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Da prova no processo penal:o trabalho policial como pressuposto da eficácia penal no Estado Democrático de Direito

Da prova no processo penal:o trabalho policial como pressuposto da eficácia penal no Estado Democrático de Direito

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O texto trata do instituto da prova no processo penal e a importância do trabalho de uma polícia cidadã como pressuposto para a eficácia da persecução penal no Estado Democrático de Direito.

Introdução

O homem é um ser social e com seu agrupamento em coletividade deu origem à sociedade. No transcorrer dos tempos esse conviver em coletivo formulou regras e contratos necessários à própria sobrevivência da espécie, desde o menor agrupamento humano – a família - até o nosso inter-relacionamento global dos dias atuais. No desenvolvimento histórico da sociedade ocidental a posição do instituto autoridade, em suas diversas manifestações, orientou o ethos das comunidades envolvidas. Trataremos sucintamente sobre esse evoluir até os ordenamentos legais em vigor, para discorrer sobre a importância do trabalho policial – como pressuposto eficacial inerente à responsabilização penal do autor do fato delituoso – inserido em um ambiente social sob a égide do Estado Democrático de Direito. A análise pontual discorrerá sobre a necessidade condicional de se empoderar o agente policial de conhecimentos necessários ao desempenho da função referente à coleta e produção de material probatório voltado à persecução penal.

1. Breves considerações sobre os fundamentos político-jurídicos da sociedade ocidental

A sociedade, “reunião ou estado dos homens que vivem sob leis comuns; grupo ou agregado social submetido às mesmas leis e cujas instituições fundamentais são determinadas por padrões comuns” (Bueno, 1985, p. 1066) se perfaz em um conjunto de pessoas reunidas em determinado território geográfico que compartilha de costumes, idioma, instituições e ordenamentos legais em comum, cujo regramento coletivo está, em última análise, sob a égide estatal objetivando a promoção do bem comum e da paz social.

Nesse sentido, Jaguaribe (1978, p. 13) refere que a sociedade, no pensamento clássico, era um fato natural, decorrente da natural sociabilidade do homem. A ordem social vinha da necessidade de se assegurar a justiça nas relações dos homens entre si, por meio das leis e da supervisão, pelas autoridades públicas, à obediência às leis. A polis era, para os gregos, a unidade social natural e o fundamento de seus valores, evoluindo da família para a aldeia. O cosmopolitismo ético e metafísico da era helenístico-romana redimensionou esse conceito: “todos os homens têm dupla cidadania: a local e a universal”. Há uma ordem universal, tanto para a natureza quanto para o homem. A razão está na compreensão dessa ordem e no ajustamento da conduta humana a ela. Aqui surge o direito natural, que “decorre universalmente da natureza das coisas e que dará origem, no império romano, ao jus gentium. A justiça é o princípio universal que corresponde, para as relações humanas, o mesmo que a harmonia cósmica corresponde para a natureza”. Em seguida, o cristianismo vincula a ideia de justiça e de autoridade a Deus e ao seu reino. Surge o Estado moderno, onde Maquiavel reafirma que a sociedade continua sendo um fato natural decorrente da sociabilidade humana, porém o poder se origina do príncipe.

Com Hobbes, os homens passam de um estado de natureza, onde todos lutam contra todos, para um compromisso comum onde se preservam os interesses fundamentais de cada um – a vida, a propriedade e a liberdade individual – e em troca, o homem renuncia à violência individual outorgando-a ao soberano, que a detém, com legitimidade, exclusivamente. Em Hobbes (2012, p. 75) “o maior de todos os poderes humanos é o poder integrado de vários homens unidos com o consentimento de uma pessoa natural ou civil: é o poder do Estado ou aquele de um representativo número de pessoas, cujas ações estão sujeitas à vontade de determinadas pessoas em particular.” É a explicação da ordem jurídico-política.

2. A autoridade e ordenamento legal na sociedade brasileira

A autoridade surge como necessária na auto-regulamentação familística, onde do chefe da família se segue ao conselho de anciões na tribo e, após, avança-se à autoridade territorial. Como fenômeno social, ela tem sua origem e fundamento funcional que decorrem da necessidade de coordenação da ação coletiva, por meio de comandos que assegurem o atendimento aos interesses comuns daquela mesma coletividade (JAGUARIBE, 1978).

A família é a mais antiga das sociedades, a primeira delas, a única natural, pois sua lei principal consiste em proteger a própria conservação. Esse pensamento de Rousseau (2006, p.11) refere que “o chefe é a imagem do pai, o povo é a imagem dos filhos e todos, tendo nascidos iguais e livres, não alienam a liberdade a não ser para sua utilidade.” A grande diferença é que, na família, o amor do pai pelos filhos o compensa dos cuidados que lhe dão, ao passo que no Estado o prazer de comandar substitui o amor que o chefe não tem pelo povo.

O problema fundamental erigido por Rousseau (2006, p. 22), cuja resposta ele traz em seu Contrato Social, é como “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça senão a si mesmo e permaneça tão livre como anteriormente.” A solução que o filósofo traz é a “alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade porque, em primeiro lugar, quando cada um entrega-se totalmente, a condição é igual para todos e, sendo a condição igual para todos, ninguém tem interesse em torná-la onerosa para os outros.”

Entretanto, Jaguaribe (1978) infere que a institucionalização da autoridade vai gerar um privilegiamento de seu titular (agora entendido como o Estado), necessitando então de mecanismos instrumentais que regulem essas atividades perante o tecido social. Assim, o ordenamento maior de dada sociedade – que se convenciona chamar por Norma Constitucional – norteará tais atividades.

Nesse viés, Leal (2006, p. 19) afirma ser patente que, desde o berço de nossa civilização, “tanto o poder político como as leis que regem as relações sociais são forjados pelo espírito humano – medida de todas as coisas – que se corporifica, com o passar dos tempos, na figura do cidadão (ser que vive nos limites territoriais da cidade/Estado e, dentro dele, tem direitos e obrigações).” Esses direitos e, principalmente, essas obrigações são objeto de reconhecimento e aplicação perante a autoridade (em suas mais diversificadas facetas, por meio daqueles tidos como representantes legais da autoridade constituída o que, em última síntese, é o povo politicamente organizado, posto que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido) em, praticamente toda a vida cotidiana do homem enquanto ser social.

Assim, o desenvolver histórico-cultural da sociedade em seus diversos momentos e ambientes é pressuposto para o entendimento do instituto social denominado autoridade, a fim de se compreender a função policial como elemento ativo responsável pela solução de conflitos humanos em meio à malha social.

Os conflitos humanos referidos são aqueles tidos por imediatos, onde se faz necessária a pronta intervenção do agente público conveniente para o reajustamento daquela lide produzida, isto é, o servidor policial. Dessa forma o ordenamento jurídico, como infere Leal (2006, p. 19), “enquanto somatório de tradições, usos, costumes, arbítrio deste ou daquele tirano, exprimirá uma certa síntese valorativa, condicionamento de todo o Direito, que, por isto mesmo, se apresenta como variável no espaço e no tempo, refletindo sempre o ethos social e político vigente em cada pólis.”

Dentro dessa concepção de regramento normativo inerente à realidade social, Enriquez (1999, p. 184) afirma que a ordem social funda-se sobre a simbolização e a repressão. “Não existe ordem sem palavras proibidas e sem palavras de referência, sem tabus e sem domínios permitidos”. Inserido no conjunto de instituições sociais e ordenamentos como um dos instrumentos voltados à estabilização da ordem social, está um complexo denominado “sistema penal”.

Para Zaffaroni e Pierangeli (2007, p. 65), “sistema penal é o controle social punitivo institucionalizado” que engloba desde a detecção da suspeita de um delito até a imposição e aplicação de uma pena, isso tudo tendo início em uma lei que normatiza um procedimento, na atuação dos funcionários e os casos e condições para essa atuação. Abarca desde a atividade do legislador, do público, do policial, do juiz, do Ministério Público, do defensor, dos diversos servidores administrativos até, finalmente, a execução penal.

Todo esse “caminho” possui normas procedimentais que necessitam ser observadas, o que se conhece como o devido processo legal. No fluir histórico-constitucional do país, o devido processo legal foi expressamente positivado no inciso LIV do art. 5º da atual Carta de 1988. Conforme o pensamento de Mendes (2014), no Estado Democrático de Direito, entre o indivíduo e a coação estatal sobre seus bens e sua liberdade, sempre tem de haver um procedimento, conduzido por um juiz. A justificação para esse devido processo traz um valor intrínseco ao fato de que o indivíduo passível de coação não seja simplesmente manipulado, mas que possa participar de um diálogo (processo) em que se trata de convencê-lo sobre a legitimidade do ato de coação.

Dentro desse contexto é possível afirmar a necessidade de o policial deter a ciência de sua atividade, como infere Doeblin (1965, p. 58), citando Confúcio, “em todas as coisas o êxito depende da preparação prévia e sem essa preparação prévia o malogro é certo. […] Se previamente foram determinados os princípios de conduta, sua prática será inesgotável”. Assim, a atividade policial pautada no profissionalismo se faz imprescindível para a eficaz responsabilização penal do autor do fato delituoso, mediante a aplicação do devido processo legal perante o Estado Democrático de Direito.

3. A atividade policial.

A polícia inspira nos cidadãos das democracias modernas sentimentos ambíguos, sintetizados, conforme o pensamento de Monet (2002, p. 15), em três oposições: “Visível, porém, desconhecida; familiar e, todavia, estranha; protetora e, apesar de tudo, inquietante”. A polícia como instituição ocupa uma posição central no funcionamento político da coletividade, nela o cidadão encontra amparo para solicitar, desde um simples pedido de informações até um auxílio mais complexo ou um socorro mediante risco de morte. Portanto, se uma das funções da polícia é coibir ilícitos em meio ao cotidiano social, nada mais coerente e lógico que ela se faça “presente” no logradouro público.

Entretanto, definir o que a polícia faz não é uma tarefa simples. De acordo com Bayley (2006, p. 118) há três maneiras de se descrever a atividade policial. O trabalho policial pode se referir ao que a polícia é designada a fazer; às situações com as quais ela se depara e tem de lidar; e às ações que ela precisa tomar ao lidar com aquelas situações: “A atribuição designada para a maior parte dos policiais em todo o mundo é o patrulhamento. Contudo, patrulhamento é uma atividade multifacetada. Oficiais de patrulha são pau-pra-toda-obra”. De acordo com a designação inicial do trabalho policial esta será a especialidade dos profissionais. A polícia de trânsito, a investigativa criminal, a de controle de tumultos, a de fiscalização tributária, a de guarda ao patrimônio público municipal, a de policiamento geral, entre outras. Entretanto, em situações de inopino ou emergenciais, independente da função designativa inicial, entende-se que é dever policial agir sobre o fato ocorrido.

De outra face, o policial não pode ser compreendido como apenas um agente fiscalizador das normas que regulam atividades em determinada seara social. Em sua ação, tem de ser possível atribuir ao seu agir um pensar prévio, crítico e analítico de forma tal que não se vislumbre nele apenas um repetidor automático de condutas pré-formatadas, inclusive porque, no mundo da vida, dificilmente uma situação será igual à outra.

Com um olhar mais abrangente e analítico voltado ao campo penal, Del Vecchio (1964) aduz que a criminalidade não é somente um fato individual, mas também uma questão social, pois em suas formas permanentes traduz um desequilíbrio estrutural da sociedade de onde se origina. É uma vã ilusão crer que a luta contra a criminalidade deve ser dirigida e pode ser vencida exclusivamente com sanções jurídicas contra o delinquente. Há de se buscar as raízes do mal, que frequentemente estão na ignorância e na miséria. O caminho dessa luta passa pela educação. De acordo com o autor:

Se necesita, además, escudriñar las raíces del mal, que a menudo se sumerge en la ignorancia y la miseria, cuidar cuanto más se pueda la instrucción y especialmente la educación moral del pueblo, con especial consideración a los más necesitados; corregir y tratar de eliminar con oportunas y valientes reformas, inspiradas siempre en principíos de caridad y justicia, los vicios, los abusos, las iniquidades y las opresiones que corrompen el organismo social, sea cualquiera la forma y el lugar donde se manifiesten. Es así cómo cada uno ve un trabajo inmenso, que requiere la colaboración de toda la fuerza y virtud humana, un trabajo que no podrá quizás ser jamás absuelto, pero que debe señalar la meta a la cual deben tender nuestros esfuerzos (p.8).

A partir do exposto entendemos que a educação e preparo profissional devem abarcar, necessariamente e de forma não menos importante, também o policial, o qual precisa ser observado, à luz do olhar crítico social, como exemplo de atitude ético legal no desempenhar de suas atribuições profissionais e mais, afirma-se que essa mesma atuação tem de ser espraiada a todas as suas condutas exteriores, em meio ao tecido social.

4. Da prova no processo penal

Para C. A. Alexandre (1848, p. 5), tradutor francês do Tratado da Prova em Matéria Criminal, de C. J. A. Mittermaier, “é o fim da lei penal a repressão do delito; antes, porém, de punir um crime, deve-se verificar a sua existência; daí a necessidade da prova”. Conforme Rangel (2007), prova é o meio instrumental de que se valem os sujeitos processuais (autor, juiz e réu) para comprovar os fatos da causa, isto é, aqueles deduzidos pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de ação e defesa, de acordo com o que determina o devido processo legal.

Preleciona Mittermaier (1996) que as leis, por mais sábias que sejam, seriam verdadeiramente infrutuosas se os infratores, desprezando-as, não fossem irremissivelmente sujeitos aos castigos que elas determinam. Em qualquer sentença sobre a culpabilidade de um réu há uma parte essencial: a que decide se o crime foi cometido; se o foi pelo acusado; e que circunstâncias efetivamente determinam a penalidade. Essa sentença sobre a verdade dos fatos da acusação teve por base a prova e fornecer essa prova dos fatos é dever do acusador. Assim, é sobre a prova que versam as prescrições legais mais importantes em matéria de processo criminal. Prossegue Mittermaier (1996, p. 13), que as garantias dadas ao acusado nascem da lei e esta diz ao juiz: “condenarás sobre tal e tal prova. A lei fecha a porta ao arbítrio; adstringe o magistrado a não aquilatar a verdade dos fatos, senão pelos meios que ela prescreve, e ao mesmo tempo, lhe impondo a exposição de motivos de sua decisão”.

No ordenamento penal brasileiro o instituto da prova está positivado pelos artigos 155, 156 e 157 do Código de Processo Penal. Entre os sentidos dados por Nucci (2008, p. 338) ao termo prova, estão o de significado meio, como instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo; o que significa resultado da ação de provar: produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato. Neste último senso, pode dizer o juiz, ao chegar à sentença: “fez-se prova de que o réu é autor do crime”. Esse é o clímax do processo. O artigo 155 CPP diz, entre outras normativas, que é defeso ao juiz fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Nos importa os termos cautelares e não repetíveis trazidos pela Lei, que são, exatamente, aqueles inerentes ao trabalho policial. Ainda com Nucci (2008), provas cautelares são aquelas urgentes que, por cautela, são produzidas de imediato sob pena de se perderem e, ainda, as que não serão repetidas, como vários tipos de exames periciais.

O policial é um dos principais atores presentes no sistema penal referido por Zaffaroni e Pierangeli (2007). Sua ação situa-se, normalmente, no início da presença estatal em decorrência de algum ilícito criminal cometido pelo cidadão. Logo, o preparo profissional do agente está intrinsicamente ligado ao resultado final do processo de responsabilização do cidadão – processo penal - perante a Justiça Pública. Um dos institutos inerentes ao referido sistema se chama prova.

A mortalidade no trânsito brasileiro bem como seus profundos danos causados à sociedade são fatos notórios. Um dos fatores presentes nessa temática e que vem sendo amplamente divulgado, já há mais de década, se refere à conduta delituosa de beber e dirigir. O crime de homicídio no trânsito praticado por motoristas embriagados ou sob efeito de outras substâncias psicoativas é bastante presente nessa realidade. Nesse diapasão, o agir policial no sentido de coleta e produção de provas a fim de subsidiar a deliberação da autoridade judiciária que, ao final do procedimento de persecução penal, decidirá sobre um fato do mundo da vida, se reveste de fundamental importância.

5. Mortalidade no trânsito e responsabilização penal.

Poderíamos afirmar que vivemos uma guerra, denominada aqui como trânsito, que mata sem quaisquer distinções. Se pensarmos que mata o rico, o famoso, a autoridade, o cidadão de classe média, o cidadão pobre e o cidadão (?) miserável. Ela não faz diferenciações. A única premissa necessária é que se esteja na via pública terrestre, na rua, avenida, estrada ou rodovia. Dados da RIPSA-DATASUS (2012) mostram um saldo anual de aproximadamente 40 mil mortes. Boa parte da responsabilidade nessa tragédia (especificamente não se sabe o quanto, pois não se conhecem estudos abrangentes e completos, em nível nacional, nessa área) está a cargo de motoristas que dirigem sob efeito de álcool ou de outras drogas psicoativas.

Em estudo realizado no patamar municipal, que não se pode visualizar como uma realidade nacional mas traz uma noção de atualidade do assunto, num apanhado durante o período de 2010 a 2014 tendo como objeto de análise os acidentes com resultado morte no trânsito de uma cidade mediana do interior do estado – Santa Maria, RS – foi verificado um índice médio onde em 42,87% dos eventos havia a presença de algum dos envolvidos com constatação de alcoolemia ou drogadição. A Polícia Rodoviária Federal (2014) divulgou relatório onde constata que em 4,4% dos acidentes ocorridos no ano de 2014 a causa presumível foi a de “ingestão de álcool”. Se o total de acidentes atendidos pela instituição naquele ano foi de 153.677 eventos, significa que em 6.761 sinistros a causa foi a alcoolemia.

Os custos sociais dos acidentes de trânsito são significativamente pesados. De acordo com o Departamento Nacional de Trânsito para cada morte há vinte feridos. Na esfera econômica o custo médio do acidente com feridos é de R$ 90 mil e com mortes de R$ 421 mil (RIPSA-DATASUS, 2012). Pessoas morrem prematuramente, há custos familiares, comunitários, empregatícios e muitos outros incalculáveis.

No trânsito, a conduta de um motorista obriga a de muitos outros, pois seus efeitos são imediatos. Por exemplo, o condutor quando freia a marcha de seu veículo para fazer a “gentileza” de deixar o outro carro que está saindo do bairro lindeiro entrar na pista, em uma rodovia com trecho urbano, faz com que todos os outros veículos que estão transitando logo atrás do seu freiem e se obriguem a realizar a mesma conduta. Nesse caso, o que o cidadão motorista pensa ser um ato de gentileza, em verdade, é um gesto temerário pois além de configurar uma infração de trânsito – art. 182, V, do Código de Trânsito Brasileiro - pode resultar em acidentes que resultam em ferimentos e até em mortes. Daí a necessidade de obediência às regras.

Ao discorrer sobre um dos significados do ato buzinar no trânsito, DaMatta (2010, p. 73), quanto à buzinada no intuito de xingamento (aquela prolongada em que o motorista “senta a mão na buzina”), diz que “ser chamado atenção na rua (ou em público) por um estranho é uma situação sempre considerada desrespeitosa e, pior que isso, vergonhosa porque todos estão vendo ou porque ocorre na frente de todo mundo.” Entretanto, como temos uma cultura social hierarquizada (e o trânsito é reflexo dela) e baseada na culpa esse ato não se traduz em graves consequências, no máximo atrairá alguns olhares. O que importa mesmo, é o fato de ser flagrado pelo agente de trânsito ou por algum dispositivo eletrônico (lombada eletrônica, radar de velocidade, entre outros) no cometimento da infração, aí mexe no bolso e resulta em multa pecuniária.

Em países onde predomina a cultura da vergonha, esse fato (buzinada) poderia ser considerado gravíssimo, pois nessas sociedades o que importa é o conhecimento pelos outros do que a pessoa fez. Ainda de acordo com DaMatta, “na cultura da culpa, predomina o individualismo e as regras não têm elasticidade, não sendo confundidas com situações ou pessoas. Nelas, o erro conduz à autoacusação e à culpa, mesmo quando os outros não sabem.”

Ruth Benedict (1972, p. 240), em seu estudo sobre a sociedade e cultura japonesas, traz uma passagem elucidativa sobre essa questão, ao discorrer sobre um dos aspectos da educação de crianças no país nipônico: “gradualmente, completos seis ou sete anos de idade, impõe-se-lhes a responsabilidade da circunspeção e do 'sentir vergonha', apoiada pela mais drástica das sanções: a de que a própria família se voltará contra eles se falharem”. Em sequência a esse pensamento, aduz que se dá uma grande importância, já na educação infantil, ao fato da criança ser aceita por seus semelhantes.

Num período posterior pedem-lhe para renunciar mais e mais às satisfações pessoais, sendo a recompensa prometida a de que será apoiada e aceita pelo “mundo”. O castigo consistirá no mundo rir dela. Está claro ser esta uma sanção invocada na educação infantil de muitas culturas, porém, no Japão é ela excepcionalmente grave.

No trânsito, isso faz toda a diferença quanto ao fato de se cumprir a lei porque é a lei e, portanto, deve ser obedecida; não porque existe a possibilidade de alguém (um agente público) ou algum instrumento (um radar ou uma lombada eletrônica) flagrar a desobediência à Norma e aplicar uma sanção ao condutor infrator.

Esse comportamento último pode ser explicado, de uma forma analógica, ao se correlacionar o discurso de Habermas (2012) quando afirma que é certo que o ouvinte (nesse caso os destinatários da norma de trânsito - o motorista e demais usuários da via pública) só entenderá o sentido ilocucionário da intimação quando detém a consciência de que o falante (a norma de trânsito) possui um empoderamento tal que lhe é permitido impor, de alguma forma, sua vontade. Ou seja, junto com a Lei posta se faz necessária a presença da fiscalização (que carrega consigo um potencial de sanção disponível). A eficácia do agir do ouvinte (em obedecer à regra de trânsito) estará diretamente atrelada a uma forma de poder do falante (fiscalização/potencial sancionatório) e não somente a um discurso carregado de razão.

Desde o início da vigência do Código de Trânsito Brasileiro (1997) o capítulo referente aos crimes de trânsito vem sofrendo diversas alterações. Um dos motivos dessas modificações, senão o principal deles, é o aumento na quantidade de acidentes ao longo dos anos o que, como é sabido, traz um enorme prejuízo econômico e social ao país.

Segundo o Ministério da Saúde o número de mortos anualmente por acidentes de transportes terrestres, a partir de 2003, foi:

2003 – 33.139 mortes

2006 – 36.367 mortes

2009 – 37.594 mortes

2004 – 35.105 mortes

2007 – 37.407 mortes

2010 – 42.844 mortes

2005 – 35.004 mortes

2008 – 38.273 mortes

2011 – 43.256 mortes

FONTE: RIPSA-DATASUS, 2012.

A partir dos dados acima, pode-se afirmar que no Brasil a média anual está em torno de 40 mil mortes no trânsito. Segundo o Departamento Nacional de Trânsito, a cada morte somam-se outros vinte acidentados que ficam feridos, muitos com sequelas irreversíveis. Isso exige um imenso esforço do setor de saúde e das famílias envolvidas, resultando num custo social muito grande. Ainda, de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito - DENATRAN, o custo médio de um acidente com feridos é de aproximadamente 90 mil reais e de um acidente com resultado morte esse valor chega a 421 mil reais. Isso gera um gasto de 24,6 bilhões de reais por ano (RIPSA-DATASUS, 2012).

O ato de dirigir sob efeito de álcool ou drogas passou a ser considerado crime a partir do Código de Trânsito Brasileiro que entrou em vigor em 1997. Veio tipificado no seu artigo 306, o qual sofreu algumas alterações e hoje vige com o seguinte texto: Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. Já o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor está previsto no artigo 302 da mesma Lei e prevê uma pena privativa de liberdade de dois a quatro anos de prisão. Com o aumento do clamor social e a atenção da mídia voltada para essa problemática, foram dadas novas interpretações jurídicas ao crime de homicídio no trânsito, no sentido da classificação dos conceitos de Direito penal de “dolo eventual” e “culpa consciente”. Conforme o pensamento de Greco (2014), a Justiça (aqui entendida como todos os seus operadores, desde a fase policial, passando pela opinio delicti do Ministério Público, até o seu efetivo julgamento pelo Poder Judiciário) havia pervertido conceitos básicos do Direito Penal em prol de condenações mais duras contra esses motoristas que constantemente ceifavam vidas inocentes.

Assim, segue-se a analisar sinteticamente dois casos de homicídios cometidos na direção de veículo automotor, envolvendo circunstâncias fáticas semelhantes e submetidos a julgamento pelo tribunal do júri, que desaguaram em resultados significativamente diferentes.

Em um deles, aqui denominado caso 1, houve farto material probatório coletado durante a atividade policial e o resultado, ao final do devido processo legal penal, foi uma contundente condenação imposta ao autor do fato (mais de quinze anos de pena privativa de liberdade). Em outro, caso 2, pode-se verificar uma atuação policial, sob o aspecto de coleta de material probatório inerente ao autor do crime, não tão significativa, onde o resultado do processo submetido ao tribunal do júri foi a desclassificação do fato para homicídio de trânsito e, ao final do procedimento a imposição de uma pena restritiva de direitos.

No caso 1, em agosto de 2013, um motorista embriagado, com o direito de dirigir suspenso, dirigindo em alta velocidade em local de intenso fluxo de veículos, à noite e em pista molhada, perdeu o controle de seu carro, cruzou a pista e colidiu na lateral de uma caminhoneta onde viajavam, em sentido contrário, um casal e seus dois filhos pequenos. O condutor causador do acidente matou o motorista da caminhoneta e o menino passageiro do banco traseiro, deixando feridas as outras duas passageiras (mãe e filha). A Polícia Rodoviária Federal atendeu o acidente. Com apoio da polícia militar houve a prisão do motorista embriagado, que havia fugido do local. Foram colhidas diversas provas materiais no momento da ocorrência criminal, como latas de cerveja, a realização do teste de etilômetro no condutor preso (que acusou resultado positivo para alcoolemia) o levantamento do local do acidente (boletim de acidente de trânsito) para a comprovação das características do evento – condições do tempo, da rodovia, danos dos veículos, dados de medições para auxiliar na constatação do excesso de velocidade, e posteriormente dados de constatação da suspensão do direito de dirigir do autor do crime. No desenrolar do devido processo legal o Ministério Público ofereceu a denúncia (Comarca de Lajeado – 1ª Vara Criminal. Proc. 017/21300045746):

No dia 03 agosto de 2013, por volta das 23 horas, na Rodovia Federal BR 386, KM 345,2, em frente ao Unicshopping, em Lajeado/RS, o denunciado Altair [...], na direção do automóvel VW/Gol, de cor prata, placas [...], com animus necandi, matou Lissandro [...] e Igor [...], esse último com 11 anos de idade, vitimados por, respectivamente, fratura do crânio com avulsão de massa encefálica e hemorragia intracraniana por fratura cominutiva do crânio […] Na ocasião, o denunciado, sob a influência de 0,80 mg/L (16 dc/L) de álcool por litro de sangue, conforme registro do etilômetro da fl. 09/APF, com Carteira Nacional de Habilitação suspensa, em velocidade excessiva, conduzia o veículo VW/Gol no sentido capital-interior, quando perdeu o controle do veículo e invadiu a pista contrária, colidindo com a Camioneta I/MMC Pajero, placas [...], que era conduzida por Lissandro, estando na carona, no banco traseiro esquerdo, Igor, respectivamente pai e filho. Tamanha foi a violência do impacto que ambos faleceram no local. Ainda, no veículo encontravam-se Janaína [...], mulher de Lissandro, e Larissa, outra filha do casal.

Na decisão de pronúncia – “decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri” (Nucci, 2008, p. 61) - o juiz da causa deixou explícitos os fundamentos que o levaram a resolver pela submissão do réu a julgamento perante o tribunal popular, considerando que o caso em questão se enquadrara no previsto em lei (Comarca de Lajeado – 1ª Vara Criminal. Proc. 017/21300045746):

Tratando-se de acusação pela prática de crimes dolosos contra a vida (consumados), cumpre ao Magistrado, no presente momento processual, o encerramento da fase denominada judicium accusationis, com a consequente definição do rumo processual a ser seguido. […] E, no caso em voga, há indícios de que, na forma em que o acusado atuava, na condução de seu veículo, acabou anuindo com o resultado produzido, pois supostamente (1) dirigia em alta velocidade, (2) embriagado e (3) com o direito de dirigir suspenso, (4) isso fazendo em rodovia que se encontrava bastante molhada, dada intensa chuva, pluralidade esta que reforça a possibilidade de reconhecimento do dolo eventual.

Aqui, das quatro assertivas elencadas pelo magistrado apenas na terceira (3) “com o direito de dirigir suspenso” se fez prova por meio do sistema da Administração Pública (DETRAN). A primeira assertiva (1) “dirigia em alta velocidade” e a quarta (4) “rodovia molhada e com chuva” estão consubstanciadas no Boletim de Acidente de Trânsito confeccionado pelo agente policial sendo, portanto, de responsabilidade policial a produção desse material probatório; já a segunda assertiva (2) “embriagado” está materializada por meio do exame de etilômetro realizado pela autoridade policial.

Transcorrido o procedimento processual penal o réu foi submetido a julgamento pelo tribunal do júri, de onde restou condenado à pena privativa de liberdade de mais de 15 anos de prisão (Comarca de Lajeado – 1ª Vara Criminal. Proc. 017/21300045746):

Em conformidade com a decisão do Conselho de Sentença, declaro ALTAIR [...], nos autos já qualificado, condenado como incurso no art. 121, caput (uma vez), no art. 121, §4º, segunda parte (uma vez), ambos na forma do art. 70, primeira parte, do Código Penal, e, ainda, no art. 305, da Lei nº 9.503/97, tudo isso combinado com o art. 69, caput, do CP. Diante da anunciada conclusão, passo à fixação das penas dos crimes contra a vida. [...] resta a pena definitiva final em 15 anos, 9 meses e 23 dias de reclusão e 6 meses de detenção. (Grifos nossos)

A partir do exposto, verifica-se que a atuação policial, no sentido de uma efetiva responsabilização penal do autor do delito, está intimamente ligada à coleta e produção de material probatório que vai subsidiar o exercício do Ministério Público durante o devido processo legal penal. Nesse caso, pode-se afirmar que o trabalho dos diversos atores inseridos no contexto da segurança pública foi efetivado de maneira eficaz, o que possibilitou, respeitadas as regras inerentes ao Estado Democrático de Direito, a responsabilização do cidadão delituoso.

No caso 2, em junho de 2009, por volta das 02 horas de uma madrugada com muita neblina, um motorista embriagado e dirigindo em alta velocidade perdeu o controle de seu veículo, colidiu com o canteiro central de uma avenida municipal, invadiu a pista contrária, bateu no meio-fio da calçada lançando seu automóvel em um barranco em declive. A passageira, uma moça de 18 anos, foi projetada para fora do carro e morreu logo em seguida. A polícia militar foi acionada e compareceu ao local realizando os levantamentos de praxe. Não foi realizado nenhum tipo de exame técnico que comprovasse a materialidade do estado de embriaguez do motorista, nem coletados quaisquer objetos ou substâncias capazes de comprovar tal hipótese. No desenrolar do devido processo legal o Ministério Público ofereceu a denúncia (Comarca de Guaporé – 1ª Vara Judicial. Proc. 053/20900019698):

No dia 07 de junho de 2009, por volta das 02h, na Avenida Sílvio Sanson, proximidades do Hotel Las Carreiras, na cidade de Guaporé/RS, o denunciado GABRIEL [...], na condução do veículo GM/Vectra Millenium, placas [...], assumindo o risco de produzir o resultado (dolo eventual), matou a vítima LUANDA [...], causando-lhe as lesões descritas no auto de necropsia de fl. 59, que refere como causa da morte hemorragia intracraniana consecutiva à fratura de crânio por politraumatismo. Na ocasião, o denunciado, sob o efeito de álcool e trafegando em alta velocidade no sentido centro-autódromo, perdeu o controle do veículo, colidindo contra o cordão do canteiro central, invadindo a pista contrária e batendo no meio-fio da calçada oposta, o que lançou o carro em um barranco em declive existente na lateral da avenida, restando, com o choque posterior, decepada a copa de um coqueiro. Com a perda do controle do veículo, a vítima, que estava de caroneira do denunciado, foi projetada para fora, sofrendo as lesões supramencionadas, que levaram ao óbito. O dolo eventual consistiu em dirigir sob a influência de álcool, em alta velocidade e em condições climáticas adversas (madrugada com muita neblina), assumindo o risco de perder o controle do veículo, bater, capotar e causar a morte da passageira (vítima) que transportava.

A juíza da causa, baseada em provas testemunhais colhidas em juízo, pronunciou o réu: “Destaco que, no caso concreto, considerando o conjunto das provas produzidas, não ficou comprovado de forma estreme de dúvidas que o réu não teria agido com dolo eventual, motivo pelo qual, em razão da dúvida, aplicando-se o princípio do in dubio pro societate, impõe-se a pronúncia.” (Comarca de Guaporé – 1ª Vara Judicial. Proc. 053/20900019698).

Durante o procedimento processual penal o réu foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, onde ocorreu a desclassificação -“decisão interlocutória simples, modificadora da competência do juízo, não adentrando no mérito nem tampouco fazendo cessar o processo” (Nucci, 2008, p.88) – da infração penal, seguindo-se então a sentença dada pelo juiz singular. Por consequência, o réu foi condenado a uma pena privativa de liberdade de dois anos e seis meses de detenção, a qual restou substituída por pena restritiva de direitos (Comarca de Guaporé – 1ª Vara Judicial. Proc. 053/20900019698):

[…] restando a pena definitiva em DOIS (02) ANOS e SEIS (06) MESES DE DETENÇÃO, por não haver outras causas de aumento ou diminuição. […] substituo a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, aplicando ao réu as penas de: a) limitação de final-de-semana [...] b) prestação de serviços à comunidade, à razão de uma (01) hora de tarefa por dia de condenação. (Grifos nossos).

As particularidades de cada caso concreto os identificam e individualizam, fazendo-os únicos. Entretanto, há determinadas peculiaridades que tornam similares os casos em análise. A conduta dos motoristas nos dois fatos os identifica e correlaciona como semelhantes, pois havia fundada suspeita de que: ambos dirigiam alcoolizados; em excesso de velocidade e sob condições climáticas adversas. Todavia, a intervenção pública policial se desencadeou de modos diferentes, o que pode ter contribuído para o desfecho penal dos casos analisados.

Esse tipo de conduta – dirigir sob efeito de álcool ou de outra substância psicoativa – que vem a acarretar acidentes de trânsito com resultado morte - infelizmente é comum na rotina viária brasileira. Exemplo recente dessas condutas, noticia a imprensa, motorista que dirigia após ter ingerido bebida alcoólica e que colidiu seu carro na traseira da motocicleta pilotada por uma moça (DIÁRIO DE SANTA MARIA, 2015). O choque foi de tamanha violência que a vítima foi jogada a dezenas de metros de distância (aproximadamente 45 metros) e o carro do motorista só parou após bater em uma árvore, a 150 metros dali. A vítima, de 25 anos, que era casada e tinha uma filha de 8 anos, morreu no local do acidente. O custo familiar – psicológico, educacional, econômico e de saúde – desse tipo de evento é incalculável. A perda de uma vida praticamente no início de sua inserção social produtiva (em todos os sentidos) deixa uma lacuna também na sociedade. Segue-se a isso o custo ao sistema de saúde pública e da Administração Púbica em geral (segurança pública como um todo, judiciário, defensoria, Ministério Público). Isso tudo resultante da conduta de um motorista, que desobedeceu a Norma, frente ao trânsito. Essas realidades necessitam ser alteradas. Não pode haver espaço, em pleno século XXI, com a humanidade em franco desenvolvimento tecnológico já na iminência de povoamento de outros planetas do sistema solar, a esse tipo de conduta impregnada de ignóbil primitivismo.

Nesse sentido, o trabalho policial voltado para a coleta e produção de provas materiais se reveste de uma essencialidade tal que, no Estado Democrático de Direito, torna-se uma eficaz ferramenta à disposição da sociedade para combater a mortalidade no trânsito brasileiro.

Considerações finais

Ao finalizar este trabalho é possível afirmar que o agir policial, como partícipe elementar do tecido social, está direta e indispensavelmente ligado à construção e manutenção da paz social. O desempenho policial com uma atuação calcada no profissionalismo fará com que, no momento da ocorrência de um evento qualquer no mundo da vida (que demande uma interferência policial), ou se intervenha para fazer cessar a conduta delituosa ou, não mais estando ao seu alcance essa possibilidade, se efetue um procedimento tal que consiga angariar material probatório a fim de que o autor do fato delituoso possa ser efetivamente responsabilizado. Isso se traduz na importância de ser despertada no servidor policial a consciência de quão fundamental é seu trabalho no momento do atendimento de uma ocorrência criminal. A essencialidade da atuação desse servidor, no sentido da coleta de todo material probatório possível com o fim de subsidiar o exercício funcional do Ministério Público e o consequente desenvolvimento do devido processo legal penal, influi significativamente no resultado final do procedimento.

A pesquisa realizada teve por foco o tipo penal de crime de homicídio ocorrido no trânsito, com a intenção de demonstrar por meio da atividade prática policial o quão importante essa ação revestida de profissionalismo influenciará, de modo eficaz, no resultado final do procedimento processual penal. Por óbvio que esse tipo de conduta profissional deve ser inerente a quaisquer atos no exercício da função.

O assunto é de suma importância nos dias atuais onde se vê uma nação consciente de seus direitos e deveres e onde as instituições mestras do Estado Democrático estão, a cada momento, dando provas de sua estabilidade e solidificação. A um dos pilares desse Estado, a segurança pública e mais pontualmente as instituições policiais, cabe um desempenhar de neural importância, pautado pela capacitação qualificada e com fundamental observância de todos os aspectos inerentes à cidadania.

Nesse Estado Democrático de Direito e em um nível de consciência cidadã alcançado pelo povo brasileiro nos dias atuais, à instituição “Polícia” não cabe mais a correlação eivada de ranço histórico de tempos anteriores, onde se estava a serviço de uma elite poderosa que dominava o Estado e a Administração Pública. A função do profissional policial é a de servir à sociedade, no sentido de solidificar o tratamento dispensado como “polícia cidadã”. Por conseguinte, entende-se que essa consciência deve ser despertada pelo ensino, ainda no desenvolver dos cursos formativos para a atuação profissional. Assim, com o servidor empoderado pelo conhecimento inerente a sua atividade haverá melhores condições de se exercer a verdadeira função social da polícia: servir!

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Autor

  • Jorge Amaral dos Santos

    Policial Rodoviário Federal. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal. Mestre em Direito, políticas públicas de inclusão social pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC.

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