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A evolução dos direitos dos animais.

Um novo e fundamental ramo do Direito

A evolução dos direitos dos animais. Um novo e fundamental ramo do Direito

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O direito dos animais é um novo ramo do direito, protegendo sua vida e liberdade, mas há divergências sobre sua consciência e capacidade de sofrimento.

Introdução

O direito dos animais está despontando como um novo e fundamental ramo do direito, pois, por meio deste, haverá também a proteção ao meio ambiente e ecossistema. Mas, principalmente os seus direitos fundamentais como a vida e liberdade, inibindo a crueldade e maus tratos.

A presença dos animais é de grande relevância visto que sempre existiram e fizeram parte do meio ambiente, antes até, da existência do homem, a Terra já era habitada por eles. Por isso é que devemos atentar para a importância dos animais em nossa vida e na preservação e conservação do meio ambiente, pois o meio ambiente sadio e equilibrado é formado por um todo, e não apenas por elementos vistos de forma separada.


O DIREITO DOS ANIMAIS NA PRÉ-HISTÓRIA E NA BÍBLIA

A relação homem-animal data de vários séculos. A dos humanos com os caninos, por exemplo, tem origem numa relação pré-histórica de dependência, onde os lobos se aproximavam dos homens visando se aproveitar das carcaças e das vísceras dos alimentos desperdiçados, enquanto protegiam as cavernas daqueles que os alimentassem.

Com o passar nos anos a dependência entre o homem e o animal ganhou proporção suficiente para a criação de discussões a respeito do tema, no sentido de cessar o abuso desregrado em relação aos animais em favor do homem.

No século VI A.C., Pitágoras já falava sobre o tema, ao fazer considerações sobre o que ele entendia por ser a transmigração de almas, defendendo o respeito aos animais. Ao passo que Aristóteles argumentava que os animais não estavam na mesma escala natural do homem, enfatizando o fato de serem animais irracionais e colocando-os como meros instrumentos para a busca da satisfação do homem.

A Bíblia também traz consigo a ideia do uso dos animais por humanos – para comida, vestimenta – baseando-se em uma hierarquia divina, no conceito teológico de “domínio”, vindo da citação de Gênesis (1:20–28), onde Deus disse a Adão: “Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.”.

Por conta disso, durante séculos o conceito de direito animal foi completamente ignorado pelos intelectuais, permanecendo a concepção bíblica de serventia. Apenas em 1641 surgiu uma reflexão significativa para o início da ideia de direito animal, trazida pelo filósofo René Descartes. No entanto essa ideia era para um desmerecimento em relação à causa já que propôs uma teoria mecanicista do universo, em que o mundo poderia ser entendido sem se partir, necessariamente, de uma observação subjetiva. Para ele, a mente era algo separado do universo físico que ligava seres humanos à consciência de Deus. O não humano, por não possuir tal consciência, não seria nada mais que um autômato complexo, desprovido de alma, mente ou razão. Segundo o filósofo francês, eles poderiam enxergar, escutar e tocar, mas não eram conscientes, portanto incapazes de sofrer ou mesmo sentir dor.


PRIMEIRAS LEGISLAÇÕES CONTRA CRUELDADE ANIMAL

Apesar de ter origem nos tempos mais remotos, a primeira legislação contra a crueldade animal só foi aprovada na Irlanda, em 1635. Ela proibia arrancar os pêlos das ovelhas e amarrar arados nos rabos dos cavalos.

Em 1641, foi aprovado o primeiro código legal que protegia os animais domésticos na América, baseada no texto legal “The Body of Liberties”, compilado pelo clérigo puritano Nathaniel Ward. Um dos artigos do código dizia “Nenhum homem exercerá qualquer tirania ou crueldade contra qualquer criatura bruta que seja mantida para o uso humano.”.

Durante a República Puritana, na Inglaterra, foram proibidas as brigas de galo, de cachorros e as touradas. No entanto, após a Restauração, quando Charles II retornou ao trono em 1660, as touradas voltaram a ser legais por 162 anos, até serem proibidas novamente em 1822.

Jean Jacques Rousseau argumentou em seu “Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade Entre Homens” (1754) que os animais devem fazer parte da lei natural; não porque eles são racionais, mas porque são seres senscientes. Ele afirma:

“Parece, com efeito, que, se sou obrigado a não fazer nenhum mal a meu semelhante, é menos porque ele é um ser racional do que porque é um ser sensível, qualidade que, sendo comum ao animal e ao homem, deve ao menos dar a um o direito de não ser maltratado inutilmente pelo outro.”

Já Voltaire, ironiza de forma enfática o posicionamento de Descartes sobre os animais. Em sua obra “Dictionnaire Philosophique”, publicada em 1764, o filósofo argumenta:

“Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, ideias? Pois bem, calo-me.”

Anos mais tarde, o inglês Jeremy Bentham, fundador do utilitarismo moderno, passa a alegar que a capacidade de sofrer é que deveria ser a referência de como deveríamos tratar outros seres e não a capacidade de raciocinar, como defendiam alguns de seus contemporâneos, enfatizando ai o critério da senciência. Bentham afirmava que se racionalidade era o critério, vários humanos, incluindo os bebês e pessoas deficientes, também deveriam ser tratadas como se fossem coisas. Porém, apesar de seus esforços, suas ideias eram consideradas ridículas até o fim do século XVIII.

O século XIX, no entanto, surge com acentuado crescimento no interesse da proteção animal, sobretudo na Inglaterra. Os estudiosos passaram cada vez mais a se preocupar com os direitos dos idosos, dos necessitados, das crianças e dos portadores de deficiência mental, estendendo essas preocupações aos animais, como propunha Bentham. Nascem nesse período diversas sociedades que visavam à proteção dos animais, como a “Society for the Prevention of Cruelty to Animals – SPCA”.

Já no século XX, mais exatamente em 1933, o partido nazista aprovou uma série de leis de proteção animal na Alemanha – contrastando com os inúmeros massacres a humanos realizados por esse mesmo partido –, sendo esta a primeira tentativa governamental de quebrar a barreira das espécies.

A “Tierschutzgesetz”, ou lei de proteção animal, foi aprovada com Hitler declarando que “No novo Reich, nenhuma crueldade contra os animais será permitida”. Fica proibida a caça, regulamentado o transporte de animais em veículos automotores e estabelecidas algumas restrições em relação à vivissecção, pois eram consideradas como “ciência judaica”.


A PIORA DO TRATAMENTO AOS ANIMAIS E A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS ANIMAIS

O tratamento dado aos animais começa a piorar após a Segunda Guerra Mundial, onde a demanda por produtos de origem animal cresce assustadoramente, em razão do aceleramento da produção, que visava fomentar o consumo e alimentar os países abalados devido ao pós-guerra. Junto à explosão populacional no século XX, ocorreu uma mudança nos hábitos alimentares da população mundial, aumentando o consumo de carne pelos seres humanos e uma consequente transformação no modo de produção da carne, passando do sistema tradicional de pequenas fazendas ao industrial, onde bilhões de animais são mortos todo ano.

Em 1975, um psicólogo australiano chamado Peter Singer, sempre engajado na luta a favor dos direitos animais, lançou seu livro “Animal Liberation”, influenciando toda uma geração, tornando-se a “bíblia” do movimento moderno de direitos animais, tornando-se perceptível a grande luta nesse sentido.

Em 1978 a UNESCO estabelece a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, numa tentativa de igualar a condição de existência dos animais com a dos seres humanos. E na década de 80 inúmeros ataques de movimentos de defesas de direitos animais a laboratórios, universidades e residência de pesquisadores puderam ser observados.


O DIREITO DOS ANIMAIS NO BRASIL

No Brasil a situação jurídica dos animais foi estabelecida com a edição do Código Civil de 1916, que vigora até os dias atuais, e o qual, em seu artigo 593 e parágrafos, considera os animais como coisas, bens semoventes, objetos de propriedade e outros interesses alheios.

Foi no ano de 1934 que se editou o Decreto n. º 24.645, que estabelece medidas de proteção aos animais, e que no bojo de seu artigo 3º elenca extensivo rol do que se consideram maus-tratos.

Em 1941 foi editada a Lei de Contravenções Penais, que em seu artigo 64 tipificou a prática de crueldade contra animais como contravenção penal, artigo este que foi revogado pela Lei dos Crimes Ambientais.

A Constituição de 1988 trouxe grande avanço no que concerne à legislação ambiental, pois em seu artigo 225, tratando do meio ambiente, § 1º, VII, diz ser incumbência do Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas na forma de lei as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica, que provoquem a extinção de espécie ou submetam os animais à crueldade.

E finalmente, também em 1998, foi promulgada a Lei Federal n. º 9.605, Lei dos Crimes Ambientais, estabelecendo sanções penais e administrativas contra as violações ao meio ambiente, revogando diversas normas anteriores, dentre as quais destacamos o artigo 64 da lei de contravenções penais, que trata dos crimes contra a fauna.

Estas, porém, não são as únicas espécies normativas que tratam sobre o assunto, sendo complementada por legislações mais abrangentes como as que tratam sobre as diretrizes e bases no que tange ao direito animal defendido em outros países, e, sobretudo, este assunto não se esgota na letra da lei, necessitando para tanto todo um estudo sobre o quanto e como pode a senciência, como capacidade de sentir, ser levada em conta quando do estabelecimento de um direito animal.


Conclusão

Em resumo, como se pode aduzir destas breves análises, a legislação federal brasileira, embora essencialmente antropocêntrica, contém alguns dispositivos capazes de tutelar de maneira eficiente, se não todos, pelo menos alguns direitos significativos dos animais, livrando-os de maus tratos e sofrimentos absolutamente desnecessários. Neste diapasão merece destaque o Decreto 24.645 de 10/07/1934 que, estabelece diversas medidas efetivas de proteção dos direitos animais, além de personificá-los, na medida em que define o Ministério Público como substituto processual. Tal legislação, todavia, está por merecer uma atualização, já que completou mais de 70 anos de existência, período no qual significativa evolução do pensamento ocorreu na sociedade humana, permitindo assim uma visão não tão antropocêntrica do tema.


Referências

ACKEL FILHO, D. Direito dos animais. São Paulo: Themis, 2001.

DIAS, E. C. Crimes Ambientais. Belo Horizonte: Editora Littera Maciel Ltda, 1999.

MARTINS, R. F. Direitos dos Animais. [on line] Disponível na Internet. URL: https://www.amjs.org.br/artigos1.1.htm. Acesso em: 05/09/2008.

RODRIGUES, T. D. O direito & os animais, uma abordagem ética, filosófica e normativa. Curitiba: Juruá, 2003.



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