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O provedor de acesso à internet e os principais dispositivos do Código de Defesa do Consumidor aplicáveis à sua atividade

O provedor de acesso à internet e os principais dispositivos do Código de Defesa do Consumidor aplicáveis à sua atividade

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Introdução

Com o advento da lei 8.078/90, denominada de Código de Proteção e Defesa do Consumidor, vimos que determinadas práticas e condutas abusivas muitas vezes empregadas por empresas, estabelecimentos comerciais e prestadores de serviço, no intuito de almejarem o lucro máximo, foram eficientemente reprimidas, de forma que, qualquer fornecedor, na forma conceituada pelo artigo 3º do aludido diploma, no bojo de uma relação de consumo, venha a lesar a parte hipossuficiente, tem o dever de reparar os danos imprimidos a este consumidor.

De outro lado, temos que as relações comerciais e de consumo, juntamente com os avanços tecnológicos, atingiram um grau de dependência na utilização da Internet, que muitos consumidores deixam de sair de casa para realizar uma compra por meio da rede mundial de computadores. Deste modo, em razão da vasta gama de informações que vêm sendo difundidas, trocadas, e elaboradas em decorrência deste fenômeno meio de comunicação, emerge ao Direito a obrigação de, na mesma velocidade, acompanhar essa exorbitante evolução, preenchendo as lacunas necessárias, regulando os novos negócios jurídicos advindos da utilização da Internet.

Depreende-se assim, por obviedade, que para determinada pessoa física ou jurídica obter acesso à Internet, necessária se faz a contratação de um serviço que possibilite o acesso à rede, serviço este realizado pelos Provedores ou Servidores de acesso à Internet. Vale lembrar ainda que, reiteradas vezes tais Servidores não só oferecem esse serviço de acesso à rede, mas também serviços de comunicação, informações (jornais, revistas etc.), dentre outros. Lógico seria, então, que desta relação jurídica incidisse direitos e obrigações para ambas as partes, Provedor de acesso, aqui entendido como prestador de ambos os serviços aludidos, e usuário do serviço, o chamado internauta.


Caracterização da Relação de Consumo

Assim, cabe analisarmos, neste momento, se todas as relações detidas entre pessoas físicas ou jurídicas com seus Provedores de acesso à Internet, podem ser caracterizadas como relação de consumo, vis à vis a norma preceituada no artigo 2º, da lei 8.078/90, ou seja, podem todos ser conceituados como consumidores?

Para melhor aferição da problemática ora alçada ao presente estudo, mister se faz a transcrição da aludida norma, in verbis:

"Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final." (g.n.)

Temos, desta forma, que para determinada pessoa física ou jurídica ser caracterizada como consumidora, a luz do artigo 2º, da Lei Consumerista, necessária é a utilização do produto ou serviço oferecido como destinatária final daquele bem de consumo, ou seja, deve utilizá-los em proveito próprio e, nunca, para revender ou acrescentá-los a cadeia produtiva como bens de capital.

JOSÉ GERALDO DE BRITO FILOMENO [1], um dos idealizadores do anteprojeto da lei 8.078/90, assim pontifica, verbis:

"Consoante já salientado, o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial".

Prosseguindo:

"Abstraídas todas as conotações de ordem filosófica, psicológica e outras, entendemos por consumidor qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou locação de bens, bem como a prestação de um serviço".

Concluindo da seguinte forma:

"Consumidor seria apenas aquele que adquire o bem para utiliza-lo em proveito próprio, satisfazendo uma necessidade pessoal e não para a revenda ou para acrescenta-lo à cadeia produtiva".(g.n)

Vê-se, portanto, que não será toda e qualquer relação jurídica existente entre Provedor de acesso à Internet e usuário de seus serviços que poderão ser caracterizadas como "relação de consumo", já que, de acordo com a conceituação estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor, somente aqueles que utilizarem o serviço de acesso à rede, em proveito próprio ou de outrem, sem acrescentá-lo como insumo de determinado serviço a ser oferecido junto ao mercado ou, ainda, para a confecção de um produto a ser comercializado, haverão de ser tidos como consumidores.

Sendo assim, determinada empresa, estabelecimento comercial ou autônomo, que utilizem a Internet para agregar valor a seus produtos ou serviços, caso venham a litigar judicialmente com seu Provedor de acesso à rede em razão de alguma falha na prestação desse serviço ou em razão de um fato do produto comercializado, não poderão invocar as normas de defesa do consumidor em benefício próprio, visto que a relação existente entre ambos ocorre no âmbito comercial, devendo ser regida pelas normas preconizadas no Código Comercial e no Código Civil.

Outrossim, caso não demonstrado o intuito de utilização da Internet para fins de agregar informações e outros benefícios exclusivamente à cadeia produtiva de produtos e serviços da empresa, restando configurado que o usuário obtinha proveito próprio da gama de informações e serviços que tirava da rede, sem objetivo de comercializa-los, deve-se assim, havendo um conflito de interesses, utilizar-se das normas insculpidas na lei 8.078/90.


Responsabilidade Civil do Provedor de Acesso à Internet pelo Fato do Produto ou Serviço

Primeiramente devemos ter em mente que a relação jurídica existente entre o Provedor de Internet e o usuário que irá se beneficiar destes serviços é eminentemente contratual, ou seja, os direitos e obrigações de cada parte contratante estarão previamente estipulados no termo contratual, quer-se dizer, tal relação estará encampada na teoria da responsabilidade civil contratual. Deste fato, sobrevém afirmar que tais contratos celebrados entre Provedor e usuário são tidos como contratos de adesão, conforme conceituado pelo artigo 54, do Código de Defesa do Consumidor.

Entretanto, muitas das cláusulas convencionadas nestes contratos de adesão, geralmente firmados virtualmente, ou seja, diretamente no site do Provedor de acesso, são tidas como nulas se interpretadas consoante o disposto na Lei Consumeirista, motivo pelo qual, sobrevindo danos ao consumidor decorrentes do serviço prestado pelo Provedor, facultar-se-lhe-á o direito de vir pleitear a reparação da lesão sofrida.

Em razão disto, o Código de Defesa do Consumidor previu duas modalidades de responsabilização do produtor ou fornecedor de serviços de acordo com o tipo de dano impingido ao consumidor, quais sejam, a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço e a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço.

Neste tópico iremos abordar especificamente a responsabilidade pelo fato do serviço e do produto eventualmente comercializado pelo Provedor de Internet ou por terceiros.

Assim temos que a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço decorre da exteriorização de um vício de qualidade, vale dizer, de um defeito capaz de frustar a legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição.

Nos escólios de ZELMO DENARI [2], o vício de qualidade se exterioriza da seguinte maneira:

"Entende-se por defeito ou vício de qualidade a qualificação de desvalor atribuída a um produto ou serviço por não corresponder à legítima expectativa do consumidor, quanto a sua utilização ou fruição (falta de adequação), bem como por adcionar riscos à integridade física (periculosidade) ou patrimonial (insegurança) do consumidor ou de terceiros.

Partindo desse conceito, um produto ou serviço é defeituoso quando não corresponde à legítima expectativa do consumidor a respeito da sua utilização ou fruição, vale dizer, quando a desconformidade do produto ou serviço compromete a sua prestabilidade ou servibilidade. Nesta hipótese, podemos aludir um vício ou defeito de adequação do produto ou serviço."

Vê-se, portanto, que é necessária a caracterização de uma insegurança quanto a prestabilidade ou servibilidade daquele produto ou serviço, o que geralmente se desencadeia de forma oculta, ou seja, no momento da sua utilização ou fruição, o que vem a acarretar os denominados acidentes de consumo, disciplinados pelos artigos 12 a 17, da lei 8.078/90.

A respeito da aludida insegurança, prendemo-nos as palavras sempre oportunas de ZELMO DENARI [3], in verbis:

"A insegurança é um vício de qualidade que se agrega ao produto ou serviço como um novo elemento de desvalia. De resto, em ambas as hipóteses, sua utilização ou fruição suscita um evento danoso (eventus damni) que se convencionou designar acidente de consumo"

A responsabilização pelo fato do produto ou do serviço aplicada a relação contratual entre Provedor de acesso à Internet e usuário tem ocorrido das seguintes formas: inserção de cláusulas isentando o Provedor de qualquer responsabilidade por eventuais danos que possam ocorrer no equipamento do assinante decorrentes do mau uso de qualquer software, hardware ou conexões; e cláusulas exonerativas de responsabilidade pelo mau funcionamento do sistema de telefonia (contrato de adesão da UOL, tome-se como exemplo meramente ilustrativo).

Entretanto, o Código de Defesa do Consumidor em seus artigos 12 e 14, responsabiliza o produtor ou fornecedor de serviços, independentemente da existência de culpa, a reparar os danos afligidos ao consumidor, razão pela qual, será ônus do Provedor de Internet provar o "mau uso" dos softwares, face ao seu dever de informar sobre a correta utilização daqueles.

Sobre o tema, ANTONIO JOAQUIM FERNANDES NETO [4], verbis:

"Em face do dever de informar, somente se pode falar em mau uso quando o uso correto do serviço tiver sido comunicado ao consumidor de maneira adequada e clara. Ainda assim, o fornecedor somente estará livre da responsabilidade pelos danos se provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (CDC, art. 12 §3º, III e art. 14, §3º, II). Ou seja, cabe ao provedor Internet provar que houve mau uso".

Já à cláusula exonerativa de responsabilidade em caso de falha no sistema de telecomunicação, como as interrupções e a baixa velocidade no tráfego de informações, melhor sorte não lhe aproveita. O artigo 13, do Diploma do Consumidor é cristalino ao imputar ao comerciante a responsabilidade pela reparação do dano ao consumidor quando o produto houver de ser oferecido sem a clara identificação do fornecedor, no caso a empresa de telecomunicação que o Provedor de Internet mantém relações contratuais para o estabelecimento de acesso à rede.

Já em relação a produtos ou serviços oferecidos por terceiros mediante o Portal de informações mantido pelo Provedor de acesso à Internet, estabelecidos mediante a celebração de acordos e parcerias comerciais entre ambos, necessário se faz a análise da atribuição de responsabilidade em decorrência de danos causados aos consumidores que vierem a celebrar transações comerciais com estes terceiros.

O parágrafo único do artigo 7, do Código de Defesa do Consumidor é expresso em asseverar:

"Art. 7°

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo."

Importa em dizer que os serviços e produtos oferecidos diretamente do site de informações mantido pelo Provedor de Internet correm por sua responsabilidade, facultando ao consumidor ingressar com a ação contra todos que estejam na cadeia de responsabilidade que propiciou a colocação do produto ou do serviço no mercado.

JOSE GERALDO DE BRITO FILOMENO [5], com a clareza de sempre, destaca:

"Como a responsabilidade é objetiva, decorrente da simples colocação no mercado de determinado produto ou prestação de dado serviço, ao consumidor é conferido o direito de intentar as medidas contra todos os que estiverem na cadeia de responsabilidade que propiciou a colocação do mesmo produto no mercado ou então a prestação do serviço."

Entretanto, caso o site do Provedor de acesso contenha apenas um banner fazendo referência a outro site de determinado estabelecimento comercial, onde, após o clique do usuário o mesmo é guiado para a home page daquele estabelecimento, cremos que não há como responsabilizar o Provedor de Internet, pois neste caso serviu como mero veículo de comunicação entre o efetivo comerciante e o consumidor, semelhante ao papel desempenhado pelos jornais e revistas.

No direito comparado, citamos os recentes casos do provedor eBay, processado pelos pais de adolescentes intoxicados após adquirirem uma substância chamada DXM – droga para tosse, em um de seus sites de leilão, sendo que as normas da eBay proíbem a venda de drogas ou medicamentos que exigem a receita médica, como era o caso do produto.

Também o mega portal (provedor de grande porte) Yahoo! está sofrendo severo processo por parte das empresas Nintendo, Eletronic Arts e Sega, que acusam o site de permitir a venda ilegal de videogames falsificados em seus leilões. As concorrentes, que se uniram no objetivo de combater a falsificação, informaram que notificaram a Yahoo! para que tomasse medidas de controle de segurança, instrução ignorada e que enseja a reparação dos danos, de grande monta.

Caso a caso, o provedor poderá eximir-se de sua responsabilidade se provar a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro (art. 12, § 3º, III e art. 14, § 3º, II do CDC).

Desta forma, incidimos mais uma vez na análise substancial do caso em concreto, havendo a imputação de uma solidariedade passiva, entre Provedor e Comerciante, naqueles casos em que o produto ou serviço seja oferecido diretamente do portal de acesso do Provedor de Internet, eximindo-se de responsabilidade, contudo, nas ocasiões em que seu portal tenha sido utilizado como mero veículo propagador de comunicação.


Da Responsabilidade Civil do Provedor de Internet por Vícios do Produto ou Serviço

Além da responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço oferecido por meio do Provedor de acesso à Internet e terceiros a ele vinculados por força de acordos e parcerias comerciais, o Código de defesa do Consumidor responsabiliza, ainda, o Provedor de Internet, por vícios decorrentes da qualidade ou quantidade dos produtos e serviços ofertados.

Vale lembrar que, a responsabilidade por vícios de qualidade e quantidade não se identifica com aquela anteriormente por nós abordada, qual seja, a responsabilidade por fato do produto ou serviço, ou seja, por danos, dela diferindo em razão de seu objeto jurídico resguardar a boa execução do contrato, de modo que o produto ou serviço oferecido seja colocado em perfeitas condições de uso e fruição no mercado consumidor.

Para melhor compreensão, mister se faz trazermos à baila o núcleo da norma preconizadora de tal instituto, in verbis:

"Art. 19 - Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

Em relação a prestação de serviços temos:

Art. 20 - O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:"

Responsabilizar-se-á, deste modo, o Provedor de acesso à Internet, por assegurar a disposição de bens e serviços propensos à apta fruição e uso por parte do consumidor, pois, caso contrário, obrigar-se-á a reparar a perda impingida ao usuário da rede.

Tem o Provedor de Internet o dever de garantir a plena utilização e fruição dos serviços oferecidos contratualmente, possibilitando o efetivo acesso e troca de informações entre os usuários da rede mundial de computadores, bem ainda resguarda-los de eventuais prejuízos ocasionados por terceiros vinculados ao Provedor.

Esse é o caso quando da ocorrência de SPAMS, isto é, mensagens publicitárias enviadas reiteradamente para a caixa de mensagem de correio eletrônico do usuário de Internet, quando não solicitadas pelo mesmo, vindo a ocasionar o atravancamento da máquina no momento da troca de bytes entre os computadores interligados.

Outro caso também vinculado a responsabilidade por vício do produto ou serviço adotada pelo Código de Defesa do Consumidor condiz com a veiculação de anúncios tidos como ilegais frente a legislação penal do país onde se localiza o Provedor de Internet. Importante salientar que frente essa questão, deparamo-nos, diversas vezes, diante da impossibilidade de utilização das normas brasileiras, já que há a possibilidade do veiculador do anúncio, ou mensagem ilegal, estar localizado em territórios internacionais, não sofrendo as sanções previstas na lei brasileira.

A Constituição Federal de 1988, em seu capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, a honra e a imagem da pessoa, assegurando a devida reparação patrimonial e moral dos danos advindos de tais atos. Por outro lado, a lei 8.078/90, no parágrafo único de seu artigo 7º, equipara a fornecedor todos aqueles que de alguma forma interferiram na cadeia de consumo, motivo que enseja a responsabilidade do Provedor de Internet, já que o mesmo é parte direta na relação que venha a ser instaurada entre o usuário de seus serviços e terceiros vinculados por meio de acordos e parcerias comerciais.

Entretanto, o Provedor de Internet terá o dever de fiscalizar os conteúdos das home-pages veiculadas através de seu portal de acesso, ficando isento de responsabilidade de eventuais danos ocorridos a partir das informações obtidas naqueles sites, já que não é possível censurar a entrada de usuários nos diversos sites existentes na rede mundial de computadores. Ou seja, sendo o dano ocasionado em decorrência de um evento externo a relação contratual existente entre usuário/consumidor e Provedor de acesso à Internet, entendemos que não há como responsabiliza-lo.

Tal questão ainda é muito incipiente no Brasil, porém em países como os Estados Unidos e Comunidade Européia, já temos jurisprudência referente a casos como os supre citados. A Suprema Corte do Estado de New York, no caso People v. Lipsitz, julgado em 23.06.1997, o Réu, Kenneth Lipsitz, foi condenado por usar nomes falsos, vendendo assinaturas de revistas, as quais, em alguns casos, jamais foram entregues, ou, em outros, chegaram ao seu destino com grande atraso, de modo a encurtar o prazo da assinatura contratada, muitas vezes em relação à metade do que fora pago pelo consumidor.

Neste caso, a prática da conduta delituosa foi realizada por meio de SPAM, entretanto, tempestivamente identificado pelos Provedor de Internet, in casu, a AOL, a qual determinou a expulsão do réu do seu rol de clientes.

A Compuserve, um dos maiores Provedores de acesso à Internet do mundo, foi obrigada a desconectar, por decisão de um Tribunal alemão, cerca de 200 clientes da rede porque veiculavam matéria pornográfica. Como era impossível bloquear as transações apenas para determinados países, a consequência da determinação judicial exarada em um país, estendeu-se para os demais.

Percebe-se que os Provedores de Internet têm interesse na fiscalização e, por conseguinte, proteção de seus usuários, do modo a garantir-lhes o pleno uso e fruição dos serviços contratados, sob pena de se verem responsabilizados a reparar os danos provenientes dos prejuízos acarretados a seus consumidores.


Das Práticas Comerciais

Pode-se dizer que o capítulo que dispões sobre as práticas comerciais são o cerne do Código de Defesa do Consumidor. E não poderia ser diferente, pois as práticas comerciais fazem parte do alicerce das economias de mercado, onde está fundada a economia brasileira.

Por esse motivo, assim dispões o Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 29 – Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas."

Como ensina ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN [6]:

"em face da complexidade das matérias de que cuida, o Código nào se contentou com um único conceito de consumidor. Há um geral (art. 2, caput) e três outros por equiparação ( arts. 2, parágrafo único, 17 e 29). Tal se dá porque alguns dos fenômenos de mercado regrados pelo Código poderiam, se tal fosse a opção do legislador, ser objeto de leis específicas, aliás, como é normal na Europa e Estados Unidos. Teríamos, então, uma lei de controle da publicidade, outra para a regulação das cláusulas contratuais abusivas, outra para a responsabilidade civil pelos acidentes de consumo, uma outra para os crimes de consumo e assim sucessivamente."

No caso do provedor de Internet, o simples fato de um usuário de microcomputadores acessar a rede mundial de computadores, já o torna automaticamente um consumidor em potencial, na medida que tal usuário tem acesso a páginas de tal servidor.

Se pudéssemos fazer uma comparação grosseira do que isso significa, imaginemos um telespectador que liga sua televisão. O simples ligar da televisão, o coloca diante de uma enormidade de canais que transmitem publicidade dos mais diversos produtos e serviços. O acesso à Internet permitiria um acesso muito parecido. Porém, a ilimitados canais de distribuição de produtos e serviços.

Note-se que quando se fala em práticas comerciais, o termo deve ser entendido como o esforço de venda de produtos e serviços, incluído aí o marketing e mais restritivamente a publicidade, tão difundida na Internet através também dos servidores ou provedores de acesso.

Essa análise nos permite agora, entender como o Código de Defesa do Consumidor encara a questão da oferta.


Da Oferta

Assim disciplina o Código de Defesa do Consumidor a questão da oferta de produtos ou serviços:

Art. 30 – Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

Estamos aqui diante da obrigatoriedade do fornecimento de produto ou serviço ofertado, oferecendo o Código em seu artigo 35 a opção de o consumidor ver satisfeito seu direito (potestativo) através do cumprimento forçado da obrigação e a aceitação de outro bem de consumo.

Interessante notar a equiparação da publicidade a uma proposta de prestação de serviços ou venda de produtos. Ou seja, a publicidade em provedor de Internet vincula o fornecedor do produto ou serviços.

"Pode-se concluir que a relação existente entre o usuário da Internet e o provedor de serviço é contratual. Existem, portanto, em tal relação, um contrato de prestação de serviço e um contrato de adesão, sendo ambos regulados pelas leis vigentes no Código Civil e Código de Defesa do Consumidor", diz a PROFESSORA PATRÍCIA SCORZELLI [7].

A vinculação se dá, inclusive para o próprio provedor de Internet, caso não haja dissociação ou desvinculação jurídica que compreende a física (localização do "site") e informativa sobre serem ofertante e provedor pessoas distintas.

Contudo, a questão não é pacífica.

"Através dos provedores de acesso à Internet, os consumidores têm acesso a uma série de produtos e serviços oferecidos por empresas que apresentam seus catálogos no próprio provedor ou em outras bases de dados, situadas em qualquer parte do mundo. Os primeiros – é bom sublinhar – vinculam-se, por contrato, com o provedor ao qual o consumidor está ligado. O problema é muito sério. A tecnologia utilizada pelos provedores Internet permite que o consumidor adquira produtos ou serviços oferecidos a partir de bases situadas em outros países." [8]

BERNARDO RÜCKER [9] é da "opinião de que os provedores devem assumir e serem responsabilizados pelo conteúdo e as transações que, de uma forma indireta, utilizam de seus serviços. No direito comparado, citamos os recentes casos do provedor eBay, processado pelos pais de adolescentes intoxicados após adquirirem substância chamada DXM – droga para tosse, em um de seus sites de leilão, sendo que as normas da eBay proíbem a venda de drogas ou medicamentos que exijam receita médica, como era o caso do produto."

Com relação à oferta dispõe ainda o Código de Defesa do Consumidor no Art. 31:

"A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores."

Diz ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN [10] que:

"a informação, no mercado de consumo, é oferecida em dois momentos principais. Há, em primeira lugar, uma informação que precede (publicidade, por exemplo) ou acompanha (embalagem, por exemplo) o bem de consumo. Em segundo lugar, existe a informação passada no momento da formalização do ato de consumo, isto é, no instante da contratação. Lá, temos a informação pré-contratual. Aqui, nos deparamos com a informação contratual. São dois estágios distintos do iter da comunicação com o consumidor. Ambos têm o mesmo objetivo, ou seja, preparar o consumidor para um ato de consumo verdadeiramente consentido, livre, porque fundamentado em informações adequadas".

Portanto, a oferta que convida o internauta acessar um determinado provedor de Internet deve ser acompanhada em um segundo momento, ou seja, após um primeiro convite publicitário de acesso, de contrato claramente redigido, estabelecendo os direitos e obrigações do usuário e do provedor de acesso.

Conforme lição do PROFESSOR GUILHERME MAGALHÃES MARTINS [11]:

"(...) é de se destacar que ambos os sitemas, tanto o anglo-saxão quanto o francês (esse de marcante influência sobre o direito nacional) albergam a imperatividade da observância do dever de informação na oferta, que deve ser clara e precisa, ou seja, despida de qualquer obscuridade, ao nível educativo e leigo, envolvendo os dados relevantes, capazes de alterar a base do negócio - de modo que, ao se conhecê-los, não se contratará ou se o fará em outras condições."

Outra questão relevante é aquela que trata da oferta por telefone ou reembolso posta. Dispõe o artigo 33 do Código de Defesa do Consumidor:

"Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial."

Podemos equiparar a venda por telefone à venda pela Internet. O legislador teve a intenção de proteger o consumidor quando da oferta telefônica ou por reembolso postal, em virtude do desconhecimento natural que existe do ponto de vista do consumidor em razão da natureza dessas formas de comunicação. Na Internet, a vulnerabilidade do consumidor quanto ao conhecimento do nome do fabricante e endereço é o mesmo, o que faz com que seja crível a aplicação de tal dispositivo à matéria.

Está se tornando cada vez mais comum a contratação de acesso com determinado provedor incluir acesso através de outros provedores de outros países, através de convênios ou acordos comerciais celebrados entre provedores, garantindo aos usuários acesso mundial à rede.

Caso o provedor de acesso se utilize de representantes em diversas cidades do país ou até mesmo de credenciados ou agentes que permitam o acesso à Internet em outras cidades fora do Brasil, responde o servidor por atos de tais prepostos ou representantes, nos termos do artigo do Código de Defesa do Consumidor que assim dispõe:

O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos."

Conforme mencionado anteriormente, no que diz respeito ao cumprimento da oferta, consigna o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 35 – Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III – rescindir o contrato, com direito à restituição da quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos."

Talvez uma das lições mais importantes que os provedores de acesso devem ter em mente é que um anúncio que tenha sido veiculado de forma equivocada, muito comum nesses tempos em que a informação tem de ser divulgada de forma rápida, vincula quem a veiculou a não ser que seja razoável ao consumidor perceber o erro. Por exemplo, todos sabem que um automóvel não pode custar o mesmo que uma bicicleta, por outro lado, é factível que um provedor de acesso ofereça acesso gratuito ilimitado à Internet.

Contudo, o acesso limitado, não pode resultar em "sinal de ocupado". Como bem mostra PETER B. MAGGS [12]:

"in the fall of 1996, América Online raised its billing rates and promised customers unlimited access to its system for a flat rate per month. Unfortunately, America Online did not have enough equipment to handle the resulting increase in access. So customers got billed for the monthly rate, but got busy signals instead of Internet services. The New York attorney General threatened America Online with legal action. The matter was settled, when America Online made adjustments in its billing and undertook a successful crash program to add the necessary equipment."


Publicidade

O Código adotou alguns princípios básicos para a publicidade de produto e serviços e que devem também respeitar o provedor de acesso e seus anunciantes. Esses princípios foram sistematizados pela maioria dos autores em Direito do Consumidor da seguinte forma. A publicidade deve ser regida em primeiro lugar, pelo princípio da identificação da publicidade, isso quer dizer que ela deve ser identificada pelo consumidor como tal.

Há o princípio da vinculação contratual, ou seja, a publicidade vincula e integra a relação de consumo. Outro princípio é o da veracidade, traduzido na vedação à publicidade enganosa. O princípio da não-abusividade, que não deve ser confundido como não vedação à publicidade enganosa. A não abusividade não afeta diretamente o patrimônio do consumidor, mas agride valores intangíveis do consumidor. O princípio da inversão do ônus da prova é aquele que imputa ao anunciante a adequação do fato de produto ou serviço à publicidade. Outro princípio norteador da publicidade e não menos importante é o da transparência da fundamentação da publicidade, expresso no artigo 36 abaixo transcrito:

Art. 36 – A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.

Parágrafo único – O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.

Estando os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem publicitária em poder do anunciante, fica fundamentada a publicidade. Por fim, temos o princípio da correção do desvio publicitário. Isso quer dizer que a lesão ou dano que a publicidade possa causar deve ser reparada, civil, administrativa ou penalmente.

No campo da publicidade enganosa ou abusiva encontramos campo fértil para lidar com diversas situações de risco que podem se encontrar os provedores de acesso. Senão vejamos:

Art 37 – É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

Parágrafo primeiro – É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Parágrafo segundo – É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à saúde ou segurança.

Parágrafo terceiro – Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço."

A enganosidade da publicidade pode ser encontrada em diversas hipóteses. Pode ser enganosa o exagero da publicidade, e isso é freqüentemente notado em anúncios veiculados em provedor de acesso, seja em função do curto espaço para que seja colocada a publicidade de forma completa, seja em razão da enormidade de informações que devem ser inseridas no pequeno espaço de tela e no curto tempo.

A abusividade também pode residir na omissão, na forma de informações completas, comumente encontradas tendo os mesmos fundamentos da abusividade pelo seu exagero. A abusividade sempre deve levar em conta o seu público alvo. Anúncios infantis mostrando brinquedos que não sejam capazes de voar, voando, podem ser abusivos para crianças mas não o são para certos adultos.

Outro problema muito encontrado é a quantidade de informação em língua estrangeira. A regra da oferta em língua portuguesa é válida inclusive para provedores de acesso situados fora do Brasil que tenham o Brasil como público alvo. Obviamente que não se poderá exigir a língua portuguesa para aqueles provedores de acesso ou anunciantes de produtos em outros países que não tenham o Brasil como mercado de consumo. Porém a simples possibilidade de fornecimento de produto ou serviço diretamente para o mercado brasileiro, já obrigaria a inserção da possibilidade de acesso ao "site" em língua portuguesa.

Já a publicidade abusiva, como dito acima é aquela que atinge valores intangívies do consumidor, como a discriminatória em razão de raça, sexo, preferência sexual, condição social, nacionalidade, profissão, convicções religiosas ou políticas. Pode ser abusiva aquela que explora o medo, a superstição, a incitadora de violência, antiambiental, indutora de insegurança ou dirigida a hipossuficientes.

Um exemplo importante de publicidade abusiva seria aquela relacionada ao tabaco. A Lei nº 10.167, de 27 de dezembro de 2000 só admite a publicidade de tabaco através de pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos locais de venda. Fica portanto vedada a publicidade de cigarros através da Internet.

A publicidade abusiva se relaciona umbilicalmente com as práticas abusivas, vamos pois analisá-las.


Práticas Abusivas

Preceitua o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 39 que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO;

IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados por leis especiais;

X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços;

XI – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecidos;

XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.

Parágrafo único – Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

Os provedores de acesso à Internet e terceiros fornecedores de produtos e serviços que se valem de tais provedores para distribuir seus produtos ou serviços devem observar esse dispositivo de forma muito estrita.

Dos dispositivos do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor importante citar o inciso III. O envio ou entrega ao consumidor, sem solicitação prévia, de qualquer produto, ou fornecimento de qualquer serviço foi visto muitas vezes através do envio de e-mails informando estar a pessoa cadastrada para acessar determinado provedor. Isso é prática abusiva vedada pelo Código. Por outro lado, o simples envio de CD-ROM não dirigido especificamente ao consumidor que possibilita o acesso à Internet, não pode ser classificado como prática abusiva, pois o potencial usuário possui a faculdade de simplesmente não utilizar aquele produto ou serviço. Mas note-se, o CD-ROM deve ser absolutamente impessoal, não pode haver prévio cadastramento do potencial usuário. Deve ainda o envio de tal CD-ROM expressamente informar que o envio do CD-ROM não se trata de fornecimento de produto ou serviço, mas apenas de um veículo enviado com caráter impessoal de uso facultativo e não gerador de obrigações.

Outro dispositivo interessante para se mencionar é o aproveitamento da hipossuficiência do Consumidor. Na medida que o acesso à Internet está disponível para crianças, idosos, deficientes físicos e mentais, o provedor de acesso deve considerar que seus produtos ou serviços são potencialmente dirigidos a toda sociedade, que inclui os hipossuficientes. Em outras palavras, deve ser levado em conta que o serviço de Internet será utilizado pelos hipossuficientes, devendo as práticas comerciais do provedor de acesso adequar-se para a utilização de tais.

Isso gera aos provedores de acesso a obrigação de restringir acesso à informação e a serviço que, a contrario sensu, não tenha como público alvo os hipossuficientes. A obrigação de restrição de acesso passa pela certificação e criação de mecanismos necessários e suficientes para efetivação das restrições de acesso.


Os Contratos frente ao Código de Defesa do O Consumidor

Conceito de Contratos

O acesso à Internet somente é possível mediante a celebração de um contrato entre o usuário e o provedor dos serviços de Internet.

Entende-se por contrato o acordo de duas ou mais vontades, em vista de produzir efeitos jurídicos.

SILVIO RODRIGUES [13] define contratos através da distinção entre atos unilaterais e bilaterais:

"Dentro da teoria dos negócios jurídicos, é tradicional a distinção entre os atos unilaterais e os bilaterais. Aqueles se aperfeiçoam pela manifestação da vontade de uma das partes, enquanto estes dependem coincidência de dois ou mais consentimentos. Os negócios bilaterais, isto é, os que decorrem de acordo de mais de uma vontade, são os contratos. Portanto, o contrato representa uma espécie do gênero negócio jurídico. E a diferença específica, entre ambos, consiste na circunstância de o aperfeiçoamento do contrato depender da conjunção da vontade de duas ou mais partes".

Uma vez celebrado, o contrato cria um vínculo obrigacional entre as partes contratantes, ou seja, é fonte de obrigações para as mesmas (pacta sunt servanda). Tal vínculo se impõe aos contratantes que, a princípio, só o podem desatar mediante a concordância de todas as partes.

Contrato celebrado entre Provedor e Usuários

No caso de serviços de conexão, existe uma relação jurídica entre o provedor (fornecedor do serviço) para o acesso à Internet e o usuário, ou consumidor (pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza o serviço como destinatário final), na qual o primeiro é responsável pela oferta de serviços de informação e o segundo é a pessoa física ou jurídica que utiliza os serviços oferecidos pelos provedores.

Incidência do Código de Defesa do Consumidor

A existência do prestador de serviços e do usuário, ou consumidor, estabelece um contrato de consumo. CLÁUDIA LIMA MARQUES [14] define contrato de consumo como sendo:

"Todas aquelas relações contratuais ligando um consumidor a um profissional, fornecedor de bens ou serviços".

Tais características determinam a incidência da Lei n.º 8.078/90 que dispõe sobre a proteção ao consumidor. Trata-se, na verdade, de obrigação de prestar fato ou obrigação de fazer; um contrato de consumo que tem por objeto a prestação de serviços.

Nessa relação, o provedor se obriga a oferecer meios técnicos que permitam ao consumidor acessar a rede mundial de informações. Tal obrigação é duradoura, com prestação de execução continuada.

CLÁUDIA LIMA MARQUES [15] observa, ainda, que:

"Trata-se de uma série de novos contratos ou relações contratuais que utilizam métodos de contratação de massa (através de contratos de adesão ou de condições gerais dos contratos), para oferecer serviços especiais no mercado, criando relações jurídicas complexas de longa duração, envolvendo uma cadeia de fornecedores organizados entre si e com uma característica determinante: "a posição de "catividade" ou dependência dos clientes, consumidores."

Contratos de Adesão

O conteúdo do contrato celebrado entre o provedor e o usuário, bem como os demais contratos on-line, varia caso a caso, entretanto, na maioria de seus aspectos não difere de um contrato comum. A utilização de cláusulas gerais é bastante difundida, o que permite classificar tais contratos como celebrados por adesão a condições gerais de contratação.

ORLANDO GOMES [16] assim define o contrato de adesão (Contrato de Adesão, n.º 2, pp. 4 e 5):

"O negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas". (...) "distingue-se, no modo de formação, pela adesão sem alternativa de uma das partes ao esquema contratual traçado pela outra, não admitindo negociações preliminares nem modificação de suas cláusulas preestabelecidas".

E esclarece, ainda, que:

"entre nós, a locução "contrato de adesão" goza, sob a influência da doutrina francesa, de maior aceitação. É possível conservá-la e conveniente usá-la, uma vez se empregue no sentido limitado de aceitação inevitável de condições uniformes unilateralmente formuladas".

Observa-se, portanto, que nos contratos celebrados entre o provedor e o usuário, as cláusulas são estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor do serviço (provedor) sem que a outra parte (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito.

Ensina ORLANDO GOMES que:

"O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação do consumidor contratante, do objeto e do preço. Assim, aqueles que, como consumidores, desejarem contratar com a empresa para adquirirem serviços, já receberão pronta e regulamentada a relação contratual, não podendo efetivamente discutir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importantes do contrato."

Nesse mesmo sentido são, também, os ensinamentos de RUBENS REQUIÃO [17]:

"Note-se que a aceitação das condições uniformes do contrato é inevitável. Há, no caso, a predominância exclusiva de uma só vontade, agindo como vontade unilateral. Essa vontade se impõe como inevitável, no sentido de que o contratante não tem possibilidade de se voltar para outras partes, porque somente aquela tem a faculdade de impor, por ser o exclusivo titular do negócio. Assim, no contrato de adesão, entendo que à parte que quer contratar só resta uma opção, a qual, não sendo aceita, impede que venha a contratar; não tem alternativa. (...) Enquanto no contrato normativo o contratante tem condições de procurar outras opções para o regular, no contrato de adesão isso é impossível."

Interpretação dos Contratos de Adesão

A conceituação do contrato de adesão tem importância prática no que diz respeito à sua interpretação. O objetivo da interpretação das cláusulas dos contratos é conhecer a vontade das partes, o que é assim explicado por CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA [18]:

"Conforme dissemos para o negócio jurídico (...), o que tem de procurar o hermeneuta é a vontade das partes, mas, como se exprime ela pela declaração, viajará através desta, até atingir aquela, sem deixar de ponderar nos elementos exteriores, que envolveram a formação do contrato, elementos sociais e econômicos, bem como negociações preliminares, minuta elaborada, troca de correspondência -- fatores todos, em suma, que permitem fixar a vontade contratual. A segurança social aconselha que o intérprete não despreze a manifestação da vontade ou vontade declarada, e procure, já que o contrato resulta do consentimento, qual terá sido a intenção comum dos contratantes, trabalho que nem por ser difícil pode ser olvidado."

Ressalte-se, entretanto, que os contratos de adesão não podem ser interpretados simplesmente pela vontade das partes, vez que, conforme já demonstrado, é característica do contrato de adesão a imposição da vontade de um dos contratantes à do outro. A interpretação deverá, portanto, ser guiada pelos demais princípios que regem o direito dos contratos, quais sejam, (a) o da autonomia da vontade; (b) o do consensualismo; (c) o da força obrigatória; e (d) o da boa fé [19].


Os Contratos de Adesão frente ao Código de Defesa do Consumidor e as Cláusulas Abusivas

O Código do Consumidor, no seu art. 54, assim define o contrato de adesão:

"Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.§ 1º A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

§ 2º Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no par. 2º do artigo anterior.

§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

§ 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

§ 5º (Vetado)"

A proteção ao consumidor ocorre tanto na formação quanto na execução do contrato, sendo certo que, nesses dois momentos, o princípio da boa fé é de suma importância. Conforme observa CLÁUDIA LIMA MARQUES [20] o princípio da boa fé tem dupla função: como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual e como causa limitadora do exercício abusivo dos direitos subjetivos.

Ainda sobre a importância do princípio da boa fé, ORLANDO GOMES [21] assim se manifesta:

"O princípio da boa fé entende mais com a interpretação do contrato do que com a estrutura. Por ele se significa que o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela inferível. Ademais, subtendem-se, no conteúdo do contrato, suposições que decorrem da natureza das obrigações contraídas ou se impõem por força de uso regular e da própria equidade. Fala-se na existência de condições subentendidas. Admitem-se, enfim, que as partes aceitaram essas conseqüências que realmente rejeitariam se as tivessem previsto. No caso, pois, a interpretação não se resume a simples apuração da intenção das partes. (...)

Ao princípio da boa fé empresta-se ainda outro significado. Para traduzir o interesse social de segurança das relações jurídicas diz-se, como está expresso no Código Civil alemão que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Numa palavra, devem proceder com boa fé (...)"

Na celebração do contrato entre o provedor e o usuário, e nos demais contratos on-line, o ofertante apresenta a página de modo que o usuário tenha a possibilidade de contratar com base nas condições gerais apresentadas, inexistindo, praticamente, a possibilidade de propor um texto alternativo ou alterações.

De qualquer forma, as condições gerais e a sua respectiva aceitação constituem um documento eletrônico. Para respaldar a legitimidade de tal documento, RICARDO LUÍS LORENZETTI [22], citando a posição de JAVIER RIBAS ALEJANDRO [23], assim se manifesta:

"Utilizou-se a modalidade segundo a qual se as apresenta (condições gerais) de modo inevitável ou forçoso ao usuário a fim de que acredite que as teve de ler antes de contratar e que dispõe da certificação notarial do conteúdo das condições. Isso servirá como prova documental da aceitação da oferta no caso do cliente negar haver visto as CGC às quais estava submetido".

Nessa linha de interpretação, a corte do estado da Califórnia, no julgamento do caso Hotmail Corporation v. Van Money Pie Inc, et el. C98-20064, [N.D. Ca., 20 de abril de 1998], 1998 WL 388389, decidiu que o usuário fica vinculado pelas condições gerais ao pressionar a tecla indicada como "aceitar", logo após ter tido a oportunidade de lê-las.

Portanto, conforme entendem alguns doutrinadores, se o usuário tomou ciência das cláusulas gerais de modo inequívoco, existe uma legitimação consensual das mesmas. Entretanto, isso não é suficiente para legitimar as cláusulas abusivas, vez que sua legitimidade é oriunda da lei de ordem pública em proteção aos consumidores.

Consideram-se, assim, cláusulas abusivas, aquelas que prorrogam a jurisdição, que invertem o ônus da prova, que limitam os direitos do consumidor entre outras.

Conforme as exposições acima, pode-se afirmar que existe uma relação contratual entre o fornecedor do serviço (provedor) e o consumidor (usuário) e, por se tratar de um contrato de adesão, deve o provedor do serviço informar seus usuários as condições do contrato, de forma clara e precisa, possibilitando, ainda, ao consumidor tomar conhecimento do conteúdo real das cláusulas presentes no contrato.


Conclusão

Conclui-se, portanto, que o Código de Defesa do Consumidor possui uma vasta gama de normas plenamente aplicáveis às atividades comerciais desempenhadas pelos Provedores de acesso à Internet, consoante o acima aduzido, cujas condutas comumente praticadas em seu dia a dia configuram patente violação aos preceitos consumeiristas, ensejando a devida reparação em decorrência do fato e vício do produto e serviço, da prática comercial abusiva, a declaração de nulidade da cláusula abusiva, dentre outras condutas aptas a incidirem a aplicação da Lei 8.078/90.


Notas

01. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, pg. 26, 28 e 31, 6ª ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000.

02. Idem, ibidem, pg. 152.

03. Idem, Ibidem, pg. 153.

04. in Responsabilidade do Provedor "Internet" Revista de Direito do Consumidor 26, pg. 44/51, abril/junho 1998

05. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, pg. 156, 6ª ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000.

06. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini Grinover.. . [et al.], 7ª ed. – Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2001, p. 227

07. "À Internet e suas relações com o Direito", publicado na ADCOAS sob nº 1015737.

08. Antonio Joaquim Fernandes Neto, em artigo denominado "Responsabilidade do Provedor "Internet".

09. Em artigo intitulado "Responsabilidade do provedor de Internet frente ao Código de Defesa do Consumidor, publicado em http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=1776.

10. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini Grinover.. . [et al.], 7ª ed. – Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2001, p. 243

11. "Contratos Eletrônicos vià Internet: Problemas relativos à sua formação e execução", publicado na RT 776/92.

12. em artigo denominado "Consumer Protection on the Internet"

13. Direito Civil, "Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade", vol. 3, 23ª edição, Saraiva, 1995, p. 09

14. "Contratos no Código de Defesa do Consumidor", 2ª ed., Revista dos Tribunais. São Paulo, 1995, p. 98.

15. ob. cit., p. 57

16. Contratos, Rio de Janeiro, 1995, p. 12

17. "Considerações Jurídicas sobre os Centros Comerciais ("Shopping Centers") no Brasil", in RT v. 571 - pag. 9

18. Instituições do Direito Civil, Forense, 1978, v. III, n.º 189

19. HENRI DE PAGE, "Traité Élémentaire de Droit Civil Belge", Bruxelles, Établissements Émile Bruylant, 2eme Édition, 1948, t. II, p. 425

20. ob. cit, p. 79

21. "Contratos", 10ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1984, p.43

22. Informática, Cyberlaw, E-Commerce, in Direito e Internet – Aspectos Jurídicos Relevantes. Bauru, SP: EDIPRO, 2000, p. 444

23. Aspectos Jurídicos del Comercio Electrónico en Internet, Ed. Aranzadi, Pamplona, 1999, p. 74


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CIMIERI, Felipe Veiga. O provedor de acesso à internet e os principais dispositivos do Código de Defesa do Consumidor aplicáveis à sua atividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 70, 11 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4258. Acesso em: 26 abr. 2024.