnico do direito “precatório” é ambíguo, porquanto possua diversos sentidos, o que não raro gera problemas quanto a sua compreensão. Isso porque sob o mesmo nomen iuris encontram-se albergadas figuras distintas. Desta maneira, observa-se que no âmbito jurídico, ele é comumente empregado para denotar: (i) a requisição de pagamento; (ii) o crédito que representa; (iii) um título de crédito (iii) o regime constitucional de pagamento observado pela fazenda pública para sua quitação; (iv) o incidente processual de natureza administrativa observado na última fase da execução contra a fazenda pública; (v) ou, ainda, como sinônimo de ofício requisitório, que é um dos atos processuais praticados em seu bojo ou uma das peças processuais que o compõe.

A matéria é tormentosa, muito embora seja ignorada pela doutrina pátria, ao ponto de serem escassos estudos sobre o sentido do termo ora em apreciação. Com efeito, é possível asseverar que, em direito, o termo técnico precatório, assim como muitos outros, é um axioma, na medida em que é aceito sem maiores questionamentos.

O dicionarista Deocleciano Torrieri Guimarães (2011, p. 480), v.g., assim o define:

“Requisição determinada pelo Juiz a repartições publicas e assemelhadas, para previsão, nos respectivos orçamentos, de verba suficiente ao pagamanto de condenações judiciais sofridas pelo Estado. O mesmo que requisitório”

No mesmo sentido, Fábio Bittencourt Rosa (apud JUNIOR, 2005, p. 51), quem define precatório como sendo:

“a requisição de um juiz de 1º grau, mediante ofício, à autoridade administrativa, que é Presidente do Tribunal, de numerário para pagamento decorrente de decisão judicial de 1º ou 2º graus, transitada em julgado”.

A definição acima apresenta é a reprodução de um conceito da doutrina clássica que é reiteradamente reproduzido por quem trata da matéria, e.g., Lemos (2004, p. 61), embora já não mais explique satisfatoriamente o significado do termo a que se refere. De fato, na etimologia da palavra precatório está o verbo do latim “precari”, que significa pedir, rogar. Daí o porquê do uso da palavra requisitório como sinônimo e da confusão com “precatória” de carta precatória, palavra que guarda uma origem etimológica comum, diferenciando-se na grafia apenas pelo artigo final, mas que significa coisa diversa, a saber, o pedido de magistrado para magistrado para a prática de um ato processual para o qual requerente não possui competência.

Todavia, salvo melhor juízo, entendemos que os conceitos acima apresentados não são suficientes para elucidar completamente o instituto jurídico em apreço. E não é só. Ao contrário do que o termo grafado no singular induz, existem diversos tipos de precatórios e não apenas um, quais sejam, vencidos, vincendos, comuns, alimentares, preferenciais, tributários etc.

Nesse contexto, acreditamos que para uma perfeita compreensão do instituto jurídico em apreciação é preciso conhecer seu procedimento, desde sua origem até sua extinção. Vejamo-lo, então, em apertada síntese:

  1. A requerimento do interessado, instaurar-se a execução contra a Fazenda Pública, com base em um título extrajudicial ou judicial – um pronunciamento de natureza final (sentença/acórdão)4 com trânsito em julgado. No bojo da execução, encerrada a discussão acerca do direito a um crédito e do quantum devido ao titular desse direito, o exequente estará apto a receber o valor que lhe é devido pelo ente de direito público executado. Todavia, para o pagamento desse débito, forma-se um incidente processual na última fase do processo executivo, consistente em um procedimento de natureza administrativo (P.A.), orientado ao cumprimento e extinção a obrigação. Esse P.A. pode ser conduzido por dois ritos procedimentais distintos: precatório judicial (PCT), objeto do presente estudo, ou requisição de pequeno valor (RPV), a depender do montante devido. No caso do Distrito Federal, se o valor devido for de até 10 (dez) salários mínimos, ele será pago por meio de RPV. Diversamente, sendo superior a esse teto, por meio de PCT.

  2. Para a formação de incidente processual, o Juízo de 1ª ou 2ª instância, que decidiu a causa originariamente e processou a execução, requisitará ao ente público devedor o cumprimento da obrigação por intermédio do Presidente do Tribunal, autoridade essa que expedirá um ofício requisitório (art. 730, inc. I, do CPC/73). Esse documento também será encartado nos autos do procedimento administrativo, seja PCT seja RPV, tornando-se uma de suas peças. No caso do TJDFT tanto as RPVs quantos os PCTs são processados e sentenciados (extintos pelo cumprimento da obrigação) pela Coordenação de Conciliação de Precatórios (COORPRE), que age sob delegação da presidência da Corte. Nela, atualmente, tramitam processos de 24.990 credores, segundo dados atualizados até a data de 1º de julho de 2013 (última atualização)5;

  3. O valor devido pelo Distrito Federal (DF), até a data de 1º de julho de 2013, em precatórios judiciais era de R$ 3.652.419.318,686, quase 3,7 bilhões de reais. Assim, para o pagamento de seus débitos, o DF consigna mensalmente em uma conta judicial criada e administrada pelo TJDFT valores na forma do regime especial instituído pela Emenda Constitucional nº 62, de 09 de dezembro de 2009 (EC Nº 62/09). Consoante o disposto no § 6º, do art. 100, da Constituição Federal, compete ao Presidente do Tribunal no qual a execução foi processada determinar os pagamentos;

  4. Após o pagamento ou compensação do valor integral, o PCT e a execução correlata serão, simultaneamente, extintos por meio da mesma sentença, com base no art. 794, inc. I ou II, do Código de Processo Civil vigente (CPC/73).7

Com base no que foi dito até aqui, em nosso entender, do ponto de vista processual, os Precatórios Judiciais são requisições feitas pelo Juízo da execução por quantia certa contra a fazenda pública, fundada em título extrajudicial ou judicial, por intermédio do Presidente do Tribunal, para inclusão, no orçamento das entidades de direito público executada ou daquela que integra, da verba suficiente ao pagamento, no prazo previsto no art. 100, § 5º, da CF/88, do valor executado, cujo quantum seja superior àquele definido em lei local do ente federativo vinculado ao devedor, para obrigações de pequeno valor. Entendendo-se aqui “fazenda pública” como uma expressão de direito processual, “utilizada para designar as pessoas jurídicas de direito público que figuram em ações judiciais” (CUNHA, 2013, p. 15). Já no campo do direito material, o Supremo Tribunal Federal (STF) já consagrou o entendimento segundo o qual se trata de uma prerrogativa do Poder Público que o possibilita pagar seus débitos objeto de execução não à vista, mas num prazo que se estende até dezoito meses8. O conceito de precatório apresentado acima será pormenorizado no decorrer do presente capítulo.

Assim, após os comentários tecidos acima é possível estabelecer a distinção entre o termo precatório como sinônimo de direito de crédito e as expressões: precatório judicial ou requisitório em alusão à requisição de pagamento formulada contra a fazenda pública; regime de pagamento de precatórios; autos de precatório ou PCT; e ofício requisitório9.

Elucidada o significado do termo técnico-jurídico precatório, assim como seus sinônimos e expressões correlatas, conceito fulcral para o desenvolvimento desta pesquisa, é-nos possível prosseguir.

1.2.As espécies de precatórios judiciais

Os precatórios possuem prazo para pagamento. A matéria encontra-se disciplinada na Constituição Federal, art. 100, § 5º, onde se estabelece que os precatórios judiciários apresentados (autuados) até 1º de julho de cada ano serão pagos até o final do exercício fiscal seguinte. Assim, após essas datas, caso não tenham sido pagos, eles serão considerados vencidos.

Considerando-se a natureza do crédito, o precatório poderá ser comum ou alimentar. A Constituição Federal, em seu art. 100, § 1º, com a redação que lhe deu a EC Nº 62/09, aduz quais são os débitos de natureza alimentícia10 e, por exclusão, inferem-se quais são os comuns, in verbis:

“Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo”

Considerando-se a ordem de pagamento, o precatório poderá ser comuns, preferenciais. Os preferenciais, por sua vez, são os de natureza alimentícia e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, ressalvado o caso de adiantamento constitucional que será visto no parágrafo seguinte. Os precatórios comuns, por exclusão, são aqueles cujo crédito não tem natureza alimentar. Eles serão pagos na ordem cronológica de apresentação, compondo uma lista ordenada para tal fim11. No caso do TJDFT, os precatórios são pagos ano a ano, primeiros os alimentar e, em seguida, os comuns, na ordem de apresentação.

Ainda quanto aos preferenciais, na forma do art. 100, § 2º, da CF/88, existe a possibilidade antecipação, total ou parcial do crédito – uma exceção à regra da ordem cronológica. Isso será possível se o titular de um crédito alimentício possuir 60 (sessenta) anos de idade12 ou mais ou ser portador de doença grave13. O valor da antecipação está limitado ao triplo do valor estabelecido por lei para RPV, admitido o fracionamento para essa finalidade, o que equivale dizer que, se a antecipação não quitar o débito, o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório, permanecerá na fila. A esse respeito, confira-se uma sentença proferida pela COORPRE nos autos do precatório nº 20130020058485PCT, disponibilizado no DJe de 10.02.2015, p. 7:

“S E N T E N Ç A Trata-se de precatório para o pagamento da importância devida pelo Distrito Federal em benefício do(a) credor(a) indicado(a) na requisição de fl. 2. Deferido o pedido de preferência constitucional aviltado pelo referido(a) credor(a), o precatório foi integralmente quitado, consoante cálculos apresentados pela Contadoria Judicial e decisão homologatória proferida nos presentes autos, com a respectiva expedição de alvará de levantamento em seu favor. É o relatório. DECIDO. Ante o adimplemento da obrigação, DECRETO a extinção da presente requisição, a teor do art. 794, inciso I, do CPC, como também do feito executivo a ela relacionada, o qual apenas deverá prosseguir caso haja outra RPV ou precatório em trâmite. Sem custas ou honorários. Publique-se. Intimem-se. Cópia juntada nos autos do processo originário. Brasília, 2 de fevereiro de 2015. “

É importante ressaltar que a preferencia constitucional é um direito personalíssimo do credor originário, portanto, insuscetível de transmissão14. Deste modo, o cessionário de um precatório preferencial não poderá ser beneficiário da antecipação constitucional em sucedâneo ao cedente (CF/88, art. 100, § 13).

Confira-se a esse respeito o excerto de uma decisão padrão de deferimento de preferência constitucional nos autos de precatório judicial, proferida pela COORPRE nos autos do PCT 20140020098559PCT e publicada às fls.15/16 do DJE de 22.05.2015, na qual se vê de sua fundamentação o entendimento sufragado pelo TJDFT:

“Decido. O(s) documento(s) apresentado(s) pelo(a)(s) Requerente(s) é(são) incontestável(is) em declarar que ele(a)(s) ostenta(m) idade superior a 60 (sessenta) anos, ficando, assim, protegido(a)(s) pela preferência a que alude o art. 100, §2º, da CF/88, art. 97, §18º, ADCT, e arts. 12 e 13, da Resolução CNJ n. 115, de 29.6.10. Para o tema aqui em apreciação, é importante registrar que há um teto para o crédito preferencial, qual seja, o "triplo do fixado em lei para os fins" de reconhecimento da obrigação de pequeno valor (§2º do art. 100 da Lei Fundamental). Como, no DF, há Lei Distrital tratando do tema - Lei 3.624/05 - e fixando como limite máximo para a obrigação de pequeno valor a quantia de 10 (dez) salários mínimos, há de se concluir que o crédito preferencial só pode atingir o quantum de 30 (trinta) salários mínimos. Após a EC n° 62/2009, os idosos e portadores de doenças graves, uma vez confirmada uma ou as duas condições, terão preferência no pagamento, desde que detentores de créditos de natureza alimentícia. Tal preferência, por sua vez, não se refere ao pagamento integral do precatório (falando aqui dos precatórios cujos débitos são superiores aos considerados como de pequeno valor), mas, somente, a uma espécie de adiantamento do montante que é devido, ficando o crédito remanescente, se houver, na ordem cronológica de apresentação. Destaque-se, ainda, que o deferimento dessa parte do pedido não implica pagamento imediato, nem expedição de RPV dessa parte do crédito: significa, apenas, a inclusão do crédito (até 30 salários mínimos, no caso do DF) em lista preferencial, organizada pela COORPRE, com preferência sobre as demais listas. Assim, no momento oportuno, o crédito exequendo deve ser atualizado e, no limite acima mencionado, adimplido aos autores (até 30 salários mínimos). Caso nada mais reste aos credores, deverão eles ser excluídos, definitivamente, do presente PCT. Diante do exposto, em virtude de "idade", nos termos acima fundamentados, DEFIRO O PEDIDO DE PREFERÊNCIA AO(S) CREDOR(ES) (...) para que passe(m) a figurar na LISTA DE PREFERÊNCIAS, no montante máximo R$ 23.640 (vinte e três mil, seiscentos e quarenta reais)”

Por fim, os precatórios tributários são aqueles relativos a tributo, oriundos, em regra, de ações de repetição de indébito movidas por contribuintes.

1.3.Natureza jurídica do PCT

Como dito alhures, os precatórios judiciais, entendidos como incidente processual instaurado na última fase da execução por quantia certa contra a fazenda pública, formam um procedimento administrativo, que, em nosso sentir, s.m.j., não podem ser concebidos como uma execução especial, como leciona Humberto Theodoro Júnior (2005, p. 47). Isso porque, em nosso entender, o precatório é um procedimento administrativo para o cumprimento pela Fazenda Pública de um débito em execução judicial, seja pelo pagamento seja por compensação ou outra forma de extinção da obrigação. Esse procedimento não é autônomo, mas dependente da execução correlata. No caso do TJDFT, v.g., ele é processado pela COORPE e, após o advento da extinção da obrigação, ele recebe uma sentença de mérito, com fulcro no art. 794 e 795 do CPC, que põe fim, concomitantemente, tanto à execução principal quanto ao procedimento administrativo incidental, como se observa do julgado que se segue, extraída do DJe de 14.05.2015:

PRECATÓRIO Processo Nº 2012 00 2 025280-5 Requisitante JUÍZO DE DIREITO DO 2º JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DO DF Requisitado PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (...) S E N T E N Ç A Tratase de precatório para o pagamento da importância devida pelo Distrito Federal em benefício do(a) credor(a) indicado(a) na requisição de fl. 2. Deferido o pedido de preferência constitucional aviltado pelo referido(a) credor(a), o precatório foi integralmente quitado, consoante cálculos apresentados pela Contadoria Judicial e decisão homologatória proferida nos presentes autos, com a respectiva expedição de alvará de levantamento em seu favor. É o relatório. DECIDO. Ante o adimplemento da obrigação, DECRETO a extinção da presente requisição, a teor do art. 794, inciso I, do CPC, como também do feito executivo a ela relacionada, o qual apenas deverá prosseguir caso haja outra RPV ou precatório em trâmite. Sem custas ou honorários. Publique-se. Intimem-se. Cópia juntada nos autos do processo originário. Brasília, 7 de maio de 2015. MARIA GRAZIELA BARBOSA DANTAS Juíza de Direito Substituta Coordenadora de Conciliação de Precatórios.

Ademais, nesta fase processual, o objeto do processo não é mais litigioso, não se podendo sequer falar em partes, mas tão somente em credor e devedor. Na experiência do TJDFT, ainda, no bojo do P.A. do PCT/RPV, em regra, são decididas apenas questões relacionadas à legitimidade das partes e seus procuradores e à extinção da obrigação. Deste modo, as decisões envolvendo discussões sobre o crédito considerado em si mesmo são remetidas para o Juízo da execução, quem tem competência para decidi-las.

No mesmo sentido, data venia, também não concordamos com Humberto Theodoro Júnior (2005, p. 51) quando afirma que o precatório é um “ato executivo contra a Fazenda Pública”. Isso porque é precatório embora esteja contido num processo executivo não se consubstancia num só ato, mas em vários. Ele nas com a liquidação do crédito e se encerra com a extinção da obrigação. Entre um fato processual e outro, vários outros são praticados, necessária ou facultativamente, tais como a atualização do débito pela Contadoria Judicial, homologação de cálculos pelo juízo, expedição de alvará de levantamento, apreciação de pedidos de preferência constitucional, de habilitação de cessionário ou herdeiros de credor falecido etc.

Com base no que fora dito no parágrafo precedente, podemos asseverar que o precatório judicial é um incidente processual, instaurado na última fase da execução por quantia certa contra a fazenda pública, com o objetivo da extinção da obrigação exequenda e que e materializado em um procedimento administrativo de competência do Presidente do Tribunal da decisão exequenda, no exercício de sua função jurisdicional. Dito isso, podemos avançar.

1.4.Quitação e regime especial de pagamento

Para entender a forma de liquidação de precatórios, é preciso empreender um estudo sistematizado da legislação aplicada à espécie. Esse estudo se inicia com o advento da Emenda Constitucional nº 62, de 09 de dezembro de 2009 (EC Nº 62/09), posteriormente com a regulamentação conferida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da Resolução nº 123, passando pelo julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 4357 e 4425 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente, em 14 de março de 2015.

1.4.1.Emenda Constitucional nº 62/09

A EC Nº 62/09 é o marco legal da matéria em apreciação, tendo em vista que alterou substancialmente o regime jurídico de pagamento de precatórios judiciais no Brasil, ao instituir o Regime Especial de Pagamento de Precatórios – REPP. Por meio dele, em aperta síntese, facultou-se aos entes federativos em mora com precatórios vencidos: a) a possibilidade de parcelamento da dívida por 15 anos, mediante o depósito anual do valor correspondente ao saldo total dos precatórios devidos; b) ou a destinação mensal de 1/12 (um doze avos) de um percentual que varia de 1% a 2% e sobre a receita corrente líquida do Ente Devedor, até que o valor destinado seja superior ao valor devido. Além do parcelamento por prazo certo ou incerto, ela criou três hipóteses de quebra da ordem cronológica de apresentação de precatórios, ao possibilitar a destinação de 50% dos recursos orçamentários destinados à amortização do débito para: (i) os pagamentos por ordem crescente de valor; (ii) promoção de leilões; (iii) ou realização de acordos diretos com credores.

O Distrito Federal, por meio do Decreto nº 31.398, de 09 de março de 2010, aderiu ao REPP, obrigando-se ao depósito mensal em conta especial do valor correspondente a 1/12 calculados sobre 1,5% de sua receita corrente líquida por prazo indeterminado.

Com efeito, embora crédito inscrito em precatório mereça credibilidade, porquanto seu adimplemento seja certo e inevitável no futuro, não se pode estabelecer a priori a data exata de sua verificação. Essa incerteza é uma das razões pelas quais os credores de precatórios negociam esse crédito, como forma de antecipação do recebimento. Como já tivemos oportunidade de mencionar, o tempo médio para um precatório ser pago no Distrito Federal é de 17 anos15.

1.4.2.Resolução nº 123 do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça editou a resolução nº 123, considerando a necessidade de tornar exequível a Emenda Constitucional nº 62/09, que instituiu o regime especial de pagamento de precatórios (REPP), de modo a que ele não se torne moratória permanente. O normativo é fruto das diretrizes traçadas no Encontro Nacional do Judiciário sobre Precatórios, realizado em 30 de setembro de 2010 com a participação de representantes dos 56 Tribunais brasileiros com precatórios a em mora.

Ocorreu que, como já tivemos oportunidade de mencionar, o REPP possibilitou aos entes públicos em débitos com precatórios vencidos na data da promulgação da EC Nº 62/09 o parcelamento de seu débito por prazo indeterminado, mediante a destinação de uma ínfima parcela de sua receita líquida, 1/12 ao mês sobre uma fração que varia de 1%a 2% de sua receita líquida (ADCT, art. 97, § 2º), esse é o caso, p.ex., do Governo do Distrito Federal (GDF). Aduz a norma de regência da matéria que:

ADCT, art. 97, § 14. O regime especial de pagamento de precatório previsto no inciso I do § 1º vigorará enquanto o valor dos precatórios devidos for superior ao valor dos recursos vinculados, nos termos do § 2º, ambos deste artigo, ou pelo prazo fixo de até 15 (quinze) anos, no caso da opção prevista no inciso II do § 1º.

Sucedeu que se observou que a condição resolutiva prevista na norma supra nunca se implementará. Isso porque, para a maioria absoluta dos entes federativos, a dívida pública com precatório tem aumentando enquanto o valor destinado ao seu pagamento não tem acompanhado a evolução do débito. Deste modo, o valor dos precatórios devidos sempre será superior ao valor dos recursos vinculados.

Então, para solucionar esse problema, a Res. 123/CNJ acrescentou os §§ 1º, 2º e 3º ao art. 20 da Res. 155/CNJ, cuja redação é a seguinte:

“Os Tribunais de Justiça promoverão o levantamento das dívidas públicas de precatórios de todas as entidades devedoras sob sua jurisdição e, no caso daquelas em que, pela projeção da aplicação dos percentuais mínimos previstos constitucionalmente, se verificar que os precatórios vencidos e vincendos não serão satisfeitos no prazo de 15 anos, fixarão percentual mais elevado, que garanta a quitação efetiva dos precatórios atrasados no prazo constitucional.”

Com efeito, o CNJ conferiu aos Presidentes dos Tribunais de Justiça a faculdade de ex officio, a pós a realização de estudo, determinar a majoração do valor dos repasses vinculados efetuados pela Fazenda Pública devedora, a fim de que o débito com precatórios vencidos seja solvido no prazo máximo de 15 anos, evitando com isso que o REPP se torne uma moratória permanente.

1.4.3.Julgamento das ADIs nº 4357 e 4425 pelo STF

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 14 de março de 2015, no julgamento conjuntamente as ADIS 4357 e 4425, declarou a inconstitucionalidade do regime especial de pagamento de precatórios criado pela EC Nº 62/09, que criou outras possibilidades para a fazenda pública para a quitação de precatório. Com ele, além da ordem cronológica de apresentação, forma instituídas as alternativas de pagamentos por ordem crescente de valor; promoção de leilões; ou realização de acordos diretos com credores. No julgado, a Suprema Corte entendeu que:

“ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI)“

De fato, como já tivemos a oportunidade de mencionar, O Distrito Federal, por meio do Decreto nº 31.398, de 09 de março de 2010, aderiu ao REPP, obrigando-se ao depósito mensal em conta especial do valor correspondente a 1/12 calculados sobre 1,5% de sua receita corrente líquida por prazo indeterminado. Esse valor é insuficiente para saldar o débito que possui com precatórios vencidos.

O julgamento foi realizado em dois momentos. A modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da EC Nº 62/09 foi decidida em 25 de março de 201516. Na ocasião, o Pretório Excelso manteve parcialmente o regime especial criado pela emenda por um período de 05 (cinco) exercícios financeiros, contados a partir de 1º de janeiro de 2016. Assim, no quinquênio aludido, só se permitiu a continuidade dos depósitos relativos aos parcelamentos e a realização de acordo direto com credores. Todavia, para esse último a Corte, ainda, minorou para 40% do valor do crédito atualizado o limite permitido. Em outras palavras, estão vedados os leilões e os pagamentos por ordem crescente de valor.

Por fim, quanto ao objeto de nosso estudo, restou permitida a possibilidade de compensação tributaria de créditos em precatórios com os débitos tributários já inscritos em dívida, desde que inscritos em dívida ativa até a data do julgamento (25.03.2015).

Com base no que foi dito até aqui, percebe-se que o regime jurídico aplicável aos precatórios judiciais foi definido pelo STF, no julgamento das ADIs nº 4357 e 4425. Com efeito, embora estejam mantidas as normas que o disciplinam (EC Nº 62/09 e Res. 115 e 123, ambas do CNJ), elas têm de ser interpretadas e aplicadas dentro dos limites definidos pela Suprema Corte, já que restaram parcialmente derrogadas.

Para arrematar, na presente seção fora examinado, sob o aspecto normativo, o conceito de precatório, assim como o regime jurídico que, atualmente, o disciplina no sistema legal pátrio. Já quanto ao contexto fático adjacente, apresentados o quadro geral em que se dá a comercialização de precatórios judiciais, a partir do marco legal/temporal, estabelecido com o advento da EC nº 62/09. A partir desse ponto, já nós é possível avançar no estudo da matéria. Assim, nos próximos capítulos serão vistos o instituto jurídico da cessão civil e sua aplicação, o mercado desses títulos no Distrito Federal, o caso estudado, e, ao final, a certidão de crédito em precatório judicial, objeto da presente pesquisa.


2. CESSÃO DE PRECATÓRIO JUDICIAL

A cessão de crédito é um dos negócios jurídicos mais importa para vida econômica hodierna (GONÇALVES, 2009, p. 200). Ao lado do endosso, ele é o maio de circulação do crédito no mercado. A disciplina jurídica do instituto encontra-se prevista no Código Civil, art. 286 e seguintes. Entretanto, é importante registrar desde logo que o negócio jurídico que tem por objeto a cessão de um precatório judicial se distingue da transferência dos demais créditos, tendo em vista o regime jurídico específico criado pela EC nº 62/09, previsto no art. 100, §§ 13, 14 e 16 e CF/88. Essas diferenças serão vistas adiante.

A Constituição Federal, quanto aos precatórios, autoriza tanto a possibilidade de cessão de crédito quanto à do débito (assunção de dívida). A matéria encontra disciplina em seu art. 100, com a redação que lhe fora dada pela EC nº 62/09, in verbis:

§ 13. O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º.

§ 16. A seu critério exclusivo e na forma de lei, a União poderá assumir débitos, oriundos de precatórios, de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-os diretamente.

Como se vê da leitura do normativo acima, de fácil intelecção, o ato determinante da transmissibilidade da posição ativa em precatório judicial é cessão de crédito, um negócio jurídico que vem a ser, como bem o define Carlos Roberto Gonçalves:

“... a transferência negocial, a título gratuito ou oneroso, de um direito, de um dever, de uma ação ou de um complexo de direitos, deveres e bens, de modo que o adquirente, denominado cessionário, exerça posição jurídica idêntica à do antecessor, que figura como cedente” (2009, p. 199)

Assim, feitas tais considerações, vejamos a forma, requisitos e modalidades de cessões de precatórios judiciais. Para, então, em seguida podemos analisar a experiência do Distrito Federal na comercialização de tais títulos.

2.1. Precatório e formação do crédito

Como dito alhures, os precatórios judiciais tem por objeto uma prestação de uma quantia em dinheiro em proveito do credor (um crédito). Eles, ainda, representam os próprios valores a serem pagos (um título). Nesse sentido, ao se constituir um precatório há, concomitantemente, a formação/constituição do direito de crédito.

Para entender sua gênese, é importante tecer mais alguns esclarecimentos acerca da execução por quantia certa contra a fazenda pública. Em regra, as sentenças condenatórias proferidas em desfavor das entidades de direito público são ilíquidas, na medida em que o valor da condenação carece de ulterior atualização monetária, o que feito, via de regra, apenas simples cálculos.

Segundo as regras atuais, os valores das condenações impostas à fazenda pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, serão corrigidos distintamente considerando-se 03 (três) marcos temporais distintos:

  1. INPC, desde a data em que devido o pagamento até 28/06/2009.

  2. TR-Taxa Referencial (índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança) a partir de 29/06/2009, conforme disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação determinada pela Lei 11.960, de 29 de junho de 2009.

  3. IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial)17, a partir de 26 de março de 2015, tendo em vista que o STF, em sessão realizada em 25/03/2015, modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida no julgamento das ADIs 4357 e 4425, relativas ao REPP criado pela EC 62/2009. No julgamento da questão de ordem, a Suprema Corte conferiu eficácia prospectiva àquela declaração de inconstitucionalidade, mantendo válida a aplicação da TR aos precatórios expedidos ou pagos até a data do julgamento (25/03/2015).

Mesmo quando o valor da condenação é certo, é no bojo da execução que ele é discutido (mesmo que de forma mitigada), determinado em sua extensão e homologado pelo Juízo. Em outras palavras, o quantum devido só é fixado após o julgamento dos embargos ou impugnações na fase executiva.

Assim, após a exata definição do quantum debeatur no bojo da execução é que se expedirá o precatório, no sentido de processo administrativo destinado ao cumprimento da prestação pelo devedor, o qual somente se findará pelo pagamento ou por outra causa extintiva da obrigação. Logo, na prática efetiva, não é a sentença quem representa o crédito que constitui, mas o precatório que dela deriva.

2.2. Precatório e vínculo jurídico obrigacional

A relação obrigacional constituída com a formação do precatório é aquela por meio da qual um sujeito passivo (devedor) resta obrigado a cumprir uma prestação patrimonial de dar, fazer ou não fazer (objeto da obrigação), em favor de sujeito ativo ou credor (STOLZE, 2010, p. 53). Partindo de tal conceituação, nos ensina Pablo Stolze (2010, p. 53) que a obrigação pode ser decomposta em três elementos fundamentais, a saber: subjetivo ou pessoal – credor e devedor; objetivo ou material - a prestação; e ideal, imaterial ou espiritual – o vínculo jurídico que une o credor ao devedor.

Assim, se examinarmos a conexão estabelecida entre credor e devedor no bojo dos auto de um precatório judicial, enfocando os três elementos constitutivos da obrigação, inelutavelmente, chegaremos à conclusão de que ele consubstancia uma típica relação jurídica obrigacional. Isso porque nela estão presentes: um sujeito ativo (credor) e um passivo (ente público devedor); uma prestação de caráter patrimonial consistente na atividade da fazenda pública direcionada à satisfação do crédito exequendo; e um vínculo jurídico que os une, originária de uma decisão judicial de natureza definitiva transitada em julgado ou de um título executivo extrajudicial inadimplido que certifica o dever de a fazenda pública cumprir a prestação em proveito do credor.

Assim como em qualquer relação obrigacional, também em relação ao precatório é admissível a alteração de seu elemento pessoal. Essa alteração subjetiva pode se dar, ativa ou passivamente, por ato inter vivos ou causa mortis. No regime civil, a transmissão praticada em vida por seu alienante pode decorrer, presentes os requisitos legais para sua eficácia, de cessão de crédito, de cessão de débito e cessão de contrato. Entretanto, como visto acima, o ato determinante da transmissão ativa das obrigações em precatório é a cessão de crédito. Sobre ela falaremos a seguir.

2.3. Cessão Civil de crédito

A cessão de crédito é definida pelo saudoso Orlando Gomes como sendo “o negócio pelo qual o credor transfere a terceiro sua posição na relação obrigacional” (apud FIUZA, 2010, p. 242). Para o próprio Ricardo Fiuza, seria “o negócio jurídico através do qual o credor opera a transferência, a um terceiro, do direito de crédito que detinha contra o devedor” (2010, p. 242). A disciplina jurídica do instituto encontra-se prevista no Código Civil, art. 286 e seguintes.

Data vênia, as definições apresentadas acima não se articulam adequadamente com a prática negocial relativa aos precatórios judiciais. Isso porque elas só se ajustam à cessão total do crédito, caso em que, com toda razão, existe a sucessão do credor originário (cedente) pelo derivado (cessionário), na medida em que o cedente deixa de ser credor e o cessionário passar a sê-lo em sucedâneo. Nessa hipótese, a cessão de crédito é uma espécie de sub-rogação.

Todavia, isso não ocorre quando se está diante de uma cessão parcial, pois nessa hipótese tanto cedente quanto cessionário tornam-se credores simultaneamente, cada qual em relação a parcela do crédito que titularizam. Em nosso entender, na cessão parcial, não há transferência da posição (credor) na relação obrigacional originária, mas sim uma ampliação subjetiva dessa relação, com o ingresso de outrem em litisconsórcio ativo. Nela, o que se modifica é o crédito, o direito ao recebimento da prestação, que é cindido entre mais uma pessoa.

Logo, é possível asseverar que a cessão civil produz efeitos diversos dependendo da extensão da cessão objeto do ajuste. Na cessão total, opera-se a transferência da posição jurídica e, consequentemente, a titularidade do direito de crédito. Diversamente, na cessão parcial existe a ampliação subjetiva da relação obrigacional primitiva, com o ingresso de mais sujeitos em seu polo ativo, e a cisão do direito de crédito, que passara a ser partilhado entre os credores, na forma do ajuste entabulado entre eles.

2.3.1. Decomposição do crédito

A Constituição Federal brasileira, art. 100, § 13, admite expressamente a decomposição do crédito inscrito em precatório judicial. O que equivale dizer, na lição ainda atual de José Otávio de Vianna Vaz, que:

“o valor constante de um mesmo precatório pode ser cedido a vários cessionários, não exigindo o texto legal que o crédito seja cedido, por inteiro, a uma só pessoa.” ( 2005, p. 117)

Quanto ao tema aqui em apreciação, é importante ter em mente a regra prevista no art. 287, do CC, segundo a qual: “salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios”.

No caso de precatório judicial na experiência do Distrito Federal, com base em nossa participação observante, pôde-se notar que o maior número de casos corresponde à cessão total do crédito, compreendendo o principal e os acessórios (juros e correção monetária). Infelizmente, não existem dados consolidados quanto a esse fato, razão pela qual algumas afirmações apresentadas ao longo deste trabalho resultam de nossa vivência profissional. Em segundo lugar, temos a cessão parcial que possibilita que esse crédito seja partilhado de inúmeras maneiras. Isso porque o precatório é expedido com o valor atualizado até a data de sua expedição e só será novamente atualizado no momento de seu pagamento pelo ente devedor. Esse é o entendimento sufragado pelo E. TJDFT, com base na inteligência da parte final do art. 100, § 5º, da CF, cuja redação é a seguinte: “quando terão seus valores atualizados monetariamente”.

Dessa situação de fato, decorrem inúmeras possibilidades de negociação de valores. Assim, o credor poderá ceder:

  1. a totalidade de seu crédito, incluindo valor principal (de face) e acessório (atualização monetária) com efeitos desde a expedição do PCT (ex tunc);

  2. apenas o crédito acessório, com efeitos ex tunc ou ex nunc (a partir da data da negociação);

  3. o valor principal e o acessório simultaneamente, esse com efeitos ex tunc;

  4. o valor principal e o acessório simultaneamente, esse com efeitos ex nunc; etc.

A liberdade negocial é plena para os transatores, já que a disciplina jurídica aplicada ao caso é silente sobre a matéria, autorizando a cessão total ou parcial. É importante registar que modalidade de cessões como as mencionadas à cima, embora raras, são encontradas na experiência do DF.

Com base em tal premissa, a conceituação de cessão de crédito encontrada na doutrina que melhor se articula com a prática efetiva, na media que descreve o objetivo do presente trabalho de maneira que mais se aproxima à realidade é aquela apregoada por Carlos Roberto Gonçalves, repita-se:

“... a transferência negocial, a título gratuito ou oneroso, de um direito, de um dever, de uma ação ou de um complexo de direitos, deveres e bens, de modo que o adquirente, denominado cessionário, exerça posição jurídica idêntica à do antecessor, que figura como cedente”

Para arrematar, confiram-se alguns pronunciamentos acerca das questões abordadas acima, atinentes à atualização do crédito e das modalidades de cessão. Vejamo-las:

2.4. Cessão de Precatório Judicial particularidades

Como já tivemos a oportunidade de anotar alhures, a cessão civil de crédito encontra-se disciplina nos art. 286 e s. do CC/02. Todavia, ela se difere da cessão de precatório judicial quanto alguns de seus requisitos legais. Com efeito, pode-se asseverar que a disciplina do Código Civil é subsidiária, aplicando-se aquilo em que não contrariar a CF/88, art. 100, §§ 13, 14 e 16. As diferenças entre eles são as seguintes:

Primeiro, em relação à forma, o Código Civil, em seu art. 288, exige que este negócio seja celebrado por instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654. Diversamente, no caso de precatório judicial, embora a Constituição Federal seja silente, o que resultaria na aplicação do CC, o TJDFT exige instrumento público para a exteriorização desse ato18.

Segundo, em relação à eficácia, o Código Civil, em seu art. 290, exige que “a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada”. Diversamente, no caso de precatório judicial, a Constituição Federal, art. 100, § 14, dispensa essa exigência, mas determina que “a cessão de precatórios somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao tribunal de origem e à entidade devedora”.

A notícia ao devedor não é dispensada. Todavia, na prática da advocacia distrital, observa-se que a única providência adotada pelos patronos dos cessionários é o pedido de habilitação nos autos. Após, a formulação de tal requerimento, é o TJDFT quem intima o devedor para que tome ciência da cessão noticiada, como se observa da decisão a seguir transcrita, disponibilizada no DJe de 25.03.2015:

“Processo 20070020111510PCT Requisitante(s) JUIZO DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DF Requisitado(s) PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (...) Despacho Intime-se o Distrito Federal para, no prazo de 10 (dez) dias, manifestar-se a respeito do pedido de habilitação incidental aviado por DONALDSON RESENDE SOARES nos direitos creditícios consolidados em benefício da credora original MARIA EUNICE RIBEIRO (fls. 638/645). Anote-se o nome do novo advogado constituído à fl.638. Cumpram-se os comandos da decisão de fls.634/635, que deferiu o pedido de preferência constitucional em benefício do credor LUIZ CARLOS MARTINS ROZ. Publique-se. Brasília, 23 de março de 2015..“

É importante anotar para o tema aqui em apreciação que a notícia ao devedor não á apenas um requisito para a eficácia do negócio jurídico, mas também serve para se estabelecer a precedência da cessão em caso de multiplicidades dela. Ou seja, é uma garantia importante para o cessionário.

Dando continuidade, a cessão civil de crédito é um negócio jurídico, realizado inter vivos, a título gratuito ou oneroso. Trata-se de um ato negocial. A doutrina pátria é uníssona quanto aos seus elementos essenciais do ato negocial, comuns à generalidade dos negócios jurídicos, a sabe: agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei e o consentimento dos interessados. Entretanto, nos ensina Ricardo Fiuza (2010, p. 98) que, ao lado dos elementos essenciais, existem, ainda, os particulares, aqueles relativos “a determinadas espécies por serem concernentes à sua forma e prova”. No caso da cessão de precatório judicial existe um elemento particular atinente à validade do negócio, a prova da titularidade do crédito.

O negócio jurídico pode ser decomposto em três planos de análise, quais seja: os planos de existência, validade e eficácia. É o que se fará adiante, momento em que examinaremos detalhadamente as diferenças acima apontadas.

2.4.1. O Instrumento da Cessão (existência)

Já dissemos que a cessão de crédito é um ato negocial. Deste modo, ele precisa se exteriorizar para que ganhe existência. O documento que corporifica um ato jurídico é denominado de instrumento. Assim, quanto à forma, disciplina o Código Civil, que:

“Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654.

(...)

Art. 654, § 1º. O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos”.

Como se infere da leitura dos normativos acima, o instrumento da cessão (documento que corporifica o ato jurídico) pode ser tanto público quanto particular, desde que, nesse último caso, observe as prescrições do art. 654, § 1º, do CC/02. A sanção para inobservância da forma prescrita em lei é a nulidade do negócio jurídico, consoante arts. 104, inc. III, c/c 166, inc. IV, ambos do CC/02.

Entretanto, apesar de a lei admitir o instrumento particular para a prova da cessão de crédito, o TJDFT exige instrumento público.

2.4.2. Prova da titularidade do crédito (validade)

Para que o ato jurídico negocial existente seja válido a declaração de vontade nele manifestada pressupõe a capacidade do agente, sob pena de nulidade (art. 166, inc I, CC/02). Além da capacidade do agente, elemento essencial, é preciso que cedente seja titular do crédito cedido. Trata-se, pois, de um elemento especial.

A prova da titularidade do crédito é feita por meio de uma certidão de crédito, um documento expedido pelo Poder Judiciário, a requerimento do titular de crédito em precatório judicial interessado em negociá-lo. O que equivale dizer que tal documento nasce de um ato unilateral de vontade e se exterioriza por meio de um instrumento público. A princípio, a finalidade de tal certidão é fazer prova do direito e representar o crédito, conferindo-lhe os atributos idoneidade, certeza e exigibilidade.

2.4.3. A Habilitação de Crédito (eficácia)

Por fim, para que uma cessão de crédito produza efeitos em relação ao devedor é necessária que ele seja notificado da transferência de titularidade desse direito (art. 290 do CC/020). No caso do precatório judicial, além dessa exigência, a CF/88, art. 100, § 14, com a redação dada pela EC nº 62/09, determina ainda a comunicação ao Tribunal de origem do PCT, por meio de petição protocolizada. Trata-se de um pedido de habilitação de crédito.

Em nosso sentir, a justifica para essa dupla exigência reside no fato de o pagamento de precatório ser um ato realizado com o concurso dos poderes Executivo e Judiciário, num arranjo híbrido de cooperação público-público. Nesse contexto, os pagamentos não são realizados diretamente pelo devedor ao credor. Diversamente, compete ao ente público consignar em uma conta judicial administrada pelo Tribunal correlato os valores devidos em precatórios. E ao Judiciário compete ordenar os pagamentos e autorizar os levantamentos de valores consignados em Juízo no momento da quitação. Daí surge a necessidade de ambos os agentes envolvidos com o processo de liquidação desses débitos tomarem ciência de quem legitimamente deva recebe-los.

O instituto da habilitação é definido pelo dicionarista Deocleciano Torrieri Guimarães como sendo o “modo de provar e tornar reconhecida em Juízo a sua capacidade ou qualidade legal para obtenção de um direito” (2011, p. 368). Assim, a habilitação de crédito é a formalidade processual necessária ao reconhecimento da qualidade de credor derivado. Para entendê-la é importante ter em mente que a cessão de crédito também é uma espécie de sub-rogação, (GUIMARÃES, p. 166).

No plano processual, quando a cessão é total, haverá a sucessão processual. Ou seja, o credor originário que figurava como credor, após a transferência da totalidade do crédito a que tinha direito a terceiros, deixará de ser parte nos autos do precatório judicial, ingressando o cessionário em seu lugar. Isso ocorre porque a alienação do direito de crédito altera a legitimidade das partes no processo, já que nessa fase processual não existe mais litígio sobre ele. Logo, não se aplicado ao caso a regra prevista no art. 42 do CPC/73, cuja redação é a seguinte: “a alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes”.

Confira-se abaixo excerto da decisão exarada pela CORRPRE nos autos do processo nº 20130020304514PCT, disponibilizada no DJe de 12.02.2015, às fls. 13/14, na qual se observa o entendimento do TJDFT quanto a habilitação de crédito e sucessão processual:

“D E C I D O Em primeiro lugar, reconheço que a cessão de direitos de crédito encontra-se regulada pelos artigos 286 a 289 do Código Civil de 2002. No cenário processual, a cessão de crédito pode ser aviada através do art. 567/CPC haja vista estarmos em uma fase necessária do rito executivo contra a Fazenda Pública: Art. 567. Podem também promover a execução, ou nela prosseguir: (...) II - o cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe foi transferido por ato entre vivos; Destaque-se, ainda, que o art. 100, §13, da CF, com a redação dada pela recente Emenda Constitucional nº 62, de 09/12/2009, autoriza a cessão de créditos representados em precatórios. Verbis: "§ 13. O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º." Saliente-se, inclusive, que está dispensado o consentimento do devedor (§13, art. 100/CF), bastando mera comunicação ao juízo da execução e ao credor (§14, do mesmo dispositivo), o que está suprido com a publicação desta decisão. Pelo exposto, DEFIRO o pedido para admitir a habilitação requerida, de forma a permitir o ingresso do cessionário na causa executiva, na qualidade de sucessor processual, ficando assegurada possibilidade de expedição de alvará em seu nome quando do adimplemento. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 4 de fevereiro de 2015.”

É importante registar, ainda, que o TJDFT exige para a apreciação do requerimento de habilitação de crédito nos autos de precatório judicial, formulado por pessoa jurídica, os seguintes documentos19: a) apresentar original ou cópia autenticada da escritura pública de cessão de direitos creditórios, a fim de comprovar sua legitimidade como cessionário; b) apresentar original da procuração outorgada ao advogado; c) apresentar original ou cópia autenticada de seus atos constitutivos (contrato social e respectivas/últimas alterações) para demonstrar sua capacidade de ser parte em juízo, caso seja pessoa jurídica; d) explicar a cadeia dominial da cessão de crédito que pretende ver habilitada, em caso de sucessivas negociações; e) declarar se, atualmente, ainda detém o crédito que pretende ver habilitado ou se já o negociou com terceiros.

2.5.Compensação Fiscal.

Como já tivemos oportunidade de anotar brevemente, uma dos incentivos à comercialização de precatórios no âmbito do Distrito Federal é a possibilidade de utilização dessa obrigação para fins de compensação fiscal. Deste modo, verifica-se na prática efetiva que os maiores “compradores” de PCTs são pessoas jurídica em débito com a Fazenda Local. Essa situação de fato será vista detalhadamente no capítulo 3. Por ora, examinaremos a seguir o instituto jurídico da compensação fiscal e sua disciplina no seio do Direito Tributário.

A compensação tem lugar quando duas partes são credoras e devedores reciprocamente. Nesse caso, par evitar a realização de dois pagamentos contrapostos, a lei permite que as dívidas sejam anuladas. Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 327), a define como sendo:

Meio de extinção de obrigações entre pessoas que são, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra. Acarreta a extinção de duas obrigações cujos credores, são, simultaneamente, devedores um do outro. É modo indireto de extinção as obrigações, sucedâneo do pagamento, por produzir o mesmo efeito deste.

O Código Tributário Nacional – CTN disciplina a matéria em seu art. 170, na seção destina à extinção das obrigações, e encontra-se regulamentada pelo Decreto nº 7.212, de 2010. Comentando esse normativo, opina o Prof. Scha Calmon (2012, p. 736) que o CTN “prescreveu de modo amplo a compensação fiscal, ultrapassando o Código Civil, extremamente conservador”. Confira-se:

“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.”

Como se vê, a competência tributária para instituir essa modalidade de extinção das obrigações é dos entes federativos. Em regra, eles restringem ao máximo essa possibilidade, o que não ocorre no caso do Distrito Federal.

A compensação de precatórios judicias com débitos tributários pode ser convencional20 ou judicial, porquanto possa ser realizada por iniciativa da parte interessada pela via administrativa ou nos autos do processo judicial, tanto da execução contra a fazenda pública quando do PCT. O prof. Sacha Calmon (2012, p.736) leciona que são pressupostos da compensação legal a existência de duas dívidas que sejam recíprocas; fungíveis e exigíveis.


3. COMERCIALIZAÇÃO DE PRECATÓRIOS NO DISTRITO FEDERAL

A liquidação de precatórios judicias é uma atividade estatal que envolve uma cooperação entre dois atores, o Poder Judiciário e o Poder executivo, numa espécie de arranjo híbrido de cooperação público-público. Se observarmos a dinâmica dessa interação na prática do Distrito Federal, veremos que o Governo local (GDF) consigna diretamente ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) o valor destinado ao pagamento de seus débitos vindicados nos autos de execução contra a Fazenda Pública, seja decorrente de provimentos definitivos (sentenças/acórdãos) seja de títulos executivos extrajudiciais. Já o Judiciário, por sua vez, ordenada esse pagamento e autoriza os saques na “contra precatório”, a que alude o art. 10 da Portaria GPR do TJDFT nº 815, de 6 julho de 201021, que estabelece procedimentos internos para o pagamento de obrigações previstas no art. 100 da Constituição Federal, de acordo com a EC nº 62/09.

É importante ressaltar que, a despeito do que diz a doutrina jurídica sobre o tema, o numerário depositado em Juízo pela GDF não é uma verba vinculada. É fato que a gênese do precatório judicial, entendido aqui como incidente processual na última fase do processo executivo destinado ao pagamento do débito executado, é um Ofício Requisitório. Ou seja, uma requisição, encaminhado pelo Desembargador Presidente do TJDFT, para a entidade pública devedora, a fim que seja incluído em seu orçamento o numerário necessário para fazer face a essa despesa. Todavia, o Distrito Federal, por meio do Decreto nº 31.398/2010, optou pelo Regime Especial de Pagamento de Precatórios (REPP), a que alude o § 1º, inc. I, c/c §§ 12 e 14 do art. 97 do ADCT, incluído pela EC nº 62/09. Com efeito, para a satisfação de sua dívida constituída em precatórios, o Distrito Federal obrigou-se, em apertada síntese, ao repasse mensal do valor correspondente a 1/12 (um doze avos) calculados sobre 1,5% de sua receita corrente líquida, na forma ali disciplinada. Essas dotações para o atendimento de precatórios compõem, em seu conjunto, uma espécie de fundo para liquidação dessa dívida.

Nesse contexto, o que ocorre de fato no momento da quitação de um precatório é algo análogo a uma imputação legal do pagamento. Em outras palavras: (i) os valores consignados na conta precatório estão à disposição do TJDFT para a realização do pagamento dos débitos perseguidos em execuções contra a fazenda pública, tanto em RPVs quanto em PCTs; (ii) o TJDFT, ainda, organiza a lista de pagamento, observando as regras constitucionais aplicadas ao caso, tanto para RPVs quanto para Precatórios, distinguindo-se os comuns dos preferenciais, além dos casos de adiantamento; (iii) antes de ser expedida a autorização de levantamento em favor do exequente, cabendo tão somente ao GDF anuir com a indicação do credor beneficiário que passou a ocupar a primeira posição na(s) lista(s). Esse rito de pagamento, que compreende a indicação do beneficiário, aferição de sua legitimidade para tanto, pagamento e extinção do PCT, encontra-se disciplinada em ato administrativo do TJDFT d natureza processual, que prevê uma audiência de pagamento na COOPRE, realizada com a participação de um magistrado, um procurador do Distrito Federal e das partes e seus advogados, quando assistidas.

É importante ressaltar que, a despeito da tendência a uniformização, cada Tribunal brasileiros possui competência para expedir suas próprias normas internas sobre pagamento de obrigações previstas em precatórios judicias. Com efeito, é assaz desafiador para um pesquisador criar, a partir de casos singulares, regras de generalidade que se sustentem, após cotejadas com as realidades inúmeras realidades dos entes federativos. Prova disso que, após termos recorrido à doutrina pátria, não fora possível encontrar uma só obra que se articulasse adequadamente ao presente caso estudado do DF, especialmente porque elaboradas com fulcro em emendas constitucionais que no passado também disciplinaram o tema, mas que não se encontram mais em vigor. .

O Distrito Federal ainda encontra-se em débito com os precatórios do ano de 1998. Apesar da impontualidade de 18 anos no cumprimento de suas obrigações, o DF encontra-se em situação legal. Isso porque o Regime Especial de Pagamento de Precatórios (REPP), instituído pela EC nº 62/09 é uma espécie de parcelamento do valor devido à título de precatórios vencidos e o GDF encontra-se adimplente com as parcelas do REPP. Todavia, essa situação de fato é uma das principais razões para a comercialização de precatórios no âmbito do Distrito Federal. Para compreendê-la é preciso fazer uma análise em dois planos distintos, a saber, o plano fático e o plano normativo.

No plano normativo, temos uma autorização constitucional para essas operações, já que a Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu art. 100, § 13, aduz que “o credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros”. Do ponto de vista do direito local, o DF instituiu o Programa de Recuperação de Créditos Tributários e Não Tributários do Distrito Federal22, atualmente, em sua terceira edição (Refaz III). Por meio desse programa e de outros programas anteriores, os contribuintes brasilienses, pessoas físicas ou jurídicas, em débito com tributos cobrados pelo GDF tem uma oportunidade de refinanciar suas dívidas em mora, recebendo descontos que variam de 35% a 90%, conforme a data e condições de quitação. O regulamento do Refaz determina que o pagamento dos tributos em atraso poderá ser feito em dinheiro ou em precatórios judiciais. Portanto, dentro deste contexto legal, uma das principais finalidades da comercialização desse direito de crédito é a compensação tributária. Todavia, a compensação pode ser realizada com ou sem a adesão a programas como o Refaz. O exequente, inclusive, tem a faculdade de requerer uma certidão de compensação tributária e, com ela, iniciar um processo administrativo junto à Secretaria de Fazenda do DF.

Para o GDF o REFAZ é uma boa oportunidade para aumentar a arrecadação dos cofres públicos, mediante a quitação de débitos vencidos e não pagos. Através do REFAZ, desde sua primeira edição em 2003, a Secretaria de Fazenda do DF conseguiu recuperar uma parcela significativa do valor sonegado. Muitas das dívidas objeto de acordo jamais seriam solvidas sem a oferta de descontos e parcelamentos. Quanto aos precatórios vencidos e em atraso, com a compensação fiscal, o GDF o quita, ele deixa de receber uma dívida e também de fazer um pagamento, é um jogo de soma zero, pois a soma das utilidades auferidas por todos os atores envolvidos é equivalente (o benefício).

Para o contribuinte, especialmente pessoa jurídica, essa também é uma excelente oportunidade de ficar regular com o fisco distrital e preservar a exploração de sua empresa, o que gera benefícios para toda a coletividade, já que vivemos numa economia de mercado.

Para os compradores de precatórios esse negócio é extremamente vantajoso. Além da possibilidade de obter descontos e/ou parcelamento na via administrativa, através da adesão à programas de refinanciamento de tributos em atraso, os precatórios são comercializados também com deságio, em regra, de 30% a 70% do valor de face, como se verifica na prática.

De acordo com o procedimento adotado pelo TJDFT, o valor devido por meio de precatórios só são atualizados em dois momentos distintos, no momento de sua formação e no momento do pagamento. Essa regra procedimental é fruto da interpretação conferida pela Corte à parte final do § 5, do art. 100 da CF/8823. Como já mencionamos acima, entre o intervalo de tempo entre um ato e outro é de 18 anos. O valor de face, assim, é o valor sobre o qual ele é expedido, o valor do crédito principal. Esse valor é determinado na execução movida contra a fazenda pública, após a fixação do quantum debeatur. Logo, é fácil notar que no momento da quitação do PCT o valor a que terá direito o credor será muito superior ao originário, constante do Ofício Requisitório, sobretudo com a recente (25/03/2015) determinação exarada pelo STF para a adoção do IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial) a partir de 26 de março de 2015, na sessão em que se modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida no julgamento das ADIs 4357 e 4425, relativas ao REPP criado pela EC 62/2009.

Portanto, o contribuinte brasiliense, pessoa física ou jurídica, em débito com o erário distrital tem a oportunidade de quitar sua dívida por uma fração de seu valor, por meio da aquisição de um precatório e adesão ao REFAZ III. Também para os cedentes, credores originários, a cessão de seu precatório é uma vantagem, na medida ele antecipa o recebimento de seu crédito, evitando a permanência numa fila por longos 18 anos. É um bom negócio para as três partes.

3.1. O Problema de Pesquisa

Infelizmente, apesar da existência de permissivos legais e incentivos à prática de cessões de precatórios judiciais para fins de compensação tributária no âmbito do Distrito Federal, a maneira de circulação dessas obrigações no mercado não é disciplina por lei (em sentido amplo). A ausência de norma regulamentadora tem resultado em insegurança para os transatores, uma adversidade negativa para os atores econômicos envolvidos. O TJDFT já registra inúmeros casos de multiplicidade de cessões do mesmo crédito e tem dado uma resposta jurisdicional, a fim de conferir confiabilidade e segurança jurídica para esse ato negocial.

Na prática, a prova da existência do direito de crédito inscrito em precatório Judicial é feita por meio de uma certidão de crédito. Esse documento é expedido pelo TJDFT, a requerimento do credor. De posse desse documento, seu titular pode fazer prova do direito de crédito que possui e comerciá-lo. Em outros termos, na conformidade dos usos e costumes, tal certidão passou a ostentar o atributo de negociabilidade, tornando mais fácil a circulação dessas obrigações no mercado local do DF. O “vendedor” de um precatório é aquele que prova ser seu titular, e isso é feito com a exibição desse “título”.Com efeito, é possível asseverar que embora ao PCT se aplique o regime civil, já que o ato determinante de sua transmissibilidade é cessão de crédito, na prática efetiva, os atores econômicos têm aplicado um regime híbrido, com derrogação para a disciplina cambial.

Com base em nossa participação observante, constatamos uma relação direta entre multiplicidade de expedições de certidões do mesmo crédito e multiplicidades de cessões dele. Assim, a fim de se coibir essa prática, atualmente, o TJDF, atualmente, só extraí uma certidão de crédito para cada credor. E não é só. Além dessa providência, também exige a devolução de tal documento, caso quem a requereu se apresente, ulteriormente, como credor, para fins de recebimento do valor devido.

Na decisão abaixo transcrita é possível demonstrar o que vem sendo afirmado ao longo deste trabalho. Confira-se:

“Processo Nº 2008 00 2 008612-9 Requisitante DES. RELATOR DA EXECUÇÃO N. 2005 002 004874-1 Requisitado PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (...) D E C I S Ã O Em que pese a informação da credora LUDIMAR VIANA GUIMARÃES (fl. 113 e 117) informando que não houve cessão do precatório, o despacho de fl. 115 não fora atendido. Assim, concedo o derradeiro prazo de 10 (dez) dias para que ela apresente o original da certidão recebida à fl. 12, ratificando sua titularidade em relação ao crédito estampado na presente requisição.”

“Processo Nº 2006 00 2 015176-7 Requisitante CONSELHO ESPECIAL - RELATOR DA EXECUÇÃO Nº 2005002004880-7 Requisitado PRESIDENCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (...) Quanto à credora MARIA SOCORRO CHAVES, para que seja apreciado seu pedido de preferência constitucional, primeiramente, intime-se referida credora, por telefone ou no endereço indicado à fl. 128, para devolver a certidão de crédito recebida à fl. 13, devendo, ainda, informar se cedeu seus direitos creditícios. (...)Publique-se. Intime-se. Brasília, 06 de fevereiro de 2015”

As decisões acima, extraídas, respectivamente, do DJe de 25.03.2015 e 27.04.2015, cuidam da situação de que temos nos utilizados como exemplo ao longo deste trabalho. Nelas, um dado credor, interessado em negociar seu crédito, formula requerimento de expedição de certidão de crédito para fins de cessão. Ulteriormente, a mesma parte se apresenta como beneficiária para fins de levantamento de valores, seja por que o PCT passou a ocupar o primeiro lugar na ordem cronológica de pagamento seja por que formulou pedido de preferência constitucional ou, ainda, porque formulou renuncia ulterior da parcela do crédito que excede ao limite de 10 salários mínimos, a fim de receber imediatamente o que lhe é devido por meio de RPV. Em casos como os tais, o TJDFT, atuando ex officio, tem disciplinado essa atividade econômica, exigindo a posse do título para a comprovação da titularidade do crédito, inibindo que alguém se apresente como credor, após ter negociado o crédito com outrem. Essa atuação criativa do Eg. TJDFT, consistente na aplicação do regime cambiário à comercialização de precatórios judicias, tem conferido maior segurança e dinamismo para esses negócios no âmbito do Distrito Federal. Isso porque, efetivamente, coíbe a ocorrência de fraudes e confere maior confiabilidade aos jurisdicionados.

Como dito no início deste trabalho, repita-se, embora o crédito exista por si só, podendo ou não existir um documento que o exteriorize (a certidão de crédito), em alguns casos, ele assegura ao portador sua exigibilidade e prosseguimento na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública. Destarte, com base nos dados fáticos analisados, pode-se asseverar que o TJDFT, visando uma tutela efetiva (justa, adequada e tempestiva), passou a conferir à certidão de crédito em precatório um tratamento jurídico assemelhado àquele conferido aos títulos de crédito em geral, aplicando-lhe os princípios de direito cambiário, especialmente o da cartularidade, ainda que de maneira abrandada.

Infelizmente, não existem dados consolidados acerca do número de múltiplas cessões do mesmo crédito no âmbito do DF. Esse foi um dos principais obstáculos por nós enfrentados para o desenvolvimento desta pesquisa monográfica. As conclusões aqui apresentadas são empíricas e tomam como base nossa observação participativa. Felizmente, podem ser comprovadas através da realização de entrevistas com as autoridades e gestores da COOPRE do TJDFT.

Por fim, é importa ressaltar que a pretensão aqui não é a de enquadrar esse fato em uma moldura teórica pré-concebida. Ao revés, investiga-se, sobre a ótica da eficiência, a adequação da resposta jurisdicional do estado para uma situação de fato concreta, posta diante de sua apreciação, tendo como plano de fundo o constructo teórico da tutela efetiva. É o que será visto adiante.


4. A NATUREZA CAMBIÁRIA DA CERTIDÃO DE CRÉDITO

A questão central a ser enfrentada pode ser assim endereçada: a certidão de crédito em precatório assemelha-se aos demais documentos representativos de direitos e obrigações a ponto de ser lícito conferir-lhe o estatuto jurídico de título de crédito atípico, com vistas a conferir segurança e agilidade à comercialização de precatórios?

Para responder a essa questão é preciso ter em mente que a certidão de crédito em precatório judicial é um documento representativo de direitos creditícios. Do ponto de vista estritamente técnico-jurídico, esse atributo, por si só, não é suficiente para conferir-lhe o estatuto de título de crédito. Para Fábio Ulhoa Coelho, um título de crédito “prova a existência de uma relação jurídica, especificamente duma relação de crédito; ele constitui a prova de que certa pessoa é credora de outra” (COELHO, 2014, p. 443). Para ele, ainda, os títulos de crédito se distinguem dos demais documentos representativos de obrigações em três aspectos, a saber: ele se refere unicamente a relações creditícias; à facilidade da cobrança do crédito em juízo; ostenta o atributo de negociabilidade. Esse último decorre da disciplina jurídica a que está sujeito - os princípios de direito cambiário (COELHO, 2014, p. 444-445).

Na prática efetiva do mercado de comercialização de precatórios no Distrito Federal, a certidão de crédito em precatório judicial tem ostentado o atributo de negociabilidade do crédito que representa e despertado o interesse de “compradores”, mormente os atributos de certeza, liquidez e exigibilidade do crédito que ela representa, em razão da disciplina constitucional aplicada à hipótese.

Para Fábio Ulhoa, ainda, são justamente as características mencionadas no parágrafo precedente quem conferem aos documentos representativos de obrigações o estatuto de título de crédito e, por conseguinte, sua sujeição ao regime cambiário em detrimento do civil. Ele leciona que, in verbis:

“A fundamental diferença entre o regime cambiário e a disciplina dos demais documentos representativos de obrigação (que será chamada aqui, de regime civil) é relacionada aos preceitos que facilitam, ao credor, encontrar terceiros interessados em antecipar-lhe o valor da obrigação (ou parte deste), em troca da titularidade do crédito. (...) Documentos sujeitos ao regime civil de circulação não despertam o mesmo interesse de instituições financeiras, porque elas ficam em situação mais vulnerável quanto ao recebimento do crédito. A negociabilidade dos títulos de crédito é decorrência do regime jurídico-cambial, que estabelece regras que dão à pessoa para quem o crédito é transferido maiores garantias do que as do regime civil. Compreende-se melhor essas diferenças, após o exame dos princípios do direito cambiário“. (COELHO, 2014, p. 445).

Em resumo, para o referido autor a negociabilidade e a facilidade de circulação do crédito documento, são as duas características que de fato caracterizam o título de crédito. E é a garantia de recebimento do crédito, conferida pelo regime jurídico cambial, que o torna atrativo (COELHO, 2014, p. 443-4446).

A partir das conclusões de Fábio Ulhoa Coelho, ao menos em sede de cognição sumária, poder-se-ia afirmar que a certidão de crédito de crédito em precatório possuiu todos esses atributos aludidos acima, seja pelo uso que os comerciantes dessas obrigações têm lhe conferido na experiência do Distrito Federal seja pelo tratamento jurídico que o TJDFT tem lhe dispensado, ou, ainda, pela certeza de pagamento que o regime jurídico constitucional confere à liquidação de precatórios, muito embora seu pagãmente seja um evento certo e futuro, sem que possa, contudo, precisar de antemão o momento extado de sua quitação.

O regime cambial é uma disciplina jurídica pautada nos princípios de direito cambiário, a saber: cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais. Esses três princípios são extraídos do clássico conceito cunhado por Vivante, que sintetizam com clareza os principais elementos da matéria, segundo o qual “título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado”24. Advoga-se na doutrina que é preciso a concorrência dos três princípios supra para que se possa afirmar que dado título esta submetido ao regime cambial, muito embora existam inúmeras exceções à regra – documentos aos quais não se encaixam em tal situação, mas que a lei trata como sendo títulos de crédito.

Leciona Fábio Ulhoa (2014, p. 448-452) que pelo Princípio da literalidade: “o direito decorrente de título é literal no sentido de que, quanto ao conteúdo, à extensão e às modalidades desse direito, é decisivo exclusivamente o teor do título. Já pelo princípio da autonomia das obrigações cambiais: “os vícios que comprometem a validade de uma relação jurídica, documentada em título de crédito, não se estendem às demais relações abrangidas no mesmo documento”. Esse último princípio, como sabido, subdivide-se em outros dois subprincípios, o da abstração e o da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé.

Resta-nos examinar o princípio da cartularidade, importante para o enfrentamento da questão central do presente trabalho. Vejamo-lo:

4.1.Princípio da Cartularidade

O Princípio da cartularidade determina que o exercício dos direitos representados por um título de crédito pressupõe a sua posse. Para Borges (apud COELHO, 2014, p. 446), esse princípio se refere não à posse, mas à noção de incorporação do direito de crédito pelo documento, ao ponto de sua tradição importar em transferência.

A despeito de tais explicações, é a tese advogada por Newton Lucca (apud COELHO, 2014, p. 447) quem melhor oferece uma compreensão para o tema do presente trabalho. O autor nos ensina que existem três categorias de documentos, os probatórios, constitutivos e dispositivos. Para ele, os títulos de crédito estariam inserem na última classe.

Os probatórios atestam a existência de uma relação jurídica. Já os constitutivos são necessários para o nascimento do direito, conquanto sejam dispensáveis no momento seguinte. Por fim, os dispositivos são necessários para o exercício do direito nele mencionado.

A certidão de crédito em precatório é um documento probatório, que cumpre a função de atestar a existência e titularidade da relação jurídica creditícia em um dado precatório judicial pendente de pagamento pela fazenda pública. Ele não é constitutivo da obrigação, nem tampouco dispositivo, pois nem sempre é necessário para o exercício do direito nele mencionado, que existe independentemente dele. Como se vê, não se aplicam à certidão de crédito em precatório, em sua totalidade, os princípios e norma de direito cambiário.

4.2.Título de Crédito Impróprio

Os títulos de crédito inominados ou impróprios, segundo Fábio Ulhoa, são aqueles “instrumentos jurídicos sujeitos a disciplina legal que aproveitam, em parte, os elementos do regime jurídico-cambial” (2014, p. 545). E são impróprios porque a eles não se aplicam, em sua totalidade, os princípios e norma de direito cambiário. A eles se aplica o regime civil.

Com se percebe, a conceituação é simples e não há consenso na doutrina. Alguns autores, quanto a eles, inclusive, adotam uma interpretação mais abrangente, enquanto outros são mais restritivos. A matéria ainda carece de uma sistematização adequada.

Como visto no decorrer deste trabalho, é incontroverso que os agentes econômicos, independentemente da previsão legal, conferiram à certidão de crédito um tratamento assemelhado ao regime cambiário. Isso é inegável. A partir dessa premissa de fato, poder-se asseverar que, ao menos no plano fático, tomando por base a realidade do Distrito Federal, a certidão de crédito em precatório judicial é um título de crédito impróprio, justamente porque a ela não se pode aplicar integralmente as regras e princípios de direito cambiário, até mesmo porque o ato determinante da transmissão da obrigação que representa é a cessão civil, como determina da Constituição Federal.

Resta-nos agora responder a questão central da investigação empreendida no presente trabalho, a partir da conduta do Poder Judiciário. É o que se fará nas considerações finais.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) tem jurisdição em todo o Distrito Federal, ente federativo composto pela Capital Federal (Brasília) e por 31 regiões administrativas (cidades satélites). Ao TJDFT compete ordenar os pagamentos devidos pelo Governo do Distrito Federal (GDF), relativos às suas administrações direta e indireta. Essa atividade é realizada por intermédio da Coordenação de Conciliação de Precatórios (COORPRE), órgão vinculado à Presidência da Corte e que centraliza todas as requisições expedidas pelos Juízos Fazendários e da Vara de Ações Previdenciárias do DF, tanto RPVs quanto PCTs. Conquanto seja um órgão de natureza administrativa, a CORRPRE também pratica atividades de jurisdição cível, sendo a alteração de legitimidades das partes o incidente processual que representa o maior número de pronunciamentos proferidos por ela, ao lado da análise de pedidos de adiantamento preferencial, formulado por credores de precatórios de natureza alimentícia com idade igual ou superior à 60 anos ou portadores de doença grave.

A alteração da legitimidade das partes nos autos de precatório judicial pode ocorrer mortis causa ou por ato inter vivos. No primeiro caso, os sucessores de dado credor falecido, após terem partilhado esse bem judicial ou extrajudicialmente, habilitam-se nos autos do PCT, a fim de ocuparem a mesma posição do autor da herança. No segundo caso, determinado cessionário de precatório cedido busca sub-rogar-se nos direitos creditícios consolidados em benefícios do cedente, credor originário. Essa segunda situação é a de que nos ocupou no presente trabalho.

Ocorre que a cessão civil de precatório judicial é um ato negocial, realizado por particulares, mas que necessita da participação também do Pode Judiciário. Isso porque o documento que representa esse crédito, a certidão de crédito é expedida pela COORPRE, a requerimento do titular de um precatório interessado em cedê-lo a terceiros. Entretanto, conforme os usos e costumes do mercado distrital, tal documento também tem sido usada para fomentar a circulação dessa obrigação, além de representar o crédito.

Sucedeu que, a partir do aquecimento do mercado de comercialização de precatórios judiciais no âmbito do Distrito Federal, o TJDFT passou a enfrentar um problema: a multiplicidades de cessões do mesmo crédito. Esse aquecimento se deu, em nosso sentir, pela concorrência de pelo menos três fatores: o permissivo constitucional que autoriza a cessão desses créditos; o atraso de 18 anos do GDF no pagamento de precatórios vencidos; e os programas de refinanciamento de débitos tributários instituídos pela Fazenda Distrital, que aceita, além de dinheiro, a oferta de precatórios para pagamento.

Não raro, várias pessoas, físicas ou jurídicas, peticionavam nos autos do mesmo PCT requerendo a habilitação em sucedâneo ao mesmo credor. Não foi preciso muito para notar que muitos desses casos correspondiam à credores que havia requerido a emissão de mais de uma certidão de crédito, sem justo motivo para tanto. Essa constatação levou a uma consideração utilizada como premissa no presente trabalho: os atores econômicos estavam conferindo a este documento um tratamento análogo àquele conferindo aos títulos de crédito em geral, mormente quando exigiam a tradição da cártula para a transferência do direito e a exibiam para fazer prova da titularidade. Na prática, ao lado do instrumento público da cessão, dentre outros documentos, o cessionário também junta aos autos a cópia da certidão do crédito negociado.

A ocorrência de multiplicidade de cessões cria uma situação de desconfiança no mercado, sendo, pois, uma externalidade negativa para o mercado de comercialização de precatórios. Assim, a fim de assegurar aos transatores a confiabilidade e certeza quanto ao recebimento desses valores, o TJDFT passou a adotar, ex officio, três medidas no intuito de disciplinar essa atividade econômica, a saber: (i) a expedição de apenas uma certidão para cada credor, salvo justo motivo e comprovação para a renovação do requerimento; (ii) exigência da posse desse documento para a presunção de titularidade, nos casos nos quais quem a requereu se apresenta ulteriormente como credor; (iii) exigência da declaração dos cessionários de que ainda detém o crédito e não o negociou com terceiro e/ou a explicação da cadeia dominial. Tais medidas, de fato, têm se mostrados eficientes, evitado assim que credores cedam o mesmo precatório a mais de um interessado ou recebam o pagamento após terem cedido o crédito. Com efeito, evidencia-se a aplicação do princípio da cartularidade a um documento que a rigor está submetido ao regime civil.

Com base nos fatos narrados acima, uma questão foi levantada: a certidão de crédito em precatório judicial pode ser classificada como um título de crédito atípico? A resposta é sim. Isso porque, como foi visto ao logo deste trabalho, a certidão de crédito em precatório judicial, ao menos no âmbito do Distrito Federal, recebe dos atores envolvidos, incluindo-se aí o próprio Judiciário, um tratamento típico do regime cambial, com a aplicação das regras e princípios do direito cambiário. Em nossa opinião, independentemente, da subsunção desse fato a uma moldura jurídica pré-concebida, essa assertiva é inegável.

Por fim, falta-nos analisar a postura do TJDFT. À primeira vista, poder-se-ia chegar a precipitada conclusão de que seria mais um caso de ativismo judicial no ritualismo processual, fenômeno brasileiro acerca do qual já tivemos a oportunidade de teorizar, a partir de uma pesquisa de cunho empírico, que seria:

“A magistratura tem sim inventado novas práticas judiciais, recorrendo cada vez mais à ponderação, princípios constitucionais e métodos mais flexíveis de interpretação, assim como à valorização dos direitos fundamentais envolvidos nas demandas postas a sua apreciação, em especial o direito fundamental à celeridade processual.

(...)

um fenômeno coletivo decorrente de circunstâncias fáticas que se relaciona com a concretização do direito fundamental à celeridade processual por meio da flexibilização do ritualismo processual” (ANDRADE, 2014, p. 14-15).

Todavia, após uma análise exauriente, a conclusão a que chegamos neste caso é diversa. É importante ressaltar que a liquidação de precatórios judicias é uma atividade estatal que envolve a cooperação dos poderes Executivos e Judiciário, numa espécie de arranjo híbrido de provisão de um serviço público. Nesse contexto, a Justiça exerce uma função atípica, de natureza administrativa, mas imbricada com a judicante. Assim, nesse ajuste compete ao Executivo consignar os pagamentos devidos diretamente ao Judiciário, que, por seu turno, tem a atribuição de ordenar o pagamento e, ao final, autorizar os levantamentos para o beneficiário que ocupe a primeira posição na(s) lista(s) ordenada(s) para recebimento.

O pagamento de precatórios é realizado por meio de um incidente processual, que é instaurado na última fase da execução por quantia certa contra a fazenda pública, após a definição do quantum debeatur. Tal incidente é processado nos autos de um processo administrativo pelo próprio Presidente do Tribunal, que, no caso do TJDFT, delega a uma Coordenadoria criada para tal fim. Esse processo administrativo é destinado apenas à quitação do valor executado, já que a fazenda pública tem a prerrogativa (um direito potestativo) de não realizar seus pagamentos à vista.

Logo, o Poder Judiciário é corresponsável pelos pagamentos de precatórios, consoante as regras do sistema legal brasileiro em vigor. A postura do TJDFT, então, pode ser enquadrada como um ato de gestão responsável, direcionado à regularidade dos pagamentos administrados e autorizados pelo COORPRE. Isso se justifica pelo fato de a Corte ser interessada, não no proveito econômico de qualquer das partes, mas na correta administração do dinheiro público posto sob sua responsabilidade. Em nosso entender, a atuação do Poder Judiciário em aplicar o regime cambial à certidão de crédito em precatório, regulando essa atividade econômica, é perfeitamente adequada ao interesse social por celeridade e segurança nas relações comerciais.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 123, de 09 de novembro de 2010. Acrescenta e altera dispositivos da Resolução nº 115 do CNJ, que dispõe sobre a Gestão de Precatórios no âmbito do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2835. Acessado em: 15 mai. 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitucional nº 62, de 09 de dezembro de 2009. Altera o art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo regime especial de pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc62.htm. Acessado em: 15 mai. 2015.

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GLOSSÁRIO

Autos de Precatório Judicial - incidente processual, instaurado na última fase da execução por quantia certa contra a fazenda pública, com o objetivo da extinção da obrigação exequenda e que e materializado em um procedimento administrativo de competência do Presidente do Tribunal da decisão exequenda, no exercício de sua função jurisdicional.

Certidão de crédito em precatório – documento expedido, a requerimento do credor, pelo Tribunal de Justiça que processa os autos do precatório judicial que representa o crédito executado.

Ofício Requisitório – é o instrumento jurídico que dá origem à formação do precatório judicial, o ato que o corporifica a requisição de que trata. Um das peças processuais dos autos de precatório judicial.

Precatório – direito a um crédito objeto de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública.

Precatório Judicial – No direito material, a prerrogativa do Poder Público que o possibilita pagar seus débitos objeto de execução não à vista, mas num prazo que se estende até dezoito meses. No direito processual, a requisição feita pelo Juízo da execução por quantia certa contra a fazenda pública, fundada em título extrajudicial ou judicial, por intermédio do Presidente do Tribunal de Justiça correlato, para inclusão, no orçamento das entidades de direito público executada ou daquela que integra, da verba suficiente ao pagamento, no prazo previsto no art. 100, § 5º, da CF/88, do valor executado, cujo quantum seja superior àquele definido em lei local do ente federativo vinculado ao devedor, para obrigações de pequeno valor.

  • Alimentar: são pagos com preferência sobre os comuns. Aqueles precatórios cujo crédito executado é decorre de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

  • Comum: pagos na ordem cronológica de apresentação.

  • Tributário: são aqueles cujo crédito executado se refere à repetição de indébito tributário.

  • Vencidos: não quitados no prazo até 18 (dezoito meses), como previsto no art. 100, § 5º, da CF/88. Em mora.

  • Vincendos: que está por vencer. Aguardando pagamento no prazo previsto no art. 100, § 5º, da CF/88

* V.CF/88, art. 100, com a redação dada pela EC nº 62/09.

*V. CPC/73 , art. 730, inc. I.

Requisitório – o mesmo que precatório judicial.


ANEXOS

ANEXO 1: Orientações do TJDFT para pedido habilitação de crédito25

Orientações para o pedido de habilitação em caso de cessão dos direitos creditícios

Para formalizar o pedido de habilitação, que deverá sempre ser subscrito por advogado legalmente constituído, o cessionário deverá:

  1. apresentar original ou cópia autenticada da escritura pública de cessão de direitos creditórios, a fim de comprovar sua legitimidade como cessionário;

  2. apresentar original da procuração outorgada ao advogado;

  3. apresentar original ou cópia autenticada de seus atos constitutivos (contrato social e respectivas/últimas alterações) para demonstrar sua capacidade de ser parte em juízo, caso seja pessoa jurídica;

  4. explicar a cadeia dominial da cessão de crédito que pretende ver habilitada, em caso de sucessivas negociações; e

  5. declarar se, atualmente, ainda detém o crédito que pretende ver habilitado ou se já o negociou com terceiros.

Orientações para o pedido de habilitação em caso de sucessão por falecimento do credor originário

Para formalizar o pedido de habilitação, que deverá sempre ser subscrito por advogado legalmente constituído, o sucessor deverá:

  1. apresentar original ou cópia autenticada da escritura pública de partilha ou sobrepartilha dos direitos creditícios a que faz jus o credor falecido ou cópia autenticada do processo de inventário, arrolamento ou sobrepartilha;

  2. apresentar original da procuração outorgada ao advogado por cada um dos sucessores que pretende ser habilitado;

  3. juntar cópia autenticada do RG e CPF dos sucessores; e

  4. declarar se, atualmente, ainda detém o crédito que pretende ver habilitado ou se já o negociou com terceiros.

Obs.: Os sucessores poderão, no pedido de habilitação, caso preencham os requisitos legais, aviar pedido de adiantamento constitucional, com fundamento no artigo 100, §2º, da Constituição Federal.

ANEXO 2: Pronunciamentos do STF nas ADIs 4357 e 4425

Ementa (jurisprudência): DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE INTERSTÍCIO CONSTITUCIONAL MÍNIMO ENTRE OS DOIS TURNOS DE VOTAÇÃO DE EMENDAS À LEI MAIOR (CF, ART. 60, §2º). CONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE “SUPERPREFERÊNCIA” A CREDORES DE VERBAS ALIMENTÍCIAS QUANDO IDOSOS OU PORTADORES DE DOENÇA GRAVE. RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À PROPORCIONALIDADE. INVALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA LIMITAÇÃO DA PREFERÊNCIA A IDOSOS QUE COMPLETEM 60 (SESSENTA) ANOS ATÉ A EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA (CF, ART. 5º). INCONSTITUCIONALIDADE DA SISTEMÁTICA DE COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS EM PROVEITO EXCLUSIVO DA FAZENDA PÚBLICA. EMBARAÇO À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO (CF, ART. 5º, XXXV), DESRESPEITO À COISA JULGADA MATERIAL (CF, ART. 5º XXXVI), OFENSA À SEPARAÇÃO DOS PODERES (CF, ART. 2º) E ULTRAJE À ISONOMIA ENTRE O ESTADO E O PARTICULAR (CF, ART. 1º, CAPUT, C/C ART. 5º, CAPUT). IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CF, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DOS CRÉDITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS, QUANDO ORIUNDOS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO. OFENSA À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE DIREITO (CF, ART. 1º, CAPUT), AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (CF, ART. 2º), AO POSTULADO DA ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT), À GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA E A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL (CF, ART. 5º, XXXV) E AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE. 1. A aprovação de emendas à Constituição não recebeu da Carta de 1988 tratamento específico quanto ao intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação (CF, art. 62, §2º), de sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política de reformar a Lei Maior. A interferência judicial no âmago do processo político, verdadeiro locus da atuação típica dos agentes do Poder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e categórico no que prevê o texto da Constituição Federal. Inexistência de ofensa formal à Constituição brasileira. 2. Os precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave devem submeter-se ao pagamento prioritário, até certo limite, posto metodologia que promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para operacionalização da novel preferência subjetiva criada pela Emenda Constitucional nº 62/2009. 3. A expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, §2º, da CF, com redação dada pela EC nº 62/09, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento. 4. A compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, previsto nos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/09, embaraça a efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), desrespeita a coisa julgada material (CF, art. 5º, XXXVI), vulnera a Separação dos Poderes (CF, art. 2º) e ofende a isonomia entre o Poder Público e o particular (CF, art. 5º, caput), cânone essencial do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput). 5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período). 6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, §12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário. 7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra. 8. O regime “especial” de pagamento de precatórios para Estados e Municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). 9. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente em parte.

(ADI 4357, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14/03/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 25-09-2014 PUBLIC 26-09-2014)

Decisão: Após o voto-vista do Ministro Dias Toffoli, que modulava os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no sentido de: a) atribuir eficácia imediata ou ex nunc, a partir da data de conclusão do julgamento desta questão de ordem, à declaração de inconstitucionalidade: i) da expressão “na data de expedição do precatório” (art. 100, § 2º, da CF, com a redação dada pela EC 62/2009), para que todo credor que tenha mais de 60 (sessenta) anos na data de conclusão do julgamento desta questão de ordem tenha o direito de ingressar na fila de preferência; ii) da expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” constante do § 12 do art. 100 da CF e §§ 1º, II, e 16 do art. 97 do ADCT, bem como da mesma expressão contida no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, ressalvando-se os requisitórios expedidos pela União, com base nos arts. 27 das Leis de Diretrizes Orçamentárias da União de 2014 e 2015 (Lei nº 12.919/13 e Lei nº 13.080/15), que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária; iii) da expressão “independentemente de sua natureza” contida no § 12 do art. 100 da CF e no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009; b) manter, pelo período de 5 (cinco) anos, a contar da conclusão do julgamento desta questão de ordem, a vigência das normas que possibilitam a compensação (§§ 9º e 10 do art. 100 da CF, e § 9º, II, do art. 97 do ADCT, introduzidos pela EC 62/2009), bem como das demais regras do regime especial de pagamento de precatórios – inclusive as modalidades alternativas de pagamento previstas no art. 97, §§ 6º, 7º e 8º do ADCT -, com destaque ainda para o art. 97, §§ 1º e 2º, do ADCT, o qual estabelece percentuais mínimos da receita corrente líquida – vinculados ao pagamento do precatório -, e o art. 97, § 10, do ADCT, que estabelece sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados ao pagamento de precatórios, no que foi acompanhado pelo Ministro Gilmar Mendes, o julgamento foi suspenso. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 19.03.2015.

Decisão: Concluindo o julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto, ora reajustado, do Ministro Luiz Fux (Relator), resolveu a questão de ordem nos seguintes termos: 1) - modular os efeitos para que se dê sobrevida ao regime especial de pagamento de precatórios, instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009, por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016; 2) - conferir eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes aspectos da ADI, fixando como marco inicial a data de conclusão do julgamento da presente questão de ordem (25.03.2015) e mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data, a saber: 2.1.) fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (i) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e (ii) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; e 2.2.) ficam resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nº 12.919/13 e Lei nº 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária; 3) - quanto às formas alternativas de pagamento previstas no regime especial: 3.1) consideram-se válidas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista por ordem crescente de crédito previstos na Emenda Constitucional nº 62/2009, desde que realizados até 25.03.2015, data a partir da qual não será possível a quitação de precatórios por tais modalidades; 3.2) fica mantida a possibilidade de realização de acordos diretos, observada a ordem de preferência dos credores e de acordo com lei própria da entidade devedora, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado; 4) – durante o período fixado no item 1 acima, ficam mantidas a vinculação de percentuais mínimos da receita corrente líquida ao pagamento dos precatórios (art. 97, § 10, do ADCT), bem como as sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados ao pagamento de precatórios (art. 97, § 10, do ADCT); 5) – delegação de competência ao Conselho Nacional de Justiça para que considere a apresentação de proposta normativa que discipline (i) a utilização compulsória de 50% dos recursos da conta de depósitos judiciais tributários para o pagamento de precatórios e (ii) a possibilidade de compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos inscritos em dívida ativa até 25.03.2015, por opção do credor do precatório, e 6) – atribuição de competência ao Conselho Nacional de Justiça para que monitore e supervisione o pagamento dos precatórios pelos entes públicos na forma da presente decisão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão, e, em menor extensão, a Ministra Rosa Weber, que fixava como marco inicial a data do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade. Reajustaram seus votos os Ministros Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 25.03.2015.

Despacho: Trata-se de petição acostada aos autos pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil na qual se noticia a paralisação do pagamento de precatórios por alguns Tribunais de Justiça do País, determinada após o julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4.357 e 4.425, realizado em 14/03/2013, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Segundo narra a peça, “os recursos estão disponíveis, mas a Presidência de alguns Tribunais entendeu por paralisar os pagamentos/levantamentos de valores enquanto não modulados os efeitos da r. decisão”. Requer-se, em seguida, seja determinada “a continuidade dos pagamentos até que o e. Plenário module os efeitos da v. decisão, com a consequente expedição de ofícios a todos os Tribunais de Justiça”. Pede-se ainda sejam os entes devedores instados ao repasse e ao depósito dos recursos junto aos Tribunais locais, sob pena de incidência do regime sancionatório. É o relato suficiente. Decido. A decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional nº 62/09, assentando a invalidade de regras jurídicas que agravem a situação jurídica do credor do Poder Público além dos limites constitucionalmente aceitáveis. Sem embargo, até que a Suprema Corte se pronuncie sobre o preciso alcance da sua decisão, não se justifica que os Tribunais Locais retrocedam na proteção dos direitos já reconhecidos em juízo. Carece de fundamento, por isso, a paralisação de pagamentos noticiada no requerimento em apreço. Destarte, determino, ad cautelam, que os Tribunais de Justiça de todos os Estados e do Distrito Federal deem imediata continuidade aos pagamentos de precatórios, na forma como já vinham realizando até a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 14/03/2013, segundo a sistemática vigente à época, respeitando-se a vinculação de receitas para fins de quitação da dívida pública, sob pena de sequestro. Expeça-se ofício aos Presidentes de todos os Tribunais de Justiça do País. Publique-se. Brasília, 11 de abril de 2013. Ministro Luiz Fux Relator Documento assinado digitalmente.

(ADI 4357, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Decisão Proferida pelo(a) Ministro(a) LUIZ FUX, julgado em 11/04/2013, publicado em DJe-069 DIVULG 15/04/2013 PUBLIC 16/04/2013)


Notas

1 É cabível execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública.(Súmula 279 do STJ, Corte Especial, julgado em 21/05/2003, DJ 16/06/2003, p. 415)

2 A legislação Distrital sobre recuperação e a regularização de créditos compreende: Lei Complementar nº 432, de 27 de dezembro de 2001; Lei nº 3.194, de 29.09. 2003 – REFAZ; Lei nº 3.687, de 20.10.2005 - REFAZ II; Lei Complementar nº 781, de 1º.10.2008 - REFAZ III; Lei Complementar nº 833, de 27.05.2011; Lei nº 4.960, de 01/01/2012 – ICM em Dias.

3 A despeito do atraso, não há uma situação de ilegalidade, tendo em vista que o REPP constitui uma forma de parcelamento do débito. Em outras palavras, juridicamente, o DF está em dias com o pagamento de precatórios, já que se encontra com a consignação dos pagamentos regulares e tempestivos a que se obrigou com a adesão ao REPP. É importante ressaltar que o descumprimento de decisão judicial constitui pressuposto de intervenção federal, na forma do art. 35, inc. IV, da CF/88. ((ADI 2.356-MC e ADI 2.362-MC, Rel. p/ o ac. Min. Ayres Britto, julgamento em 25-11-2010, Plenário, DJE de 19-5-2011).

4 Muito embora o caput do art. 100 da CF/88 mencione apenas “sentença judiciária”, não se pode olvidar que muitas das condenações impostas à fazenda pública foram e são proferidas por meio de acórdão, no bojo de ações de competência originária da segunda instância. A título exemplificativo, podemos mencionar o precatório 17.799, do ano de 1998 (PCT 1998.00.2.001779-9), do TJDFT. Ele se originou do Mandado de Segurança nº 2.272, do ano de 1990 (MSG227290), processado e julgado pelo Conselho Especial daquela Corte, Órgão de segunda instância. Logo, o termo adequando seria “condenação”.

5 loc.cit.

6 cf. informações oficiais disponíveis em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/precatorios/valor-devido-em-precatorios-pelo-distrito-federal. Acessado em: 12 mai. 2015.

7 Art. 924, inc. II e III do Código de Processo Civil de 2015/2016, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.

8 ADI 2.356-MC e ADI 2.362-MC, Rel. p/ o ac. Min. Ayres Britto, julgamento em 25-11-2010, Plenário, DJE de 19-5-2011.

9 Vide Glossário.

10 O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada no dia 27/05/2015, aprovou duas novas Súmulas Vinculantes. O enunciado da Súmula com efeito vinculante de nº 47determina que os honorários advocatícios têm natureza alimentar. Eis o teor dos novos verbetes: “SV nº 47. Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza".

11 O TJDFT elabora uma lista única de precatórios comuns e alimentares. Essa lista também é unificada, compreendo o TJDFT, TRT 10ª e TRF 1ª. Ela está disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/precatorios/lista_precatorios1.pdf. Acessado em 15 mai. 2015.

[12] “O pagamento prioritário, até certo limite, de precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para operacionalização da novel preferência subjetiva criada pela EC 62/2009. A expressão ‘na data de expedição do precatório’, contida no art. 100, § 2º, da CF, com redação dada pela EC 62/2009, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento.” (ADI 4.425, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, julgamento em 14-3-2013, Plenário, DJE de 19-12-2013.)

[13] São elas: a) tuberculose ativa; b) alienação mental; c) neoplasia maligna; d) cegueira; e) esclerose múltipla; f) hanseníase; g) paralisia irreversível e incapacitante; h) cardiopatia grave; i) doença de Parkinson; j) espondiloartrose anquilosante; l) nefropatia grave; m) estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); n) contaminação por radiação o) síndrome da deficiência imunológica adquirida (AIDS); p) hepatopatia grave; k) moléstias profissionais.

14 A Res. 115/CNJ, em seu art.10, § 4°, incluído pela Res. 123/CNJ, cria uma exceção para a intransmissibilidade do direito personalíssimo de preferência, ao garantir ao cônjuge supérstite o direito ao recebimento da preferência, desde que ela tenha sido requerido pelo credor falecido antes de sua morte. Todavia, o TJDFT não a tem aplicado, a fim de se evitar violação ao direito sucessório.

15 Cf. notícia disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2015/fevereiro/tjdft-participa-do-ii-encontro-nacional-de-precatorios. Acessada em: 15 mai. 2015.

16 Cf. notícia disponível em: https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp? idConteudo =288146. Acessada em 15 mai. 2015.

17 O Conselho Especial do TJDF, seguindo a orientação da recente decisão do STF, determinou que, a partir de 26/03/2015, os créditos em precatórios passem a ser corrigidos pelo IPCA-E e não mais pela TR. (20140020282652EME, Relator Des. Mario Machado, Conselho Especial, Unânime, Data de Julgamento: 28/04/2015)

18 Cf. orientação para o pedido de habilitação. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/precatorios/orientacoes-para-o-pedido-de-habilitacao. Acessado em 22.05.2015.

19 Vide Anexo 1 – Orientações do TJDF para pedido de habilitação de crédito.

20 Confira-se a respeito o fato processual documentado na decisão a seguir, disponibilizada no DJe/TJDFT de 25.03.2015, p. 32/33: Processo 20050020084717PCT Requisitante(s) DESEMBARGADOR RELATOR DO MSG 3180-2 Requisitado(s) PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS (...) Despacho Em relação do pedido de habilitação de fls. 680/683, referente aos direitos creditícios consolidados em benefício do(a) credor(a) originário SILVIO DE MORAIS VIEIRA, intime-se a cessionária ELISABETH DE OLIVEIRA BRITO BLOM, via telegrama (no endereço de fl. 680), para, no prazo de 10 (dez) dias: a) apresentar original ou cópia autenticada da escritura pública de cessão de direitos creditícios, a fim de comprovar sua legitimidade como cessionária; devendo, inclusive, explicar e trazer a documentação sobre a cadeia dominial do crédito que pretende habilitar; e b) regularizar sua representação processual, acostando procuração ad judicia. Cumpridas as diligências, retornem os autos à conclusão, atentando-se que, consoante informado à fl. 680, "os valores cedidos foram apresentados para compensação de tributos Edição nº 56/2015 Brasília - DF, disponibilização quarta-feira, 25 de março de 2015 33 no PA n. 020.00146/2009". Brasília, 19 de março de 2015.

21 Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/precatorios/portaria-gpr-no-815-de-6-de-julho-de-2010. Acessado em 27 mai. 2015.

22 Cf. informações disponíveis em: www.fazenda.df.gov.br . Acessado em: 25 mai 2015.

23 Núm. Processo 20040020032097PCT Requisitante(s) JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL Requisitado(s) PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL Credor ANTONIO DOS SANTOS E OUTROS Advogado(s) DJALMA NOGUEIRA FILHO Devedor DISTRITO FEDERAL . D E C I S Ã O. Em face do conteúdo da certidão de fl. 60-v, indefiro o pedido de preferência constitucional formulado pela credora INÁCIA ALVES DOS SANTOS (fls. 56/59), haja vista a notícia de prévia negociação dos direitos creditícios. Isso porque é preciso atualizar o crédito do precatório para saber se há algum sobejo em favor da referida credora e isso só poderá acontecer quando do adimplemento final da presente requisição. 2. Intime-se o credor ANTÔNIO DOS SANTOS para, no prazo de 10 (dez) dias: a) esclarecer se, atualmente, ainda detém o crédito que pretende ver habilitado ou se já o negociou com terceiros. 3. Cumpridas as diligências, retornem os autos à conclusão. 4. Publique-se. Intime-se. Brasília, 26 de março de 2015.

24 Esse conceito é um dos muitos axiomas jurídicos com os quais nos deparamos durante o desenvolvimento do presente trabalho. Após a consulta a diversos livros de direito comercial observamos que nenhum dos autores que o menciona cita sua fonte expressamente. Ou seja, ele é aceito sem maiores indagações e perpetuado pela tradição oral, tal qual um costume, uma crença, um folclore.

25 Cf. documento disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/precatorios/orientacoes-para-o-pedido-de-habilitacao. Acessado em: 19 mai. 2015.


Autor

  • Paulo Sérgio Souza Andrade

    graduação em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA e especialização em Poder Judiciário com ênfase em Direito Processual Civil, realizada com bolsa do Instituto Ministro Luis Vicente Cernicchiaro - Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Publicou "O Estatuto do Concurso Público: análise do PL 399/08 do Senado Federal" (Clube de Autores, 2014). No âmbito acadêmico, ainda, atua como consultor e colaborar de periódicos científicos e possui interesse na área de Antropologia Social. Atualmente, é servidor do TJDFT onde já exerceu diversas funções comissionadas de direção, chefia e assessoramento, a saber, assistente de magistrado, secretário de audiências e oficial de gabinete (1º assessor), todas mediante seleção interna.

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