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Uma visão sobre a mutilação genital feminina

Uma visão sobre a mutilação genital feminina

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Esta pesquisa tem como objetivo propor direta e indiretamente uma discussão sobre a diversidade valorativa e de percepção ética, entre o direito internacional e os grupos praticantes de mutilação genital feminina.

Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo propor direta e indiretamente uma discussão sobre a diversidade valorativa e de percepção ética, entre o direito internacional e os grupos praticantes de mutilação genital feminina compreendendo assim, a mutilação em sua totalidade, porém ressaltando as visões sobre a negatividade deste tipo de mutilação e argumentá-las. Para finalizar, visa também apresentar os mecanismos internacionais de combate à mutilação genital feminina, demonstrando sucintamente quais os projetos e maneira de atuação dos mesmos, além da situação atual da pratica em âmbito global.


Introdução

Esta monografia relatará sobre uma prática caracterizada por diversas denominações, mas que será aqui frequentemente tratada de mutilação genital feminina.

Veremos que ao longo da história o homem vem tentando criar soluções para seus problemas em busca daquilo que lhe parece justo. Atualmente estas ideias podem ser mais facilmente compartilhadas, principalmente após a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), que permitiu a criação de meios legais para atingir e perpetuar os direitos humanos nos países membros e de certa forma em todos os outros também. Porém, ainda existem muitas tradições e rituais antigos que são contrários a estes direitos.

O primeiro dos três capítulos desta monografia, explicará o que é conceituado como regime internacional, considerando a posição das Organizações Não – Governamentais como ativas no sistema, demonstrando assim, que questões externas podem influenciar e alterar o comportamento dos Estados.

O segundo capítulo tratará sobre o surgimento dos direitos das mulheres, em especial o surgimento e desenvolvimento dos instrumentos internacionais criados pela ONU na defesa dos direitos das mulheres, que possibilitará no terceiro capítulo, observar a relação entre os grupos praticantes da mutilação e os sujeitos de direito internacional, trazendo alternativas para seus interesses múltiplos, verificando a possibilidade de um consenso entre os mesmos e o estabelecimento de seus limites para uma convivência pacífica.

O terceiro capítulo então segue explicando mais detalhadamente o principal objeto de estudo do trabalho: a mutilação genital feminina, demonstrando assim, como é praticada, seu suposto surgimento, seus danos à saúde da mulher e demonstrando algumas tentativas de combate à prática. Ao final do capítulo, será colocada a questão de que a mutilação genital feminina não deve ser vista apenas como uma tradição e nem mesmo apenas como um ato de inferiorização das mulheres, mas sim como uma questão mais complexa no sentido de que sociedades praticantes da mutilação, carregam culturas miscigenadas por diferentes povos da antiguidade.

Enfim, o Estado que possui entre sua população comunidades que praticam tal ritual, é frequentemente visto com “maus olhos” perante a comunidade internacional, incluindo a opinião publica que é também indiretamente capaz de tumultuar as relações deste Estado com o sistema. É nesse sentido que há muitas mobilizações para algum tipo de acordo que tente preservar as tradições, porém conscientizando a população local e sucessivamente eliminando práticas prejudiciais à saúde, permitindo assim, o livre arbítrio.


1. Regimes Internacionais

Neste primeiro capítulo, será abordado o advento de múltiplos atores no sistema internacional, tomando como base para esta afirmação, as idéias de Paul R. Viotti e Mark V. Kauppi (1993). Segundo estes autores, a Imagem Pluralista sustenta que além dos Estados outros atores também exercem influência no sistema internacional, sendo o sistema estabelecido pela integração de um conjunto de atores. Hedley Bull (in CEPALUNI, 2004) explica que “os procedimentos do direito internacional, a maquinaria diplomática e a organização internacional, assim como os costumes e convenções de guerra são instituições internacionais” (CEPALUNI, 2004). Segundo Stephen Krasner, para Bull as instituições “help to secure adherence to rules by formulating, communicating, administering, enforcing, interpreting, legitimating, and adapting them” (KRASNER, 1983, p. 2)

“Genericamente, um sistema é um conjunto de relações entre atores, colocados em um meio específico, com certo grau de interdependência entre si e submetidos a certo modo de regulação” (PECEQUILO, 2004, p.37).

Segundo Pecequilo, os Estados estão inseridos neste sistema de maneiras diferentes “afinal, permanecem movimentos de resistência e níveis de desenvolvimento e inserção distintos” (PECEQUILO, 2004, p.155). A postura do Estado dentro desse contexto é constituída por diversas circunstâncias, entre elas os atores externos e internos como a opinião pública ou até mesmo uma opinião individual, que são também caracterizadas como forças transnacionais, ou seja, “envolvem desde a circulação de pessoas até de idéias”, sendo “forças relativas à sociedade civil” (PECEQUILO, 2004, p.71). Os Estados são assim, atingidos positiva ou negativamente tendo no desenvolvimento tecnológico uma maior possibilidade de propagação, no sentido de permitir a facilidade de comunicação e locomoção, se manifestando nacional e internacionalmente, ganhando amplitude com os meios de comunicação em especial a mídia, que muitas vezes divulgam os casos de maneira superficial, ou seja, sem um estudo aprofundado das raízes do problema e repletos de pré-juízos, causando distorções. Como salienta Cristina Pecequilo, com o avanço da tecnologia e comunicação, a opinião pública vem cada vez mais desempenhando um papel influente e promissor nas decisões dos atores no sistema internacional.

Para Viotti e Kauppi (1993), a Imagem Pluralista lida com uma agenda internacional muito extensa, onde não apenas as questões militares e de segurança nacional estão em voga, isso, pois consideram que questões econômicas e sociais, incluindo os direitos humanos, por exemplo, também formam a base da segurança nacional e de bem-estar mundial, construindo regras de conduta para o sistema internacional. (VIOTTI e KAUPPI, 1993).

É dessa maneira que se verifica que todo o tipo de manifestação no sistema internacional se auto influencia e constrói o sistema, ou seja, todas as questões e atores internos influenciam os externos e vice-versa. Porém estes atores não possuem capacidade, objetivos e possibilidades iguais dentro do sistema. Apesar disso uma alteração no sistema leva muitas vezes à mudança de comportamento dos países.

Assim como salienta Cristina Pecequilo (2004), os Estados possuem diferentes interesses e visões, o que fará com que cada Estado aja de maneira diferente e tenha um peso diferente nas tomadas de decisões dentro do sistema. Esta situação também faz com que os Estados sejam influenciados diferentemente em suas condutas no mesmo sistema em que atuam. Isso se deve à diversidade de organização interna dos Estados, como também por questões históricas e de idade dos mesmos. Weber (Apud PECEQUILO, 2004, p.48), caracteriza os Estados como “sustentados por princípios de dominação legítimos que podem nascer tanto da lei, quanto da tradição, como do carisma”.

Muitas das relações entre os atores estatais se dão por interesses ocultados, onde as riquezas naturais e econômicas podem ser a chave para uma cooperação que se apresenta como sem interesse de maximização de poder. Como exemplo podemos citar a defesa dos direitos humanos que na grande maioria dos casos, só são defendidos quando há o “interesse” em defendê-los.

As OIG (Organizações Internacionais Governamentais), ou Instituições Internacionais, são atores internacionais sustentados por uma relação entre Estados, ou seja, “agrupamentos políticos que têm nos Estados seus membros fundadores”. (PECEQUILO, 2004, p.67)

Apesar de serem compostas pelos Estados, Pecequilo analisa que de objetivos específicos (centrados apenas em uma questão) ou abrangentes (centrados em objetivos amplos), as OIG possuem normas próprias e independentes, se tratando de “uma organização representativa dos interesses conjuntos dos Estados” (PECEQUILO, 2004, p.67). Pecequilo considera também que foi o advento das duas Grandes Guerras que fez surgir a necessidade de se criar este tipo de organização, visando uma melhor convergência entre os Estados, assim as Organizações Internacionais Governamentais (OIG) geram freqüentes discussões relativas ao propósito para o qual foram criadas e fazem o papel de mediadoras entre os atores internacionais envolvidos na questão. Assim como continua Pecequilo, as OIG estabelecem limites e condutas para os Estados através de normas pré-estabelecidas por seus membros, podendo ter atuação regional ou global, porém a existência e preservação destas organizações faz com que seja determinante a colaboração dos Estados, tanto em questões econômicas para o mantimento da organização, quanto na questão de descumprimento das regras, mesmo que o descumprimento das mesmas possa apenas acarretar uma situação na qual o descumpridor fique em posição desconfortável, não havendo uma ação especifica contra o rompedor das regras. Nesta monografia, será somente utilizada a Organização das Nações Unidas (ONU) como OIG de âmbito global.

Para os pluralistas não existe a diferença estabelecida pelos realistas entre low politic e high politic, num sistema onde “idéias e valores, organizações internacionais e trasnacionais, grupos de interesses, e opinião publica” são juntamente com os Estados, atores importantes (VIOTTI E KAUPPI, 1993, p. 200). Os grupos de interesses ou grupos ideológicos são “grupos privados que visam somente objetivos próprios, usando de sua influência junto dos partidos políticos e governos em busca de benefícios” (PECEQUILO, 2004, p.53).

Entretanto, inseridas dentro do sistema internacional, estão as Organizações Não-Governamentais (ONG). Estes tipos de organizações são de iniciativa privada que atuam “dentro e fora dos Estados e nascem para lidar com questões especificas de interesse dentro de uma determinada sociedade, cujas demandas não têm sido adequadamente atendidas por este Estado ou pela necessidade de chamar a atenção para um tópico particular” (PECEQUILO, 2004, p.73) assim, seu poder, influência e importância para os outros atores do sistema está na sua capacidade de passar informações à mídia em grande escala.

As ONGs sofrem muitas vezes de dependência financeira, pois não são instituições que visão lucratividade, porém mesmo assim atendem muitas vezes a uma demanda de necessidades sociais que deveriam ser de responsabilidade do Estado criando “redes de solidariedade” (PECEQUILO. 2004, p.74) e conscientização.

O pluralismo, portanto, nasce da idéia na qual coloca no indivíduo a capacidade de ação histórica, ou seja, cada ser humano é que conduz a formação da realidade social na qual está inserido. Por isso que a imagem pluralista coloca o processo decisório em vários atores. Outra idéia que perpassa a esta percepção é a da racionalidade dos atores. Acreditava-se que o Estado só possuía duas opções para atingir seus interesses: utilizando a força, ou pela razão, de maneira a convencer até mesmo por vias de negociações diplomáticas seu “obstáculo”.

Apesar dessa simultânea correlação de interesses e influências, a partir do Tratado de Vestfália firmaram-se os pilares de autonomia tanto territorial como na administração interna dos Estados, portanto os demais países devem respeitar a soberania estatal, seguindo a premissa de não intervenção sem consentimento, porém esta situação pode ser revertida, caso que veremos posteriormente.

Fixada na corrente pluralista, a Teoria dos Regimes Internacionais segundo Gabriel Cepaluni (NO PRELO, 2004), trata-se apenas de um composto de estudos que buscam principalmente desenvolver reflexões, já que se trata de uma teoria relativamente nova, onde segundo Strange (apud CEPALUNI, 2004) diversos autores pensam diferentes coisas quando utilizam as palavras “regimes internacionais.” Seguindo o pensamento de Gabriel Cepaluni, a Teoria dos Regimes Internacionais, não explica todos os fenômenos internacionais, porém não estagna suas reflexões, bem como outras teorias que fixam os mesmos conceitos para todos os fenômenos, sem perceber ou sem se moldar diante das transformações do sistema.

Utilizaremos então, o conceito estabelecido por Stephen D. Krasner (in Pecequilo, 2004, p.150), onde os regimes internacionais são resumidamente

“conjuntos de princípios, normas, regras e procedimentos de tomadas de decisão implícitos e explícitos em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área das Relações Internacionais e fornecem as estruturas nas quais as relações entre os Estados podem se organizar de maneira mais completa e equilibrada.” (PECEQUILO, 2004, P.150)

Os regimes internacionais são instituições nas quais os Estados teoricamente criam e decidem sobre sua aceitação, ou seja, o bom funcionamento dos regimes depende apenas dos atores envolvidos para a finalidade de estabilizar o sistema, para a busca de uma política mundial, tornando a cooperação “positiva”. Segundo Keohane e Nye (apud PECEQUILO, 2004), isso ocorre, pois cria condições mais estáveis e conhecidas de interação com outras nações, fornecendo um conjunto claro de regras e princípios para todos, dando conta de problemas específicos na ação coletiva. “A interação dentro deste arcabouço permite a diminuição da incerteza quanto ao comportamento do outro, tornando-o mais previsível, e facilita a troca e o acúmulo das informações” (PECEQUILO, 2004, p.150). Com os regimes internacionais, o poder militar deixou de ser um poder predominante, passando a ser mais um recurso, porém não o principal, pois as questões morais e sanções econômicas começaram a despontar como um fator temível para os Estados, “tornando mais custosas e menos viáveis as possibilidades de resolução de seus problemas via conflito direto” (PECEQUILO, 2004, p.149). Podemos dizer assim que os regimes internacionais tratam também dos constrangimentos e incentivos que os Estados ganham por um determinado comportamento, onde nem todas as leis são cumpridas e nem todos os rituais são legislados.

Devido a crescente permeabilidade das fronteiras, talvez fosse possível pensar em um futuro onde ao invés de vigorar um Estado forte com leis próprias, da maneira como o conhecemos hoje, vigore apenas as organizações internacionais, trazendo “a noção de que a sorte das pessoas está muita ligada entre si e com a natureza física do mundo, no qual elas se reconhecem cada vez mais bem como membros da humanidade” (Zacher, apud PECEQUILO, 2004, p.154)

Segundo Krasner (apud CEPALUNI 2004), os regimes internacionais podem ser passíveis de três divisões para estudo.

A primeira delas trata-se dos grocianos, que fazem uma ligação entre o Estado e a sociedade, acreditando que o comportamento dos Estados leva inevitavelmente ao longo do tempo à formação de um regime. Assim, por meio da razão, com a formação de instituições internacionais, é possível diminuir ou controlar as adversidades humanas.

O segundo estudo seria os estruturalistas “convencionais”, os quais banalizam os regimes internacionais por não acreditarem que este exerça grande influência no sistema. Assim, Krasner vê nos regimes uma nova forma de hegemonia, expondo que neste sentido regimes são criados para manter ou trazer o poder de um país hegemônico, quer dizer que este país hegemônico é quem acaba criando as regras do sistema internacional mantendo assim seu poder e influência perante os demais países. Desta maneira, havendo uma eventual quebra no sistema, onde o país hegemônico perde sua liderança, o regime que estava em vigor deixa de existir.

E em terceiro, estão os estruturalistas “modificados”. Estes acreditam que em situações onde não se alcança vantagem generalizada entre os Estados em negociações, os regimes internacionais auxiliam mesmo sem a existência de uma autoridade na intermediação. Krasner argumenta que nesta “linha de pensamento”, os regimes são requeridos, pois representam seguridade na negociação e nas atitudes isso quer dizer que, as reações se tornam teoricamente previsível, facilitando o relacionamento entre os atores e preservando o Status Quo. Assim, os regimes funcionam além de interesses temporários dos atores que o modifica conforme seus interesses.

Há outras três divisões para os regimes internacionais sobre o ponto de vista de Hasenclever et alli (apud CEPALUNI, 2004) que são fundamentalmente semelhantes as de Krasner.

Esse autor classifica como realista as relações de poder e vantagens nas relações entre Estados, onde os mesmos deveram classificar se é mais vantajosa uma situação de cooperação ou de uma posição independente. Dentro desta mesma perspectiva, há opiniões adversas, onde alguns acreditam que a má distribuição de poder dificulta a criação e o bom desenvolvimento dos regimes, enquanto outros acreditam que justamente a distribuição de poder causa dificuldades, pois é necessário haver um poder pré-estabelecido dominante para a formação de um regime.

O que o autor classifica como neoliberal, seria a crença em um regime pelos Estados até o ponto que os beneficiem, portanto os regimes funcionam como um sistema de benefícios que se não trouxer resultados, não há razão para mante-lo.

Assim como é afirmado por Gabriel Cepaluni (2004), essas divisões dos regimes são na verdade apenas para estudos, pois são entrelaçadas na prática, de maneira que a opção por uma das classificações para a análise de um caso restringiria muito a qualidade de pesquisa, portanto a Teoria dos Regimes Internacionais está baseada justamente na capacidade de interagir com as variadas visões, ampliando a capacidade de estudo e de compreensão dos fatos.

É preciso ter em mente que os regimes muitas vezes beneficiam os países super dependentes, trazendo-lhes uma nova perspectiva e capacidade de atuação no sistema internacional. Além disso, deve-se também lembrar que o sistema não é formado exclusivamente por regimes, mas também por relações “que prevalecem além do horizonte das burocracias internacionais e das barganhas diplomáticas” (CEPALUNI, 2004, p.21).

Encerraremos o capítulo com as palavras do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan (in ALVES, 2001) na apresentação de seu relatório anual em 1999:

“Se o novo compromisso de intervir diante do sofrimento externo deve ter o apoio dos povos do mundo, ele deve ser - e assim ser visto – aplicado de maneira justa e consciente, independentemente da região ou nação. A humanidade é afinal indivisível.

Assim como aprendemos que o mundo não pode permanecer omisso quando violações maciças e sistemáticas de direitos humanos estão ocorrendo, também aprendemos que a intervenção deve ser baseada em princípios legítimos e universais para contar com o apoio continuo dos povos do mundo. Esse desenvolvimento da norma internacional em favor da intervenção para proteger civis de massacres coletivos continuará a apresentar desafios à comunidade internacional. Qualquer evolução de nosso entendimento da soberania do Estado e da soberania individual encontrará desconfiança que devíamos considerar bem – vinda.” (ALVES, 2001, p.301/302)

A partir desses ideais é que será desenvolvido o segundo capítulo. Mostrando assim, a evolução dos direitos das mulheres (gênero) em especial.


2. O Regime Internacional de “Direitos Humanos da Mulher”

Tendo como base o conceito de regimes internacionais do capítulo anterior, este capítulo discutirá a formação do regime internacional de direitos humanos da mulher via a Organização das Nações Unidas.

Mesmo antes da Segunda Grande Guerra, é possível observar manifestações do desejo de se positivar um direito dos Homens. A Revolução Francesa é uma dessas manifestações que merece destaque.

O liberalismo nasceu neste momento, onde houve a necessidade de afirmar a individualidade frente ao Estado; gerando a idéia de que o liberalismo econômico é a forma principal de emancipação.

A revolução de 1789 alterou os valores vigentes da época, porém não produziu uma alteração completa, pois fez surgirem manifestações, especialmente de associações de mulheres, descontentes com a idéia de igualdade que não as atingia.

A grande porta-voz destes ideais foi Marie Gouze, injuriada pela sociedade e guilhotinada em 1793 por se opor à declaração exclusiva dos direitos do homem. Porém antes de sua morte, Marie alterou seu nome para Olympe de Gouges e criou uma das primeiras manifestações em busca dos direitos das mulheres.

Olympe desenvolveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791), como resposta aos Direitos do Homem e do Cidadão e a remeteu para a Assembléia Nacional. Neste documento, a mulher é enfatizada em seus múltiplos aspectos sociais e biológicos como mãe, filha e irmã, alegando que a não inclusão da mulher nos aspectos sociais e políticos é a demonstração de um sistema subdesenvolvido. Assim, as mulheres deveriam obter tanto os benefícios da lei, como responder por ela, destacando aspectos políticos importantes para homens e mulheres.

Gouges acreditava na igualdade de oportunidade entre ambos os sexos, o que não significava dizer que homens e mulheres são iguais e que possuem necessidades iguais, além de afirmar que lei é aquilo que provem da vontade de todos desde sua formação.

Hoje esta idéia da “busca de justiça pela desigualdade”, ou seja, suprir as necessidades especifica da mulher ao invés de padronizar os direitos dos homens e das mulheres, vem sendo firmado ao longo dos anos, o que faz com que os direitos humanos vão se complementando conforme o desenvolvimento e mudanças sociais. Assim, para que possa de fato ser chamando de “direitos de todos os Homens”, as declarações relativas aos direitos humanos foram se tornando cada vez mais especificas para atender às necessidades especificas também, não se limitando a declarações generalizadas, que muitas vezes dificultam a compreensão do direito.

Assim, consegue-se ao longo dos anos a “correção da denominação dos direitos fundamentais, substituindo-se a expressão “direitos do Homem”, por ‘direitos humanos”. Ainda que idealmente concebidos como direitos de todos os indivíduos, sendo “o Homem”, no caso, sinônimo da espécie, a prática e, até recentemente, a maioria das legislações não os estendiam à mulher, fosse pela denegação ostensiva dos direitos políticos, fosse pela desconsideração da situação da inferioridade civil ou empírica em que se encontrava, e sob muitos aspectos ainda se encontra, em todas as sociedades”. (ALVES, 2001, p. 128)

Dessa maneira, foram se desenvolvendo diversos tratados, convenções e outras formas de manifestações que se direcionaram e concretizaram instrumentos em defesa dos direitos das mulheres.

Outra pioneira manifestação é a Convenção Internacional Relativa à repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, de 30 de setembro de 1921 em Genebra em decorrência da antiga Sociedade das Nações.

[1945] foi um ano marcado pela criação da Carta das Nações Unidas, a qual se caracterizou pelas referencias de igualdade entre homens e mulheres. Já em 1947, uma Comissão de Direitos Humanos foi criada na ONU pelo Conselho Econômico e Social, permitindo-se assim, a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (dezembro de 1948), que a partir de 1967 fez com as questões de direitos humanos começassem a ser solucionadas. Este mesmo Conselho, com a finalidade de relatar publicamente as agressões aos direitos humanos e buscar negociações com os governos, criou a possibilidade de se listar queixas de violação dos direitos humanos pelo chamado Procedimento 1503, e dispor de relatores especiais por país ou em determinadas situações (temático). Neste caso, uma “ação urgente” pode ser requerida quando é provado que a violação ainda está para ocorrer.

O direito natural foi a base da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois se pelo passar do tempo a interpretação da escrita se desfigurar, houver algum caso de má interpretação, ou má fé devido a latente insegurança e desejo de auto preservação dos Homens, o direito natural atuará como base solida na compreensão. Porém, a Declaração Universal dos Direitos Humanos contou com uma abrangência conceitual. No artigo1°, por exemplo, verifica-se a afirmação de liberdade e igualdade entre os homens, porém no artigo 12 é declarado o direito de não interferência na vida privada e da família, complementando no artigo 18 a liberdade de pensamento, consciência e plena manifestação da religião, ou seja, foi necessário a formação e instrumentos regionais e específicos (como os direitos da mulher), para solucionar as questões de interpretação, correspondendo assim, mais eficazmente em questões especificas.

Foi desenvolvida uma concepção geral sobre os direitos humanos acentuada com a experiência do Holocausto, resultando assim na criação de Relatórios periódicos por parte dos Estados para a ONU, como forma de análise de suas obrigações, tanto de conduta quanto de resultado.

Uma das grandes dificuldades da Declaração Universal foi sua implementação em meio à diversidade ideológica e rivalidades devido o período do pós-guerra, onde ocorreu a “união” de países divergentes.

De qualquer forma, passou a existir diferentes conceitos e dimensões sobre os direitos humanos, o que veio mostrar sua amplitude e altivez, pois se o Estado não mantiver controle total sobre estes direitos, pode ocorrer à intervenção internacional. Assim surgiu uma conversão direta dos Direitos Humanos Universais para o direito interno de alguns Estados. Dessa maneira, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, ganhou autonomia. Contudo, assim como é relatado por Boaventura de Sousa Santos (2004), a luta contra os direitos humanos presente em algumas sociedades, é na verdade contra a hegemonia ou contra o capitalismo, afirmando que é preciso haver um dialogo intercultural dos direitos humanos.

Contudo, estas mudanças da realidade internacional ocorrida a partir do pós Segunda Guerra, são sustentadas por muitos autores como a produção de novos paradigmas, dando uma nova alternativa ao realismo político dominante, especialmente com o surgimento dos atores não estatais. Assim, foi possível verificar no pós-guerra o surgimento de novos regimes devido às modificações estruturais que o sistema internacional passava, notadas também com a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (Nações Unidas-1953), Declaração sobre a Proteção da Mulher e da Criança em estados de Emergência e de Conflito Armado (Nações Unidas-1974), Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW-Nações Unidas-1979), além de outros importantes tratados.

Foram estabelecidos por meio de tratados alguns comitês, entre eles o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (que se reúne em Nova Iorque duas vezes por ano), descrito no décimo sétimo capítulo da Convenção sobre todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. O protocolo disponibiliza poucas ratificações, mas possibilita que individualmente as mulheres denunciem seus governos sobre qualquer violação por meio do Protocolo Facultativo aprovado em 1999.

Os Direitos Humanos obtiveram desenvolvimento a partir de 1966, com a concretização dos Pactos dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto de Direitos Civis e Político. Assim, se tornava cada vez mais clara a idéia de que o Homem precisa de alterações mais básicas para atingir a liberdade ou até mesmo para sobreviver.

Foi neste mesmo período também, que se maturou a idéia de que os Estados não são os únicos sujeitos ao direito internacional, pois já se admitia que os indivíduos (a partir do relatório de 1954) fossem julgados pelo direito internacional.

De 22 de Abril a 13 de Maio de 1968, se realizou em Teerã/Irã, a I Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas com a participação de ONGs de mais 84 países.

Assim como mencionado por Antônio Augusto Cançado Trindade (2OO2), entre outras resoluções, na Conferência de Teerã originalisou-se a IX resolução; que é relativa ao direito da mulher, além de disseminar a noção de que os direitos econômicos, sociais e culturais merecem maior responsabilidade, chamando a atenção para diferenças econômicas entre os países, pois esta situação dificulta a aplicação eficaz dos direitos humanos no sistema internacional.

“Enquanto a primeira geração de direitos humanos (os direitos civis e políticos) foi concebida como uma luta da sociedade civil contra o Estado..., a segunda e terceira gerações (direitos econômicos e sociais e direitos culturais, da qualidade de vida etc.) pressupõem que o Estado é o principal garante dos direitos humanos.

Hoje a erosão seletiva do Estado-Nação, imputável à intensificação da globalização, coloca a questão de saber se a regulação social e emancipação social deverão ser deslocadas para o âmbito global, governo global e equidade global. Na primeira linha desse processo, está o reconhecimento mundial da política dos direitos humanos.” (SANTOS, 2001, p. 9)

Teerã também foi responsável pelo debate sobre a indivisibilidade dos direitos humanos (e isso é mais facilmente verificado com a incorporação aos direitos humanos dos direitos tidos como de terceira geração ou de solidariedade), porque as necessidades humanas individuais ou coletivas atualmente são tidas como inter-relacionadas.

Em Teerã foi “garantida” entre outras, a liberdade de consciência, informação, de expressão e religião, além ainda de “garantir” a liberdade e direitos de cada indivíduo perante os avanços científicos e tecnológicos. Dessa maneira, Cançado (2002), pôde demonstrar que Teerã serviu para desenvolver as bases conceituais e Viena, para promover maior cumplicidade global e regional, estabelecendo assim uma também maior interação do direito interno dos Estados com suas responsabilidades perante o sistema externo para evitar contradições e o risco de não cumprimento.

A Declaração e Programa de Ação de Viena sustentava a acentuada ligação entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos. Viena frisou a ligação dos direitos da mulher aos direitos humanos, dando a responsabilidade aos Estados de zelar pelos direitos humanos em âmbito privado, como exemplo, o assédio sexual e a violência doméstica e emocional, o que não ocorria até a década de 70. Esta nova “abrangência” dos diretos humanos visava demonstrar uma nova definição de igualdade e não apenas a eliminação dos vestígios da discriminação na esfera pública, firmando-se também a Comissão sobre a Situação da Mulher. Também em 1993, foi aprovada a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher.

Como José Augusto Alves (2001) salienta; “a diferença essencial da violência contra a mulher se encontra na naturalidade com que tendia a ser encarada, fosse porque realizada na orbita domestica, fosse porque decorrente de “usos e costumes” aceitos pela sociedade” (ALVES, 2001, p. 129, nota de rodapé). Seguindo esta afirmação, o autor complementa que a Conferência de Viena contribuiu particularmente ao trabalho de eliminação da violência contra as mulheres, dando importância à “eliminação de preconceitos sexuais na administração de justiça e de erradicação de quaisquer conflitos que posam surgir entre os direitos da mulher e as conseqüências nocivas de determinadas práticas tradicionais ou costumeiras... e do extremismo religioso.” (ALVES, 2001, p. 130).

Como salientado por Alves (2001), em Viena ficou reconhecido a participação das ONGs em nível regional, nacional e internacional, perante as suas contribuições para auxiliar o Estado na implementação de normas referentes aos direitos humanos.

Durante a Década da Mulher (1975-1985), proclamada pela primeira Conferência Mundial sobre a Mulher (Mexico-1975), ocorreram significativos avanços, entre eles, a criação de um Instituto de Pesquisa e Treinamento para a Promoção da Mulher (INSTRAW), a segunda Conferência Mundial sobre a Mulher (Copenhague-1980), o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) e a realização da terceira Conferência Mundial sobre a Mulher (Nairóbi-1985).

Todas as questões abordadas neste período foram reforçadas como desenvolvimento social na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo-1994) e na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social (Copenhague-1995).

A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento realizada no Cairo, contou com dificuldades de consenso, prejudicando o bom andamento da reunião. As maiores dificuldades de consenso vinham de grupos fundamentalistas religiosos, que mantinham um discurso totalmente religioso nas questões relacionadas aos direitos reprodutivos. Esta conferência enfatizou as relações entre a saúde reprodutiva e direitos humanos, acreditando existir um elo entre direitos humanos, paz e segurança internacional, o que leva ao seu entendimento de que se os direitos individuais também não forem protegidos, não permitirá o desenvolvimento da sociedade, no sentido de que a sociedade não será capaz de atender as necessidades básicas de seus cidadãos, o que consequentemente não lhe permitirá o desenvolvimento em outras áreas.

Entre as medidas recomendadas pelo Programa de Ação do Cairo, “inclui a disseminação de informações. De especial importância para o país e região onde se realizava a conferência era a recomendação de inclusão nos programas de saúde reprodutiva de uma ativa dissuasão da prática da mutilação genital feminina”. (ALVES, 2001, p.165)

O desenvolvimento da sociedade auxilia não somente nas necessidades humanas básicas, mas também faz parte dos direitos inalienáveis dos indivíduos, permitindo a reivindicação destes direitos como direitos legítimos.

Estas idéias foram sendo complementadas por tratados. Isto significa que cada região, devido sua diversidade deve possuir tratados de direitos humanos, mas desde que sejam condizentes com os instrumentos globais; processo que é supervisionado por órgãos internacionais.

Os processos de direitos humanos estão em constante desenvolvimento devido às mudanças sociais que acarretam em novas formas de violação, como as causadas por organismos financeiros, econômicos ou de comunicação. Porém o mais adverso é o fato de muitos países assinarem tratados com reservas, o que faz com que o tratado perca a sua essência, levando à distorção.

Levando-se em consideração que a religião não é o único fator determinante na atual posição da mulher, é possível dizer que mesmo diante da dificuldade de consenso, “ao contrário do paradigma do “choque de civilizações”, de Huntington, a heterogeneidade de crenças culturais e religiosas não impediu a ascensão de alianças transnacionais que desafiassem a trajetória da modernidade.” (ALVES, 2001, p.214).

Dentre tantas outras manifestações que modificaram significativamente o sistema internacional a favor de melhores condições para a mulher, a quarta Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim-1995) e o Pequim + 5 em 2000, foi a que melhor desenvolveu diversas analises e planos práticos, porém assim como no Cairo, a conferência de Pequim também foi prejudicada por grupos fundamentalistas religiosos nas questões sobre controle populacional e de igualdade de direitos, tanto que se chegou a cogitar um retrocesso nas questões avançada no Cairo, especialmente devido ao grande numero de atentados ocorridos contra as mulheres por grupos fundamentalistas durante a data da conferência.

José Augusto Alves (2001), afirma que preconceitos e fundamentalismos “sempre tiveram a mulher como alvo físico preferencial, desde as fogueiras medievais expiatórias da “bruxaria” até os estupros coletivos nas táticas atuais da faxina étnica balcânica...à “circuncisão” mutilatória das prática tradicionais...à preterição de comida em áreas de escassez alimentar, da demora com se tornaram cidadãs votantes e elegíveis nas democracias do Ocidente até a feminização da pobreza no mercado globalizado” (ALVES, 2001, p.214), especialmente após o fim do comunismo.

Essa conferência temática da ONU sobre os direitos das mulheres realizada na China foi a mais elogiada de todos os tempos devido ao grande numero de mulheres e ao ideal generalizado sobre os direitos das mulheres como direitos humanos, considerada a maior conferência já realizada pela ONU na busca pela mudança de um sistema antes considerado imutável, tendo por subtítulo: Igualdade, Desenvolvimento e Paz.

Segundo Mahmood Monshipouri (2004), o papel do Estado se modificou de maneira complexa com a globalização econômica. Mudança complexa no sentido de que cada vez mais as ONGs atuam principalmente de “cima para baixo” (juntamente com os Estados), devido a crescente fragilidade dos Estados diante da tentativa de soluções para os problemas socioeconômicos estatais. Porém isso não é tão fácil de ocorrer.

Boaventura de Sousa (2004) faz uma diferenciação entra: globalização de cima para baixo (hegemônica) e globalização de baixo para cima (contra hegemônica), classificando globalização como “um conjunto de arenas de lutas transfronteiriças”, considerando a abrangência global dos direitos humanos, só obtida à custa da sua legitimidade local. “Para poderem operar como forma de cosmopolitismo,... os direitos humanos têm de ser reconceitualizados como multiculturais.” (BOAVENTURA, 2004, p.15).

Como Monshipouri explica (2004), as mulheres tunisianas assim como as de outros Estados, têm encontrado muitas dificuldades na implementação do feminismo de Estado, pois as mulheres passam por um processo de conflito e indecisão ao tentar achar o melhor caminho, onde se sentem divididas entre as concessões de tolerância e discreto "empoderamento" feminino concedido pelo regime estatal, e as regras da religião islâmica de outro. A questão é que os direitos islâmicos estão inseridos nos direitos civis, não condizendo muitas vezes com a atual era global, ou seja, não passam por alterações.

A expressão "empoderamento" utilizada na Conferência de Pequim está se tornando usual. O "empoderamento" então tornou se uma expressão usada para designar uma nova etapa, onde tentará cada vez mais desenvolver novos métodos para que as mulheres possam ter suas necessidades atendidas.

Jorge Werthein, representante da UNESCO no Brasil diz: “Como afirma Hobsbawm, é a "revolução cultural" mais importante do século. Contribui para o questionamento de paradigmas hoje estreito, subverte "verdades" cômodas na defesa de privilégios, contribui para a promessa de novos tempos para homens e mulheres” (Folha de São Paulo, 1997), <https://www.unesco.org.br/noticias/opiniao/artigow/artigo_mulheres_cult/mostra_documento>. Acesso em 03 set. 2004)

O Plano de ação de Pequim inclui

“a prioridade aos programas educacionais formais e informais que dêem suporte e permitam às mulheres...adquirirem conhecimento, tomar decisões... e conseguir respeito...nas questões sexuais e de fertilidade e educar os homens a respeito da importância da saúde das mulheres e o bem estar, dando especial atenção aos programas que...enfatizam a eliminação de atitudes e práticas prejudiciais, incluindo a mutilação genital feminina.”

A conferência de Pequim ressaltou:

“Decrete e reforce a legislação contra a perpetuação das práticas e atos de violência contra às mulheres, tais como a mutilação genital feminina,...e dê vigorosa sustentação aos esforços de organizações não-governamentais e da comunidade para eliminar tais práticas.

O termo "violência contra às mulheres" significa todo o ato de violência que resulta, ou é provável resultar em sofrimento às mulheres ou dano físico, sexual ou psicológico, incluindo ameaças dos tais atos, coerção ou arbitrária privação da liberdade, ocorrendo na vida pública ou privada.” (Tradução Livre, UNITED NATIONS, https://www.un.org/womenwatch/daw/beijing/platform/violence.htm.Acesso em 05 abr. 2004.

A violência contra as mulheres mencionada no Plano de Ação de Pequim, não se limita à mutilação genital feminina, mas considera que práticas tradicionais prejudiciais às mulheres devam ser erradicadas.

Segundo a Anistia Internacional (1996), por ser a mutilação genital feminina praticada por vários povos, com culturas, tradições e religiões diferentes, a mutilação genital feminina não pode ser usada com a justificativa de se tratar somente de um choque cultural.

A mutilação genital feminina pode ser inserida como tortura no contexto do direito internacional, já que envolve dor e sofrimento.

Os governos dos países onde a mutilação genital feminina é praticada, “fizeram pouco ou nada eficaz para impedir a prática” (AMNESTY INTERNATIONAL, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm4.htm. Acesso em 24 abr 2004), pois mesmo após o imediato surgimento da positivação dos direitos das mulheres, junto com a criação da ONU, a mutilação genital feminina somente ganhou importância na agenda internacional recentemente.

O fato da prática da mutilação genital feminina não ser uma violação aos direitos das mulheres diretamente praticada pelos Estados, foi o que inicialmente tornou a prática ilegítima para os direitos humanos, além de estar enraizada às tradições deixando assim, que as intervenções externas em nome dos direitos humanos universais, se tornassem percebida como imperialismo cultural.

Atualmente isso já foi revertido, pois a mutilação genital feminina é reconhecida internacionalmente como uma agressão os direitos humanos, especialmente após a Conferência de Viena. A Declaração de Viena e seu Programa da Ação soaram uma chamada para a eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres serem vistas como uma questão de direitos humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados que dele provem, enfatizam “a obrigação dos Estados respeitarem e assegurar o respeito pelos direitos humanos básicos, tais como o direito à segurança física e mental e à saúde. A falha governamental de ação apropriada para assegurar a erradicação da mutilação genital feminina viola estas obrigações” (AMNESTY INTERNATIONAL, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm4.htm. Acesso em 24 abr 2004).

“A Declaração de Beijing e a Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher são hoje os marcos fundamentais e que se baseará, nos próximos anos, a luta das mulheres pela concretização de seus direitos.” (ALVES, 2001, p. 219/220).

“A mutilação genital feminina foi reconhecida como uma forma de violência contra as mulheres na Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres (ONU) e na Declaração de Pequim (ONU) e Plataforma de Ação. Uma perspectiva dos direitos humanos também obriga a comunidade internacional a assumir sua parte da responsabilidade para a proteção dos direitos humanos das mulheres e das meninas. É inaceitável que a comunidade internacional remanesça passiva no nome de uma visão distorcida do multiculturalismo” (AMNESTY INTERNATIONAL, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm4.htm. Acesso em 24 abr 2004).


3. A Mutilação Genital Feminina E As Tentativas De Combate

Como foi possível ser verificado no capítulo anterior, as mulheres vêm ocupando uma posição de destaque no plano internacional na busca por seus direitos. Apesar disso, muitos desses direitos não são totalmente atendidos, como poderemos verificar neste capítulo, cujo foco é voltado para uma prática mais conhecida como mutilação genital.

A mutilação genital feminina,

“compreende todos os procedimentos envolvendo remoção total ou parcial da genitália feminina externa ou outro dano aos órgãos genitais femininos, seja por motivos culturais, religioso ou outras razões não terapêuticas. Há tipos diferentes de mutilação. Os que se tem conhecimento até hoje são:

1- eliminação do prepúcio, com ou sem eliminação do clitóris;

2- eliminação do clitóris com a eliminação total ou parcial dos pequenos lábios;

3- eliminação parcial ou total da genitália externa, costurando-se a abertura da vagina para diminui-la;

4-furar ou cortar o clitóris e/ou lábios; esticando o clitóris e/ou lábios; cauterizando o clitóris e circundando o tecido;

5-raspar o tecido circundando no orifício vaginal ou incisivo da vagina;

6-introdução de substâncias corrosivas ou ervas dentro da vagina para causar sangrando ou estreita-la. Além de qualquer outro procedimento que se relacione com a definição dada acima.

O tipo mais comum de mutilação genital feminina é a eliminação do clitóris e dos pequenos lábios (cerca de 80% de todos os casos); a eliminação da genitália externa e costura da abertura do canal vaginal constitui cerca de 15% de todos procedimentos.

As consequências em longo prazo e imediatas varia segundo o tipo e severidade do procedimento desempenhado.

Complicações imediatas incluem: dor severa, choque, hemorragia, retenção de urina, ulceração da região genital e dano para os tecidos adjacentes. Hemorragia e infeção podem causar a morte.

Mais recentemente, tem se levantado a possibilidade de transmissão do vírus HIV, devido ao uso de instrumentos em operações múltiplas.

Consequências em longo prazo incluem: cistos e formação de pus, excesso de formação de tecido de cicatriz, danificação à uretra resultando na urina involuntária, e dificuldades no parto.

Saúde psicológica: a mutilação genital pode deixar marcas duradouras na vida e mente da mulher que passa por isso. No longo prazo as mulheres podem sofrer sentimentos de incompetência, ansiedade e depressão.

Em culturas onde isso é uma norma aceitável, a mutilação genital feminina é praticada por seguidores de todas as crenças religiosas assim como animistas e não crentes. A mutilação genital feminina (MGF) é usualmente desempenhada por um praticante tradicional com instrumentos crus e sem anestesia.

A idade em que a mutilação genital feminina é desempenhada varia de região para região. As razões dadas por famílias para se praticar a MGF inclui:

  • razões psicossexuais: a redução ou eliminação do tecido sensível da genitália exterior, ou particularmente o clitóris, que atenua o desejo sexual feminino, mantém a castidade antes do casamento, fidelidade durante o mesmo, e aumenta o prazer sexual masculino;

  • razões sociológicas: identificação com a herança cultural, iniciação de moças dentro da condição de mulher, integração social e a manutenção de coesão social;

  • higiene e razões estéticas: a genitália feminina externa é considerada suja e feia, portanto removendo-a promove se higiene e fornece apelação estética;

  • mitos: aumento de fertilidade e promoção da sobrevivência dos filhos;

  • razões religiosas: Algumas comunidades muçulmanas, entretanto, praticam a MGF na crença de que isto é exigido pela fé islâmica. A prática, entretanto, pré data o Islamismo.

A MGF tem predomínio em 28 países Africanos, embora também exista em alguns países da Ásia e do Oriente Médio. Também é cada vez mais encontrada na Europa, Austrália, Canadá e nos USA, primeiramente dentre os imigrantes destes países.

Hoje, o número de moças e mulheres que têm sofrido a mutilação genital feminina é estimado entre 100 e 140 milhões por ano. Além disso, dois milhões de moças estão em risco de sofrerem a MGF.

Uma junta de advocacia e desenvolvimento político (WHO/UNICEF/UNFPA) possui planos regionais, globais e nacionais para acelerar a eliminação da MGF. A WHO (World Health Organization) atua preventivamente em vários países onde a MGF é uma prática tradicional.

Pesquisa e Desenvolvimento: o maior objetivo de quem trabalha contra a MGF é gerar conhecimento, testar intervenções para promover a eliminação da MGF. Uma rede de instituições de pesquisas vem se desenvolvendo para colaborarem com pesquisas de protocolos assim como biomédicos e pesquisadores de ciências sociais com ligações para comunidades apropriadas.

O WHO têm desenvolvido materiais de treinamento para integrar a prevenção da MGF dentro de enfermagem, obstetrícia e currículo escolar médico assim como por em serviço o treinamento de trabalhadores de saúde. As oficinas são baseadas no treinamento, para levantar a consciência de trabalhadores de saúde e para solicitar seu envolvimento ativo combatente da MGF.

Também estão sendo treinadas enfermeiras e obstetras na região Africana e do Oriente Médio.” (Tradução Livre, WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2000).

Há diversas tentativas de se afirmar a origem e a razão da mutilação genital feminina, também caracterizada como: corte genital feminino ou circuncisão feminina. A dificuldade de se obter estas informações deriva-se da longevidade e falta de provas concretas de sua origem.

Apesar das estimativas de que o procedimento pré date 5.000 A.C, verificando-se diferentes procedimentos para diferentes regiões, desde um ato de coragem realizada em mulheres mais velhas, como uma precaução para que as mulheres não sejam seduzidas ou violentadas sexualmente. Diversos autores chegaram a cogitar o surgimento desta prática ligando-a a religião islâmica. A partir do momento em que esta hipótese foi largamente divulgada principalmente pela mídia, criou-se uma situação de desconforto aos islâmicos, que rapidamente se defenderam alegando se tratar de uma tradição pertencente a vários povos com culturas e religiões diferentes. Esta afirmação é confirmada pela World Health Organization (agência da ONU especializada em saúde criada em 1948, cujo princípio é de que saúde não está ligada apenas às características de bem-estar físico, mas também psicológico e social).

Assim, a mutilação genital feminina pôde ter sua origem desvinculada a qualquer religião, já que devido a sua ancestralidade, a mutilação genital feminina, surgiu antes mesmo das três religiões mais antigas (católica, judaica e islâmica), mas continuou sendo praticada mesmo depois da implementação maciça ou não destas religiões em determinadas regiões. Porém sabe-se que em sociedades muçulmanas, a religião é freqüentemente utilizada como razão para a perpetuação da prática, mas não são unanimes no assunto.

No Corão não consta nenhum relato a respeito da mutilação genital feminina, mas no hadith (provérbios atribuídos ao profeta Maomé), ela é encontrada como aconselhável, só não se sabe como era praticada e qual sua profundidade. Alguns defensores da mutilação assemelham a prática com a circuncisão masculina também praticada pelos árabes e explicita no Corão, como a aliança firmada por Abraão (“fundador” da religião católica, islâmica e judaica) e seus descendentes junto a Deus.

Segundo Aisha Samad Matias (2004), no continente Africano, a mutilação genital feminina, pôde ser relatada primeiramente no Egito, principalmente pelos desenhos e esculturas encontradas dentro das pirâmides, espalhando-se para as tribos próximas ao rio Nilo,

“atingindo assim as regiões adjacentes tais como a Palestina, e se espalhando através das rotas de migração no Magreb, atravessando as regiões do Saara e do Sahel na savana ocidental africana.

Espalhou-se também ao longo da costa do Mar Vermelho, no Chifre Africano e em partes do leste da África. Em algumas áreas a prática atingiu aceitação total, em outras somente por alguns grupos étnicos e em outras áreas africanas, tais como a África do Sul, somente por alguns grupos.

A mutilação é verificada também entre alguns grupos indígenas andinos, entre alguns grupos étnicos australianos (de religiões e culturas variadas) e entre grupos de Beduínos em Israel e em áreas vizinhas.” (Tradução Livre, Matias, 2004).

Antes do colonialismo europeu, a mutilação genital feminina foi praticada em algumas partes de Malásia e Indonésia, porém adquiriu o caracter de realce ou afloramento da sexualidade e não o oposto (um ato para controlar a sexualidade feminina) como vem ocorrendo em algumas regiões da África atualmente, como por exemplo, no Quênia e Tanzânia entre os grupos Kikuyu e Masai, e na África ocidental entre os Fulani, Ibo e Hausa.

O que ocorria e ainda é factível atualmente, é a aderência da prática via migração, ou seja, povos de regiões cuja prática não era enraizada acabam a adquirindo quando migram para regiões onde há a tradição da prática.

Relata-se, que muitas tribos para se diferirem de outras, circuncidavam sua população e mantinham a crença que com a prática, estariam protegidos de influências externas negativas, assim como a perfuração na orelha teria motivos similares.

As crenças em defesa da mutilação vão além, acreditando-se que os homens devam ser “duros” e as mulheres “macias,", mas para que isso realmente ocorra, a parte "macia" da genital masculina, por exemplo, o prepúcio e a parte dura da genital feminina, por exemplo, o clitóris deve ser removido, ou ainda, que se os órgãos sexuais femininos não forem eliminados, podem crescer desenfreadamente, causando a morte de bebê no parto ou a morte do marido no ato sexual, quando mantiverem contato com a genital externa feminina.

A Anistia Internacional (1996) afirma que essas mistificações são sinais claros de carência de informações, que o Programa da Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento realizada no Cairo, tratou de explicitar incitando os governos a manterem projetos de instrução e informação com relação à mutilação genital feminina.

A mutilação genital feminina é normalmente presenciada pela mãe, tias ou outras mulheres mais velhas da família da menina mutilada, que pode ser realizada logo após o nascimento ou durante a primeira gravidez, mas mantém uma predominância entre quatro e oito anos de idade, além disso, o sexo em muitas destas sociedades africanas é compreendido apenas como forma de reprodução “e não necessariamente a satisfação de necessidades emocionais” (Tradução Livre, APENA, <https://www2.h-net.msu.edu/~africa/sources/clitorodectomy.html>. Acesso em 02 fev. 2004)

Em algumas comunidades, as únicas mulheres não mutiladas são prostitutas ou imigrantes sendo impedidos com freqüência, casamentos com estas mulheres.

O dia da mutilação genital é um dia de medo, mas também muito esperado e festejado pela família, onde a menina recebe atenção e alimentos especiais, vestindo jóias e sua roupa mais bonita.

As meninas não são informadas sobre o que irá ocorrer, são apenas levadas ao local da mutilação e são contidas por cinco ou seis mulheres, para evitar que fuja. Em termos ocidentais, a mutilação genital é muitas vezes assemelhada em sua festividade à Primeira Comunhão católica.

Desde o período colonial, verificasse uma tentativa para o banimento da prática. Porém a imposição de ordens, onde os grupos temiam perder suas terras e verem suas tradições sendo modificadas para um estilo de vida de desconheciam, tornou o banimento mais difícil.

A simples imposição das leis de banimento da prática tende a não ser eficaz, pois em muitos países onde a prática não é permitida, a mutilação continua ocorrendo em segredo e consequentemente nos países em que a prática é permitida, sua publicidade se justifica por não considera-la algo que deva ser escondido.

Os praticantes da mutilação genital feminina, a compreende como um sinal de obediência. Além das mulheres, os homens também foram educados com a idéia de que mulheres circuncidadas são esposas melhores.

A grande maioria das cerimonias como na África ocorre de maneira coletiva com meninas de idades semelhantes e em um lugar especifico, para servirem de exemplo às outras meninas da comunidade. As mulheres não mutiladas são motivo de chacota em sua comunidade.

A pessoa que executa a mutilação pode ser uma mulher mais velha ou até mesmo um barbeiro. “Em algumas culturas, as meninas são aconselhadas a sentarem-se de antemão na água fria, para reduzir a probabilidade do sangramento.” (Tradução Livre, AMNESTY INTERNATIONAL, <https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm1.htm>. Acesso em 24 abr. 2004).

A menina é imobilizada e a mutilação prossegue utilizando-se para o corte, um vidro quebrado, uma tesoura, uma lâmina ou algum outro instrumento do corte.

Quando a mutilação genital feminina ocorre, alguns pontos podem ter dados, de maneira que o órgão genital feminino seja completamente eliminado. Já para os mais abastados, “o procedimento da mutilação pode ser executado por um doutor qualificado no hospital sob o anestésico local ou geral.” (Tradução Livre, AMNESTY INTERNATIONAL, <https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm1.htm>. Acesso em 24 abr. 2004).

Os movimentos ativistas nacionais e internacionais contra a mutilação genital feminina estão se tornando crescentes, devido especialmente aos danos provocados à saúde que se tornam ainda maiores, levando em consideração que em muitas regiões, o acesso à saúde para as mulheres é mais precário e limitado que para os homens.

Em julho de 1997, o Egito proibiu o banimento da mutilação genital feminina, o que gerou grande comemoração por parte de muitos muçulmanos principalmente do Sheik Youssef al-Badri, um protetor da prática. Porém logo após este episódio, a mutilação foi proibida no Egito, o que então gerou grande comemoração por parte dos grupos feministas.

“Em 1990, cerca de 168.000 meninas e mulheres imigrantes nos EUA haviam sofrido ou estavam em fase de serem mutiladas. Destas mulheres, 48.000 tinham menos de 18 anos de idade.

Aproximadamente 70% das mulheres e meninas viviam em 12 estados: Califórnia, Florida, Geórgia, Illinois, Maryland, Massachusetts, Nova Jérsei, Nova Iorque, Ohio, Pensilvania, Texas, e Virgínia.

Quatorze por cento vivia em 11 áreas metropolitanas: Atlanta, GA; Boston, MA; Chicago, IL; Dallas, TX; Houston, TX; Los Angeles, CA; New York, NY; Newark, NJ; Oakland, CA; Philadelphia, PA; e Washington, DC.” (Tradução Livre, THE AMERICAN COLLEGE OF OBSTRTRICIAN AND GYNECOLOGISTS, <https://www.acog.org/from_home/departments/dept_notice.cfm?recno=18&bulletin=1081>. Acesso em 03 set. 2004).

O parlamento canadense e os EUA promulgaram uma lei que proíbe a circuncisão em mulheres com idade inferior a 18 anos. Segundo a lei federal nos EUA, quem praticar a circuncisão, poderá ser multado, aprisionado por mais de cinco anos, ou sofrer simultaneamente as duas punições.

De qualquer forma, a prática tem se manifestado em todo o mundo, principalmente no continente Africano, Oriente Médio, e sul da Ásia.

Os profissionais da saúde têm desenvolvido uma importante ajuda na tentativa de conscientização.

“A união estabelecida pela World Health Organization, o United Nations Children's Fund, e o United Nations Population Fund confirmam universalmente o inaceitável dano causado pela mutilação genital feminina, e emitindo um interesse para a eliminação desta prática em toda as suas formas. Enquanto a mutilação genital feminina continua profundamente enraizada como uma prática tradicional, é possível acreditar que a cultura está em fluxo constante, capaz de se adaptar e de se reformar. A posição das três agências é apresentada assim na esperança que esta prática prejudicial terminará quando os povos compreenderem as conseqüências e os severos danos inevitáveis à saúde. As agências se posicionam em primeiro lugar, com argumentos baseados no reconhecimento dos direitos humanos universais, concluindo que a mutilação genital feminina é uma violação na integridade física e psicológica das mulheres e das meninas. Em segundo lugar, definem que todos os procedimentos de mutilação são irreversível, com efeitos que duram toda a vida. As razões citadas para a continuação desta prática variam das suposições psicosexuais e sociológicas, com os mitos, à opinião a respeito da higiene, do estético, e da religião. Em terceiro lugar, expõe os muitos riscos de saúde associados à mutilação genital. Os outros argumentos incluem um número de acordos internacionais constituídos para a eliminação desta prática, e identificam dezoito áreas (geográficas) precisas para uma ação imediata.” (Tradução Livre, WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2000).

Dessa maneira, em todo ato sexual ou gravidez, a mulher corre 99% de risco de hemorragias mortais, mas proceder com a mutilação genital feminina em hospitais como vem sendo sugerido e praticado em muitos locais, como Sudão, Djibuti and Egito, não elimina seus danos, além de não ser considerada uma prática legal, pois vai de encontro com a ética medica e perpetua e legitíma a prática.

Se uma mulher se recusar a participar do ritual, ela será recriminada pela família e sociedade e não conseguirá casamento. Por esta razão, muitas mulheres não questionam a prática, pois devido às recriminações, elas jamais conseguiram sobreviver prosperando independente, pois em algumas sociedades não conseguirá se manter economicamente.

A Anistia Internacional calcula uma media de que 6.000 meninas sofrem a mutilação por dia em todo o mundo.

Pouco se sabe sobre os procedimentos de mutilação no Pacífico, Ásia e Europa.

Na Índia, um pequeno grupo de muçulmanos, o Daudi Bohra, pratica clitorodectomia, ou seja, a remoção do clitóris. Houve relatos de mutilação genital feminina entre determinados grupos indígenas na América central e do sul, porém não há muitas informações disponíveis.

Atualmente, em países industrializados, relatou-se a mutilação genital feminina, como na Austrália, Canadá, Dinamarca, França, Itália os Países Baixos, Suécia, o Reino Unido e EUA, mas muitas vezes as meninas são levadas ao exterior para sofrerem a mutilação.

No século 19, verificou-se na Inglaterra e EUA, o processo de eliminação do clitóris como forma de se curar mulheres de "doenças" como o excessivo desejo sexual.

A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), no entanto, vem desenvolvendo trabalhos que se direcionam para a educação da mulher e sua inserção na sociedade, estimulando o conhecimento de seus direitos, acreditando que com essa iniciativa, contribui para o bem estar da sociedade em geral, tentando solucionar apelos aos mais diversos tipos de violências.

Os trabalhos da UNESCO em busca dos direitos humanos são baseados na ideia de que a perda de autoestima, a dor e a humilhação contra a mulher, são capazes de desestruturar toda a sociedade, formando conceitos sociais e de gêneros distorcidos e acomodados, além de tornar a agressão, um ato banal, comum e aceitável, questionando assim, os limites das esferas públicas e privadas.

Um exemplo de modificações de base dentro das sociedades é presenciado nos 282 povoados do Senegal que não eliminaram a mutilação genital feminina apenas por pressões Estatais ou externas.

“A população decidiu abolir a tradição depois de participar de um programa de educação básica patrocinado pelo UNICEF (United Nations Children’s Fund) e coordenado pela ONG Tostan, que significa "inovador" em wolof, uma língua local. O programa Tostan apresenta fatos, não julgamentos. Depende dos participantes, o que fazer com as informações recebidas.” (UNICEF,<https://www.unicef.org/brazil/sowc2002/destaques/destaque02/main.htm>. Acesso em 03 set. 2004).

Dependendo assim do processo participativo, a Tostan realiza alternativas para geração de renda e aulas de direitos humanos utilizando teatro e canto.

O que ocorreu neste caso foi que ao tentar se inserir em um novo sistema, as mulheres corriam o risco de perdem sua capacidade econômica, por esta razão, muitas das mulheres que obtinham status social e renda muitas vezes maior que a renda masculina local realizando a mutilação, se manifestaram inicialmente contra a abolição da prática. O rito ancestral da mutilação era assim, um ato de amor, limpeza, respeitabilidade e passagem para a vida adulta. Com esta iniciativa, o pensamento sobre a mutilação é oposto, o que levou o Parlamento do Senegal a aprovar uma lei nacional abolindo o ritual assim, para que a legislação seja eficaz, ela deve ser acompanhada da aderência dos povos, pois se não houver aderência, de nada a lei adiantaria. A criação exclusiva de leis de banimento pode acarretar na omissão da prática, o que torna o trabalho de educação mais difícil. Além disso, atualmente foi implementado um curso no Centro Universitário Internacional de Al-azhar para Estudos Islâmicos no Cairo, sobre os danos causados a meninas e mulheres em conseqüência da mutilação genital feminina.

O questionamento da esfera pública e privada se tornou mais debatido com a comunicação em massa propiciando uma nova forma de visualizar os acontecimentos tanto internos quanto externos, quebrando obstáculos e permitindo à mulher uma maior interação com o que lhe era desconhecido. “Cada vez mais, questões locais têm assumido dimensões transnacionais”. (EICKELMAN, apud MONSHIPOURI, 2004, p.187/188).

Porém, mesmo sendo empiricamente possível o desenvolvimento dos direitos das mulheres ocorrido dentro e por via das culturas, esta atitude também se depara com questões sociais mais complexas, em especial nas sociedades muçulmanas. Estas questões complexas estão ligadas às possibilidades das mulheres muçulmanas seguirem com suas tradições, que são extremamente entrelaçadas com a cultura, a religião e a conduta social, e ao mesmo tempo respectivas à idéias e instituições universais. A difusão da Internet tem feito surgir o interesse pelo ijihad, ou seja, “raciocínio, interpretação ou julgamento independentes das fontes da lei islâmica.” (MONSHIPOURI, 2004, p.193, nota de roda pé).

Estas observações são situações que podem ser verificada em diversos países, cuja cultura, tradições, religiões ou até mesmo a falta de abertura estatal em relação ao sistema internacional e a possibilidade que o Estado por diversas razões, entre elas a questão econômica, não permite a penetração de novas idéias na sociedade civil ou em determinado grupo específico, muitas vezes por opção do mesmo, na busca de um dogma que lhes possa garantir um sistema de preservação do controle social. Por esta razão, que as mudanças devem obter justificativas dentro da própria sociedade e da sua maneira de pensar.

Com a globalização as mulheres acabaram tendo a necessidade de fazer aquilo que muitas vezes lhes era impedida, ou seja, com a expansão dos mercados, as mulheres necessitaram obter renda se inserindo no sistema de maneira que muitas de suas conquistas como oportunidade de estudo e expansão da empregabilidade, foram na verdade “consentidas” por trazer benefícios não somente a elas, mas a todo o sistema econômico. As mulheres ficam diante de um dilema, onde as questões de abertura econômica do Estado trouxeram mudanças culturais.

Mahmood Monshipouri (2004) cita a opinião de uma muçulmana egípcia que se manifesta a favor da Plataforma de Ação de Pequim, mas discorda da tentativa de imposição de ideais ocidentais por parte do Estado.

“No Sudão, como observa Sondra Hale, a reestruturação da economia fez com que as mulheres desempenhassem novos e reinventados papeis, que as envolviam diretamente na reconstrução da nação islâmica, ao mesmo tempo que procuravam pelo Islã “autentico” para exercer seus direitos e para obter sua emancipação” (MONSHIPOURI, 2004, p.204).

“Defensoras dos direitos das mulheres no Irã têm tentado fazer uma releitura e uma interpretação feminista do Corão, nas quais demonstram seu conteúdo emancipatório e, dessa forma, passam a competir com as codificações e interpretações patriarcais existentes... e assim fazem uma distinção entre o Islã e as tradições patriarcais” (MONSHIPOURI, p.209, 2004).

Um clérigo iraniano progressista observa que a desigualdade de gêneros dentro da Sharia é uma construção equivocada feita por juristas homens: “o gênero é um conceito social e humano e não entra no âmbito divino; assim, nunca poderia ser deliberado pelo Legislador divino.” (MONSHIPOURI, p.209, 2004).

“Uma aplicação estrita de modelos exógenos pode causar mais danos do que fazer o bem. É também problemático contar com as iniciativas do Estado... as reformas promovidas pelos Estados são politicamente calculadas, lentas e inconsistentes. As estruturas patriarcais das sociedades muçulmanas - a publica e privada - estão na origem de algum dos principais obstáculos dos direitos das mulheres.” (MONSHIPOURI, 2004, p.211).

A cultura patriarcal se tornou tão enraizada e tão comum, que as mulheres muitas vezes deixam de votar em si mesmas.

“As estruturas patriarcas das sociedades muçulmanas não são eternas e estão sujeitas a mudanças como resultado de desenvolvimentos políticos e econômicos.” (MOGHADAM, apud MONSHIPOURI. p.205, 2004).

“Os movimentos de base têm uma chance significativa de iniciar reformas por via das atividades e das ideias de dissidentes não conformistas. Eles representam uma força interna que desafia o status quo de maneira legitima.” (MONSHIPOURI, p.211, 2004).

Quando há uma tentativa de reformulação e esta tentativa não modifica as estruturas de base gerando no fim das contas nenhuma transformação significativa, as mulheres vão se desinteressando pelo poder político, pela revolução e pela ideologia. Assim, elas parecerem ficar “mais preocupadas com o controle de suas próprias vidas dentro de instituições políticas, sociais e econômicas, quaisquer que sejam as configurações ideológicas dessas instituições” (Mahdi, apud MONSHIPOURI, 2004, p. pg.198).

A ingerência só é aceita como legitima se está vinculada a um órgão jurídico competente como a ONU, se enquadrando assim no direito internacional. Muitas vezes a intervenção de um país em outro, está ligada às questões relacionadas ao aumento de poder e o interesse na região que se diz querer intervir para ajudar no desenvolvimento da região. “Algumas se caracterizam por um tal nível de brutalidade tática com as populações civis que, além de promoverem um acirramento de ânimos capaz de agravar as violações de direitos humanos que visam a combater, acabam justificando as duvidas e contestações expressadas sobre sua oportunidade.” (Alves, apud PECEQUILO, p.220).

Porém a Anistia Internacional travou uma campanha unicamente de encontro às violações cometidas por Estados, pois são estes os únicos atores a responderem por tratados internacionais de direitos humanos, mas a Anistia se utiliza do não cumprimento destes tratados como uma justificação para sua intervenção.

Como visto anteriormente, a interpretação das leis internacionais, vistas somente como violações nas atividades de política pública, cometidas por forças Estatais, não eram suficientes para a preservação dos direitos das mulheres, criando-se então uma abrangeria de interpretações, incluindo a esfera privada nas obrigações do Estado.

O resultado disso, é que o regime internacional vem pretendendo oferecer proteção às mulheres de infrações cometidas por atores não estatais, pois o abuso na esfera "confidencial" tem uma dimensão pública, pois traz para o sistema social, muitas vezes aspectos de preconceitos, discriminação ou de intolerância.

Desde 1995, a Anistia Internacional vem trabalhando intensamente com a mutilação genital feminina como abusos cometidos por atores não estatais, trabalhando assim, com a ideia de conscientização entre a opinião pública internacional e governamental sobre as implicações negativas da mutilação genital feminina, “incitando governos a ratificar e executar tratados internacionais de direitos humanos e preservar outros padrões internacionais de direitos humanos relevantes à prática” (AMNESTY INTERNATIONAL, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm2.htm. Acesso em 24 abr. 2004), isso inclui cooperar com esforços globais, nacionais e ONGs.

A Anistia Internacional tomou a iniciativa para uma reunião, realizada em Gana em abril 1996, com membros da Anistia na África ocidental e dos representantes ganenses de ONGs. O seminário, intitulado "Trabalhando junto para mudar - pare a mutilação genital fêmea”, ocorreu em Bolgatanga, em Gana, uma região onde a mutilação genital feminina é prevalecente. O projeto também contou com a ajuda da Ghanaian Association of Church Development Projects.

A reunião pretendeu planejar um programa de ação para erradicar a mutilação genital feminina em Gana, e propagar meios de compreensão para o público a respeito da mutilação genital feminina, a fim de promover uma campanha maciça de encontro à prática, além disso, o projeto contou com 50 representantes de diversas ONGs, líderes locais e representantes do governo.

As iniciativas da Anistia Internacional devem ser conduzidas por suas filiais nos países onde a mutilação genital feminina é praticada como, por exemplo, em Benin, Cote d’Ivoire, Mali, Nigéria, Serra Leoa e Togo. Devem agir em colaboração com ONGs nacionais e locais, e com os representantes da comunidade. A Anistia (1996) identificou como estratégico, primeiramente salientar perspectiva dos direitos humanos, porém ao mesmo tempo reconhecer a necessidade para aproximações multidimensionais com a população local.

O seminário se tornou notícia principal nos vários meios de comunicação ganenses, provocando um intenso debate público sobre a prática, porém o primeiro seminário da Anistia no leste africano sobre mutilação genital feminina ocorreu em Dodoma, Tanzânia, em maio 1997. Seu tema era "Direitos humanos são direitos das mulheres: Erradicar a mutilação genital feminina". Contou com a presença de 52 participantes - membros de ONGs, grupos de mulheres, organizações religiosas, representantes do governo e da oposição, advogados, médicos e representantes da imprensa.

Na Tanzânia, a mutilação genital feminina é praticada nas regiões de Dodoma, de Cingida, de Arusha, de Kilimanjaro e de Mara. Não há atualmente nenhuma legislação contra a prática na Tanzânia. O seminário conclui que se juntando as forças locais será possível um grande progresso na solução do problema, requerendo uma aproximação multifacetada do problema, mantendo seu foco de orientação, para além dos governos.

A freqüente posição subordinada ocupada historicamente pelas mulheres significou que abusos tais como a mutilação genital feminina, foram muitas vezes ignorados; uma marginalização que também refletiu nas preocupações do movimento internacional de direitos humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (a base do sistema de direitos humanos) protege o direito da pessoa à segurança e o direito a não ser sujeitado a um tratamento inumano. Estes direitos têm total relevância à prática da mutilação genital feminina. Porém, a interpretação de violência, não é muitas vezes abrangida para as violências domésticas ou até mesmo para a mutilação genital feminina. Isto gera uma interpretação equivocada de que os Estados não são responsáveis pelos abusos dos direitos humanos cometidos dentro das casas ou dentro de uma comunidade restrita.

A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres requer no artigo 5º a eliminação de preconceitos e práticas habituais baseadas na idéia de inferioridade ou de superioridade de qualquer um dos sexos. A mutilação genital feminina é assim reconhecida, como uma violência que não permite que as mulheres usufruam de seu direito de liberdade e de igualdade com os homens.

“O comitê sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, emitiu diversas recomendações gerais que se relacionam a mutilação genital feminina. Recomendação Geral 14 (1990) convida os Estados participantes para fazer exame de medidas apropriadas e eficazes com vista à erradicação da prática, incluindo introduzir estratégias apropriadas de cuidado e de instrução de saúde e incluir a informação sobre as medidas feitas para eliminar a mutilação genital feminina em seus relatórios ao comitê”. (Tradução Livre, (Tradução Livre, AMNESTY INTERNATIONAL. https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm5.htm, 1996. Acesso em 24 abr. 2004).

A Recomendação Geral 19 reconhece que a mutilação genital feminina priva as mulheres de seus direitos civis e políticos (tais como o direito à integridade física), tanto na vida publica quanto na vida privada.

“O artigo 4º prevê que os Estados não devem invocar nenhum costume, tradição ou consideração religiosa para evitar sua obrigação de eliminar a violência encontra às mulheres. Detalha as medidas que os Estados devem adotar para impedir, punir e erradicar tal violência.” (Tradução Livre, AMNESTY INTERNATIONAL. https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm5.htm, 1996. Acesso em 24 abr. 2004).

A Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim contêm uma clara condenação sobre a mutilação genital feminina, reafirmando a responsabilidade dos Estados de deter tal violência. Dessa maneira os governos devem abolir todas as práticas tradicionais prejudiciais à saúde da mulher.

Os governos têm obrigações claras sob a lei internacional de manter medidas eficazes na erradicação da mutilação genital feminina.

A Anistia Internacional (1996), declara a ocorrência de raricimos casos, onde mulheres residentes em países cuja mutilação genital feminina é predominante conseguiram ser reconhecidas como refugiadas sob a convenção da ONU de 1951 (Convenção de Refugiados da ONU). Um desses casos ocorreu em 1993 no Canadá, onde a somaliana, Khadra Hassan Farah fugiu de seu país com sua filha de dez anos de idade, Hodan, por acreditar que Hodan estaria sendo foçada a se submeter à mutilação genital feminina (VEJA EM ANEXO, Reportagens Sobre A Mutilação Genital Feminina, onde é exposto um caso semelhante e de violência contra mulheres mutiladas na Somália).

The United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR) esboçou em 8 Julho de 1994, sua posição em relação à mutilação genital feminina afirmando que: a mutilação genital feminina.

“que causa dor severa assim como dano físico permanente, é uma violação aos direitos humanos, incluindo os direitos da criança, e pode ser considerada como uma importunação. A tolerância destes atos pelas autoridades, ou a falta de vontade das autoridades em fornecer a proteção contra eles, significa consentimento oficial. Consequentemente uma mulher pode ser considerada uma refugiada se seu medo ou medo de sua filha/filhas forem compelidos para submeter-se a mutilação genital feminina de encontro a sua vontade.” (Tradução Livre, AMNESTY INTERNATIONAL, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm6.htm, 1996. Acesso em 24 abr. 2004).

A convenção de refugiados da ONU define um refugiado como alguém que "... owing to well-founded fear of being persecuted for reasons of race, religion, nationality, membership of a particular social group or political opinion, is outside the country of his nationality and is unable, or owing to such fear, is unwilling to avail himself of the protection of that country..." (AMNESTY INTERNATIONAL, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm6.htm, 1996. Acesso em 24 abr. 2004).

A erradicação da mutilação genital feminina via organismos intergovernamentais, só se tornou possível na agenda internacional dos direitos humanos, devido ao aumento do ativismo de organizações não governamentais. As ONGs realizaram progressos significativos, a começar por suas enormes pesquisas e por tornar a mutilação genital feminina um assunto público.

Dos 29 países da África que possuem comunidades que praticam a mutilação genital feminina, 22 têm filiais do Comitê Inter-Africano nas Práticas Tradicionais que Afetam a Saúde das Mulheres e das Crianças (Committee on Traditional Practices Affecting the Health of Women and Children), mantendo como ativistas homens e mulheres de diversas áreas como médicos, grupos feministas, educadores e outros.

O comitê se originou em 1984 em Dacar

“para coordenar as atividades de ONGs nacionais. Em setembro 1997, promoveu um Simpósio para Legisladores nas matrizes da Organização da Unidade Africana (OAU) em Addis Ababa, Etiópia. O Simpósio emitiu a Declaração de Addis Ababa, que convidou governos africanos a adotarem políticas claras e medidas concretas visando a erradicação ou a drástica redução da MGF até 2005.

Outras ONGs internacionais que trabalham para a erradicação da mutilação genital feminina inclui a Forward International, Minority Rights Group, Commission pour l’Abolition des Mutilations Sexuelles (CAMS), Research Action Information Network for Bodily Integrity of Women (RAINBO) e Equality Now.” (Tradução Livre, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm8.htm, 1996. Acesso em 24 abr. 2004).

O envolvimento de líderes religiosos na erradicação da mutilação genital feminina vem sendo crucial ao sucesso de algumas iniciativas, pois estes apresentam maior credibilidade e redefinem o rito (nas sociedades que assim a mutilação genital feminina é considerada) de maneira a continuar seguindo a tradição, porém sem que para isso seja necessário o mantimento de um ritual que cause danos físicos e psicológicos como a mutilação genital feminina. Para isso, os departamentos de imigração, e de saúde do Estado estão se mantendo muitas vezes em comunhão com as idéias de erradicação da prática, promovendo também programas de informações públicas.

“O papel da solidariedade internacional é complementar e dar suporte ao trabalho realizado localmente, oferendo sustentação técnica, metodológica e financeira”. (Tradução Livre, https://www.amnesty.org/ailib/intcam/femgen/fgm8.htm, 1996. Acesso em 24 abr. 2004).

Assim, a intervenção direta não se torna necessária, ao passo que os ativistas locais poderão manter contato com outros ativistas fora de seu país pelos meios de comunicação.

Porém é preciso ressaltar que a mutilação genital feminina, é apenas uma ponta de culturas extremamente complexas e miscigenadas ao longo dos processos históricos e que só poderá efetivamente ser compreendida, analisando-se a totalidade estas culturas incluindo suas tradições.


Considerações Finais

Esta pesquisa composta por três capítulos procurou demonstrar a existência de meios legais para a perpetuação e conquista dos direitos humanos das mulheres.

No primeiro capítulo foi demonstrado o que é o regime internacional, se estendendo ao surgimento do regime internacional de direitos humanos da mulher no segundo capítulo.

O terceiro capítulo apresentou como a Organização das Nações Unidas juntamente com as Organizações Não – Governamentais locais, regionais e internacionais, obtiveram sucesso no combate a mutilação genital feminina, detalhando-se melhor esta prática. Esta situação mostrou como muitas vezes não chega ser necessária a intervenção internacional direta, ou mesmo a imposição de leis para que haja a conscientização para a eliminação da mutilação genital feminina, que pode surgir dentro das próprias comunidades.

A questão da erradicação da mutilação genital feminina está, portanto caminhando para uma política de Estado e não somente a prioridade de um governo.

Portanto entendemos que as leis, normas e princípios de condutas existem no plano internacional e são de extrema importância para o bom “funcionamento” do sistema, e que são frequentemente observados pela comunidade internacional, incluindo as Organizações Internacionais Governamentais e as Não – Governamentais. Porém o maior avanço só ocorrerá quando a preocupação não for apenas cumprir os compromissos das conferências, mas sim atingir o ideal que as mesmas tentaram buscar.


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Abstract: This research has as objective, consider indirectly and directly a discussion on the worthness diversity and of ethical perception, between the international law and the practicing groups of feminine genital mutilation thus comprehending, the mutilation in its totality, however standing out the visions and harmful of this type of mutilation and to argue them. To conclude, it also aims at to present the international mechanisms of combat the feminine genital mutilation, demonstrating succinct which projects and performance way, beyond the current situation of practises in global scope.



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