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O Poder Legislativo municipal

entre a democracia e a demagogia

O Poder Legislativo municipal: entre a democracia e a demagogia

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Por mais que as propostas de redução do número de vereadores e do valor de seus subsídios pareçam bem intencionadas, quando submetidas à crítica sob as luzes do texto constitucional, mostram-se discursos demagógicos e perniciosos à cultura democrática.

INTRODUÇÃO.

O Brasil assiste, atualmente, uma época das mais diversas efervescências de opinião.

Neste cenário, têm se multiplicado, por todo o País, apelos supostamente populares pela redução do número de vereadores e, também, de seus respectivos subsídios – com o intuito, inclusive, de equipará-los ao salário mínimo nacional.

O breve e modesto estudo que ora se apresenta tem o escopo de – partindo de uma reflexão sobre o conceito e as ambivalências da democracia, e sobre o risco de degenerescência do discurso democrático em práticas demagógicas – fazer uma breve análise de tais propostas, levando em conta, também, as atribuições próprias do Poder Legislativo Municipal.

O tema, evidentemente, é caracterizado pela polemicidade, de forma que não se tem, neste resumido estudo, inclusive em virtude de seus estreitíssimos limites, quaisquer pretensões exaustivas. O intuito, antes, é de chamar a atenção para a necessidade de reflexão sobre questões cuja complexidade tem sido, ao que parece, salvo melhor juízo, negligenciada.

1 DEMOCRACIA.

Como os discursos que defendem, hodiernamente, a redução do número de vereadores e do valor de seus respectivos subsídios não têm encontrado, em geral, um contraponto, nem têm sido submetidos, no mais das vezes, a uma análise crítica, tem sido fabricada uma impressão de que o atendimento a tais pleitos seria, supostamente, a única saída “democrática” para a questão.

Isto ocorre, ao que parece, inclusive porque a complexidade do conceito de democracia, suas ambivalências e os riscos de degenerescência do exercício democrático em exercício demagógico têm sido, sistematicamente, ignorados.

Assim, parece premente, para que se possa analisar a questão de forma mais abrangente, que neste primeiro tópico tais questões sejam tratadas, ainda que de forma bastante panorâmica.[1]

De acordo com Bobbio, há critérios formais de configuração de um determinado sistema como democrático, dentro os quais estariam as seguintes características:

1) o órgão político máximo, a quem é assinalada a função legislativa, deve ser composto de membros direta ou indiretamente eleitos pelo povo, em eleições de primeiro ou de segundo grau;[2] 2) junto do supremo órgão legislativo deverá haver outras instituições com dirigentes eleitos, como os órgãos da administração local ou o chefe de Estado (tal como acontece nas repúblicas); 3) todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, de religião, de censo e possivelmente de sexo, devem ser eleitores; 4) todos os eleitores devem ter voto igual; 5) todos os eleitores devem ser livres em votar segundo a própria opinião formada o mais livremente possível, isto é, numa disputa livre de partidos políticos que lutam pela formação de uma representação nacional; 6) devem ser livres também no sentido em que devem ser postos em condição de ter reais alternativas (o que exclui como democrática qualquer eleição de lista única ou bloqueada);[3] 7) tanto para as eleições dos representantes como para as decisões do órgão político supremo vale o princípio da maioria numérica, se bem que podem ser estabelecidas várias formas de maioria segundo critérios de oportunidade não definidos de uma vez para sempre;[4] 8) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, de um modo especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições; 9) o órgão do Governo deve gozar de confiança do Parlamento ou do chefe do poder executivo, por sua vez, eleito pelo povo (1998, p. 327).[5]

Goyard-Fabre destaca, também, que o ideal democrático se desenvolveu, ao longo da história, fundado sobre três eixos institucionais, “os procedimentos da representação; as estruturas contratualistas de um poder que não pode nem existir nem se exprimir sem o consentimento do povo; a arquitetura de uma Constituição que, ao organizar os poderes do Estado, garante o respeito da legalidade” (2003, p. 127).[6]

Segundo a autora, “o regime da democracia repousa hoje sobre uma organização constitucional na qual as autoridades e as instâncias políticas estão, elas mesmas, submetidas ao direito: dessa concepção da democracia o estado de direito é a forma jurídica acabada” (GOYARD-FABRE, 2003, p. 277).

Esse quadro tem como resultado, segundo Guimarães e Amorim, que “[…] uma vez que a democracia, em sua polissemia de sentidos, tornou-se um valor de referência universal na contemporaneidade, ela pode ser definida como o tipo de regime que permite o exercício da liberdade de indivíduos” (2013, p. 19).

No panorama contemporâneo, segundo Barroso,

[...] no tocante à democracia, é possível considera-la em uma dimensão predominantemente formal, que inclui a ideia de governo da maioria e de respeito aos direitos individuais, frequentemente referidos como liberdades públicas – como as liberdades de expressão, de associação e de locomoção –, realizáveis mediante abstenção ou cumprimento de deveres negativos pelo Estado. A democracia em sentido material, contudo, que dá alma ao Estado constitucional de direito, é, mais do que governo da maioria, o governo para todos. Isso inclui não apenas as minorias – raciais, religiosas, culturais –, mas também os grupos de menor expressão política,[7] ainda que não minoritários, como as mulheres e, em muitos países, os pobres em geral (2009, p. 41).

A celebração das virtudes da democracia é, atualmente, ponto comum dos mais variados discursos; contudo, é necessário observar que, enquanto projeto cultural em evolução ao longo da história, suas ambivalências têm sido, desde há muito, salientadas.

Assim, Goyard-Fabre, ao falar sobre as características dos regimes democráticos que se mostraram constantes ao longo dos séculos, salienta que

Por um lado, ela [a democracia] define a forma de um regime que, fundando a autoridade do governo do povo, garante “a presença dos governados no exercício do poder”. Por outro lado, transporta e transpõe para a esfera política o caráter conflituoso das paixões humanas, de forma tal que, no mesmo movimento que suscita a esperança da liberdade e da igualdade, faz pesar sobre a Cidade as ameaças da desrazão que o desejo insaciável do povo introduz na razão (2003, p. 13).[8]

A autora observa que,

[...] a questão da legitimidade democrática faz surgir, hoje mais que nunca, um dilema doloroso: abriu-se uma brecha entre o princípio que funda racionalmente a democracia na vontade geral legisladora do povo soberano e o processo de legitimação das instâncias de decisão por uma opinião pública tão versátil quanto ruidosa (GOYARD-FABRE, 2003, p. 285).[9]

Ainda na Grécia antiga, Eurípedes falava sobre os riscos de as instituições democráticas serem degradadas em demagogia.

Embora, por exemplo, em As suplicantes, ele oponha a democracia à tirania que lhe causa horror, diz também que ela está solapada pelo pulular dos aduladores que inebriam o povo com palavras tão enganadoras quanto sedutoras. Deplora o julgamento pouco confiável das assembleias populares que se deixam levar pelo melhor perorador ou pelo orador mais violento (GOYARD-FABRE, 2003, p. 64).

Nesse mesmo contexto, Aristófanes, também, expõe em suas obras teatrais, uma visão que “[...] é sobretudo impiedosa tanto em relação à baixeza dos demagogos que, sem vergonha, adulam o povo, como em relação às próprias massas populares que, frágeis e inconstantes, carecem de lucidez e se deixam facilmente enganar” (GOYARD-FABRE, 2003, p. 65).[10]

Certamente influenciado por esses pensadores, posteriormente Aristóteles consagraria que a “democracia pode se corromper e então fazer despontar uma demagogia” (CICCO e GONZAGA, 2012, p. 79).[11]

Assim também, muito tempo depois, Tocqueville afirma que “a opinião geralmente aceita pela massa pode ser defendida por uma opinião delirante; pode proceder do arbítrio ou da adulação, obedecer a qualquer pequeno especialista em demagogia [...]” (GOYARD-FABRE, 2003, p. 217).[12]

Neste contexto, o caráter ambivalente da democracia, enquanto projeto histórico, pode parecer um problema invencível.

Nino, contudo, lembra que

Por certo, o procedimento democrático é extremamente falível e é tanto mais falível quanto mais se distancie de exigências de participação, ampla discussão e justificação, mas ainda assim é menos falível que outros métodos de decisão coletiva, como a reflexão isolada de uma única pessoa ou de um grupo de pessoas (2014, p. 186).

Assim também, Goyard-Fabre afirma que:

É precisamente disso que a sociedade democrática precisa: se é verdade que ela deve dar atenção à opinião pública, nem por isso deve submeter-se a ela; o importante é que ela reconheça, junto com os direitos de cidadãos maiores e livres, as exigências de princípio da ordem pública; sobre essa base, cabe a suas instituições efetuar a síntese entre ordem e liberdade (2003, p. 336).

Estlund, por sua vez, propõe que a autoridade democrática seja avaliada sob o crivo de um “requisito de admissibilidade qualificada”,[13] segundo o qual “[...] todas as justificações de uma autoridade política devem passar primeiro pelo crivo de todos os pontos de vista qualificados, e que essas justificações fracassam se são rechaçadas nesse processo” (2011, p. 68, tradução nossa).[14]

Pode-se afirmar, assim, que, para que não degenere para a pura demagogia, o ambiente democrático depende uma prática política comprometida não apenas com o mais absoluto respeito aos direitos das minorias, mas também com o cultivo de um discurso público esclarecido e logicamente organizado.

2 PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL.

Referidas, ainda que de forma bastante panorâmica, os aspectos que mais importam para este resumido estudo relativos ao conceito de democracia, suas ambivalências e os riscos de degenerescência em demagogia, cabe passar a um breve tratamento das questões inicialmente propostas sobre as pretensões da redução do número de vereadores e de seus respectivos subsídios.

Antes, porém, referir-se-á, de forma também tangencial, algo a respeito das principais atribuições do Poder Legislativo Municipal.

2.1 As Atribuições do Poder Legislativo Municipal.

Para os fins deste resumido estudo, antes de tratar especificamente das questões relacionadas ao número de vereadores e aos seus respectivos subsídios, é necessário rememorar, de forma breve e panorâmica, quais as principais funções do Poder Legislativo Municipal.

É, assim, a partir da própria Constituição Federal, mais especificamente em seus artigos 30 e 31, que se toma conhecimento das atribuições dos vereadores.

Desta forma, segundo o artigo 30, I, da Constituição Federal, compete ao Município legislar sobre assuntos de interesse local, quando não houver exclusividade de tratamento da matéria por parte do Poder Legislativo Federal e/ou Estadual, competindo-lhe, também, suplementar a legislação federal e estadual naquilo que couber – ainda mais especialmente em toda a matéria relacionada no art. 23, da própria Constituição Federal, e que inclui, por exemplo, o cuidado com a saúde e a assistência; a proteção de pessoas com deficiência; o acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; a proteção do ambiente e o combate à poluição; o fomento à produção agropecuária e a organização do abastecimento alimentar; a promoção de programas habitacionais e de saneamento básico; o combate à pobreza e à marginalização.

Também é atribuição do Município, segundo o artigo 30, II, da Constituição Federal, instituir os tributos de sua competência.

Cabe, também, ao Município, por força do disposto no artigo 30, VIII, da Constituição Federal, promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, além de, nos termos do artigo 30, IX, da Carta Magna, promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local.

Ainda cabe ao Poder Legislativo Municipal, segundo o determinado no artigo 31, caput, da Constituição Federal, promover a fiscalização do Município – o que fará, nos termos do art. 31, § 1º, com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ou do Conselho ou Tribunal de Contas do próprio Município, onde houver.

Assim, segundo a síntese de Kawasaki,

O Poder Legislativo possui então duas funções típicas: a função legislativa e a função fiscalizadora. A primeira consiste em elaborar, apreciar, alterar ou revogar as leis de interesse do município, sendo que essas leis podem ter origem na própria Câmara ou resultar de projetos de iniciativa do Prefeito, ou da própria sociedade, através da iniciativa popular. A segunda função, consiste na atividade que o Poder Legislativo exerce para fiscalizar o Executivo e a burocracia, ou seja, é o acompanhamento da implementação das decisões tomadas no âmbito do governo e da administração.

Além disso, deve-se lembrar também que o Poder Legislativo possui duas funções atípicas: a função administrativa, pois gerencia o seu próprio orçamento, seu patrimônio e seu pessoal, além de organizar suas atividades; e a função judiciária, pois cabe a ele processar e julgar o Prefeito por crime de responsabilidade, além de julgar os próprios vereadores, inclusive o Presidente da Câmara, em caso de irregularidades, desvios éticos ou falta de decoro parlamentar (2015).

Vale lembrar, também, que, “o parlamento municipal, [...] de forma inegável, é o que está mais afeto ao cotidiano do cidadão, dada a sua proximidade” (PAULA, 2006, p. 34).

Evidencia-se, assim, ainda que de forma bastante resumida, que sobre os ombros dos vereadores e do Poder Legislativo Municipal encontram-se uma série de importantíssimas atribuições, que devem ser desempenhadas com a mais alta eficiência, a fim de que o Município, enquanto ente federativo,[15] alcance também suas próprias finalidades, sob as luzes do texto constitucional.

É de suma importância que não se perca de vista todas essas atribuições, quando se pretender analisar questões relativas ao funcionamento das Câmaras Municipais, no que se procurará avançar, modestamente, a seguir.

2.2 O Número de Vereadores.

No Brasil, o Poder Legislativo (na esfera municipal, tanto quanto na estadual e na federal) é organizado segundo as diretrizes da Constituição Federal, e formado por meio de eleições periódicas, segundo a sistemática da representação proporcional com lista aberta.[16]

Vale dizer que o eleitor vota no candidato de sua preferência, mas o voto é computado para o partido ou coligação ao qual o referido candidato encontra-se ligado. Na fase de apuração, são contados os votos válidos, o que permite chegar ao quociente eleitoral e ao quociente partidário[17] – após o que é possível saber quantas cadeiras foram conquistadas por cada partido ou coligação, conforme os votos obtidos, e, por fim, quais os candidatos mais votados de tal partido ou coligação, que assumirão as cadeiras em questão.

De  acordo  com  as  regras  atuais,  os  partidos  políticos  podem  competir sozinhos ou formar coalizões. Eles apresentam uma lista aberta de candidatos, ou seja, um elenco de candidatos sem definir uma ordem de preferência. Cada eleitor tem a opção de dar seu voto a um candidato ou a um partido.

Após a eleição, o Tribunal Superior Eleitoral calcula o coeficiente eleitoral por Quota Hare, excluindo da contagem os votos em branco. Após o cálculo, todos dos candidatos de um mesmo partido/coalizão são somados para determinar o número de  assentos  a  que  eles  têm  direito.  A  cada  vez  que  o  partido/coalizão  alcança  o coeficiente necessário, ele obtém uma cadeira.

Em um segundo momento, é feita a contagem dos votos individuais de cada candidato.  Os  assentos  obtidos  pelos  seus  respectivos  partidos/coalizões  são distribuídos àqueles com maior votação individual. Na verdade, os votos destinados a  cada  partido/coalizão  servem  apenas  para  distribuir  as  cadeiras,  não  afetam  a identificação  dos  candidatos  que  ocuparão  tais  cadeiras.  Os  assentos  ocupados  através  deste  processo  são  distribuídos segundo a fórmula D'Hondt (GIUDICE, 2010, p. 23 e 24).

É válido destacar, assim, que o sistema de representação proporcional funciona segundo uma sistemática pela qual é, em primeiro lugar, o partido ou coligação quem recebe os votos,[18] e que essa sistemática está fundada sobre a ideia de que os partidos[19] ou coligações representam tendências ideológicas e anseios diversos da sociedade.[20]

Ao final do processo eleitoral, o que se espera é que as ideologias e prioridades do povo estejam representadas no Poder Legislativo[21] – onde acontecem, por meio dos representantes eleitos, os debates democráticos relevantes para a construção de políticas públicas, por exemplo – em proporção semelhante à que se encontra na sociedade.

Segundo a síntese perspicaz de Teodoro,

Com o surgimento do governo democrático e a idéia de que o poder emana do povo, nasceu a idéia de que a representação popular deveria ser estendida a tantas quantas fossem as classes de cidadãos apresentadas em determinada região. Ou seja, se antes predominava o conceito de que somente os grandes partidos deveriam governar, a partir de então, surgiu a necessidade de que os pequenos partidos também se fizessem representados, e assim, tivessem espaço político para defender os interesses das minorias (2008).[22]

A ideia de que a representação proporcional é democraticamente mais adequada é relativamente recente na história humana.[23] Contudo, é de se ressaltar que, ainda em 1860, na obra Considerations on Representative Government, Stuart Mill já afirmava que o “referido sistema dá origem a um parlamento mais representativo das opiniões políticas dos eleitores, levam a formação de governos multipartidários que, precisamente pela sua composição, representam a maioria dos eleitores” (apud TEODORO, 2008).[24]

A efetiva possibilidade participação das minorias, portanto, é de crucial importância para que se caminhe no sentido de um ideal democrático.

A este respeito, vale lembrar a lição lapidar de Kelsen:

A discussão livre entre maioria e minoria é essencial à democracia porque esse é o modo de criar uma atmosfera favorável a um compromisso entre maioria e minoria, e o compromisso é parte da própria natureza da democracia. [...] Na medida em que, numa democracia, os conteúdos da ordem jurídica não são determinados exclusivamente pelo interesse da maioria, mas são o resultado de um compromisso entre os dois grupos, a sujeição voluntária de todos os indivíduos à ordem jurídica é mais facilmente possível que em qualquer outra organização política. Precisamente por causa dessa tendência rumo ao compromisso, a democracia é uma aproximação do ideal de autodeterminação completa (2000, p. 412).[25]

O artigo 29, IV, da Constituição Federal de 1988, estabelece os limites máximos de vereadores, levando em conta os números oficiais de habitantes[26] dos respectivos municípios. O número varia de no máximo nove vereadores, nos municípios com até 15 mil habitantes, até no máximo 55 vereadores, nos municípios com mais de oito milhões de habitantes.

É certo, por um lado, que os limites máximos fixados pela Constituição Federal devem ser respeitados, mas parece igualmente certo, por outro lado, que, dentro desses limites, não se deve esperar que a redução do número de vereadores possa proporcionar uma melhoria na qualidade de representação popular –mormente em um sistema de representação proporcional, adotado no Brasil, como visto.[27]

Muito pelo contrário, aliás; a redução do número de vereadores implica, também, inevitável e inescapavalmente, a redução das possibilidades de as minorias conseguirem se fazer representadas perante o Poder Legislativo Municipal – isto é, reduz a sua capacidade de participação ativa no debate democrático institucionalizado para a definição de políticas públicas.

Assim, salvo engano, o discurso, pretensamente democrático, que pretende defender a necessidade de redução do número de parlamentares municipais, mostra-se, na realidade, mesmo que de forma não intencional, tendente a diminuir a participação efetiva das minorias – e, desta forma, revela-se puramente demagógico e essencialmente antidemocrático.

2.3 A Remuneração dos Vereadores.

A Constituição Federal determina, no artigo 39, § 4º, que os detentores de mandato eletivo[28] serão remunerados pela sistemática de subsídio – fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória.[29]

É, também, a própria Constituição Federal, no artigo 29, VI, quem estabelece as balizas para a fixação do valor subsídio dos vereadores – em índices que variam de no máximo 20% do subsídio dos Deputados Estaduais, em Municípios de até 10 mil habitantes, até no máximo 75% do subsídio dos Deputados Estaduais, em Municípios de mais de 500 mil habitantes.

O texto constitucional prevê, ainda, no artigo 29, VII, que o total da despesa com a remuneração dos vereadores não poderá ultrapassar o equivalente a 5% da receita do Município, e, no artigo 29-A, que o total da despesa do Poder Legislativo Municipal,[30] não poderá ultrapassar o equivalente a percentuais que variam de no máximo 7% da receita total,[31] nos Municípios com até 100 mil habitantes, até no máximo 3,5% de tal receita, nos Municípios com mais de oito milhões de habitantes.

Verifica-se, assim, que a Constituição Federal – o pacto político fundamental do País – foi cuidadosa e detalhada, ao estabelecer os limites da remuneração dos vereadores e dos respectivos possíveis impactos no orçamento municipal.

Além do mais, a própria Constituição Federal sinalizou, no artigo 7º, V, que a remuneração correspondente a qualquer espécie de trabalho deve ser fixada em valores que levem em conta sua extensão e complexidade.

Multiplicam-se, contudo, por todo o País, discursos inflamados pela redução dos subsídios dos vereadores, muitas vezes para o valor estabelecido para o salário mínimo nacional.

Essa pretensão parece impossível, na vigência do atual texto constitucional, porque o artigo 29, VI, prevê que o subsídio será fixado, sempre, para a legislatura subsequente – que não pode adivinhar o valor do salário mínimo nos anos subsequentes, por um lado, nem estabelecer uma remuneração inferior ao próprio salário mínimo nacional, por outro –, e também porque os artigos 7º, IV e 37, XIII, salvo engano, vedam tal vinculação.

Além do mais, salvo melhor juízo, é possível enxergar em tais discursos – mesmo que isto não ocorra de forma intencional – o mais flagrante exercício de demagogia – o que ocorre, invariavelmente, em prejuízo do espírito democrático.

Ora, tendo conhecimento da extensão e da complexidade das atividades desenvolvidas pelos vereadores, [32] é imperativo que se trabalhe para que sejam eles remunerados de forma proporcional – isto, inclusive em observância ao disposto no já aludido artigo 7º, V, da Constituição Federal.

Neste panorama, parece possível afirmar que, além de formalmente inadequado, é, também, no mérito, completamente absurdo pretender limitar o subsídio de vereadores ao equivalente ao salário mínimo nacional – tanto quanto seria absurda a pretensão de levar tal limitação aos subsídios de magistrados, ou à remuneração de médicos, policiais ou professores, por exemplo.

Além do mais, é de se destacar que, conforme salientado no primeiro tópico deste resumido estudo, para que um determinado regime possa ser considerado democrático, é necessário que os cidadãos, em geral, tenham condições de acesso aos cargos representativos – independentemente de sua condição ou classe social.

É evidente, contudo, que, se o próprio subsídio não tiver um valor correspondente à extensão e complexidade das atribuições de vereador, estar-se-á afastando, por via reflexa, a possibilidade de cidadãos de baixa renda aspirarem ao cargo[33] – já que precisam dedicar tempo considerável à consecução de suas funções, por um lado, mas também precisam fazer frente às despesas inerentes à própria subsistência e ao sustento da família, por outro.[34]

É necessário levar em conta, ainda, que um subsídio de baixo valor provavelmente afastará também os candidatos mais bem preparados para o exercício das funções inerentes ao cargo de vereador.

Não se pretende aqui fazer uma apologia do discurso segundo o qual subsídios baixos, supostamente, conduziriam à corrupção. A experiência nacional tem mostrado que as pessoas com tendências à corrupção estão distribuídas pelas mais diversas esferas do poder e por todos os escalões imagináveis de remuneração. A corrupção, assim, parece estar ligada mais exatamente a uma falha de caráter, e não propriamente de remuneração.

Contudo, há que se levar em conta que os cidadãos bem preparados têm consciência do valor de seu próprio tempo, e provavelmente não estarão dispostos a sacrificá-lo, para desempenhar as funções do cargo de vereador de forma criteriosa, se a retribuição pecuniária não levar em conta a extensão e complexidade do trabalho.

É bem verdade que, atualmente, é bastante disseminada a ideia de que “os políticos”, em geral, têm a atuação marcada, na melhor das hipóteses, pela insignificância e, muitas vezes, mesmo, pela profunda corrupção.[35]

Contudo, é de se lembrar que o perfeito funcionamento das instituições passa, também, pelo bom desempenho das funções dos agentes políticos – que, aliás, estão sempre sujeitos ao controle popular, inclusive por meio da expressão da vontade nos sufrágios periódicos.[36]

Se, eventualmente, os atuais legisladores municipais são incompetentes, ou mesmo corruptos, resta sempre a possibilidade de escolha de candidatos mais bem preparados e mais honestos, nas próximas eleições; e se o cidadão entende que não há, absolutamente, candidatos com tais características, tem ele mesmo a possibilidade de, segundo suas próprias convicções ideológicas, procurar filiar-se a um partido e se colocar a disposição da população, como possibilidade de escolha.

Enfim, é de se questionar a quem pode interessar o discurso generalista de completo aviltamento do exercício político, que passa, atualmente, pela multiplicação de propostas flagrantemente demagógicas – e, até por isso, com aparências de boas intenções –, como tal, inevitavelmente perniciosas ao espírito democrático.

CONCLUSÃO.

No decorrer do resumido artigo que ora se apresenta, procurou-se demonstrar que a democracia, enquanto projeto histórico, deve estar comprometida com todos os cidadãos – inclusive com o absoluto respeito aos direitos das minorias, o que inclui a possibilidade de se fazerem representar nas mais diversas esferas do poder constituído.

Neste panorama, e pelas diversas razões expostas ao longo deste estudo, por mais que as propostas de redução do número de vereadores e do valor de seus respectivos subsídios possam parecer bem intencionadas (ou, mesmo que, em muitos casos, efetivamente o sejam), quando submetidas ao crivo da análise crítica e lógica, sob as luzes do texto constitucional, mostram-se discursos puramente demagógicos e, como tal, completamente perniciosos à cultura democrática.

Espera-se, assim, com este modesto artigo, contribuir para chamar a atenção para a alta complexidade dos temas em questão, e incentivar o aprofundamento do estudo e do debate sobre a matéria.


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[1] Tratamento panorâmico que, neste caso, é inescapável, haja vista o fato de que “o conceito de democracia é um conceito interpretativo e muito controverso” (DWORKIN, 2014, p. 580).

[2] Sobre este ponto, Caggiano observa que “[...] em panoramas democráticos, as eleições competitivas, comparecem em cenário político decisional como fonte de legitimidade dos governantes, concorrendo para assegurar a constituição de corpos representativos, de sua parte, qualificados pela legitimação do voto popular. Demais disso, atuam como instrumentos para, por um turno, promover o controle governamental e, por outro, expressar a confiança nos candidatos eleitos. E mais que isso, na condição de locus de participação política, autorizam a mobilização das massas, todo um processo de conscientização política e canalização dos conflitos, mediante procedimentos pacíficos. Contribuem, ainda, para a formação da vontade comum e, diante de sistemas parlamentaristas correspondem ao processo natural e eficaz de designação do governo, mediante a formação das maiorias parlamentares” (2004, p. 537).

[3] Guimarães e Amorim ainda propõem que “a questão da representação deve ser analisada também em relação ao acesso de grupos historicamente marginalizados. Nesse ponto, há de se pensar sobre a redução de restrição do direito de votar e ser votado, mas também sobre a existência ou não de mecanismos voltados para impedir a subrepresentação desses grupos” (2013, p. 128).

[4] Conquanto as regras eleitorais possam variar de um país para outro, é importante lembrar que tais regras devem ser “claras, previsíveis e equitativas” (ESCOLAR et. al., 2015, p. 9, tradução nossa).

[5] O próprio Bobbio, todavia, adverte que “Certamente nenhum regime histórico jamais observou inteiramente o ditado de todas estas regras; e por isso é lícito falar de regimes mais ou menos democráticos” (BOBBIO, 1998, p. 327).

[6] Cabe aqui lembrar a importante advertência da autora, que salienta que, conquanto não sejam incompatíveis entre si, as ideias de República e de democracia não se confundem: “o conceito de República insere-se no registro dos fins que determinam a essência do governo; o conceito de democracia insere-se no registro das modalidades e dos instrumentos práticos do governo de um Estado” (GOYARD-FABRE, 2003, p. 108).

[7] Sobre a representatividade das minorias e grupos de menor expressão política, trata-se, neste mesmo resumido estudo, adiante, no tópico dedicado ao número de vereadores.

[8] Mencione-se que mesmo Kant esteve atento às ambivalências da democracia. Segundo ele (que se debruçou sobre o assunto em seu Ensaio sobre a Paz Perpétua), “tal é o malefício potencial de toda democracia: se o povo legislador erige a si mesmo em executor de sua própria vontade, à autonomia do soberano soma-se a heteronomia dos cidadãos-súditos. Portanto, a democracia porta em si a contradição mortal que separa a vontade geral e a liberdade dos cidadãos. Numa palavra, a democracia está, diz Kant, ameaçada pelo despotismo” (GOYARD-FABRE, 2003, p. 189).

[9] Assim também, Sandel lembra que “o simples fato de a maioria, por maior que seja, concordar com uma determinada lei, ainda que com convicção, não faz com que ela seja uma lei justa” (2012, p. 138).

[10] Aristófanes, aliás, alerta que, “em sua leviandade imutável, o povo busca apenas o prazer e, para obtê-lo, aceita, inconscientemente, ser manipulado; com efeito, basta ‘agradá-lo’ para obter dele tudo o que se queira, mesmo se isso contraria seus interesses” (GOYARD-FABRE, 2003, p. 65).

[11] Segundo Aristóteles, aliás, a tirania também seria uma degenerescência da monarquia, e a oligarquia uma forma corrompida de aristocracia (CICCO e GONZAGA, 2012, p. 78 e 79).

[12] Mais recentemente, Dworkin, por exemplo, adverte que, “partindo da suposição plausível de que as autoridades eleitas são mais capazes que as assembleias populares de proteger os direitos individuais contra as perigosas instabilidades da opinião pública, não pode haver, na democracia, a exigência geral de que todas as questões fundamentais sejam decididas por referendo” (2014, p. 603); o que, certamente, revela preocupações profundas com o funcionamento das instituições democráticas. Assim também, Estlund observa que “a democracia atribui o poder às massas independentemente da qualidade das decisões políticas resultantes” (2011, p. 25, tradução nossa). Adiante, porém, o autor salienta que, “a democracia, contudo, parece um mecanismo justo para tomar decisões, ao menos como aspiração” (ESTLUND, 2011, p. 30).

[13] É bem verdade que a proposta é controversa. Bauman e May, por exemplo, afirmam que, “ser aceito como legítimo [...] exige não só que a relação se conforme a regras específicas, mas também que seja justificada pelas crenças partilhadas por todos aqueles a elas sujeitos e que concordem voluntariamente com a relação” (2010, p. 105).

[14] O autor explica que “[…] a autoridade política deve ser justificada ante aqueles que quedam submetidos a ela e de forma que eles possam aceitar. Mas não parece plausível que um requisito de admissibilidade geral considere decisiva qualquer simples objeção, e por isto é necessário traçar e defender a distinção entre objeções qualificadas e não qualificadas” (ESTLUND, 2011, p. 69 e 70).

[15] Mencione-se, aliás, a título de curiosidade, que, Segundo Temer, “a autonomia municipal, no Brasil, é realidade natural anterior à própria autonomia política dos Estados federados” e que remontaria, mesmo, a tempos anteriores à independência (1997, p. 104).

[16] Isto, atualmente, por força do disposto no artigo 45, da Constituição Federal de 1988 (CICCO e GONZAGA, 2012, p. 106).

[17] Para uma explicação detalhada a respeito do cálculo do quociente eleitoral e do quociente partidário, cf. Rosa (2013).

[18] Segundo Teixeira, “o eleitor votará, agora, não mais no candidato apenas, como no sistema majoritário, mas num certo número, numa lista de candidatos” (1991, p. 523).

[19] Goyard-Fabre, inclusive, afirma, com referências a Montesquieu, que, “graças à pluralidade de ideias que os partidos representam e exprimem no seio do povo, eles fazem com que as leis se alinhem aos ‘hábitos e costumes’, cujo conjunto forma ‘o espírito geral de uma nação’” (2003, p. 139). A autora também afirma, com alusões a Kelsen, que, “[...] no mundo moderno, a democracia real repousa menos no povo que nos partidos políticos” (GOYARD-FABRE, 2003, p. 307).

[20] Assim, a representação proporcional procura “assegurar que a diversidade de opiniões de uma sociedade esteja refletida no Legislativo” (NICOLAU, 2004, p. 37). L. V. A. da Silva, aliás, esclarece que, no sistema de representação proporcional, “as minorias, qualquer que seja sua força, terão a representação proporcional a essa força, o que faz com que não sejam somente os maiores grupos majoritários que tenham chance de obter representantes” (1999, p. 137). Guimarães e Amorim, por sua vez, destacam que “quanto mais plural o sistema político-partidário, maiores são as possibilidades de liberdade de expressão, de manifestação de ideias divergentes na disputa política” (2013, p. 128).

[21] É bem verdade que o processo eleitoral brasileiro mostra-se, ainda, problemático. Ames observa que, “processo legislativo, o sistema do Brasil produz partidos sem programas, partidos que abrigam uma enorme gama de interesses e preferências. A representação proporcional com lista aberta não é uma condição suficiente para partidos fracos; o Chile pré 1973 combinava a representação proporcional com lista aberta com partidos ferozmente ideológicos. Mas a representação proporcional com lista aberta no Brasil funciona de modo diferente, porque os interesses dos estados controlam as indicações, porque os partidos não podem controlar o comportamento de seus deputados, e porque a importância dos distritos aumenta tanto a fragmentação interpartidária quanto a intrapartidária” (2012, p. 80). Contudo, é de se destacar, aliás, que a melhoria das condições de exercício político democrático no Brasil estão ligadas a uma necessária reforma polítíca – tema de diferenciada importância, mas que se encontra fora dos estreitos limites do estudo que ora se apresenta – e não propriamente pela redução do número de representantes, conforme se procurará demonstrar logo a seguir.

[22] O autor esclarece, aliás, que “[...] esse sistema facilita a representação de todos os interesses e opiniões políticas no parlamento, tendo em conta o seu peso relativo no eleitorado. Ou seja, as minorias também serão representadas, porém de acordo com sua força quantitativa” (TEODORO, 2008). Assim também Nino afirma que “certas instituições (como a representação, a divisão de poderes, a descentralização territorial e o consentimento periódico do eleitorado politicamente ativo) são mecanismos que impedem a monopolização do poder por parte de algum grupo de interesse, ao mesmo tempo que garantem que estes tenham adequada expressão em proporção à força e à intensidade de seus interesses” (2014, p. 183, tradução nossa). Dworkin, por sua vez, observa que “a legitimidade exige uma distribuição de poder político que reflita a igual consideração e respeito que a comunidade deve ter por seus cidadãos” (2014, p. 600).

[23] Segundo Dallari, “o problema de mais difícil solução na democracia representativa é o da representação das minorias. Tentando solucioná-lo, foi que na Bélgica se introduziu, no ano de 1900, o sistema de representação proporcional, que seria acolhido por muitos Estados depois da I Guerra Mundial” (2000, p. 191 e 192). No Brasil, a representação proporcional foi adotada pela primeira vez em 1932, na ocasião da elaboração do primeiro Código Eleitoral Brasileiro, e o sistema proporcional de listas abertas encontra-se vigente desde 1945, com pouquíssimas alterações (GIUDICE, 2010, p. 21 e 27).

[24] Um ano antes, em 1859, Stuart Mill já advertia que “o desejo do povo [...] praticamente significa o desejo da parte mais numerosa ou da mais ativa deste; a maioria, ou aqueles que conseguem ser aceitos como a maioria; o povo pode, consequentemente, desejar oprimir uma parte de seu número; e as precauções são tão necessárias contra isso como contra qualquer outro abuso de poder” (2006, p. 20). Adiante, aliás, o autor assevera que “[...] ‘a tirania da maioria’ inclui-se geralmente agora dentre os males contra os quais a sociedade precisa estar atenta” (STUART MILL, 2006, p. 21).

[25] Kelsen observa, ademais, que a Democracia depende, também, da observância rigorosa de que não se pode “[...] excluir qualquer minoria da criação da ordem jurídica, mesmo se a exclusão for decidida pela maioria” (2000, p. 411).

[26] Habitantes, em geral, e não necessariamente eleitores.

[27] Pode-se observar, também, que, respeitando-se os limites previstos no próprio texto constitucional, por óbvio, mas garantido o maior número possível de representa representantes, reflete-se mais adequadamente o pluralismo político, um dos fundamentos da República, segundo o disposto no artigo, 1º, V, da Constituição Federal.

[28] Tanto quanto os membros de Poder, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais.

[29] Garantido, todavia, nos termos do artigo 37, XI e § 11, o percebimento das parcelas de caráter indenizatório previstas em lei.

[30] Incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos.

[31] Receita total equivalente, nos termos do art. 29-A, caput, da Constituição Federal, ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5o do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior.

[32] Sobre a extensão e complexidade das atividades de responsabilidade dos vereadores, tratou-se, resumidamente, no tópico anterior.

[33] Isto, além, evidentemente, de se minar o interesse de cidadãos bem preparados para o exercício da função, e que reconheçam o valor de seu próprio tempo – o que, aliás, vale, também, para qualquer espécie de trabalho em uma sociedade liberal e capitalista.

[34] Também neste sentido, verifica-se o completo absurdo das sugestões de que, a exemplo do que supostamente acontecia na Grécia antiga, as funções de legislador deveriam ser desempenhadas de forma gratuita. Esquecem-se, provavelmente, os defensores de uma tal sistemática que a democracia grega excluía mulheres, estrangeiros e escravos, e que os ditos cidadãos tinham tempo e recursos disponíveis, até porque a rotina de trabalho estava fora de suas atribuições.

[35] Paula, aliás, atento a tal problemática, assevera: “[...] não vendamos os olhos ao aparente e cotejado benefício da redução de custos com a ceifa de cadeiras de vereança para as novas eleições municipais. Bem se sabe que há abusos em todo o país de corrupções praticadas por edis, de forma que a redução deste, em tese, reduziria a corrupção. Porém, qual a certeza do munícipe de que será o vereador corrupto que não mais sentará no parlamento municipal como ventríloquo do poder local já constituído? Mais, com a dita redução, e com o noticiosa corrupção através de ‘mensalões’, compra de votos e outras aberrações, não será prejuízo ao erário e à população a redução do número de vereadores, vez que o corruptor terá maior facilidade com um número menor de potenciais corruptos, em detrimento da representatividade popular? As incógnitas nos levam a crer que a melhor saída seria investir na educação para a cidadania de modo a instruir o povo a bem votar, e aumentar os bons políticos que farão valer a vontade da nação” (2006, p. 35).

[36] Segundo a observação de J. A. da Silva, “[...] nas democracias de partido e sufrágio universal, as eleições tendem a ultrapassar a pura função designatória, para se transformarem num instrumento, pelo qual o povo adere a uma política governamental e confere seu consentimento, e, por consequência, legitimidade, às autoridades governamentais. Ela é, assim, o modo pelo qual o povo, nas democracias representativas, participa na formação da vontade do governo e no processo político” (2000, p. 142).


Autor

  • Thiago Caversan Antunes

    Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL) e Mestre em Direito Negocial (UEL). Doutor em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Professor do curso de graduação em Direito da Universidade Positivo (UP Londrina), e de diversos cursos de pós-graduação. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). Autor de livros e artigos científicos. Atua como advogado.

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Informações sobre o texto

Texto originalmente publicado na Revista Sensus: Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Thiago Caversan. O Poder Legislativo municipal: entre a democracia e a demagogia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4543, 9 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45034. Acesso em: 3 maio 2024.