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A nova sistemática da pensão por morte ao cônjuge

Violação à dignidade humana e retrocesso social

A nova sistemática da pensão por morte ao cônjuge: Violação à dignidade humana e retrocesso social

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Alterações introduzidas no mencionado benefício devido à alteração legislativa – edição da Lei nº 13.135/2015, proveniente da conversão da Medida Provisória nº 664 – que estabeleceu ao cônjuge faixas etárias para duração do benefício.

RESUMO: Um dos eventos assegurados pela Previdência Social em nosso ordenamento é a morte do segurado. Ainda que tal benefício previdenciário possua caráter personalíssimo, com a morte do beneficiário surge o direito ao seu dependente (dentre os quais, o cônjuge – expressão utilizada neste estudo para compreender também o companheiro – se inclui) de receber o benefício denominado pensão por morte, destinado a lhe garantir as condições de vida proporcionadas, até então, pelo segurado. Utilizando-se do método hipotético-dedutivo, serão analisadas as alterações que foram introduzidas em mencionado benefício devido à alteração legislativa – edição da Lei nº 13.135/2015, proveniente da conversão da Medida Provisória nº 664 – que estabeleceu ao cônjuge faixas etárias para duração do benefício. As alterações  são de constitucionalidade duvidosa, gerando inequívoca violação à dignidade da pessoa humana, por desamparar o idoso no momento em que mais necessita, isto no caso de concessão de benefício para cônjuge com 43 – quarenta e três – anos de idade na data do óbito, por exemplo. Sem prejuízo do retrocesso social ocasionado com tal alteração, por limitar um direito social que, antes de tal redação, era concedido de forma vitalícia ao cônjuge.

PALAVRAS-CHAVE: Pensão por morte – Cônjuge – Violação dignidade humana – Retrocesso social.


1. INTRODUÇÃO

Por meio do presente artigo, promover-se-á a análise da nova sistemática da pensão por morte ao cônjuge inserida em nosso ordenamento por meio da Medida Provisória nº 664 que fora convertida na Lei nº 13.135/2015, tratando especificamente da criação de um termo final para o recebimento de tal benefício, para os cônjuges que, na qualidade de dependente do segurado, ficarem viúvos, e como tal medida ocasionou clara e inequívoca afronta à dignidade da pessoa humana, bem como proporcionou inequívoco retrocesso social.

Para tratar do assunto, será realizada uma breve análise da Previdência Social como direito social garantido constitucionalmente ao cidadão, pautado pelos princípios norteadores da Seguridade Social (gênero onde uma de suas frentes é a previdência social) e dos próprios princípios setoriais do regime de previdência, apontando ainda as contingencias sociais cobertas pelo mecanismo de proteção social e as prestações destinadas a garanti-los.

Posteriormente, será abordada a pensão por morte a partir da sua fonte normativa, incluídas as alterações promovidas pela aplicação da Medida Provisória nº 664, especialmente no que tange a criação de faixas etárias para estabelecer o termo ad quem do benefício em estudo, especificamente com a alteração do inc. V, § 2º do art. 77 da Lei nº 8.213/91 que inseriu, em citado inciso, as alíneas “a” a “c” regulamentando a nova forma de concessão do benefício e os prazos para encerramento do mesmo.

Discorrer-se-á sobre os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proibição do retrocesso social (especialmente) no que tange aos Direitos Sociais, apontando a existência de um núcleo essencial a ser garantido em decorrência do mínimo existencial, apontando ainda a violação expressa da Lei nº 13.135/15 a dispositivos constitucionais, enveredando na seara da inconstitucionalidade.

Vê-se portanto o objetivo do artigo é claro, sendo que para elaboração do mesmo se utilizará do método hipotético-dedutivo, de modo que dentro da problemática alinhavada (análise da nova sistemática da pensão por morte após as alterações legislativas e suas consequências jurídicas) promova-se a comprovação empírica das hipóteses que serão aventadas, para que sejam corroboradas ou rechaçadas; promovendo-se a pesquisa por meio de consulta de obras doutrinárias e artigos de renomados doutrinadores e pesquisadores, bem como pela consulta da legislação nacional a fim de auxiliar no processo de corroboração ou falseamento das hipóteses aventadas.

Por fim, apresentar-se-á as conclusões do autor sobre a matéria sob enfoque.


2. A PREVIDÊNCIA SOCIAL – BREVES APONTAMENTOS

A Constituição Federal fixou no seu artigo 193 que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Por sua vez, inseriu a Seguridade Social, como um conjunto integrado de ações decorrentes da iniciativa dos poderes estatais e da sociedade, destinadas a assegurar direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194). Note-se que a dicção do texto constitucional, ao conceituar a ordem social não foi exaustiva, não trazendo, portanto, um conceito clausulado; mas sim, amplo e abrangente, mas parâmetros a serem alcançados por meio da exegese constitucional.

Além disso, o constituinte, ao tratar sobre a matéria, trouxe de forma expressa no art. 194 da CRFB, os princípios setoriais que orientam o Sistema de Seguridade Social (PANCOTTI: 2009; p.97), quais sejam:

(a) A universalidade da cobertura e do atendimento, por meio do qual o Estado se obriga como responsável pela seguridade a estender a proteção social a todos os riscos que possam expor o segurado a estado de necessidade. Em suma: A universalidade de cobertura se refere às situações da vida que serão protegidas, ou seja, contingências sociais que necessitam de amparo e a de atendimento aos sujeitos que se encontra em situação de necessidade e, portanto, devem ser atendidos de forma isonômica (PANCOTTI: p.98).

(b) A uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, princípio destinado a equiparar com os trabalhadores urbanos as condições de seguridade do trabalhador rural. Destarte, a uniformidade significa a aplicação dos mesmos benefícios e serviços previdenciários a todos os segurados da Previdência Social, que em razão das contingências sociais oriundas da velhice, morte, invalidez, doença, reclusão, etc, necessitam de amparo previdenciário.  A equivalência de benefícios diz respeito ao aspecto pecuniário e aos serviços que podem ser diferentes em razão da necessidade dos beneficiários. Note que equivalência não significa igualdade no valor do benefício previdenciário a ser pago nem do serviço prestado, mas significa que em situações equivalentes, os beneficiários urbanos e rurais devem ser tratados de forma igualitária e equivalente (PANCOTTI: p.99). Necessário ressaltar a possibilidade da contagem recíproca do tempo de trabalho rural para fins para aposentadoria urbana, sendo a recíproca verdadeira.

(c) Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, sendo que, de acordo com Goes (2.011, p. 18), enquanto a seletividade determina que o rol de benefícios mantidos pela Previdência seja bem delimitado, a distributividade faz com que o sistema protetivo estabelecido seja voltado aos necessitados. Com a inserção de referenciado princípio como norteador da seguridade e, por consequência, da Previdência, o constituinte alertou o legislador ordinário a ater-se ao bom senso administrativo para, a fim de garantir a universalidade de acesso diante da precariedade de verbas existentes, sejam as prestações e serviços selecionados; garantindo com isso que os beneficiários sejam, efetivamente, os necessitados. a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios devem ser encaradas como a escolha de um plano básico compatível com a força econômico financeira do sistema e as reais necessidades dos protegidos (PANCOTTI: p.99).

(d) A irredutibilidade do valor dos benefícios, que de acordo com o inciso IV do art. 1º do Decreto nº 3.048, reflete a necessidade de manter o poder aquisitivo do benefício, ou seja, preservar o valor real do benefício; a teor do que se verifica com a leitura do § 4º, art. 201 da CRFB, que garante o reajustamento do benefício como forma de preservar seu valor real.

(e) A equidade na forma de participação no custeio, uma vez que, por se tratar de uma espécie de seguro, depende das contribuições a si vertidas. Assim, cada segurado deverá participar do custeio, de acordo com sua capacidade contributiva. Ainda partindo do primado da equidade (CRFB, art. 5º, caput), justifica-se a existência de alíquotas ou base de cálculos diferenciados em razão do porte da empresa, do risco social de sua atividade etc. (GOES, 2.011, p. 22).

(f) A diversidade na base do financiamento, já que nos termos do art. 195 da CRFB, a seguridade é financiada de forma direta pela contribuição dos segurados e, de forma indireta, pela realização de repasses de recursos orçamentários da União e de seus entes federados.

(g) E por fim, o caráter democrático e descentralizado da administração, garantindo que as ações adotadas no âmbito da seguridade sejam discutidas de forma democrática, tomadas por meio da gestão quadripartite; com a participação de trabalhadores, empregadores, aposentados e governo, nos órgãos colegiados como o Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS, Lei nº 8.213/1.991, art. 3º), Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS, Lei nº 8.742/1.993, art. 17) e Conselho Nacional de Saúde (CNS, Lei nº 8.080/1.990) (GOES, 2.011, p. 26).

Além dos princípios acima descritos, previstos nos incisos do art. 194, há ainda o princípio da preexistência do custeio (CRFB, art. 195, § 5º), pelo qual nenhum benefício poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total, visando preservar o caixa existente para cobertura dos benefícios já previstos, que não podem ser onerados com a criação, majoração, ou então, extensão destes em prejuízo aos segurados.

Por fim, cite-se ainda o princípio da solidariedade (CRFB, art. 195, caput c/c art. 3º, I) que estabelece a participação do governo no financiamento da seguridade, a fim de garantir a construção de uma sociedade solidária.

Observe-se que os princípios acima citados refletem aqueles que são aplicados de forma geral à Seguridade Social. No entanto, quando tratamos da Previdência Social, deve-se ainda elencar os princípios estabelecidos no art. 201 da CRFB. Conforme mencionado dispositivo, devem ser observados, ainda, os seguintes princípios:

(a) Caráter contributivo, que estabelece a necessidade do segurado verter em favor da Previdência Social a contribuição devida.

(b) Filiação obrigatória, onde o segurado não possui a opção pela filiação ao regime previdenciário, havendo uma única exceção no que tange ao segurado facultativo.

(c) Equilíbrio financeiro e atuarial, refletindo, o equilíbrio financeiro, a “[...] equivalência entre as receitas auferidas e as obrigações do regime previdenciário em cada exercício financeiro”. Já o equilíbrio atuarial “[...] é a garantia de equivalência, a valor presente [sic], entre fluxo das receitas estimadas e das obrigações projetadas, apuradas atuarialmente, a longo prazo” (GOES, 2.011, p. 30).

(d) E, por fim, a proteção do benefício mínimo (§ 2º), refletindo garantia ao segurado de que, nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado, terá valor inferior ao salário mínimo.

Nessa senda, a Previdência Social em nosso ordenamento jurídico, é classificada como direito social do segurado. O próprio site do Ministério da Previdência Social a define como:

[...] seguro que garante a renda do contribuinte e de sua família, em casos de doença, acidente, gravidez, prisão, morte e velhice. Oferece vários benefícios que juntos garantem a tranquilidade quanto ao presente e em relação ao futuro assegurando um rendimento seguro. [...]

A Previdência Social pode ser caracterizada como gênero, do qual são espécies: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), destinado a segurar o trabalhador que com o seu labor aufere rendimentos, além de abranger as figuras equiparadas por lei (como por exemplo, o exercente de mandato eletivo não vinculado a regime próprio); o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), destinado a segurar os trabalhadores da iniciativa pública; e o Regime de Previdência Complementar (RPC), que se destina a garantir a complementação da aposentadoria daqueles segurados que se filiam a mencionado regime.

Necessário consignar que, as duas primeiras espécies de regime previdenciário (RGPS e RPPS), ao serem consideradas concomitantemente, são incompatíveis entre si, nada obstando que no futuro possa o segurado, preenchendo os requisitos específicos de cada regime, vir a receber um benefício por meio do RGPS e um pelo RPPS.

Abre-se um breve parêntese, até mesmo objetivando uma delimitação do tema de estudo, para apontar que o presente destina-se a analisar a violação aos preceitos da dignidade e do retrocesso social, na questão da alteração da pensão por morte no RGPS, eis que a MPV 664 altera as regras do RGPS.

Continuando, Kertzman (2015, p. 35-36), ao tratar do RGPS. o conceitua  como

[...] regime de previdência social de organização estatal, contributivo e compulsório, administrado pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, sendo as contribuições para ele arrecadadas fiscalizadas pela Receita Federal do Brasil. É regime de repartição simples e de benefício definido. [...] O Regime Geral de Previdência Social é aquele que abrange o maior número de segurados, sendo obrigatório para todos os que exercem atividades remuneradas por ele descritas. Assim todos empregados de empresas privadas e todas as pessoas que trabalham por conta própria, estão também obrigatoriamente filiados, devendo contribuir com sua parte para o sistema.

Os beneficiários da previdência social se referem ao sujeito ativo da relação jurídica previdenciária, ora credores da relação jurídica. São aqueles investidos na prerrogativa de exigir do outro determinado comportamento, ou seja: são as pessoas que têm ou podem ter o direito ao gozo das prestações previstas em lei e distribuídas pelos órgãos administrativos do sistema

Os beneficiários da Previdência Social sempre serão tidos como sendo pessoas físicas que fazem jus a prestações previdenciárias, que poderão ser benefícios ou serviços. O beneficiário tanto poderá ser o segurado como o seu dependente, sendo que o segurado é aquele que efetivamente contribui para a manutenção do regime, enquanto o dependente não recolhe qualquer contribuição nesta condição, mas é beneficiado pela contribuição feita pelo segurado, já que esta não é vertida em seu benefício exclusivo (PANCOTTI:2012).

Os Segurados da Previdência Social são os indivíduos que integram o rol de beneficiários da Previdência Social em razão de se filiarem previamente a ela. Etimologicamente a expressão “segurado” denota um caráter securitário, ou seja, de uma pessoa protegida por um seguro, filiada a um regime de seguro social. Trata-se de uma relação que não tem caráter contratual, pois o segurado é obrigado a filiar-se à previdência. Encontram-se vinculados diretamente ao regime de previdência e para ele contribuem e se classificam em duas espécies: obrigatórios e facultativos. Ambas as espécies de segurados (obrigatório e facultativo) são bem delineadas pelas Leis nº 8.212 e 8.213 ambas de 1.991.

Por outro lado, os Dependentes são as pessoas que, embora não estejam contribuindo para a seguridade social, a legislação os enquadra como possíveis beneficiários do RGPS, pois são aqueles que, ainda que de forma não-exclusiva, vivem a expensas do segurado. Ou seja, são as pessoas que estão vinculadas ao segurado por laços de parentescos, de convivência conjugal de fato, de dependência econômica, status que a lei reputa como indispensável para a concessão das prestações em espécie (PANCOTTI:2012).

Ademais, estes sujeitos são destinatários à certas coberturas da ocorrência de determinados eventos pela previdência. Estas contingências sociais são eventos acidentais na vida do indivíduo que o coloca em uma situação de necessidade, reclamando a correspondente proteção social. Elas estão taxativamente elencadas no art. 201 da CRFB, a saber:

(a) Doença, que se trata de uma incapacidade temporária para o labor, evento este coberto pelo benefício de auxílio-doença;

(b) Invalidez, configurada pela incapacidade definitiva do segurado, e coberta pelo benefício de aposentadoria por invalidez.

(c) Morte, eis que mesmo sendo personalíssimos os benefícios, se garante ao dependente do segurado o benefício da pensão por morte.

(d) Idade avançada, evento coberto pelo benefício da aposentadoria por idade.

(e) Maternidade, destinado à gestante, garantido pelo benefício de salário-maternidade.

(f) Desemprego, configurado pela perda involuntária do trabalho. Quanto a este evento, cabe ressaltar que o mesmo não é garantido pelo INSS, mas sim pelo FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, administrado pela Caixa Econômica Federal, por meio do seguro-desemprego.

(g) Encargos familiares, pagos ao trabalhador de baixa renda, com filho de até 14 anos ou inválido de qualquer idade, garantidos por meio do salário-família.

(h) O recolhimento à prisão do segurado, que garante aos dependentes do segurado de baixa renda, que se encontre detido ou recluso por prisão cautelar ou definitiva, o recebimento de prestação denominada de auxílio-reclusão. Cite-se que o requisito econômico-financeiro estabelecido para obtenção do benefício (baixa renda) é promovido por meio de análise objetiva da condição financeira do segurado quando do encarceramento, considerando para tanto o último salário recebido.

De consignar-se que a cobertura de cada evento em questão possui requisitos a serem preenchidos pelo segurado ou beneficiário que não serão tratados no presente estudo, em razão de sua delimitação, mas que são facilmente constatados por meio das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91.


3. O BENEFÍCIO PENSÃO POR MORTE E A MEDIDA PROVISÓRIA (MPV) Nº 664

3.1 – A pensão por morte no R.G.P.S.

Como visto anteriormente, um dos eventos cobertos pela Previdência Social é a morte do segurado, risco social protegido pelo benefício denominado como da pensão por morte previdenciária.

De acordo com José Manuel Almansa Pastor (1977, VOL II, p. 87), o primado da proteção decorrente da pensão é a proteção em face do falecimento e o da sobrevivência. Diz o autor que o falecimento gera gastos com o enterro, sepultamento, e outros ônus decorrente da morte, enquanto a sobrevivência consiste na situação de necessidade em que os dependentes possuíam em relação ao instituidor. Com base no nosso ordenamento jurídico, a pensão por morte nada mais é do que a contraprestação da previdência, garantida ao dependente do segurado. Nas palavras de Marcos de Queiroz Ramalho (2010: p.63), a pensão por morte é um benefício tipicamente familiar voltado ao sustento dos dependentes do segurado.

Possui fonte matriz no artigo 201, inciso I da Constituição federal e é regulamentado pela Lei nº 8.213/1991, em seus artigos 74 usque 79, pelo Decreto nº 3.048/1999, nos seus arts. 105 a 115. No âmbito administrativo, o INSS elaborou a Instrução Normativa INSS PRES 77/2015, que regulamenta a matéria a partir do artigo 364.

O benefício em questão, na prática, destina-se a garantir ao dependente a manutenção da condição econômico-financeira que lhe era proporcionada pelo segurado.

Amado (2012, p. 581), ao analisar o benefício em comento, o define como

[...] benefício previdenciário dos dependentes dos segurados, assim consideradas as pessoas listadas no artigo 16, da Lei nº 8.213/91, devendo a condição de dependente ser aferida no momento do óbito do instituidor, e não em outro marco, pois é com o falecimento que nasce o direito.

A Lei nº 8.213/91, por meio de seu art. 16, com a nova redação dada pela Lei 11.146/2015, divide os dependentes em três castas distintas, em conformidade com os incisos de tal dispositivo, a saber: inciso o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; inciso II: os pais; e o inciso III: o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave.

Cabe salientar que a dependência econômico-financeira para fins previdenciários é flexibilizada em razão de cada uma das classes que a compões. A primeira casta é beneficiada por uma presunção absoluta (jure et de jure) de dependência econômica, não tendo que se falar na possibilidade de se provar em sentido contrário. Nas demais castas, a presunção de dependência deverá ser devidamente comprovada, nos termos do § 4º do citado 16, já que desprovida desta presunção. Isto sem prejuízo da exclusão das classes seguintes em razão da existência de classes anteriores (art. 16, § 1º).

Várias são as hipóteses em que se observa o termo inicial do benefício. De acordo com o art. 74 da Lei n° 8.213/91, alterada pela Lei 13.143/15, apontam-se três momentos distintos a serem considerados: a data do óbito, se o requerimento for realizado até noventa dias depois deste (inciso I)[3]; a data da entrada do requerimento – DER – quando realizado após tal prazo (inciso II); ou, ainda, da decisão judicial, quando o óbito vier a ser declarado por sentença, em caso de morte presumida (inciso III). A competência para prolação desta sentença declaratória é da Justiça Federal, conforme decisão proferida pelo Superior Tribunal no CC nº 20.120 (AMADO, 2012, p. 585).

Até aqui, não há qualquer ofensa ao à vedação ao retrocesso social, tampouco da dignidade da pessoa humana, ao contrário, a Lei 13.143/15 conferiu maior amplitude ao dependente, pois ampliou o conceito de invalidez nos incisos I e III e ampliou o prazo para a apresentação da entrada do requerimento administrativo para delimitar a DIB.

3.2 – A MPV 664

Como será após transcrito, observar-se-á que a edição da MPV nº 664, convertida na lei nº 13.135/15, acarretou profundas alterações no instituto em estudo.

Inicialmente, vale ressaltar que essa Medida Provisória previa uma exigência mínima de carência (número mínimo de contribuições mensais necessárias para que o beneficiário fizesse jus ao benefício) de 24 meses para o gozo do benefício. De acordo com a E.M.I. 00023/2014 MPS MF MP, que justificava a edição da MP, a instituição de carência configurava-se necessária; pois, a ausência de tal requisito permitiria:

[...] que o recolhimento da contribuição, pelos dependentes, em nome do segurado, possa ocorrer, até mesmo, após a morte do segurado, pois o prazo de pagamento da contribuição previdenciária ocorre somente no mês seguinte à competência que deu origem ao fato gerador tributário. [...]

Ocorre que, quando da conversão da MP na citada lei, tal alteração fora extirpada e, desta forma, o benefício continua a ser concedido sem a necessidade do cumprimento de qualquer carência para tanto (nos termos do inc. I, art. 26 da Lei nº 8.213/91).

A partir de 30.12.2014 o dependente indigno não terá mais direito à pensão por morte caso seja condenado à crime doloso[4] de que tenha causado a morte do segurado/instituidor. Assim, no artigo 74, §1º da Lei 8.213/91, regulamentado pelo Memorando Circular conjunto nº 1 DIRBEN/PFE/DIRAT/INSS regulamenta tal procedimento. Vale salientar que o dependente indigno não possui o mesmo conceito de herdeiro indigno previsto no Código Civil, tendo em vista, a especialidade do tema.

Porém, a Lei nº 13.135/15 manteve a alteração inserida pela MPV nº 664, que fixou novos requisitos para que o beneficiário fizesse jus à benesse. Além disso, estabeleceu termo final para o percebimento das prestações pelo cônjuge/companheiro, aniquilando a vitaliciedade que se denotava pela redação anterior do art. 77 da Lei nº 8.213, uma vez que a pensão se extinguia somente com a morte do(a) pensionista.

Alguns comentários desatentos da mídia conceituam esta nova exigência do artigo 77 como carência para o recebimento do benefício. Grosseiro este equívoco. Isto porque o artigo 26, inciso I da LB mantem a dispensa da carência para pensão por morte, e mais: a alínea “b” do inciso V do § 2º do artigo 77 estabelece condições específicas para a manutenção da qualidade de dependente do RGPS no que tange a duração do benefício. 

Com efeito, o novo regramento conferiu ao § 2º do art. 77, nova redação, que passou a vigorar com o inciso V, com o seguinte teor:

Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais. 

§ 2o. O direito à percepção de cada cota individual cessará:  

V - para cônjuge ou companheiro:

a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas “b” e “c”;

b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado;

c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável:

1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;

2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade;

3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade;

4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;

5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade;

6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade.

Assim, o primeiro grande impacto ocasionado pela alteração legislativa foi a criação de requisito consubstanciado na exigência de dezoito contribuições versadas pelo segurado para conferir ao beneficiário o percebimento das prestações por período superior a quatro meses. Veja que não há como caracterizar mencionada exigência como carência, eis que, mesmo sem a implementação desta, há concessão do benefício com caráter temporário. Ainda, observe-se que este benefício com caráter temporário é também concedido ao cônjuge ou companheiro cuja relação conjugal tenha se iniciado há menos dois anos, antes do óbito, mesmo que implementadas as dezoito contribuições.

Seguindo, caso o segurado tenha versado dezoito contribuições mensais, e o relacionamento (marital ou de convivência) tenha se estabelecido há pelo menos dois anos, criou o legislador critério etário para fixar o termo a quo do benefício, exceto nas hipóteses de acidente de trabalho e invalidez para o trabalho do segurado antes de tal lapso de tempo, gerando lesão ao direito da intimidade das pessoas. A justificativa do Poder Público de que a nova regra serve para elidir situações fraudulentas só reafirma de que há uma presunção de má-fé por parte dos dependentes que se casam somente para usufruir da benesse garantida. Não se pode olvidar de que a má-fé deve ser comprovada e não presumida, como fez o legislador ordinário. Assim, caminhou bem o legislador ao prever no § 2º do artigo 74 que perderá o direito à pensão por morte o casamento simulado, fraudulento, ou realizado com o fim exclusivo de constituir o benefício previdenciário.

Portanto, para fins previdenciários, a afinidade familiar e a relação de dependência do cônjuge com o instituidor foi arbitrariamente fixada pela legislação em apenas 2 anos. O legislador instituiu de maneira positivada o lapso temporal pela qual se reconhece a família como núcleo de relação de dependência, contrariando o valor estampado no artigo 226 da Constituição Federal.

Conforme o supracitado dispositivo, possuindo o cônjuge (e para simplificar, daqui por diante, ao ler cônjuge, entenda-se também o companheiro) menos de 21 (vinte e um) anos na data do óbito, terá direito de perceber o benefício pelo prazo de três anos.

Havendo idade compreendida entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos, perceberá a benesse pelo prazo de seis anos. Entre os 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos, pelo prazo de dez anos.

A partir deste marco surgem os problemas da alteração legislativa em questão. Estabeleceu a novel legislação que o cônjuge que possuir, na data do óbito do segurado, entre 30 (trinta) anos de idade e 40 (quarenta) anos, perceberá o benefício pelo prazo de quinze anos. Se com idade compreendida entre os 41 (quarenta e um) aos 43 (quarenta e três) anos, perceberá o benefício pelo prazo de vinte anos. Torna-se vitalícia somente ao cônjuge com idade igual ou superior a 44 (quarenta e quatro) anos.

Veja que o dependente iniciará o recebimento do benefício aos 30 (trinta) anos, estando amparado até os 45 (quarenta e cinco) anos. Se iniciar aos 40 (quarenta), até os 55 (cinquenta e cinco). E se com 43 (quarenta e três) até os 63 (sessenta e três).

De se apontar que, quando os beneficiários-dependentes atingem a idade em que mais necessitam de amparo, em razão de ser acometidos por patologias, por exemplo, encontrar-se-ão completamente desamparados pelo Estado, fato este que, como será demonstrado por meio da análise aqui proposta, afronta direitos constitucionais deste segurado.


4. A VIOLAÇÃO AOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

A base da nova ordem constitucional de 1988, pautada pelo Estado Democrático brasileiro, possui características emanadas do bem-estar social, decorrente do Welfare State. Não por menos que um dos pilares fundamentais da nossa república federativa seja a dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III da CRFB. A dignidade, por sua vez, trata-se de princípio constitucional de conteúdo abstrato, que serve de substrato para garantir ao cidadão que o Estado promova, por si e seus órgãos, a implementação dos direitos sociais previstos na Constituição. São direitos de status positivo, permitindo ao cidadão exigir que o Estado volte sua atuação de forma a lhe garantir melhores condições de vida pela implementação dos direitos previstos no art. 6º da Carta de Outubro (educação, saúde, alimentação, moradia, transporte, lazer, segurança e previdência social) (DIMOULIS, 2014, p. 52).

Como já nos manifestamos em outros escritos, o postulado da dignidade humana, em virtude da forte carga de abstração que encerra, não tem alcançado, quanto ao campo de sua atuação objetiva, unanimidade entre os autores, muito embora se deva, de logo, ressaltar que as múltiplas opiniões doutrinárias se apresentam harmônicas e complementares. Acredita-se que o conceito da dignidade da pessoa humana não pode ser tão somente analisada como uma densificação dos valores pessoais tradicionais, mas sim uma forma de garantir as bases da existência humana, no seu patamar mínimo de condição. Assim, não só os direitos e garantias individuais tem por fim fornecer a base mínima de existência do ser humano, mas também a ordem econômica (art. 170 da CF/88), a ordem social na realização de uma justiça social exteriorizada na busca do pleno emprego, e como não poderia deixar de ser, a busca de uma convivência em um bem ecologicamente equilibrado, nele incluído o do trabalho, visando uma melhor qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. (PANCOTTI:2008, p. 88).

Porém, a realidade é outra. Na prática, o que se denota é que o Estado por si não vem garantindo ao cidadão o acesso amplo e irrestrito aos direitos sociais previstos na Constituição, fazendo com que o próprio cidadão promova, de per si o acesso a mencionados direitos por meio de seus rendimentos. Tanto é verdade que a própria Constituição, ao tratar dos direitos dos trabalhadores (art. 7º, IV), estabelece a obrigação de ser garantido ao obreiro, salário mínimo, fixado em lei, capaz de atender suas necessidades vitais básicas e às de sua família; enfim, o acesso aos direitos elencados no art. 6º, dentre os quais, à própria previdência social.

Considerando a teoria do mínimo existencial, tem-se a concepção de que em cada direito fundamental existe um núcleo essencial que, em nenhuma hipótese, pode ser afetado.

Nesta senda, dada a importância dos direitos abrangidos, dentre os direitos sociais previstos na Constituição, compreende-se que a previdência social, por garantir de forma reflexa o acesso aos demais direitos sociais (a teor do art. 7º, IV da CRFB), trata-se de núcleo essencial que não poderia ser afetado.

Milita-se, assim, em prol da existência de uma teoria absoluta do conteúdo essencial. Alexy (1993, p. 288), citando julgado do Tribunal Constitucional Federal Alemão, deixa claro que

Ni siquiera intereses dominantes en la comunidad pueden justificar una intervención en el núcleo absolutamente protegido de la confi-guracion [sic] de la vida privada; no cabe una ponderación de acuerdo con el criterio del principio de proporcionalidad.

Vê-se que, de acordo com referenciado doutrinador, sequer interesses que se demonstrem dominantes a determinada sociedade, justificam a intervenção do Estado neste núcleo protegido.

Além disso, não se pode olvidar que a previdência é orientada pelo princípio da solidariedade, que alberga, principalmente, a Seguridade Social, uma vez que sua premissa básica é garantir ao cidadão, no momento de maior necessidade, o acesso aos direitos sociais básicos como saúde, previdência e assistência.

Com vistas a garantir o núcleo essencial da previdência, além dos princípios já mencionados, necessário citar o princípio da vedação ao retrocesso social, que lastreia a previdência em nosso ordenamento, impedindo a diminuição da proteção previdenciária existente, objetivando preservar o mínimo existencial dos segurados (AMADO, 2014, p. 206).

Trata-se da irreversibilidade dos direitos fundamentais. Taveira (2013, p. 163-164), ao tratar sobre referenciado princípio, aponta que esta irreversibilidade dos direitos fundamentais determina que

[...] o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado por meio de medidas legislativas deve ser considerado constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas legislativas que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, o anulem ou o aniquilem. É certo que o legislador ordinário possui autonomia para editar atos que considere como convenientes para a sociedade, mas essa liberdade de conformação tem como limite o núcleo essencial do direito já realizado.

 Assim, a proibição do retrocesso impede que os direitos previdenciários já conquistados sejam restringidos ou extirpados do ordenamento, uma vez que passam a integrar o núcleo essencial de direitos do segurado.

Pois bem. Como visto anteriormente, o legislador ao editar a MPV nº 664, optou por estabelecer aquilo que se pode denominar como critério etário para duração do benefício de pensão por morte, limitando o percebimento das prestações por faixas etárias, chamando principalmente à atenção, a limitação realizada ao cônjuge que possuir 30 (trinta) anos de idade quando da morte do segurado.

Com efeito, de acordo com a Lei 13.135/15 observa-se que a pensão por morte, em razão da faixa etária do dependente, o benefício adquire uma característica de provisoriedade, precariedade, desprovido de sua característica vitalícia que possuía outrora.

Ocorre que, ao analisar a ratio legis (aqui compreendida pela justificativa da MPV), não foi possível localizar qualquer elemento lógico que justificasse a adoção de tal critério etário, principalmente se considerado o prazo de recebimento do benefício estabelecido após os 30 (trinta anos) de idade.

Buscando fundamentar mencionada medida, consignou-se na justificativa:

Submetemos, também, à apreciação de Vossa Excelência, que  [o] prazo de duração da pensão por morte varie em função da idade do dependente, sendo vitalícia somente para cônjuge, companheiro ou companheira que tenha expectativa de sobrevida de até 35 anos, sendo reduzida a duração do benefício quanto maior seja a expectativa de sobrevida, após esse limite Assim, Senhora Presidenta, a medida visa estimular que o dependente jovem busque seu ingresso no mercado de trabalho, evitando a geração de despesa a conta do RGPS para pessoas em plena capacidade produtiva, permitindo, ao mesmo tempo, o recebimento de renda por certo período para que crie as condições necessárias ao desenvolvimento de atividade produtiva. (E.M.I. 00023/2014 MPS MF MP)

Com o devido respeito, trata-se de argumento inconcebível o apresentado para justificar a criação deste critério etário para o recebimento do benefício em questão. Note-se que, justamente ao contrário do que prevê a justificativa, tal medida coloca o dependente à margem da sociedade, ao retirar-lhe, por muitas vezes, sua única fonte de subsistência, quando começa a alcançar uma idade em que, sequer colocação no mercado de trabalho, o mesmo conseguiria. Em suma: a proteção social reclamada e protegida pela Carta Constitucional apresenta-se totalmente maculada em razão da restrição da universalidade de cobertura e atendimento gerada pela lei em estudo.

Esta afirmação se dá na contextualização da seguinte situação hipotética, porém factível: “A”, casada com o segurado “B”, sempre cuidou dos afazeres domésticos, dedicando-se exclusivamente à manutenção da família durante todo o casamento. Casou-se muito nova com o segurado, com apenas 18 (dezoito) anos de idade, não tendo qualquer incursão no mercado de trabalho até então. Acometido por uma doença de qualquer natureza, “B” falece. “A”, com apenas 43 (quarenta e três) anos de idade, receberá a pensão em decorrência do falecimento de seu cônjuge por 20 (vinte) anos, ou seja, até os 63 (sessenta e três) anos de idade, sendo que a expectativa do brasileiro segundo o IBGE é de apenas 73 anos.

Considerada a situação acima, como se pode, ao menos cogitar, que uma pessoa (de qualquer sexo), irá conseguir, considerando a atual conjuntura política, econômica e social do país, colocação no mercado de trabalho, aos 63 (sessenta e três) anos de idade? Será garantida a ela um singelo benefício assistencial ao idoso (LOAS)? E mais: caso o dependente ainda trabalhe e futuramente consiga se aposentar por idade, restará privado de um direito social que mais necessita neste momento de sua vida?

Inequivocamente, ocorre clara violação aos preceitos da dignidade da pessoa humana, solidariedade e proibição do retrocesso.

Assim sendo, a dependente do segurado será deixada à mercê de sua própria sorte, quando idosa (de acordo com o Estatuto do Idoso), sem qualquer possibilidade de recolocar-se no mercado de trabalho.

Não bastasse, entende-se que o legislador ordinário violou, ainda, o preceito da igualdade, previsto na CRFB, ao estabelecer critérios diferenciados à faixa etária compreendida entre os 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos, limitando o percebimento de pensão a estes pelo prazo de 20 (vinte) anos, concedendo, porém, o pensionamento vitalício àquele que possui 44 (quarenta e quatro) anos de idade.

Deixa, o legislador, de apresentar qualquer critério lógico para tal diferenciação, uma vez que aquele que possui 41 (quarenta e um) anos, gozando por 20 (vinte) das prestações, estará com 61 (sessenta e um) quando deixar de receber o benefício.

Dessa forma, como conseguirá garantir o acesso aos direitos sociais que a Constituição prevê; mas que o Estado não garante? Até então era o salário (ou benefício) do segurado que garantia mencionado acesso. E após o termo ad quem para recebimento da pensão?

Padece, portanto, a reforma realizada, de patente inconstitucionalidade, por violação ao disposto nos arts. 1º, III, 3º, I, 5º, caput, 6º, 194 e 201, todos da Constituição; eis que:

(a) Viola o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que sendo o benefício encerrado quando a pessoa completar, vg. 63 (sessenta e três) anos de idade, estará privada (se não possuir outra fonte de renda) do mínimo necessário para sua existência – como alimentação, vestuário, moradia etc. – já que, nesta idade, dificilmente conseguirá recolocação no mercado de trabalho formal; possivelmente, também em razão da idade, será acometida por patologias irreversíveis e incapacitantes e, certamente, não contará com instrução suficiente para adequar-se ao concorrido mercado de trabalho que atualmente vivenciamos.

(b) Viola o princípio da solidariedade, já que no âmbito da previdência, acaba por retirar de uma pessoa, certamente incapacitada de trabalhar, sua única fonte de renda; deixando-a à mercê da própria sorte, a depender de programas assistenciais governamentais.

(c) Viola o princípio da igualdade, principalmente se consideradas as duas últimas faixas etária; pois, sem qualquer critério lógico ou fundamentação adequada, diferencia pessoas que, juridicamente, estão no mesmo patamar, principalmente aos olhos do Estatuto do Idoso. Outrossim, não aponta qualquer critério para justificar a concessão do benefício pelo prazo de vinte anos para o cônjuge possuidor da idade de quarenta e três anos, e de forma vitalícia para aquele que contar com quarenta e quatro anos.

(d) Viola o preceito insculpido no art. 194 da CRFB, pois em que pese ser de competência do poder público organizar a seguridade social, está a mesma prevista no capítulo que trata da ordem social, cujo maior objetivo contempla o bem-estar e a justiça social. Ademais, não se pode olvidar que se trata a seguridade de direito social e, assim sendo, viola o princípio da proibição do retrocesso; eis que, até a MPV nº 664, o benefício em questão era concedido de forma vitalícia ao cônjuge, promovendo mencionada medida legislativa uma redução em um direito social previdenciário, atingindo, portanto, o núcleo essencial da pensão por morte que é a garantia da subsistência digna do dependente, até sua morte.

(e) Por fim, viola o preceito do art. 201 da CRFB, eis que mencionado dispositivo garante o adimplemento de prestações a título de pensão por morte ao dependente do segurado, não materializando o dispositivo qualquer termo para cessação desse benefício, por se tratar a garantia da mantença da condição de vida do dependente, o núcleo do benefício pensão por morte, que não pode ser violado.


CONCLUSÕES

Como visto, trata-se a pensão por morte de benefício destinado a garantir ao dependente do segurado a manutenção da condição que lhe era proporcionada pelo mesmo, em decorrência de seu labor, ou do recebimento de algum benefício preexistente à morte.

Com a conversão da MPV nº 664, profundas alterações foram inseridas em nosso ordenamento no tocante ao benefício em comento, como a criação de termo ad quem para o percebimento das prestações, pelo cônjuge, acabando com a pensão por morte vitalícia.

Ocorre que nosso ordenamento é eminentemente garantista, sendo que deste primado decorre o fato de que um dos pilares de nosso Estado seja a dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III da CRFB, que garante ao cidadão que o Estado promova por si e seus órgãos a implementação dos direitos sociais previstos na Constituição – nos quais a seguridade e, por consequência, a previdência, estão inseridas.

Dentro de uma teoria absoluta do conteúdo essencial, compreende-se que não há nenhum elemento que justifique a intervenção estatal no núcleo essencial de garantias ao homem; não havendo, assim, o que justifique o cerceamento das garantias previdenciárias até então conquistadas. Outrossim, não se pode olvidar que a previdência é balizada pelo princípio da solidariedade, nos termos da CRFB, art. 3º, I, que garante de forma clara ao cidadão, quando este mais necessita, o acesso aos direitos previdenciários então existentes.

Nesta senda, temos como regra intransponível em nosso ordenamento, mormente quanto aos direitos sociais, a proibição do retrocesso, que impede que os direitos previdenciários que já foram conquistados durante a evolução social do tema, sejam restritos ou extirpados do ordenamento.

Assim sendo, conclui-se que a lei que se originou da MPV é inconstitucional, por violação expressa aos princípios da dignidade da pessoa humana (CRFB, art. 1º, III), ao princípio da solidariedade (CRFB, art. 3º, I), ao princípio da igualdade (CRFB, art. 5º, caput), bem como viola os preceitos insculpidos nos arts. 194 e 201 da CRFB.

Inequivocamente, muitas discussões ainda serão travadas em torno da presente matéria, que demandará algum tempo para adquirir a estabilidade necessária a fim de que os próprios operadores do direito tenham condições de adequar sua atuação à norma.

Certamente, tal discussão será em breve travada na Suprema Corte, o que trará segurança jurídica à matéria. Muito deve ser observado, com a promulgação do novo CPC, merece destaque pelo fato da criação do sistema de precedentes judiciais que busca estabelecer tal segurança jurídica.

Prima facie, a melhor opção a ser adotada neste momento, é orientar os jurisdicionados, principalmente aqueles que já se encontram com uma idade mais elevada e que estarão desamparados na velhice por atingir o termo ad quem do benefício, a filiarem-se ao regime, vertendo contribuições ao mesmo; pois, dentro do prazo de quinze ou vinte anos, passarão a ter a qualidade de segurados, com direito a gozar do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.


REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valadés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

AMADO, Frederico. Direito e processo previdenciário sistematizado. Salvador: Jus Podivm, 2012.

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2014.

GOES, Hugo Medeiros de. Manual de direito previdenciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. Ferreira, 2011.

KERTZMAN, Ivan. Curso prático de direito previdenciário. 12. ed. Bahia: Ed. Jus Podivm, 2015.

PANCOTTI, Luiz Gustavo Boiam Pancotti. Conflitos de Princípios Constitucionais na tutela de benefícios previdenciários. São Paulo: LTr. 2009.

_________. A estrutura da norma jurídica previdenciária. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3469, 30 dez. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23348>. 

PASTOR, José Manuel Almansa. Derecho de la Seguridad Social, Volume I – Introduccion. Sujetos protegidos y de gestión. Contingencias protegidas. Afliación, cotización y protección. 2ª Edición. Editora Tecnos: Madri

RAMALHO, Marcos de Queiroz. A pensão por morte no regime geral de previdência social. 2ª Edição. São Paulo: LTr, 2010.

TAVEIRA, Christiano de Oliveira; MARÇAL, Thaís Boia. Proibição do retrocesso social e orçamento: em busca de uma relação harmônica. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 264, p. 161-186, set/dez 2013.


Notas

[3] Antes da Lei 11.143/15 a redação previa o prazo de 30 dias, dada pela redação da Lei 9.032/95. A redação originária da Lei 8.213/91 tinha sempre como termo inicial do benefício a data do óbito, independentemente do momento da DER.

[4] Crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, são julgados pelo Tribunal do Júri, em qualquer de suas modalidades: direto, alternativo e eventual.


Autores

  • Luiz Pancotti

    Advogado em Araçatuba (SP). Consultor jurídico. Professor de Direito das Relações Sociais da UNIMEP. Especialista em Direito Processual – PUC/SP. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos – UNIMES/SANTOS. Doutorando em Direito Previdenciário na PUC/SP.

    Textos publicados pelo autor

  • Thiago Medeiros Caron

    Thiago Medeiros Caron

    Pós-graduando (latu sensu) em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Univem, pós-graduado (latu sensu) em Obrigações, Contratos e Mecanismos Processuais pelo Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis – IMESA, Unidade de Ensino Fundação Educacional do Município de Assis – FEMA, em parceria com a Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho – UNESP, Campus de Franca-SP, pós-graduado (latu sensu) em penal e processo penal pela UEL – Londrina/PR, graduado em Direito pela UNIP – Campus Assis/SP, Conselheiro de Direitos e Prerrogativas da 11º Região da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, Advogado.

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