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Medidas Provisórias: pressupostos de relevância e urgência e controle jurisdicional

Medidas Provisórias: pressupostos de relevância e urgência e controle jurisdicional

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Nesse artigo será analisado os requisitos de admissibilidade do instituto da medida provisória, quais sejam, a urgência e a necessidade, e o controle jurisdicional que deve ser feito sobre esses dois requisitos.

          

            De acordo com a Constituição da República de 1988 são necessários dois requisitos para editar medida provisória: relevância e urgência.

             Artigo 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.  (g.n)

            Diferentemente do que asseverava a Constituição brasileira de 1969, esses requisitos não são alternativos. No artigo 62 da Constituição vigente, há a conjunção aditiva “e” entre os dois pressupostos, fazendo com que a presença de ambos, simultaneamente, seja condição sine qua non para que o Presidente possa editar uma medida provisória.  

            A democracia brasileira tem como um dos pilares a tripartição dos poderes e estes poderes, de forma independentes e equilibrados, possuem funções típicas e atípicas. É próprio do Legislativo legislar, no entanto, em casos específicos, cabe ao Executivo essa atividade. Com base nesse raciocínio, a edição de medida provisória se enquadra em um contexto de exceção do processo legislativo, em que ela surge para evitar uma situação caótica. Portanto, para editá-la, é essencial que sua formulação seja relevante, e que a falta desta acarrete uma situação de desordem, uma iminência de desgoverno ou dano social ou econômico.  

            Além da relevância, é necessário o requisito da urgência. Urgente é aquilo em que a abstenção levará a um dano irreparável ou de difícil reparação, não podendo ser adiada. Nesse sentido assevera Celso Antônio Bandeira de Mello:

                                      [...] mesmo que a palavra contenha em si algum teor de fluidez, qualquer pessoa entenderá que só é urgente o que tem de ser enfrentado imediatamente, o que não pode aguardar o decurso do tempo, caso contrário o benefício pretendido inalcançável ou o dano que se quer evitar consumar-se-á ou, no mínimo existirão sérios riscos de que sobrevenha efeitos desastrosos em caso de demora. [1]

            Nesse diapasão, a carência de um dos requisitos elencados no artigo 62 supracitado torna a medida provisória inconstitucional e um instrumento de poder que visa a satisfação os anseios do Executivo, ferindo, dessa forma, o Estado Democrático de Direito.

             Dessa forma, se faz necessário o controle desses atos normativos a fim de coibir qualquer abuso de poder. O Judiciário, com fundamento no sistema de freio e contrapesos e com base no artigo 102, I, “a”, da Constituição de 1988, exerce sobre esses atos controle de constitucionalidade. No período da ditadura militar, em que vigorava a Constituição de 1967, o Supremo Tribunal Federal considerava que os requisitos para se editar decreto-lei (parente autoritário da Medida Provisória) não estavam sujeitos ao controle do judiciário, uma vez que abarcavam questões políticas.  Atualmente, o entendimento do Supremo é de que pode haver controle desses pressupostos desde que haja patente abuso da discricionariedade do Executivo.

            Em 1989, no julgamento da ADI-MC 162 o Relator, Ministro Moreira Alves, se manifestou no sentido de que:

                                      essa orientação tem de ser adotada em termos, pois, levada às suas últimas conseqüências, admitiria o excesso ou o abuso do poder de legislar mediante medidas provisórias, que a Constituição expressamente só admite ‘em caso de relevância ou urgência’. [2]

            Assim, de acordo com o entendimento do Supremo, os requisitos de relevância e urgência devem, a priori, ser analisados pelo Presidente da República e, posteriormente, o Congresso Nacional poderá convertê-lo em lei ou não - caso não atenda esses requisitos. No entanto, mesmo se o Congresso converter uma medida provisória que não atenda aos requisitos em lei, o STF, a fim de resguardar a Constituição, poderá adentrar no âmbito discricionário do Presidente da República.

            Na prática, esse entendimento do STF vem se mostrando falho. Ao analisar dados objetivos, é perceptível que os Chefes do Executivo vêm editando medidas provisórias de forma excessiva. Em 20 anos, foram editadas mais de 2.670, o que corresponde a uma média superior a 11 por mês.  Essa espécie normativa não deve ser utilizada para regular fatos cotidianos, ela é de caráter excepcional.

            Ao analisar julgamentos de ADIs, percebe-se que está havendo uma leve ruptura em relação a esse entendimento do STF quanto os requisitos da medida provisória e a limitação da discricionariedade do Executivo. Ministros como Celso de Mello, se posicionam a favor da apreciação dos requisitos de relevância e urgência, legitimando a doutrina do abuso do poder. Outros Ministros, como Nelson Jobim, normalmente não corroboram com essa ideia e consideram que os pressupostos constitucionais de relevância e urgência se tratam de questões política.

            Ao utilizar essa medida excepcional de forma abusiva, o Executivo fere a Constituição e compromete a segurança jurídica. O STF, no status de “guardião” Constituição da República não pode se esquivar de estabelecer um controle, afinal, como sustenta o art 5º, inciso XXXV da CR/88 “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”

            Diante do exposto, resta claro que é obrigação do Supremo Tribunal Federal zelar pela atenção aos dispositivos constitucionais para admissibilidade da medida provisória. Os pressupostos elencados na Constituição, apesar de serem cláusulas abertas, não dão ao Executivo a faculdade de interpretar os conceitos de relevância e urgência da forma que lhe convier, legitimando, assim, abusividades. Cabe ao STF, como protetor da Constituição, não se poupar do exame desses pressupostos. Ao contrário, deve o Supremo, perante cláusulas abertas, “encontrar o equilíbrio entre a normatividade constitucional, que deve ser assegurada por ele, e não a paralisação das mesmas, impedindo a interação entre o fato e a norma."[3]

            Insta ressaltar que deveras a obrigação de analisar se os requisitos de relevância e urgência estão presentes na edição da norma cabe, inicialmente, ao Poder Executivo. Isso não quer dizer, como assevera este artigo, que o Judiciário pode se afastar do dever de averiguar se estão ou não assegurados esses requisitos.

            Insta esclarecer também que o Judiciário, ao verificar a presença dos pressupostos, não invade discrição administrativa, pois compete a ele a guarda da Constituição. Assim, não há que se falar em lesão à separação dos poderes. Além disso, como afirma Maia e Lima:

         

                                      se os preceitos “relevância e urgência” das medidas provisórias fossem conceitos e noções somente aferíveis pelo Presidente da República, em seu juízo de discricionariedade, não seria necessária a inclusão de tais adjetivos, e nem o delineamento de tal instituto no corpo da Constituição, pois, bastaria que o Presidente da República decidisse o âmbito e limitação das medidas provisórias. [4]

            Por fim, tendo em vista que toda norma passa por um crivo de controle de constitucionalidade - preventivamente ou repressivamente – caso não esteja de acordo com a Constituição, pode-se inferir que uma lei editada a partir de medida provisória também deverá passar por um controle jurisdicional, inclusive em seus pressupostos materiais.

             Se uma lei tem como base medida provisória em que os princípios de relevância e urgência foram inobservados, deve, o Judiciário, repressivamente, fazer um controle de constitucionalidade. Caso não o faça, essa lei proveniente da medida provisória deverá ser considerada nula.

           

BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. A jurisdição constitucional e as Medidas Provisórias. Projeto de pesquisa apresentado/ FUMEC. Belo Horizonte. 2004. Mimeografado.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra, 1994.

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas Provisórias. 2. ed. São Paulo: Editor Max Limonad, 1999.

COUTO E SILVA, Almiro. Poder Discricionário no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: RDA, 1990. GRAU, Eros Roberto. Medidas Provisórias na Constituição de 1988. São Paulo: RT, n°658, ago/1990. GRECO, Marco Aurélio. Medidas Provisórias. São Paulo: RT, 1991.

.FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

FREITAS, Juarez. Existe a única resposta jurídica correta? Revista Del Rey Jurídica. Belo Horizonte, v. 15, ano 7, p. 18-19, 2º 2005.

MAIA, Paula Oliveira; LIMA, Eduardo Martins . As medidas Provisórias e o Poder Judiciário: o controle jurisdicional dos pressupostos de relevância e urgência, Manaus. Anais da XIV Congresso Nacional da CONPENDI- UEA, Manaus, 2006.

MARIOTTI, Alexandre. Medidas Provisórias. São Paulo-SP: Editora Saraiva, 1999.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20ª edição. São Paulo-SP; Editora Malheiros; 2006; p. 118.


[1] Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 20ª edição. São Paulo-SP; Editora Malheiros; 2006; p. 118.

[2]  Voto do Ministro Moreira Alves na ADI-MC 162

[3] Maia, Paula Oliveira; Lima, Eduardo Martins . As medidas Provisórias e o Poder Judiciário: o controle jurisdicional dos pressupostos de relevância e urgência, Manaus. Anais da XIV Congresso Nacional da CONPENDI- UEA, Manaus, 2006.

[4] Maia, Paula Oliveira; Lima, Eduardo Martins . As medidas Provisórias e o Poder Judiciário: o controle jurisdicional dos pressupostos de relevância e urgência, Manaus. Anais da XIV Congresso Nacional da CONPENDI- UEA, Manaus, 2006.



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