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Responsabilidade civil do Estado por atos omissivos

Responsabilidade civil do Estado por atos omissivos

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Trata-se de um trabalho visando explicar de que forma o Estado responde ao ocasionar danos aos particulares por meio de condutas omissivas. Diante da divergência doutrinária e jurisprudencial, objetiva-se esclarecer qual é a posição dominante.

 1.      CARACTERIZAÇÃO DO DANO

O Estado atua sempre no interesse coletivo, isto é, visando a satisfação e solução dos problemas sociais, tornando melhor a vida em sociedade. Ocorre que, no exercício desta atividade, como sujeito de direito, o poder público pode causar prejuízo a alguém, ocasião em que se vê obrigado a ressarcir o prejudicado.

Assim, o Estado possui responsabilidade de ressarcir os danos que causa. Tal responsabilidade é conhecida como responsabilidade extracontratual do Estado, e consiste no dever deste de reparar os prejuízos econômicos que causar a alguém no exercício de sua atividade. Esta disposição permite que os administrados desfrutem de maior proteção ante comportamentos danosos do Estado.

Celso Antonio Bandeira de Mello, em sua clássica obra Curso de Direito Administrativo, conceitua responsabilidade contratual do Estado como “a obrigação que lhe incube de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos” (pag. 1009).

É importante ressaltar que, por vezes, a atuação do Estado não configura propriamente um dano apto de ser indenizável, mas simples sacrifício de um direito. Com efeito, este ocorre quando “a ordem jurídica lhe confere o poder de investir diretamente contra direito de terceiros, sacrificando certos interesses privados e convertendo-os em sua correspondente expressão patrimonial” (MELLO, pag. 1010). Exemplo clássico é a desapropriação. Nestas situações, dita a legislação que o interesse público deve prevalecer, e, por isso, lícito se torna o sacrifício do particular.

O dano que se discute, contudo, que gera a obrigação de ressarcimento difere deste sacrifício, na medida em que naquele existe uma violação de um direito alheio. Ora, violar é diferente de sacrificar. Neste há debilitamento; naquele, agressão.

Assim, o dano que realmente enseja o dever de indenizar deverá ser correspondente a lesão de um direito da vítima, isto é, um bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico e que foi agredido. Também, o dano deverá ser certo, ou seja, não apenas eventual.

Isso ressaltado, pode-se afirmar que o Poder Público pode ocasionar os danos, isto é, agressão ao direito alheio, violando-os, licita ou ilicitamente, de forma comissiva – consistente em uma ação – ou omissiva – consistente em uma abstenção, ambas sendo aptas a gerar a responsabilidade do Estado.

Portanto, uma vez constatada a violação ao direito de terceiro, ocasionando-lhe dano, torna-se caracterizada a responsabilidade do Estado, de forma que este deverá, a partir de então, ressarcir aquele que foi prejudicado. Esta obrigação resulta do simples, mas crucial ditame que submete a Administração Pública ao Direito. Neste sentido, Marçal Justen Filho dispõe em sua obra que a “responsabilidade administrativa resulta da submissão do aparato estatal a um dever jurídico-político, derivado diretamente da soberania popular. O exercente do poder político e o titular de competências administrativas são representantes do povo e, por isso, estão submetidos a deveres jurídicos e políticos” (FILHO, pag. 805).

2.      RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Pois bem, restado demonstrado o dano, está caracterizada a responsabilidade do Estado. Não obstante, esta pode ser dividida em duas, a saber: a subjetiva e a objetiva.

A responsabilidade subjetiva do Estado consiste na obrigação de indenizar que incube a alguém em razão de um procedimento contrário ao direito – culposo ou doloso – consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de impedi-lo quando obrigado a isso. Ocorre a culpa do serviço ou falta de serviço quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado.

A responsabilidade objetiva, por sua vez, é a obrigação de indenizar que incube a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta a mera relação causal entre o comportamento e o dano.

A simples relação entre o acontecimento e o dano basta para caracterizar a responsabilidade objetiva; já para a caracterização da subjetiva é necessário demonstrar que a conduta do agente revele deliberação proibida ou inobservância dos padrões de empenho. “Por isso, é sempre responsabilidade por comportamento ilícito quando o Estado, devendo atuar, e de acordo com certos padrões, não atua ou atua insuficientemente para deter o evento lesivo” (MELLO, pag. 1021).

3.      A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELOS ATOS OMISSIVOS

Pois bem, como o escopo do presente trabalho é a responsabilidade do Estado diante de atos omissivos, vamos nos ater a ela. Assim, resta esclarecer qual a responsabilidade deste por omissão.

Com efeito, segundo doutrina e jurisprudência majoritárias, pode-se afirmar que, em caso de omissão do Poder Público, caso esta ocasione dano ao agente, está-se diante de responsabilidade subjetiva.

Deveras, se o Estado não atuou, não agiu, não pode ser considerado autor do dano. Se não foi autor, no sentido de causar o dano por meio de sua atuação, por certo só poderá ser responsabilizado pela via inversa, isto é, caso tenha a responsabilidade, o dever legal de evitar o dano. Caso não tenha essa obrigação, não há que se falar em culpa.

Logo, pode-se afirmar que a responsabilidade por omissão decorre de comportamento ilícito – não atuar quando deveria. E, assim considerada, necessariamente será considerada como subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja oriunda de negligência, imprudência ou imperícia, ou caso atue no sentido de querer violar a norma.

Assim, para se caracterizar a culpa do Estado não basta demonstrar a relação entre ausência de serviço e o dano sofrido. Com efeito, para que haja responsabilidade do Poder Público é necessário que se demonstre culpa sua, consistente na imprudência, negligência e/ou imperícia, ensejadoras do dano, ou dolo, dirigida na intenção proposital de causar dano a alguém. Portanto, é necessário que o Estado tenha agido de forma ilícita, por não ter atuado para evitar o dano quando tinha o dever legal de fazê-lo, razão pela qual sua responsabilidade é subjetiva.

Neste sentido é a lição de Sônia Yuriko Kanashiro Tanaka: “Segundo o entendimento que tem prevalecido, tanto no STJ quanto no STF, a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a hipótese de que o Estado deveria ter agido por imposição legal. Neste caso, a comprovação de dolo ou culpa mostra-se necessária.” (2008, pag. 471). Ressalta-se que a culpa poderá ser provada de maneira larga, ampla, não se restringindo ou sendo estrita. Marçal Justen Filho também se posiciona neste sentido.

Heraldo Garcia Vitta (2008, p. 90) explica que para configurar a responsabilidade civil subjetiva, a conduta do Estado seria, acaso existisse, apta a impedir o surgimento da circunstância causadora do dano.

Outrossim, a doutrina afirma que se o dano decorre de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, ou funcionou tardia ou ineficientemente), deve-se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Justificam essa posição argumentando que o Estado, ao não agir, não pode ser o autor do dano e, assim, “só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo” (MELLO, 1992, p. 346).

Ressalta-se que para que exista a responsabilidade pública necessário que a conduta derive de um agente público. Não obstante esta posição da doutrina, assim também entendem os Tribunais pelo país. Vejamos decisões que partilham deste mesmo entendimento:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. FALECIMENTO DE POLICIAL MILITAR NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. DANO MORAL CARACTERIZADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO POR OMISSÃO. ARTIGOS 1º E 85 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 10.996/97.

1. Ação de indenização pelos danos morais que as autoras sofreram em função da morte de seu pai, policial da Brigada Militar, alvejado por um tiro em serviço.

2. Responsabilidade subjetiva do Estado decorrente de omissão, necessitando de comprovação a conduta ilícita e culposa do agente estatal para que reste configurado o dever de indenizar. Análise dos autos que demonstrou serem evidentes os danos sofridos pelas demandantes, bem como o nexo causal e a culpa do Estado.

(Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 10ª. Câmara de Direito Civil, Apelação Cível n. 70055371843, Luana de Lima Dorneles x Estado do Rio Grande do Sul, Des. Relator Jorge Alberto Schreiner Pestana, j. em 29/05/2014).

CONSTITUCIONAL E CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DUPLO APELO. NÃO CONHECIMENTO DO APELO AUTORAL. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DE ADMINISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE TRATAMENTO PARA IMPLANTE DENTÁRIO. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. OMISSÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO ESTADO. PROVA DO NEXO DE CAUSALIDADE, DANO E CULPA. VALOR INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.

1. Não conhecido do apelo da autora, seja porque ausente o interesse recursal, seja porque as razões recursais estão dissociadas da sentença. Observa-se ainda inovação recursal no que diz respeito a danos materiais e ausência de fundamentação no que tange à majoração do valor indenizatório.

2. O Distrito Federal integra o Sistema Único de Saúde e, nesta situação, tem o dever inarredável de prover, àqueles que necessitem, todo o suporte necessário e disponibilização de meios para assegurar o imediato atendimento à saúde.2.1.Precedente do STF: O Estado deve criar meios para prover serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação das mesmas. (arts. 23, II, e 198, § 1º, da CF). (...) 5. Agravo regimental no recurso extraordinário desprovido.” (STF, 1ª Turma, RE 607381 AgR, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 31/05/2011).

3. Reconhecida a responsabilidade subjetiva do Estado por omissão por não oferecer o tratamento de saúde bucal necessário à autora, embora impelido a realizá-lo por ordem judicial.3.1. O dano foi suficientemente provado e decorre do fato em si, pois, a omissão estatal, por aproximadamente 20 meses, provocou angústia e dor, principalmente no que tange à dignidade da autora, que se viu sem os dentes por todo esse tempo. 3.2. O nexo de causalidade foi provado mediante a documentação colacionada aos autos, que demonstrou a necessidade do procedimento odontológico e a sua não realização. Além disso, é incontroverso que o Distrito Federal deixou de completar o tratamento indicado e determinado judicialmente. 3.3. A culpa do ente federativo decorre da prática ilícita, oriunda do descumprimento de ordem judicial, que restou incontroversa nos autos.

4. Mantido o valor indenizatório arbitrado, no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), porque representa quantia suficiente para oferecer uma digna compensação à autora e punir adequadamente o réu por sua conduta. 5. Apelo da autora não conhecido. Apelo do réu conhecido e improvido.

(Tribunal de Justiça do Distrito Federal – Apelação Cível n. 20130110717325, Desembargador Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 15/07/2015, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 21/07/2015 . Pág.: 101)

Não obstante estas posições, veja-se que a própria Constituição Federal, no art. 37, parágrafo 6º, estabelece o dever das pessoas jurídicas de Direito Público em indenizar o dano que porventura aconteçam. Veja-se:

Art. 37, par. 6º: As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Outrossim, o art. 5, X da CF, prevê a hipótese de dano moral. Já o Código Civil, no art. 43, adota o mesmo posicionamento do texto constitucional.

No que diz respeito à ação, entende a doutrina que o lesado poderá escolher se entra com ação em face do Estado, contra este e o agente causador do dano, ou apenas contra este, sendo necessário, neste caso, demonstrar colo ou culpa. Certo é, ainda, que os agentes públicos respondem com seu próprio patrimônio perante estas lesões.

4.      CONCLUSÃO

Ante o exposto, podemos concluir que o Estado responde pelos danos que ocasiona aos particulares, no exercício de sua atividade, e no caso dos atos omissivos sua responsabilidade é subjetiva, devendo haver prova de sua culpa e a relação desta com o dano. A partir desta relação, pode-se atribuir a responsabilidade ao Estado.

5.      BIBLIOGRAFIA

FILHO, Marçal Justen; Curso de Direito Administrativo, Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de; Curso de Direito Administrativo, 32. Ed. Editora Malheiros, 2013.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 1992.

TANAKA, Sônia Yuriko Kanashiro, Direito Administrativo, Editora Malheiros Estudantes, 2008.

VITTA, Heraldo Garcia. Responsabilidade civil e administrativa por dano ambiental. São Paulo: Malheiros, 2008



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