Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/41971
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Dos contratos de arrendamento e parceria agrícola: aspectos gerais e efeitos práticos

Dos contratos de arrendamento e parceria agrícola: aspectos gerais e efeitos práticos

Publicado em . Elaborado em .

A observância do direito agrário como ramo autônomo e dos contrato de arrendamento e parceria como contratos típicos deste ramo possibilita aos operadores a análise critica dos efeitos práticos destes instrumentos no mundo jurídico e fático.

RESUMO: Com o reconhecimento Constitucional da Autonomia do Direito Agrário, bem como a entrada em vigor do Estatuto da Terra e do Decreto n.º 59.566/66, fez-se necessário, ao operadores do Direito, uma atenção especial no que diz respeito aos Contratos Típicos do Direito Agrário, que não poderiam  mais ser vislumbrados através da ótica Civil. Esta mudança de paradigma representou  não só um avanço na mitigação dos conflitos no campo como também um fortalecimento do Direito Agrário como ramo autônomo. Ao mesmo tempo, quando se observa a aplicação prática destes contratos, verifica-se que o quadro atual do Brasil não é mais aquele à época do Estatuto da Terra, fazendo-se necessário o estudo dos seus efeitos práticos e das formas de contenção de riscos e manutenção de equilíbrio contratual e segurança jurídica para as partes.

PALAVRAS-CHAVE: Estatuto da Terra; Direito Agrário; Autonomia; Contratos Típicos; Arrendamento; Parceria; Registro; Efeitos práticos.

SUMÁRIO:1. Direito Agrário no Brasil; 2. A Autonomia do Direito Agrário; 2.1. Estatuto da Terra; 3.Função Social da Propriedade Rural; 4. Contratos Típicos do Direito Agrário; 4.1. Aspectos Gerais dos Contratos Agrários; 4.1.2. Classificação dos Contratos Agrários; 4.2. Do Arrendamento; 4.3 Da Parceria Rural; 4.4 Diferenças essenciais entre os Contratos de Arrendamento e Parceria; 5. Do Contrato de Comodato; 6.Conclusão; 7. Referências bibliográficas.


1. DIREITO AGRÁRIO NO BRASIL

Apesar de uma parcela considerável do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ser fruto do Agronegócio e o Brasil, consequentemente, ser um dos maiores exportadores de Commodities Agrícolas, pouco se estuda o Direito Agrário em si, bem como mal se reconhece a sua autonomia diante das outras esferas do Direito, dentre elas o Direito Civil.

O Brasil é um país agrário por excelência, beneficiado por suas terras férteis e sua grande extensão, e apesar de atualmente enfrentar grandes entreves na comercialização dos grãos devido à falta de infraestrutura das rodovias e precariedade dos portos, o país ainda consegue se destacar no mercado futuro e ser altamente competitivo em comparação com países como os EUA.

Diante disto, sendo o Direito um conjunto de normas que regulam a vida em sociedade, não poderia este ficar alheio à situação socioeconômica deste país, bem como às demandas que esta situação trazia consigo.As mudanças que envolveram a questão Agrária do país, que começou sua história nas Capitanias Hereditárias e no sistema das sesmarias, foram extremamente conflituosas, pois, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), foi à partir deste período que nasceu o que hoje chamamos de Latifúndio. Não bastasse isso, no campo do Direito, os conceitos e percepções sobre o que viria a ser posse e propriedade sofreram grandes mudanças.

Em 1850, na época do Brasil Império, foi editada a Lei das Terras (Lei 601 de 18.09.1850) a fim de tentar mitigar os conflitos ocorridos entre os proprietários de terras e grileiros. No entanto, notou-se que, na prática, a Lei reforçou o poder dos latifundiários frente aos pequenos produtores, uma vez em que previa que a aquisição só se dava mediante o pagamento em dinheiro, o que fez com que o país, por muito tempo, tivesse o poder político concentrado nas mãos dos grandes latifundiários e coronéis, sendo que somente em meados dos anos 60, com o advento da Industrialização no Brasil, que a questão fundiária passou a ser amplamente debatida pela sociedade.

Por fim, foi somente com a edição do Estatuto da Terra, Lei 4.504 de 30 de novembro de 1964, que podemos considerar que o Direito Agrário ganhou autonomia e ainda, em consequência desta Lei, veio à tona a questão da Reforma Agrária no país e com ela uma série de medidas de melhoria na distribuição da terra.Várias foram as questões trazidas pelo Estatuto da Terra. No entanto, a tipificação de Contratos Agrários chama a atenção mostrando-se, por tal motivo, um importante objeto de estudo e reflexão e estes serão o foco principal deste artigo.


2. A AUTONOMIA DO DIREITO AGRÁRIO

O Direito Agrário possui determinados princípios próprios que o diferenciam dos demais ramos do Direito. Tais princípios fornecem a este ramo uma autonomia denominada de científica, reforçando, sobretudo, de que não se trata de um sub-ramo do Direito Civil ou Empresarial, como alguns doutrinadores insistem em defender, mas sim de uma Ciência Jurídica própria criada para entender e interferir nas relações do ser humano com o campo e com o meio ambiente, advindas, sobretudo, do modelo capitalista de produção.

Historicamente, o marco da autonomia do Direito Agrário foi a emenda Constitucional n.º 10/64 que além de inovar prevendo a possibilidade de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, dispôs ainda que caberia privativamente à União legislar sobre Direito Agrário, deixando expressa a autonomia legislativa deste ramo que passou a disciplinar as diversas questões sociais e econômicas decorrentes do exercício das atividades agrárias.Tal emenda veio de encontro com o anseio da população por uma melhor distribuição da Terra, que agora, deveria cumprir uma finalidade não só econômica como social.

Era a luta pelo direito da terra, a qual crescia em todos os recantos do País, bem como a necessidade da política econômica do País, que se voltava para melhor produção e a implantação do agronegócio, já que todo sistema rural de produtividade era obsoleto, precário e ineficiente, que reclamava a mudança, não só no interesse público do Estado, como também, no interesse social, com muita terra em mãos de poucas pessoas. (BORGES, 2014, p.32)

A autonomia deste ramo do Direito pôde ser melhor observada com o advento do Estatuto da Terra, o qual trouxe normas que regulamentavam as relações Agrárias de forma mais ampla e eficiente, pois como era de se esperar, as normas do Direito Civil existentes à época não eram suficientes para regular a situação agrária do país, ainda que o Código Civil de 1916 tenha trazido minguados dispositivos relacionados ao Contrato de Arrendamento e Parceria.

Atualmente, a autonomia legislativa do Direito Agrário está prevista no artigo 22, I da atual Constituição Federal que por sua vez, nas palavras do professor Antonio Moura Borges, “absolveu si et in quantum na parte que tratou da Reforma e da Política Agrária as normas constantes do Estatuto da Terra”.

Assim sendo, por todas as características que lhe são peculiares, vislumbra-se no Direito Agrário, o Direito Social, que rompe a dicotomia da Ciência Jurídica de Direito Público e Direito Privado, na visão de Antônio Moura Borges (2014, p.32). E não poderia ser diferente, uma vez em que o objeto da Edição da Lei foi a propriedade rural e o agronegócio visando a exploração racional e adequada da terra com o objetivo de que a mesma atinja o seu fim social, respeitando, acima de tudo, os recursos naturais, o meio ambiente e os Direitos Sociais.

O Direito Agrário andou com dificuldade diante de embates jurídicos para conscientizar a Sociedade Brasileira do verdadeiro direito e natureza da propriedade rural, inclusive, no seu aspecto de real de bem jurídico de função social e, instrumento de garantia alimentar, ou como simplesmente disse Arthur E.S. Rios na sua monografia Direito Agrário, ed. 1974, fls.19, quando afirmou que: Direito Agrário Para Evitar a Fome. (BORGES, 2014, p.33)

A Constituição Federal de 1988 procurou ainda conceder ao Direito Agrário uma autonomia judiciária, quando, em seu artigo 126, previa expressamente que “Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias.”. No entanto, essas Varas especializadas ainda não existem em todo o País e nos Tribunais de Justiça onde as mesmas inexistem, cabe ao Juiz da Vara Cível Comum julgar os processos advindos de litígios agrários, o que para muitos estudiosos da área não se mostra como uma alternativa satisfatória.

2.1. ESTATUTO DA TERRA

O Estatuto da Terra surgiu, não só como uma resposta às aclamações da população rural mais desfavorecida (trabalhadores em geral, arrendatários e parceiros outorgados), mas, sobretudo como um meio de viabilizar a expansão do capitalismo no campo.

Podemos dizer que, a grosso modo, depois da implementação do mesmo e do avanço tecnológico ocorrido no Brasil, o país  passou de grande importador de gêneros alimentícios a principal exportador. Assim sendo, é facilmente visível que tal Lei, também denominada de Código Rural, possui um cunho não só social, mas principalmente econômico.A principal crítica de muitos estudiosos com relação à Lei é no sentido de que somente o seu viés econômico conseguiu gerar efeitos na sociedade, ficando o Interesse Social, apoiado principalmente na questão da Reforma Agrária, como um segundo plano de lenta e ineficaz aplicação.

Há ainda quem defenda que o contexto atual do campo não é mais aquele existente à época da promulgação da Lei e que esta encontra-se defasada atualmente, tendo em vista que se de alguma forma foi considerado como hipossuficiente a pessoa do arrendatário e do parceiro outorgado, hoje em dia, diante da exploração da terra por grandes corporações e empresários rurais, percebe-se que em grande parte, a hipossuficiência encontra-se na figura do proprietário da terra.Diante desses fatores, pode-se observar que, da edição do Estatuto da Terra até os tempos atuais, o Direito Agrário vem demonstrando a sua importância enquanto ciência autônoma dentro do cenário de um país altamente agrário como o Brasil.


3. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL

Não há um conceito pacífico do que venha a ser propriedade, mas a mesma pode ser entendida como o direito de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa (bem móvel ou imóvel) e representa um dos mais amplos Direitos Reais. Dada a sua amplitude e consequências no mundo fático, a propriedade sofre certas limitações, como bem assevera a professora Maria Helena Diniz:

Ao lado das restrições voluntárias ao direito de propriedade, como a superfície, as servidões, o usufruto ou as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade, há limitações oriundas da própria natureza do direito de propriedade ou imposição legal [...]; restrição relativa aos direitos de vizinhança etc.[...] (DINIZ, 2014, p.127)

De todas as limitações oriundas da própria natureza do direito de propriedade, a que tem maior relevância é, sem sombra de dúvidas, a função social da propriedade, isto porque:

A função social da propriedade é imprescindível para que se tenha um mínimo de condições para a convivência social. A Constituição Federal, no art. 5º, XXII, garante o direito de propriedade, mas requer, como vimos, que ele seja exercido atendendo a sua função social. Com isso, a função social da propriedade a vincula não só à produtividade do bem, como também aos reclamos da justiça social, visto que deve ser exercida em prol da coletividade.(DINIZ, 2014, p.127)

No que diz respeito ao Campo, a função social da propriedade rural foi positivada, de forma mais ampla, no Estatuto da Terra, que a trazia como um poder-dever do proprietário que se estendia a dois aspectos principais: servir o interesse econômico do dono e satisfazer o fim social ao qual ela se destina.

Desta forma, a propriedade rural ficou condicionada pela função social contida na Lei 4.504/64, a qual só estaria sendo integralmente desempenhada quando o proprietário simultaneamente: a) favorecesse o bem-estar dos proprietários e trabalhadores e suas famílias; b) mantivesse da produtividade da terra num nível satisfatório; c) assegurasse a conservação dos recursos naturais; d) observasse as disposições legais que regulam as relações de trabalho entre os proprietários das terras e os que a cultivam.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a função social da propriedade rural sofreu uma constitucionalização, tornando-se então um direito consubstanciado no poder-dever por causa do bem estar social (BORGES, 2014):

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Como forma de sanção, foi estabelecido que, o proprietário que violar quaisquer dos requisitos constantes no artigo supracitado estará passível de sofrer desapropriação, pois não estará cumprindo a função social de sua propriedade, abrindo caminho para o que então chamam de “Democratização da propriedade rural” que se dá através da Reforma Agrária, também prevista no mesmo ordenamento.

Diante desses fatores, podemos dizer que a questão da Função social da propriedade rural é um pouco mais delicada que a urbana, ainda que neste caso também existam conflitos.  No caso do campo, por conta da questão de Reforma Agrária, muito se questiona sobre quem, realmente, pode cumprir a função social da propriedade. Segundo o professor Antônio Moura Borges, esta pode ser cumprida tanto pelo proprietário quanto pelo possuidor, que neste caso podemos considerar que seja o Arrendatário, Comodatário, Parceiro-Outorgado ou ainda quem nela exerça a posse e porventura o animus domini – a fim de usucapi-la.

No entanto, vendo o quadro atual no qual o Brasil se encontra, ao admitirmos que a função social da propriedade possa ser cumprida por possuidores através de contratos rurais de concessão temporária de uso da terra (entendendo que estes manterão o desempenho econômico e produtivo do imóvel para interesse próprio), nos encontramos diante de um dilema. Isto porque, o imóvel estará fora dos critérios de imóveis passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária e justa distribuição da terra. Mas ao mesmo tempo, encontram-se como um impecílio ao acesso a terra, pois o proprietário poderá continuar com o monopólio da terra com a finalidade única de ceder o seu uso para exploração de outrem, havendo, então, um conflito entre a função social e a Justiça Social, pois neste caso, talvez o cumprimento da função social não implique, necessariamente, em um bem para a coletividade.

O contexto legal que se insere a propriedade não justifica um empreendimento rural que, mesmo possuindo modernos instrumentos tecnológicos ou altos índices de produtividade e lucro, negue direitos trabalhistas ou explore o trabalho escravo, comprometa os recursos hídricos e a biodiversidade, não crie emprego ou ocupação produtiva e não contribua para a soberania alimentar do povo. ¹

É preciso ter em mente que sempre que se fala em função social da propriedade, fala-se de uma convergência entre o direito pessoal e o coletivo, por isso tal princípio configura uma limitação ao direito em tela. Nenhum direito, em tese, deveria ser exercido em detrimento dos outros direitos.

Percebe-se que o Estatuto da Terra, de certa forma, se contradiz, pois ao mesmo tempo em que traz dispositivos que visam assegurar o acesso à Terra, por outro, cria mecanismos que restringem o acesso à mesma. Desta forma, questiona-se se o Brasil realmente tem condições e interesse em efetuar a Reforma Agrária.


4. CONTRATOS TÍPICOS DO DIREITO AGRÁRIO

Apesar do Código Civil de 1916 ter previsto algumas das regras aplicáveis aos Contratos Agrários, no que diz respeito aos prédios rústicos, dispostas nos artigos 1.211 a 1.215, e também ao Contrato de Parceria Agrícola em específico, dispostas nos artigos 1.410 a 1.423, tal código se mostrava essencialmente urbano e não foi capaz de regular de forma ampla as relações advindas no campo, o que somente ocorreu após a entrada em vigor do Estatuto da Terra.

O atual Código Civil em vigor não trouxe para si os dispositivos supracitados, tendo em vista que toda a regulação dos mesmos já estava amplamente abrangida pelo Estatuto da Terra e pelo Decreto 59.566/66. Além do mais, não foi só porque já existia uma legislação específica que tais dispositivos não foram trazidos para o Código de 2002, mas também, conforme já tratamos, porque o Direito Agrário é um ramo autônomo e assim o sendo, não haveria porquê as regras dos Contratos Agrários estarem positivadas sob o âmbito das regras civis.

Vale destacar ainda que conforme o próprio Estatuto da Terra prevê em seu artigo 92,§9, somente nos casos em que a Lei foi omissa, aplicar-se-á o Código Civil. Assim sendo, fica nítida a idéia de que, aqui, o ramo subsidiário é o Direito Civil, o que amplia mais uma vez a Autonomia do Direito Agrário.

Os Contratos Agrários típicos são apenas dois: O Arrendamento e a Parceria. No entanto, a depender do seu objeto e de sua finalidade, tais contratos sofrem um desdobramento. Assim sendo, temos o contrato de Arrendamento Agrícola e o contrato de Arrendamento Pecuário, bem como o Contrato de Parceria Agrícola e o Contrato de Parceria Pecuária, Agroindustrial e extrativa, podendo estes serem escritos, verbais ou ainda tácitos.

Apesar de tais contatos terem sido previstos no Estatuto da Terra, foi no Decreto 59.566/66 que eles encontraram a sua regulamentação.

Por fim, além dos contratos acima elencados, muitos outros são utilizados no meio agrário, mas somente estes são considerados Contratos Típicos. Assim sendo, todos os demais contratos usados no meio rural serão então regulados pelo nosso atual Código Civil.

4.1.  ASPECTOS GERAIS DOS CONTRATOS AGRÁRIOS

O artigo 92 do Estatuto da Terra regula de forma geral os Contratos de Arrendamento e Parceria. Nele podemos ver disposições que protegem o arrendatário e o parceiro outorgado no que diz respeito à manutenção do equilíbrio contratual de forma geral. Dentre estes dispositivos, verifica-se que, se por acaso, na vigência do Contrato de Arrendamento ou do Contrato de Parceria, o proprietário deseje aliená-lo, deverá notificar o arrendatário ou parceiro outorgado para que este possa exercer seu direito de preferência dentro do prazo estabelecido na Lei.

Caso o arrendatário ou o parceiro outorgado não tenham sido notificados da venda, poderão estes, após o depósito do preço e obedecidos os demais requisitos previstos no artigo supracitado, adjudicar o imóvel através de Ação própria.

Contudo, caso ocorra a alienação ou ainda a imposição de ônus real sobre o imóvel, nenhum desses fatores interromperá a vigência dos contratos de Arrendamento ou Parceria conforme preceitua a Lei, sendo certo que, nesta hipótese, o adquirente sub-rogar-se-á nos direitos e obrigações do alienante, podendo-se falar até em caso de cessão de posição contratual.

Ainda sob o preceito da manutenção do equilíbrio contratual, verifica-se neste artigo a vedação de cláusulas consideradas abusivas, sendo estas consideradas nulas ou ineficazes (BORGES, 2014).

4.1.2. CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS AGRÁRIOS

A priori, podemos dizer que os contratos agrários são típicos, ou seja, são previstos e regulados em Lei, podendo ainda ser considerados como nominados.

Apesar de possuírem características próprias que os diferenciam entre si, os Contratos Agrários possuem classificação semelhante.

No que diz respeito à natureza da obrigação estipulada, tais contratos são bilaterais uma vez em que há uma reciprocidade simultânea das prestações, sendo as partes credoras e devedoras umas das outras, ocorrendo, então, uma relação sinalagmática.

São também contratos onerosos e comutativos. São onerosos, segundo a doutrinadora Maria Helena Diniz, pois trazem vantagens para ambas as partes, bem como estas sofrem um sacrifício patrimonial correspondente àquele proveito ora almejado e comutativos, pois cada contraente recebe de sua contraparte uma prestação relativamente equivalente à sua, podendo verificar, de imediato, tal equivalência.

Com relação à pessoa do contratante, tais contratos são tidos como intuitu personae. Ocorre que a pessoa do contratante, principalmente no que diz respeito ao Contrato de Parceria, é um dos elementos determinantes da relação contratual:

A pessoa do contratante, nesses contratos, tem influência decisiva no consentimento do outro, que tem interesse em que as obrigações contratuais sejam por ele cumpridas, por sua habilidade particular, competência, idoneidade, etc.²

Segundo a mesma doutrinadora, os contratos pessoais ou intuitu personae possuem ainda como consequência serem intransmissíveis e não poderem ser cedidos. Esta última consequência está disposta, inclusive, no artigo 95, VI da Lei 4.504/64 que diz “sem expresso consentimento do proprietário é vedado subarrendamento”. No entanto, como menciona o professor Antônio Moura Borges:

Geralmente esta proibição deve constar de cláusula contratual, porque em caso de omissão a jurisprudência tem entendido que o arrendatário pode subarrendar, porque neste aspecto estaria na liberdade de dispor de seus bens e direitos. (BORGES, 2014)

Quanto à forma, os Contratos Agrários, são consensuais ou ainda, não solenes. Isto porque eles se formam mediante a mera convergência da vontade das partes, sem ser necessário, para o seu aperfeiçoamento, qualquer outro ato. No entanto, é sempre aconselhável, para que tenha efeitos contra terceiros, que os Contratos de Arrendamento e Parceria sejam sempre, quando possível, averbados na matrícula do imóvel.

A necessidade de registro desses contratos no Cartório de Registro de Imóveis é mais prática do que legal. A Lei não faz essa exigência. No entanto, sabemos que os agricultores, em geral, precisam financiar a safra, seja por meio privado ou público e para tanto, constituem direito real sobre a safra armazenada, pendente ou em vias de formação.

Sabemos também que em alguns contratos há a estipulação do pagamento da renda em sacas do produto cultivado na área arrendada ou ainda, como é o caso da Parceria Agrícola, há a estipulação da quota parte de cada Parceiro.

Assim sendo, em alguns casos, pode haver um conflito de preferência sobre o grão entre o credor da CPR e o Arrendador e/ou Parceiro-Outorgado. Alguns magistrados entendem que, a Garantia Cedular da CPR, uma vez que esta estiver devidamente registrada, configura direito real e possui preferência sobre o Contrato, como podemos ver no julgado abaixo:

Assim, há de se entender que o penhor agrícola, devidamente registrado no Cartório Imobiliário, tem preferência sobre o contrato de arrendamento, com promessa de pagamento através da mesma safra, ainda que registrado em Cartório de Títulos e Documentos, mesmo porque tal preferência foi estipulada pelo próprio arrendatário. (Apelação Cível 1.0035.03.023677-8/001, Relator(a): Des.(a) Guilherme Luciano Baeta Nunes , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/06/2006, publicação da súmula em 01/08/2006)

Seguindo o mesmo entendimento de que o registro confere preferência sobre a safra, podemos verificar o Acórdão do TJGO. No entanto, no caso em tela, vemos o contrário do que ocorreu no julgado anterior, pois aqui o Contrato de Arrendamento é que havia sido registrado em data anterior, adquirindo então o direito de preferência sobre a Cédula de Produto Rural:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO. PREFERÊNCIA. PRIMEIRO REGISTRO. CONTRATO. BOA-FÉ. 1 - Considerando que a cédula do produtor rural foi registrada em data posterior ao registro do contrato de arrendamento rural, deve-se reconhecer a boa-fé do arrendador e assegurar-lhe o direito aos frutos da renda de sua propriedade rural. Recurso conhecido e provido.(TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 177636-44.2011.8.09.0000, Rel. DES. ROGERIO AREDIO FERREIRA, 3A CAMARA CIVEL, julgado em 20/09/2011, DJe 960 de 14/12/2011)

Ainda que o Contrato de Arrendamento e/ou Parceira não gere efeitos reais, o seu registro no Cartório de Registros de Imóveis é revestido dos efeitos inerentes ao ato, sendo o mais importante efeito, a Oponibilidade Erga Omnes:

A oponibilidade é o primeiro e mais fundamental dos efeitos que resultam da inscrição de um título no Registro de imóveis e demais registros públicos. Por meio da oponibilidade, impõe-se ao terceiro a realidade do direito registrável, cujo conteúdo lhe é imposto, independentemente do conhecimento efetivo do registro. Como em geral, têm acesso ao sistema de registro de imóveis os direitos reais imobiliários, cujos efeitos são erga omnes, isto é, vinculam toda comunidade, a consequência óbvia é que niguém pode se considerar alheio à obrigação de observar os direitos de usar, gozar e dispor do titular do direito real registrado. O mesmo se aplica a outros direitos ou situações jurídicas que, sem terem natureza real, também podem ser oponíveis às demais pessoas da comunidade, uma vez tenham tido acesso ao fólio real.  (LOUREIRO, Luiz Guilherme. 2014, p. 304) [grifos nossos]

Por tal motivo, a fim de revestir o Contrato de presunção iuris et de iuris e evitar conflitos e inseguranças jurídicas, recomenda-se que tais contratos, bem como os seus respectivos aditivos,  sejam submetidos à inscrição no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de onde se localiza o imóvel objeto da concessão de uso.

4.2.  DO ARRENDAMENTO

O Arrendamento Rural, conforme preceitua o art. 3 do Decreto 59.566/66, caracteriza-se por ser um Contrato Agrário no qual o proprietário do imóvel rural, denominado arrendante, cede ao arrendatário o uso e gozo do imóvel - que pode ser cedido no todo ou em partes, junto ou não com as suas benfeitorias, bens e demais facilidades - por um período de tempo determinado ou não. A finalidade primordial do uso da terra, pelo arrendatário, é para que este nela possa exercer atividades de exploração agropecuária, agroindustrial extrativa ou mista, mediante contraprestação de aluguel ou renda, dentro dos limites e condições Legais.

Há de se observar que o pagamento da renda do arrendamento deve ser estipulado, necessariamente, em reais. Isto porque, segundo o decreto 59.566/66, caso seja combinado de forma diversa da prevista, o contrato estará descaracterizado. Podendo, a depender do caso concreto, ser considerado como Parceria.

No que diz respeito ao objeto da exploração, podemos ter os seguintes contratos: a) Arrendamento agrícola, que se destina à exploração da lavoura de plantações como café, soja, milho, cana-de-açúcar etc; b) Arrendamento Pecuário, que se destina à criação de gado, suínos, aves, etc., onde criam-se, recriam-se, engordam, invernam ou extraem matéria prima destes; c) Arrendamento Agroindustrial, que se destina ao beneficiamento dos produtos oriundos da exploração agrícola, pecuária ou vegetais no próprio local de sua produção uma vez em que as instalações industriais necessárias para tanto são do Arrendador; d) Arrendamento Extrativo, onde visa-se a exploração de florestas, desde que, claro, o projeto seja aprovado pelo IBAMA e sempre vise respeitar o meio ambiente e os recursos naturais, conforme preceitua o Estatuto da Terra e a Carta Maior.

O Decreto 59.566/66 previu ainda a possibilidade de subarrendamento, onde o arrendatário transfere a outrem, no todo ou em parte, os direitos e obrigações do seu contrato de arrendamento originário, desde que, haja o consentimento do Arrendador sob pena de rescisão do contrato.

Há de se observar que, a importância do consentimento, além de seguir uma disposição legal, consiste em uma segurança jurídica ao próprio subarrendatário. Isto porque, o Arrendador, não estando ciente e não tendo anuído com o contrato, pode despejar o mesmo, como se pode observar no seguinte julgado:

ARRENDAMENTO RURAL. SUBARRENDAMENTO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. RESCISÃO DO CONTRATO. Em contrato de arrendamento rural, comprovado o subarrendamento pelo arrendatário sem a autorização expressa do arrendador, a rescisão do pacto com o conseqüente despejo são medidas que se impõem.   (Apelação Cível  1.0133.05.026511-4/001, Relator(a): Des.(a) Duarte de Paula , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/11/2006, publicação da súmula em 18/11/2006)

Ou ainda, no caso de rescisão do contrato principal, não se obriga o Arrendador a notificar o subarrendatário, uma vez em que não se tratava de contrato válido e eficaz, representando, mais uma vez, uma nítida insegurança jurídica para o mesmo:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA. RESCISÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE IMÓVEL RURAL. ORDEM DE DESOCUPAÇÃO. NOTIFICAÇÃO DE SUBARRENDATÁRIO. DESNECESSIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.

- Inexistindo subarrendamento válido, pois sem anuência do arrendador/proprietário do imóvel, não é necessária a notificação do subarrendatário para fins de cumprimento da ordem judicial de desocupação do imóvel.   (Agravo de Instrumento Cv  1.0702.12.015556-0/003, Relator(a): Des.(a) José Flávio de Almeida , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/11/2012, publicação da súmula em 19/11/2012)

Há de se observar que, ainda que se entenda que houve uma má-fé do Arrendatário Outorgante, até que se prove o mesmo ou se indenize o Arrendatário-Outorgado ou subarrendatário, a lesão já ocorreu. E pior seria o cenário onde o despejo e/ou desocupação fossem decretados em fase de formação da lavoura, pois, se o subarrendatário não possui contrato válido, poderia este se valer dos dispositivos que autorizam a espera da colheita da safra?

Entendemos que não. E neste caso, caberia a ele, uma vez experimentado o infortúnio, entrar com Ação de Indenização contra o Arrendatário Outorgante, caso fosse comprovada a má-fé do mesmo. Ou na pior das hipóteses, uma vez impedido de colher o fruto da lavoura, entre com uma Ação de Enriquecimento Sem Causa contra o proprietário da terra.

Vale por fim destacar que também nos casos de subarrendamento recomenda-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis, para que este tenha todos os efeitos já discutidos. Lembrando, no entanto, que o registro “não sana eventuais defeitos do título, nem em relação ao terceiro de boa-fé” (LOUREIRO.2014,p.302).

4.3. DA PARCERIA RURAL

O Contrato de Parceria caracteriza-se por configurar um tipo de sociedade na qual o parceiro-outorgante em geral fornece a terra e algumas benfeitorias e/ou maquinários e o parceiro-outorgado, por sua vez, colabora com a mão de obra e gerenciamento do cultivo da lavoura. Ao final, os frutos percebidos naquele empreendimento são divididos nos percentuais estabelecidos contratualmente pelas partes, sempre obedecendo às frações mínimas estabelecidas em Lei.

O artigo 96 do Estatuto da Terra tratou de conceituar tal contrato:

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios:

[...]

§ 1o  Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos:        I - caso fortuito e de força maior do empreendimento rural;        II - dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI do caput deste artigo;        III - variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural. (grifos nossos)

Além da classificação já dada aos Contratos Rurais, o Contrato de Parceria apresenta ainda, com relação à natureza contratual, a aleatoriedade devido ao risco futuro e incerto que permeia tais contratos. Conforme Maria Helena Diniz, nos Contratos de Parceria há uma Partilha de riscos, isto porque:

[...]nas variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural e no caso fortuito e na força maior, pois, havendo perda parcial, repartir-se-ão os prejuízos havidos, na porção estabelecida para cada contratante. Ambos os contraentes sofrerão o risco do empreendimento, pois os frutos, produtos e lucros são repartidos de acordo com a participação, estabelecida a porcentagem em lei[...]. (DINIZ, 2014)

Assim como nos contratos de Arrendamento, caso o prazo da Parceria não tenha sido convencionada pelas partes, há a presunção legal de que o mesmo terá vigência de, no mínimo, 3 anos assegurando ainda ao parceiro outorgado a conclusão da colheita pendente ou em vias de formação.

Há de se observar que o legislador deixou expresso que as regras pertinentes ao contrato de Arrendamento serão aplicadas, subsidiariamente, ao Contrato de Parceria no que não colidir com a natureza e essência deste último.

Caso o contrato de Parceria não obedeça o estabelecido no artigo 96 do Estatuto, poderá este restar desconfigurado, pois aqueles são os princípios que o norteiam. No entanto, o próprio dispositivo legal faz algumas ressalvas quando afirma que não ocorrerá a desconfiguração da Parceria no caso das partes estabelecerem a prefixação, em quantidade ou volume, do montante da participação do proprietário, desde que, ao final ajuste-se o percentual de acordo com a produção.

O Contrato de Parceria, por muitas vezes, é confundido com o Contrato de Sociedade Simples, ou ainda, o contrato de trabalho. No entanto, sabemos que este não se assemelha a estes contratos.

Ainda assim, há uma forte tendência, no campo, de se simular tal contrato. Por tal motivo, o Estatuto da Terra, previu em seu art. 96, parágrafo único a hipótese da falsa parceria:

Art. 96[...]

Parágrafo único. Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte percentual na lavoura cultivada, ou gado tratado, são considerados simples locação de serviço, regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do salário-mínimo no cômputo das duas parcelas.

Evita-se assim, a exploração do homem pelo homem, pois se o parceiro exerce função como se empregado do Parceiro-Outorgado fosse, a Lei deve protegê-lo, uma vez em que trata-se da parte hipossuficiente da relação.

Por tal motivo, recomenda-se sempre que firme-se este contrato por escrito, para que ambas as partes tenham segurança jurídica do que foi previamente avençado. Além, claro, do contrato servir como meio de prova em caso de futuro litígio.

4.4. DIFERENÇAS ESSENCIAIS ENTRE OS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO E A PARCERIA

De forma geral, é possível distinguir o Contrato de Arrendamento do Contrato de Parceria Agrícola pela natureza jurídica do negócio subjacente e a forma de produzir rendimentos.

É preciso ter em mente que, de forma semelhante à locação de imóvel urbano, no arrendamento o Arrendador cede o uso temporário do imóvel rural ao arrendatário por um preço determinado que deverá ser pago independentemente do sucesso da lavoura ali produzida. Isto porque, o Arrendador não participa dos lucros e prejuízos do empreendimento, diferentemente do Parceiro-Outorgante que, frustrada a safra, não receberá a sua quota-parte.

Na parceria existe uma espécie de sociedade de resultado, no entanto, juridicamente não chega a se identificar com um contrato de sociedade, até porque, as partes contratantes parceiro outorgante e parceiro outorgado, correm o risco do resultado da colheita, isto é, se houver perda dos frutos a serem colhidos ou se houver uma queda na produção estimada, ambos os contratantes suportam este ônus, não tendo qualquer deles direito de exigir qualquer tipo de recompensa. (BORGES, 2014, p.312/313)

De forma resumida, podemos dizer que: 

a) com relação ao pagamento, no arrendamento temos o preço fixo, enquanto que na Parceria há a fixação de uma porcentagem sobre os frutos da produção;

b) com relação aos riscos somente na Parceria há uma partilha dos resultados – riscos e lucros, enquanto que no Arrendamento o risco é suportado tão somente pelo Arrendatário.

Estas são as diferenças essenciais entre esses dois tipos de contratos. No entanto, o professor Antônio Moura Borges faz uma ressalva importante ao tema:

Esclarecido tais diferenças, referidos contratos agrícolas, é oportuno lembrar que as diretrizes traçadas pela lei para o contrato de arrendamento, de certa forma se aplicam na parceria, desde que não contrastam com os dois pontos diferenciais ut retro e que são: a) risco do negócio e, b) preço do contrato. (BORGES, 2014, p.313)

Por fim, em se tratando de Parceria, apenas nos casos em que não houver culpa das partes contratantes que não caberá à outra parte a sua fração avençada. Isto porque, é preciso se atentar para a boa-fé e equilíbrio contratual. Não seria justo, ao parceiro que cumpriu com todas as suas obrigações contratualmente avençadas, por culpa do outro Parceiro que por ventura descumpriu com a sua parte (não plantando em época própria, plantando safra imprópria para a época, etc), não receba a sua quota-parte.


5. DO CONTRATO DE COMODATO

No meio rural, além dos Contratos Típicos acima estudados, temos uma grande incidência do uso de Contratos de Comodato. Tais contratos, geralmente firmados entre pais e filhos, são contratos unilaterais a título gratuito onde há a concessão temporária do uso da terra.

Por não se tratar de um contrato típico, ou seja, por não estar previsto no Estatuto da Terra tampouco regulamentado no Decreto 59.566/66, o Contrato de Comodato, ainda que utilizado no campo, e está previsto no artigo 579 do Código Civil.Geralmente, alguns contratos possuem alguns encargos como taxas que recaiam sobre o imóvel, sem que isso desconfigure o comodato.

De forma geral, além dos traços característicos do Comodato já conhecidos como a Unilateralidade e Gratuidade, podemos citar ainda que o mesmo é apresenta característica real, uma vez em que o art. 579 do Código Civil dispõe que o contrato perfaz-se pela tradição da coisa que concede ao Comodatário a posse direta da mesma, ainda que precária. Por fim, podemos citar que, assim como os contratos típicos supracitados, o Comodato apresenta-se como intuitu personae e temporário.

Como já citamos, por não se tratar de um Contrato tipicamente agrário, não cabe aqui a aplicação das disposições do Estatuto da Terra tampouco as regras do arrendamento de forma subsidiária como pode ver no julgado abaixo:

EMENTA: AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRELIMINAR. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. REJEIÇÃO. IMÓVEL RURAL. CONTRATO DE COMODATO. DIREITO DE PREFERÊNCIA. ESTATUTO DA TERRA. NÃO APLICAÇÃO. PROMESSA DE DOAÇÃO. FRUSTRAÇÃO. INVESTIMENTOS NO IMÓVEL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. AFASTAMENTO. 1. Ainda que as razões do recurso repitam alguns argumentos colocados na inicial, não há óbice a que a apelação seja conhecida, quando for possível vislumbrar os motivos do inconformismo do autor no tocante à condenação. 2. Restando comprovado que o autor possuía o imóvel rural apenas a título de comodato, resta afastado o direito de preferência por ele alegado, eis que a regra do artigo 92, § 3°, do Estatuto da Terra, somente se aplica às hipóteses de arrendamento rural. 3. Havendo o comodante descumprido o compromisso de doação formulado em favor do filho do autor, vendendo o imóvel rural para terceiro, sem sequer cientificar o comodatário, deve arcar com os prejuízos suportados por este, decorrentes dos investimentos realizados no imóvel, sobretudo quando as benfeitorias realizadas influíram no valor de venda do terreno. 4. Não há que se falar na responsabilidade solidária do adquirente de boa-fé que desconhecia a relação havida entre o requerido e o autor, referente aos investimentos realizados por este no imóvel rural cedido em comodato.   (Apelação Cível  1.0144.07.021822-3/001, Relator(a): Des.(a) Otávio Portes , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/09/2012, publicação da súmula em 14/09/2012)

Assim sendo, cabe ao Comodato a aplicação do Código Civil, ainda que estejamos diante de uma situação fática rural.


6. CONCLUSÃO

O reconhecimento Constitucional da Autonomia do Direito Agrário foi um grande passo para a evolução do estudo das questões jurídicas que envolviam o campo, assim como a entrada em vigor do Estatuto da Terra e do Decreto n.º 59.566/66. O Estatuto da Terra trouxe diversas inovações consigo, dentre elas destaca-se a previsão de Contratos Típicos como o Arrendamento e a Parceria, o que fez com que estes não mais fossem subordinados ao Código Civil de 1916, tampouco ao atual Código Civil em vigor.

A mudança de paradigma trazida por esta autonomia possibilitou o tão esperado avanço na mitigação dos conflitos no campo, aumentando a importância do Direito Agrário como remo autônomo e campo de estudo específico.

Assim sendo, ao se estudar os Contratos de Arredamento e Parceria dentro da perspectiva rural, percebe-se que o Estatuto da Terra, apesar de avançado para a sua época, encontra-se atualmente defasado no sentido de quem o mesmo percebe como hipossuficiente nessas relações contratuais. Por tal motivo, o estudo dos seus efeitos práticos e das formas de contenção de riscos e manutenção do equilíbrio contratual e segurança jurídica para as partes faz-se necessário e urgente.


Notas

¹ BROCH, Alberto. A Constituição e a Função Social da Propriedade. Carta Maior. Disponível em: http://www. cartamaior.com.br. Acesso em 29 maio.2014.

² DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 3: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2014


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORGES, Antonio Moura. Estatuto da Terra Comentado e Legislação Adesiva. 2ª ed. Campo Grande: Contemplar, 2014.

BARROS, Wellington Pacheco. Estudos Avançados sobre a Cédula de Produto Rural – CPR. 1ª ed. Campo Grande: Contemplar, 2014.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e Prática. 5ª ed. Rio de Janeiro: Método, 2014.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 3: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 3: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2014

<http://www. cartamaior.com.br> Acesso em 29 de maio de 2014.

<http://www.incra.gov.br > Acesso em 26 de março de 2014.

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1960-1969/emendaconstitucional-10-9-novembro-1964-364969-publicacaooriginal-1-pl.html > Acesso em 03 de maio de 2014.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIRÊDO, Ticiane Vitória. Dos contratos de arrendamento e parceria agrícola: aspectos gerais e efeitos práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5608, 8 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41971. Acesso em: 26 abr. 2024.