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Princípios nucleares do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e sua extensão como princípio constitucional

Princípios nucleares do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e sua extensão como princípio constitucional

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Sumário: Resumo. Introdução. 1. Dos Princípios Gerais de Direito. 1.1. Da constitucionalização dos princípios gerais. 1.2. Direitos do Consumidor - previsão constitucional. 1.3. A defesa do consumidor e sua extensão como princípio constitucional. 1.4. Legislação infraconstitucional: o momento da parturição do Código de proteção e defesa do consumidor. 2. A Política Nacional das Relações de Consumo e sua abrangência. 2.1. As diretrizes gerais da política e do direito do consumidor. 2.2. Consumo sustentável e o princípio da integração. 2.3. Princípios fundamentais da política nacional das relações de consumo. 2.4. Princípio da vulnerabilidade do consumidor art. 4°, I. 2.5. O princípio do dever governamental art. 4°, II, VI e VII. 2.6. O princípio da garantia da adequação art. 4°, II, "D" e V. 2.7. Princípio da boa fé nas relações de consumo art. 4°, III e VI. 2.8. Princípio da informação - art. 4°, IV e VIII. 2.9. Princípio do acesso à justiça. 3. Livre concorrência, Abuso do Poder Econômico e Consumidor. Conclusão. Bibliografia.


RESUMO

O presente trabalho retrata a enorme importância do estudo a cerca do tem, princípios gerais de direito, em que demonstra os caminhos por eles percorridos sob a ótica da Teoria Geral do Direito, desde a sua constitucionalização até a sua irradiação por entre outros ramos do Direito, e em particular, o sistema de proteção e defesa do consumidor brasileiro. A análise com maior grau de aprofundamento recai sobre a principiologia criada com a elaboração da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, contida de mandamentos nucleares tais como, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, o princípio da eqüidade e a cláusula geral de boa-fé, o princípio da proibição do abuso do direito e a função social dos contratos. Dentre estes, chama-se a atenção do leitor para um dos mais importantes, senão o mais importante dos princípios do sistema de proteção consumerista, que é o da vulnerabilidade do consumidor.

PALAVRAS-CHAVE

Consumidor; Princípio da Vulnerabilidade; Boa-fé; Teoria Geral do Direito

RESUMÉ

Ce travail veut présenter l'' enorme importance de l'' etude concernant les principes généraux du droit dans le cadre des chemins parcouris par lui sous le sceau de la Théorie générale du Droit, depuis as constitution jusqu'' à sa penetration dans les autres branches du Droit et, en particulier, le système de protection et de défense du consommateur brésilien. L'' analyse plus approfondie retombe sur les principes créés par la loi 8.078/90, c'' est-à-dire, le code de defense du consommateur, où il y a des points fondamentaux tels que le principe de la vulnérabilité du consummateur, celui de l'' égalité et la rubrique générale de bonne foi - le principe de la prohibition de l'' abus de droit et la fonction sociale des contrats. Parmi ceux-là, on attire l'' attention du lecteur sur l'' un des plus importants ou peut-être le plus important des principes du système de protection du consomateur, celui de da vulnérabilité.

MOT-CLÉ

Consommateur; Principe de la Vulnérabilité; Bonne-foi; Théorie générale du Droit;


INTRODUÇÃO

Todas as conclusões advindas de um princípio que não é evidente, também não podem ser evidentes, mesmo que tenham seguido o processo correto da dedução. Daí que todos os raciocínios assentes sobre tais princípios, não podem dar conhecimento certo de alguma coisa.

O homem equipado de sabedoria percebe facilmente a fragilidade dessa estrutura, inclusive nos sistemas mais bem aceitos e com as maiores pretensões de conter raciocínios mais elaborados.

Princípios acolhidos com base na confiança, destituídos de um conteúdo científico, falta de coerência entre as partes, e de evidência no todo, danificam o sistema podendo até mesmo levá-lo a sua ruína.

Será essa necessidade, de se ter evidentes premissas para se erguer um concreto sistema à base de um forte princípio, uma das propostas de desenvolvimento deste trabalho, além do estudo das ingressões destes princípios no Código de Defesa do Consumidor de 1990, sendo este, no ato de sua criação, totalmente dotado de uma carga manifestamente principiológica em suas normas.


1. DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Sobre os princípios gerais de direito importa citarmos Miguel Reale (1999, p. 305):

deve começar pela observação fundamental de que toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem todo campo do saber.

Dessa abordagem lógica da palavra "princípio", pode-se dizer que "os princípios são ''verdades fundantes'' de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas." (REALE, 1999, p. 305)

Nesse sentido, de acordo com Miguel Reale (1999, p. 306), os princípios se dividem em três categorias:

a) PRINCÍPIOS OMNIVALENTES: quando são válidos para todas as formas de saber, como é o caso dos princípios de identidade e de razão suficiente;

b) PRINCÍPIOS PLURIVALENTES: quando aplicáveis a vários campos de conhecimento, como se dá com o princípio de causalidade, essencial às ciências naturais, mas não extensivo a todos os campos do conhecimento;

c) PRINCÍPIOS MONOVALENTES: quando só valem como âmbito de determinada ciência, como é o caso dos princípios gerais de direito.

Será essa categoria de princípios, a dos monovalentes, que a presente monografia irá demonstrar: a incidência deles no âmbito das relações consumeristas devido à alta carga principiológica contida no texto da lei de defesa do consumidor.

A expressão princípios gerais de direito é por demais ampla e um autor de grande autoridade como Rubens Limongi França (apud RODRIGUES, 2002), entende que é aos princípios de direito natural que o legislador manda recorrer na lacuna da normatividade. Todavia, há de se atribuir um sentido diferente a eles, uma vez que o legislador quer referir-se àquelas normas que o orientam na elaboração da sistemática jurídica, ou seja, àqueles princípios que "baseados na observação sociológica e tendo como objetivo regular os interesses conflitantes, impõem-se, inexoravelmente, como uma necessidade na vida do homem em sociedade." (RODRIGUES, 2002, p. 25)

A esse respeito reportemo-nos a Washington de Barros Monteiro (1997, p. 42), "Nada existe de mais tormentoso para o intérprete, que a aplicação dos princípios gerais de direito, não especificados pelo legislador."

Com base nessa posição, ressaltemos, aqui, a resolução para o eventual problema da aplicação dos aludidos princípios gerais, encontrada pelo direito suíço que dispõe no art. 1° do Código Civil deste país que "no silêncio da lei e não havendo um costume a regular uma relação jurídica, deve o juiz decidir ''segundo as regras que ele estabeleceria se tivesse de agir como legislador''." (RODRIGUES, 2002, p. 25)

Assim, ao se examinar o direito positivo pátrio, encontra-se, no art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil a orientação a seguir, por força do qual, quando a norma jurídica for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Nas precisas palavras de Miguel Reale (1999, p. 306), isto significa que:

O legislador, por conseguinte, é o primeiro a reconhecer que o sistema das leis não é suscetível de cobrir todo o campo da experiência humana, restando sempre grande número de situações imprevistas, algo que era impossível ser vislumbrado sequer pelo legislador no momento da futura lei. Para essas lacunas há a possibilidade do recurso aos princípios gerais de direito, mas é necessário advertir que a estes não cabe apenas essa tarefa de preencher ou suprir as lacunas da legislação.

Note-se, porém, que para vários juristas essas lacunas não podem e nem verdadeiramente poderão existir, uma vez que o ordenamento jurídico oferece ferramentas para regular todos os casos possíveis, sejam eles previstos ou imprevistos, presentes ou futuros. Mas de maneira alguma se colocará em dúvida que as lacunas de fato existem no direito positivo, não merecendo acolhimento esse entendimento, posto que na própria há elementos para suprir essas lacunas; o certo é que tais elementos constituem uma breve resolução do problema, mas não a solução definitiva e concreta dele.

Diante desta exposição, temos a célebre noção atribuída por Miguel Reale (1999, p. 306), acerca do entendimento deste autor sobre os princípios gerais de direito em que ele nos revela o seguinte: "princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas".

Ora, é evidente, portanto, que tais princípios gerais são imprescindíveis ao direito. Concluamos este tópico, citando as palavras do constitucionalista Paulo Bonavides (2002, p. 232):

Todo discurso normativo tem que colocar, portanto em seu raio de abrangência os princípios aos quais as regras se vinculam. Os princípios espargem claridade sobre o entendimento das questões jurídicas, por mais complicadas que estas sejam no interior de um sistema de normas.

Daí infere-se que todo sistema se quiser adquirir a qualidade de um sistema que se completa e se relaciona por toda a extensão de seu corpo normativo, deve estar armado de princípios que emanam de um núcleo central, formados de postulados que seguem os preceitos do princípio da identidade que é comum a todos os campos do saber. Além disso, percebe-se também que dado esse rigor necessário do corpo principiológico central, todo e qualquer princípio que daí se irradiar por outros sistemas periféricos estará sendo amparado pela base.

Assim se fixarmos o pressuposto de que o direito positivo é uma camada lingüística de termos prescritivos dirigidos ao comportamento social das relações de intersubjetividade, nada mais justo que apresentarmos a proposta de interpretação do direito como um sistema de linguagem, nos seus três planos fundamentais: a sintaxe, a semântica e a pragmática.

Por plano sintático entende-se aquele formado pelo relacionamento que os signos lingüísticos mantêm entre si, sem qualquer menção ao mundo exterior do sistema. Por plano semântico, aquele que diz respeito ao modo de referência à realidade, ou seja, a qualificação dos fatos para alterar normativamente a conduta. Por plano pragmático, aquele "tecido pelas formas segundo as quais os utentes da linguagem a empregam na comunidade do discurso e na comunidade social para motivar comportamento." (BARROS CARVALHO, 2002, p. 97)

E para se chegar ao conteúdo intelectual dos textos do Direito através da exegese, deverá o intérprete adotar o critério sistemático de interpretação, porque envolve os três planos fundamentais, ao realizar reiteradas incursões nos níveis sintático, semântico e pragmático da linguagem jurídica. Neste sentido será a interpretação um ato de vontade e um ato de conhecimento e como ato de conhecimento não caberá à "Ciência do Direito dizer qual é o sentido mais justo ou mais correto, mas, simplesmente, apontar as interpretações possíveis." (BARROS CARVALHO, 2002, p. 99)

1.1 Da Constitucionalização dos Princípios Gerais

Em decorrência da alta instabilidade política percebida ao longo dos tempos na história do Brasil, sempre foi muito comum, pelo menos até pouco tempo atrás, a interpretação e aplicação dos mais variados ramos do direito tomando-se por base "a lei ordinária principal que o regulamentava." (NERY JÚNIOR, 2002, p. 19)

Isso acontece devido à falta de um forte regime democrático, de estabilidade política que possam contribuir com o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Em vista disso percebe-se "porque não se vinha dando grande importância ao Direito Constitucional, já que nossas constituições não eram respeitadas, tampouco aplicadas efetivamente"(NERY JÚNIOR, 2002, p. 19).

Daí a alegação de que a ofensa à Constituição, nos países com estabilidade política e que se encontram num verdadeiro Estado Democrático de Direito, possui conseqüências catastróficas. No Brasil, quando este problema é declarado, ou seja, quando há ofensa à Constituição, "a alegação não é levada a sério na medida e na extensão que deveria", apresentando-se "como mais uma defesa que o interessado opõe à contraparte."(NERY JÚNIOR, 2002, p. 19)

Entretanto, essa situação vem apresentando uma grande mudança, em virtude do aumento significativo de trabalhos e pesquisas jurídicas que abordam o tema da interpretação e aplicação da Constituição Federal, ao declarar que o Direito Constitucional é a base fundamental do direito para o país.

De acordo com Nelson Nery Jr. (2002, p. 20): "O intérprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto, sempre tendo como pressuposto o exame da Constituição Federal. Depois, sim, deve ser consultada a legislação infraconstitucional a respeito do tema."

Na verdade, o que podemos perceber dos ensinamentos deste jurista é que será na Constituição de determinado país que se encontrarão os mais altos valores do Direito Positivo, posto serem preservados pelos cidadãos orientados por uma carga principiológica que reside na base deste sistema. É da Constituição que se irradiam os princípios que irão se dispersar pelas mais variadas leis infraconstitucionais. Partindo desse pressuposto, Simonius tem razão quando afirma que "o Direito vigente está impregnado de princípios até suas últimas ramificações." (apud, REALE, 1999, p. 306)

Deste ponto de partida, o da função interpretativa e da aplicabilidade da Constituição, através dos princípios contidos em seu corpo, é que podemos chegar, segundo Paulo Bonavides (2002, p. 246), "numa escala de densidade normativa, ao grau mais alto a que eles já subiram na própria esfera do Direito Positivo: o grau constitucional".

Revela também, este constitucionalista, que "a constitucionalização dos princípios compreende dessas fases distintas; a fase programática e a fase não programática". (2002, p. 246)

Por fase programática deve-se entender que é uma fase de concreção, dotada de um alto teor de abstração e de perfeição, que demandam de operações integrativas em que se percebe a ausência de juridicidade.

Já a fase não programática é uma fase dotada de objetividade, por ser concreta e completa, suscetível de imediata aplicação, e ao contrário do que se pode perceber na fase programática, é dotada de incontrastável juridicidade.

Ressalta ainda Paulo Bonavides (2002, p. 246) o seguinte:

Na primeira, a normatividade constitucional dos princípios é mínima; na segunda máxima. Ali, pairam ainda numa região abstrata e têm aplicabilidade diferida; aqui ocupam um espaço onde releva de imediato a sua dimensão objetiva e concretizadora, a positividade de sua aplicação direta e imediata.

Apenas nesta última fase, a fase não programática, que se fará exeqüível "colocar no mesmo plano discursivo, em termos de identidade, os princípios gerais e os princípios constitucionais." (BONAVIDES, 2002, p. 246)

Portanto, o que se pode perceber deste tópico é que, salvo o empenho da Filosofia e da Teoria Geral do Direito ao construírem a doutrina da normatividade dos princípios em que se busca uma neutralidade na qual se possa superar antinomia Direito Natural/Direito Positivo, tema que não é o propósito desse trabalho. Ao se estudar a teoria dos princípios gerais de direito proposto por Del Vecchio nas lições de Vicente Ráo (1999, p. 275), chega-se à seguinte conclusão:

O perigo do que se chama aequitas cerebrina, isto é, o arbítrio do juiz em sentido contrário ao da lei, desapareceu com o nascimento do moderno Estado de direito. E se, em nossos dias, certa doutrina pretende restabelecer este arbítrio sob o pretexto especioso da liberdade do juiz ou da jurisprudência, doutrina é esta que, retrógada em sua substância e contrária à liberdade apesar de seu nome, deve ser repelida por se opor ao mencionado princípio e às próprias bases racionais do sistema atualmente em vigor.

Assim, nada mais imprescindível na história contemporânea do Direito Constitucional do que a solidificação dos princípios contidos em seus textos de leis, o respeito ao Direito Constitucional como lei basilar de todo o ordenamento jurídico dos Estados para a estabilização política e fortalecimento do Estado Democrático de Direito e, por fim, a conversão dos princípios gerais em princípios constitucionais, entre outras categorias de princípios, já que aqueles possuem maior ou menor incidência nos mais variados ramos do direito, para possibilitar uma maior objetividade e aplicabilidade no escopo de suprir as diversas lacunas encontradas entre as leis.

1.2 Direitos do Consumidor - Previsão Constitucional

A Constituição Federal Brasileira de 1988 considerou como fundamental o direito do consumidor. Tanto é que, no art. 5°, inc. XXXII, estabeleceu em "norma de notório conteúdo programático" (CARVALHO FILHO, 2001, p. 19): o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Como já comentamos a respeito da fase programática das normas, não é necessário entrarmos em maiores detalhes aqui. Percebe-se, pois, que não foi sem razão que o Constituinte inseriu o direito do consumidor no rol dos direitos fundamentais.

Fala-se em conteúdo programático neste inciso porque antes da Lei 8.078/90 de 11/09/1990, que criou o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o art. 5°, inc. XXXII da Constituição Federal, preestabelecia em si mesmo apenas um programa de ação, com respeito ao próprio objeto por se tratar de uma norma constitucional programática até então.

Sobre as normas constitucionais programáticas postula Crisafulli (1976, p. 75):

As normas constitucionais programáticas, como se viu, não regulam diretamente as matérias a que se referem, mas regulam propriamente a atividade estatal concernente a ditas matérias: têm por objeto imediato os comportamentos estatais e só imediatamente e por assim dizer, em segundo grau, aquelas determinadas matérias.

Acrescenta ainda Paulo Bonavides (2002, p. 222), "ostentam por igual uma dupla eficácia na medida em que servem de regra vinculativa de uma legislação futura sobre o mesmo objeto."

Além de caracterizada como direito fundamental, a defesa do consumidor "se qualifica também como um dos princípios da ordem econômica e financeira (art. 170, V, Constituição Federal)."

Por se tratar de uma sociedade capitalista, como é a brasileira, fundada na livre iniciativa na qual se verificam inúmeras formas de abuso de poder econômico, nada mais oportuno e justo do que se considerar o direito do consumidor como um direito fundamental.

No que diz respeito à competência normativa sobre a matéria, é da inteligência do art. 24, inc. VIII da Constituição Federal, serem competentes a União, os Estados e o Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano ao consumidor.

O produto legislativo da União deverá ater-se à edição de normas gerais, sendo que os Estados e Distrito Federal possuirão competência suplementar (art. 24, § 1° e 2° da Constituição Federal).

Protege-se ainda, através da normatividade constitucional, o direito do consumidor (ALVIM, A.; ALVIM, T.; ALVIM, E.; SOUZA, J., 1995, p. 14):

No Título IV da Constituição Federal, destinado à tributação e ao orçamento, em sua Seção II, que se refere às limitações ao poder de tributar, o § 5° do art. 150 dispõe que ''a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços'', determinando que se ofereça o devido esclarecimento acerca dos tributos incidentes sobre bens objeto de relações de consumo, em clara preocupação com o grau de informação que deve receber o consumidor, o que, aliás, é a tônica deste Código de Consumidor.

Como será discutido mais adiante o princípio da transparência, vale adiantar brevemente, como se percebe pelo fragmento supra citado, que a necessidade da devida informação acerca do produto que o consumidor venha adquirir, é mais do que uma mera necessidade, mas sim um dever que se impõe a todos os fornecedores que oferecem produtos ou serviços no mercado consumerista. Além disso nota-se também que o dever de bem informar os consumidores, nada mais é do que uma irradiação de um princípio basilar residente no corpo principiológico nuclear da Lei 8.078/90 (reitere-se o Código de Defesa do Consumidor), que é o princípio da boa-fé, como veremos mais detalhadamente no tópico específico destinado à elucidação de sua aplicabilidade.

1.3 A Defesa do Consumidor e sua Extensão como Princípio Constitucional

Após todo este levantamento da trajetória dos princípios gerais de direito, da sua constitucionalização e irradiação por entre outros ramos do Direito, chega-se ao assunto fundamental do presente trabalho, que é o da carga principiológica contida na Lei 8.078/90. Todavia, antes de abordarmos os princípios específicos desta lei, apontaremos ainda a extensão da defesa do consumidor como princípio constitucional.

Dada esta destacada posição de defesa do consumidor, a de estar no ápice do nosso ordenamento jurídico, nos declara a importância do tema na órbita da economia brasileira, que possui grande parte de suas atividades baseadas nas relações de consumo, ou seja, entre fornecedor e consumidor que a partir do ano de 1990 devem estar, necessariamente, subordinadas aos ditames do Código de Proteção e Defesa do Consumidor no que chama a atenção pela necessidade de sua correta interpretação nos quadros normativos.

Daí percebe-se que os princípios que envolvem a defesa do consumidor são princípios jurídicos basilares, a partir do momento em que buscam introduzir uma nova forma de pensar nos postulados da consciência jurídica, e de acordo com os dizeres de José Joaquim Gomes Canotilho (1992, p. 177-178) será:

princípio político constitucionalmente conformador, na medida em que indica opção valorativa do constituinte; é princípio constitucional impositivo, pois que impõe aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de uma tarefa e um fim a ser atingido e; princípio garantia, visto que garante, ainda que indiretamente, uma série de direitos ao cidadão.

Diante disso fica declarada a magnitude de sua garantia constitucional que possui no mínimo, disposições imediatas e emergentes, difundido de seu estado de princípio geral da atividade econômica do país, erigido por nossa Lei Maior, a virtude de corromper de inconstitucionalidade qualquer norma que possa ser um obstáculo à defesa desta figura das relações intersubjetivas de consumo, que é o consumidor.

Assim, ao se tratar de interpretação constitucional dever-se-á identificar quais foram as normas que receberam do legislador constitucional a categoria de princípios orquestradores do sistema de valoração. É preciso, pois, identificar tais princípios, posto que são mais do que normas dado o seu caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito, ou à sua importância estrutural dentro do sistema jurídico, uma vez que irão servir "como vetores para soluções interpretativas." (TEMER, 1990, p. 37)

Da posição do constitucionalista acima citado, nota-se que ele atribui ser papel do legislador apontar quais normas este erigiu à categoria de princípios, na busca da solução das antinomias que são encontradas nos conflitos entre as normas do sistema. Percebe-se portanto que, mais uma vez, será do núcleo sistêmico de onde emanará toda orientação no intuito de se atingir a devida interpretação normativa.

Por fim, lembra ainda Fábio Konder Comparato (1990, p. 69):

De um lado, não pode, o legislador, ou a administração pública, editar norma conflitante com o objetivo do programa constitucional. De outro, os Poderes Públicos têm o dever de desenvolver esse programa, por meio de uma ação coordenada.

Após todas essas exposições, mais do que declarado, está comprovado que a defesa do consumidor é uma garantia constitucional que engloba uma vasta gama de direitos que estão envolvidos em toda a Carta Constitucional ou em outros regimes e princípios colhidos por ela. "Direitos que envolvem a obrigação positiva de atuar, legislar e decidir, na política, na lei e na justiça, pela defesa do consumidor" (ZAPATER, 2001, p. 187).

1.4 Legislação Infraconstitucional - O Momento da Parturição do Código de Proteção e Defesa do Consumidor Brasileiro

Apesar do amplo otimismo do Constituinte, ao revelar certa pressa para que fosse promulgada a lei de proteção do consumidor, de acordo com a determinação do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), quando consignou que o Congresso Nacional deveria elaborar, no prazo de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, o Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, após quase dois anos da promulgação da Carta Magna é que foi instituída a Lei 8.078/90 de 11/09/1990, que criou o código brasileiro das relações consumeristas.

Este impôs aos órgãos estatais, sobretudo ao legislador, "a realização de uma tarefa e um fim a ser atingido" (ZAPATER, 2001, p. 185), ao buscar uma legislação mais eficiente e específica para tratar de tais situações jurídicas, enquanto o que se tinha antes era a adaptação interpretativa pelos juristas do Código Civil de 1916, nos mais variados casos em que eram envolvidos os sujeitos do consumo, no que quase sempre acabava numa decisão menos favorável aos consumidores.


2. A POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E SUA ABRANGÊNCIA

Estabelece o caput do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor, a definição dos objetivos que norteiam a política das relações de consumo, buscando um alcance substancialmente mais longo, ao estabelecer parâmetros que nortearão todo e qualquer ato do governo, seja na esfera do legislativo, do executivo ou do judiciário, a partir do instante em que se trata das "relações consumeristas" que é uma expressão declaradamente mais ampla do que a "defesa do consumidor".

Daí percebe-se o equívoco em se considerar que os incisos do art. 4°, correspondem apenas aos princípios da defesa do consumidor, uma vez que, traçam também os objetivos e princípios de toda a Política Nacional de Relações de Consumo.

Apesar de se confundirem os objetivos expressos da Política Nacional de Relações de Consumo com a defesa do consumidor, deve-se perceber que uma e outra não são a mesma figura, sendo esta uma importante faceta daquela, todavia com objetivo mais restrito.

Com o decorrer dos anos, a política e o direito do consumidor desenvolveram-se de forma cada vez mais autônoma, coerente e separada. Numa fase mais recente, uma nova abordagem é postulada "em que se exige a integração das considerações da política de consumo a outras políticas econômicas e sociais" (BOURGOIGNIE, 2002, p. 34).

À política de defesa do consumidor é dado um objetivo mais amplo de aplicação, e seus dados se tornam cada mais significativos à medida que ele vão se estendendo a outros ramos políticos.

2.1As Diretrizes Gerais da Política e do Direito do Consumidor

Antes de dissertarmos sobre a principiologia inserta no art. 4° do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, apontaremos abaixo os aspectos mais comuns de interesse da política tradicional de proteção ao consumidor:

a)Educação: uma importantíssima ferramenta de auxílio ao consumidor, busca torná-lo mais consciente de suas responsabilidades, direitos e obrigações, ajudando-o a exercer um papel atuante no mercado, protegendo-o dos enganos e fraudes, ao possibilitar o acesso efetivo à lei e aos mecanismos de reparação.

b)Informação e conselhos: detalhar cada vez mais as informações e formas de uso sobre produtos e serviços, riscos e acidentes relacionados a eles, cláusulas contratuais, preços e tarifas, leis e regulamentos entre outros; rotulagem e empacotamento dos produtos, avisos e instruções de uso, revelação das cláusulas contratuais, concessão de períodos de controle, proibição de propaganda enganosa, estabelecimento de uma rede de Centros de Conselhos para Consumidores, promovendo informações de consumo por meio de fontes independentes, desenvolvimento de campanhas públicas de conscientização etc.

c)Proteção dos interesses econômicos dos consumidores: prevenção de comércio, propaganda e métodos de venda desleais, impedimento de cláusulas abusivas em contratos de consumo, regulamentação da especulação de preços, do crédito, dos empréstimos e de outras transações financeiras do consumidor, obrigações de garantia pós-venda, instituição de padrões de qualidade, entre outros.

d)Segurança: proteção aos consumidores de produtos ou serviços, que são perigosos ou sem segurança, através de medidas preventivas, tais como exigências de informações, planos de garantia de qualidade, obrigações de controle sobre processos de produção e distribuição, retirada de produtos quando nocivos aos consumidores e a terceiros, a realização de recalls, intercâmbio de sistemas de informações e supervisão das reservas de mercado, assim como corretivas que dão aos consumidores, acesso a planos de compensação adequados e facilmente acessíveis, particularmente por meio de específicas regras de responsabilidade. Imprescindível que se destaque, que o objetivo de segurança sobre produto e serviços tais como, comida, drogas, cosméticos, brinquedos, automóveis, saúde, transporte, lazer, atividades esportivas etc.

e)Compensação ao consumidor: tem como objetivo armar o consumidor de meios rápidos e acessíveis de assegurar seus direitos, definindo reparações civis, criminais e administrativas mais adequadas, ao criar para os grupos de consumidores, personalidade jurídica ou o direito de ingressarem ações coletivas em cortes e tribunais quando se sentirem lesados, além de desenvolverem sistemas alternativos para solução de conflitos que sejam eficientes e independentes.

f)Representação dos interesses coletivos dos consumidores: para promover e dar suporte aos grupos de consumidores, aumentando a participação de representantes de consumidores no processo de tomada de decisões.

g)Satisfação de necessidades básicas: como possibilitar a todos, o efetivo acesso a mercadorias e serviços básicos, dentre eles, água, energia, telecomunicações, educação, saúde etc.

2.2.Consumo Sustentável e o Princípio da Integração

Conforme a resolução da ONU, através do documento "United Nations Guidelines for Consumer Protection", ampliado no ano de 1999, o chamado "consumo sustentável", foi eleito como um dos direitos do consumidor universalmente considerado e será um objetivo comum a todos os governos a sua promoção, como bem observa José Geraldo Brito Filomeno (2003, p. 67), "enquanto as necessidades do homem são, em princípio, ilimitadas, sobretudo se se tiver em conta a ciência de marketing e a publicidade, são limitados os recursos naturais disponíveis".

Assim percebe-se que o consumo sustentável, nada mais é do que um grande cuidado que os homens devem ter no instante que exploram o meio ambiente através de suas atividades econômicas, no intuito de se buscar uma redução dos impactos causados por essas atividades, de maneira que os recursos naturais não se esgotem de forma irreversível.

É desse problema que surge "a necessidade de incutir no homem, desde a infância, a preocupação em proceder ao consumo responsável e, sobretudo sustentável, de produtos e serviços" (FILOMENO, 2003, p. 68).

Todavia, como se pode perceber, esta tarefa não é nada fácil, e para que a criação desta consciência de preservação ao meio ambiente possa vir a colher bons resultados, aponta a resolução acima citada, no seu art. 42, in verbis: "Sustainable consumption includes meeting the needs of present and future generation for goods and services in ways that are economically, socially, and environmentally sustainable." (O consumo sustentável deverá satisfazer às necessidades das presentes e futuras gerações por meio de benefícios e empreendimentos que contribuam pela higidez do meio ambiente, tanto no aspecto econômico, quanto no aspecto social. Tradução nossa.), devem ser observadas.

A responsabilidade pelo consumo sustentável deve ser compartilhada por todos os membros e organizações da sociedade, por consumidores informados, por governantes e empresários, por organizações do trabalho, além das associações de proteção aos consumidores e ao meio ambiente que irão desempenhar importante papel na divulgação da mais adequada informação, uma vez que da escolha dos consumidores por determinados produtos é que recairão os efeitos sobre os produtores. Se o consumidor, por exemplo, consome determinada marca de papel de uma empresa que não pratica o reflorestamento, ele estará incentivando cada vez mais a atividade comercial dessa empresa que depreda o meio ambiente no que implicará um forte desequilíbrio, entre os recursos naturais disponíveis e a atividade industrial, o que poderá trazer drásticas conseqüências.

Os preceitos desse artigo, referem-se a uma variedade de políticas, tais como: telecomunicações, sociedade de informação, saúde, nutrição, proteção ambiental e agrícolas, que devem ser desenvolvidas numa estratégia rumo à integração dos dados de consumo. É desta atividade que trabalha com a inter-relação que temos o princípio da integração, o qual se encontra consubstanciado no texto do art. 43, in verbis: "Governments should promote the development and implementation of policies for sustainable consumption and the integration of those policies with other public policies." (Os governantes devem promover a implementação e o desenvolvimento de políticas que tenham como objetivo o consumo sustentável além da integração dessas políticas a outras políticas públicas. Tradução nossa.), da diretriz geral de proteção ao consumidor editada pela ONU.

Diante disso, infere-se que "a qualidade de vida ou direito de viver num ambiente saudável tornou-se um dos direitos fundamentais dos consumidores" (BOURGOIGNIE, 2002, p. 36). A responsabilidade pela proteção ao meio ambiente, não recairá apenas aos produtores, aos fornecedores, entre outros entes da cadeia empresarial, mas também aos consumidores, que devem procurar consumir produtos menos nocivos ao meio ambiente, o que não é nada fácil já que implica numa mudança nos seus hábitos, daí observa-se que o processo de integração é extremamente complexo.

Portanto conclui-se que o consumo sustentável, como bem observa Thierry Bourgoignie (2002, p. 37), "colocará sua marca na política e no direito do consumidor".

A livre escolha dos consumidores, deverá ser limitada em prol do meio ambiente e que os interesses da coletividade e benefícios individuais a curto prazo, ao fazer com que todos tomem consciência da dimensão ecológica do processo consumerista em geral e de seu comportamento individual particular.

2.3.Princípios Fundamentais da Política Nacional de Relações de Consumo

Para melhor se compreender o corpo principiológico do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor de acordo com a nova redação dada ao artigo pela Lei n.° 9.008, de 21 de março de 1995, in verbis:

Art. 4.° A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade;

I - harmonização dos interesses dos particulares dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

II - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

III- incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

IV - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

V - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

VI- estudo constante das modificações do mercado de consumo.

De acordo com Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Jaime Marins (1995, p. 44), pode-se dizer serem seis os princípios fundamentais da Política Nacional das Relações de Consumo, citados abaixo:

I-Princípio da Vulnerabilidade

II- Princípio do Dever governamental

III- Princípio da Garantia de Adequação

IV- Princípio da Boa-fé nas relações de consumo

V- Princípio da Informação

VI- Princípio do Acesso à Justiça

Todos estes princípios supra citados, serão devidamente analisados nos subtópicos que se seguem, dado o propósito desse trabalho.

2.4 Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor - Art. 4°, I.

Este princípio, atua como elemento informador da Política Nacional das Relações de Consumo, e é tido como o núcleo base de onde se irradia todos os outros princípios informadores do sistema consubstanciado no Código de Defesa do Consumidor.

Isto acontece, a partir do momento em que se examina a cadeia consumerista, ao perceber que o consumidor é o elemento mais fraco dela, por não dispor do controle sobre a produção dos produtos, consequentemente acaba se submetendo ao poder dos detentores destes, no que surge à necessidade da criação de uma política jurídica que busque a minimização dessa disparidade na dinâmica das relações de consumo.

A vulnerabilidade, qualidade ontológica (essencial, nuclear, intrínseca) e indissociável do consumidor numa relação de consumo, de acordo com o conceito legal preceituado pelo art. 2° da Lei 8.078/90, independentemente da sua condição social, cultural ou econômica, seja ele consumidor-pessoa jurídica ou consumidor-pessoa física.

Deve-se notar também que, a vulnerabilidade do consumidor não se confunde com a hipossuficiência, que é uma característica restrita a determinados consumidores, que além de presumivelmente vulneráveis são também, em sua situação individual carentes de condições culturais ou materiais, como por exemplo, os analfabetos quando se encontram diante de uma situação em que podem assinar um contrato de plano de saúde sem os devidos esclarecimentos a respeito de suas cláusulas contratuais contidas no corpo contratual, ou então, crianças que são expostas diariamente aos diversos anúncios de chocolates, entre outros alimentos supérfluos em que o exagero no consumo destes podem levá-las a ter vários problemas no seu desenvolvimento natural, por estarem desprovidas de outros indispensáveis alimentos em sua dieta.

Com precisão, Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin (1991, p. 224-225) demonstra a diferença entre a vulnerabilidade e hipossuficiência:

A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns - até mesmo a uma coletividade - mas nunca a todos os consumidores.

Diante disso temos que, numa hipotética situação, determinado médico neurocirurgião de grandes títulos durante a carreira, ao levar um automóvel seu numa oficina mecânica para a realização de reparos no veículo, pode ser considerado vulnerável frente ao fornecedor (neste caso, a oficina mecânica prestadora do serviço), por não conhecer nada a respeito de mecânica de motores automotivos.

Além destas constatações, observa-se também que o princípio da vulnerabilidade de acordo com Nelson Nery Júnior (1991, p. 320) que "permeia as relações de consumo está em verdade a dar realce específico, ao princípio constitucional da isonomia, dispensando-se tratamento desigual aos desiguais". Todavia, esta expressão "tratamento desigual aos desiguais" de Aristóteles, é insuficiente para desate do problema. Sem fazer contestação ao teor do que nela se contém e reconhecendo, sua validade como ponto de partida, segundo Celso Antônio Bandeira de Melo (2002, p. 11): "deve-se negar-lhe o caráter de termo de chegada, pois entre um e outro extremo serpeia um fosso de incertezas cavado sobre a intuitiva pergunta que aflora ao espírito: Quem são os iguais e quem são os desiguais?"

E de acordo com Hans Kelsen (1998, p. 207) têm-se as seguintes condições:

A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direito sem fazer distinção entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres.

Sob esta ótica, se percebe que é mister da Lei 8.078/90 colocar em equilíbrio jurídico o consumidor e fornecedor, já que este é a parte detentora dos mecanismos que induzem aquele, ao consumo tanto básico quanto exagerado, ao colocá-lo sob um intenso bombardeamento de anúncios, além de deter o processo tecnológico da fabricação de seus produtos.

Daí o porquê se parte do princípio da fraqueza manifesta do consumidor no mercado, não apenas sobre o aspecto técnico, mas também sob o aspecto econômico, para armá-lo de certos instrumentos para que ele possa melhor defender-se.

2.5 O Princípio do Dever Governamental - Art. 4°, II, VI e VII

Este princípio, elencado nos incisos II, VI e VII do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor, dever ser compreendido sob dois principais aspectos. O primeiro é o da responsabilidade atribuída ao Estado, enquanto sujeito máximo organizador da sociedade, ao prover o consumidor, seja ele pessoa jurídica ou pessoa física, dos mecanismos suficientes que proporcionam a sua efetiva proteção, seja através da iniciativa direta do Estado (art. 4°, II, "b") ou até mesmo de fornecedores, dos mais diversos setores e interesses nas relações consumeristas.

O segundo aspecto é o enfoque sob o "princípio do dever governamental", em que é dever do próprio Estado de promover continuadamente a "racionalização e melhoria dos serviços públicos" (art. 4°, VIII), ao surgir aqui a figura do Estado-fornecedor além de suas eventuais responsabilidades.

2.6 Princípio da Garantia da Adequação - Art. 4°, II, "D" e V

É o princípio que emana a necessidade da adequação dos produtos e serviços ao binômio, qualidade/segurança, atendendo completamente aos objetivos da Polícia Nacional das Relações de Consumo, elencado no caput do art. 4°, consistente no atendimento dos eventuais problemas dos consumidores, no que diz respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos e a melhoria da sua qualidade de vida.

A concretização desse princípio, diz respeito ao binômio, qualidade/segurança, que é o fim perseguido pelo sistema de proteção e defesa do consumidor, fica a cargo do fornecedor que será oficialmente auxiliado pelo Estado, a quem está incumbido o dever de fiscalização, que é uma outra atribuição do "princípio de dever governamental" o qual já se expôs.

Preocupadas com tais aspectos, várias empresas, têm criado os conhecidos "departamentos de atendimento ao consumidor", que demonstram uma dupla atribuição: - ao mesmo tempo que recebem reclamações de determinados produtos ou serviços, também recebem valiosas sugestões de consumidores, instruindo-os em como melhor servi-los, o que contribui de maneira inteligente para o desenvolvimento das próprias atividades empresariais.

Atualmente, fala-se muito na chamada "qualidade total", demarcando o Código que as empresas deverão ser incentivadas para a criação de mecanismos eficazes de controle de qualidade de produtos e serviços, uma vez que o Código do Consumidor é adepto do princípio da "responsabilidade objetiva", aliada à inversão do ônus da prova (como este assunto não é a proposta de discussão do presente trabalho, não irá se discuti-lo aqui), indica que a prevenção de danos é a política que deve ser prioritariamente buscada pelas empresas.

Por fim, vale ressaltar também que o princípio da garantia de adequação contido no art. 4°, II, "d" e V do Código do Consumidor encontra-se amparado pela inteligência dos art. 8° parágrafo único e art.10° §1°, §2° e § 3° do mesmo diploma, in verbis, respectivamente:

Art. 8° Os produtos e serviços no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.

Art. 10° O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

§ 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores mediante anúncios publicitários.

§ 2° Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.

§ 3° Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.

2.7 Princípio da Boa-Fé nas Relações de Consumo - Art. 4°, III e VI

Este princípio nas relações de consumo, que traz uma carga significativa de regra geral de comportamento, está expressamente referido no inciso III, do art. 4°, e, de certa maneira, encontra-se difundido em grande parte dos dispositivos do Código do Consumidor, desde a instituição de seus direitos básicos (art. 6°), percorrendo pelo capitulo referente à reparação por danos pelo fato do produto, e, orientando basicamente os capítulos referentes às práticas comerciais, a publicidade, e a proteção contratual, merecedora de especial destaque de acordo com o inciso IV do art. 51 do Código do Consumidor, que considera nulas de pleno direito cláusulas contratuais que "sejam incompatíveis com a boa-fé e eqüidade".

A harmonia das relações de consumo e a transparência, indicadas no caput do art. 4° como um dos escopos da Política Nacional das Relações de Consumo, serão o resultado da conduta geral da boa-fé, que deve ser buscada pelos dois pólos componentes das relações de consumo: consumidor e fornecedor, mesmo que ocupem posições antagônicas frente ao conflito de seus interesses.

Nesse sentido, os componentes da relação consumerista devem buscar o objetivo comum de melhor e com mais eficiência, fazer circular produtos e serviços com objetivo da geração de riquezas e benefícios a todos os integrantes do mercado de consumo.

Será a boa-fé, nos dizeres de Silvio Rodrigues (2002, p. 60): "um conceito ético, moldado nas idéias de proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar."

Como se pode perceber, o primado básico da boa-fé será "o princípio máximo orientador do CDC" (MARQUES, 2002, p. 671), e é através deste princípio nuclear que não apenas os pólos atuantes da relação de consumo, devem se localizar no momento do ato de consumo, mas até a própria legislação consumerista sofre reflexos dele, como por exemplo, "o princípio da transparência (art. 4°, caput) que não deixa de ser um reflexo da boa-fé exigida aos agentes contratuais." (MARQUES, 2002, p. 671)

2.8 Princípio da Informação - Art. 4°, IV E VIII

Antes de se iniciar este tópico, necessário é citar a importância da informação de acordo com o jurista Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (2002, p. 255), em que este revela um importante pensamento a respeito da informação: "Não há sociedade sem comunicação de informação. A história do homem é a história da luta entre idéias, é o caminhar dos pensamentos. O pensar e o transmitir o pensamento são tão vitais para o homem como a liberdade física".

Como se vive num mundo globalizado em que a tecnologia a cada dia que passa caminha a passos cada vez mais largos, percebe-se que a informação circula com maior velocidade por estar difundida nos mais variados meios de comunicação que a massificam com muito mais intensidade, fazendo com que a informação passe "a ter uma relevância jurídica antes não reconhecida" (DE CARVALHO, 2002, p. 256).

Será deste interesse jurídico, o de saber melhor no ato da decisão, "para que o homem não seja levado a assumir comportamentos que não correspondam a uma perfeita compreensão da realidade" (DE CARVALHO, 2002, p. 256), que o direito de informação existirá expressamente no Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, com o objetivo de coibir que os cidadãos sejam levados a consumir pela ilusão, e não através da realidade.

Desse modo será a informação, o elemento regente da Lei 8.078/90 ao ter como corolário a educação.

Matérias que se referem a educação, divulgação, publicidade, informação dentre outros, são objetivos em parte do Código do Consumidor, com várias normas dispostas a destacar a extrema cautela com que tais temas devam ser encarados. Por um dos princípios adotados pelo Código de caráter acessório, o "princípio da veracidade", em que o fornecedor deve sempre prestar informações sobre produtos ou serviços de quaisquer natureza que ele ofereça no mercado, constata-se a presença deste princípio em inúmeros artigos do código, além do art. 4°, tais como; o art. 6° (dos direito básicos do consumidor); arts. 8° e 10° (citados no tópico referente ao princípio da garantia de adequação); arts. 18, 19 e 20 (vício do produto); arts. 30, 31 e 35 (oferta); arts. 36, 37 e 38 (publicidade e marketing); 43 e 44 (bancos de dados e cadastros); art. 56 (sanções administrativas); por fim, os arts. 60, 63, 64, 66, 67 e 72 (infrações penais).

Todavia há de ressaltar-se que, independentemente da preocupação que os redatores da lei consumerista brasileira tiveram com a informação, esta só poderá ser estendida aos cidadãos de maneira mais eficiente, se as autoridades derem mais atenção a educação básica, que é uma condição indispensável para o completo exercício da cidadania.

Uma proposta a esta problemática, seria a introdução, ou melhor dizendo, reintrodução da disciplina de educação moral e cívica nos currículos escolares de 1° e 2° graus, com o objetivo de fazer com que crianças e adolescentes comecem a criar uma cultura para melhor consumirem e orientarem seus pais, durante o ato de consumo, como por exemplo, saber avaliar a qualidade do produto além de suas condições de higiene, suas condições de exposição para venda, dos componentes artificiais, do valor calórico dos alimentos que devem estar dispostos numa tabela nutricional impressa no rótulo das embalagens, o prazo de validade para consumo dos produtos, dentre outros aspectos de cunho sócio-econômico.

Todavia Hélio Jaguaribe (apud, ALVIM, A.; ALVIM, T.; ALVIM, E.; SOUZA, J. 1995, p. 48-49) chama atenção desta questão social da seguinte maneira:

O Brasil tem demonstrado capacidade para mobilizar forças e enfrentar problemas sociais. Em tempos recentes, as comunicações, o programa do álcool, as hidrelétricas, a industrialização diversificada, a produção de grãos e a ampliação do comércio exterior, em diferentes setores, constituíram provas eloqüentes dessa afirmação. A educação do povo, entretanto, sendo questão da mais transcendente magnitude - pois dela também o equacionamento de todos os problemas, incluindo os políticos, sociais e econômicos - não tem acompanhado sequer as exigências mínimas do país, apesar de ser dever imperioso da nação para com seus filhos e garantia de seu próprio bem-estar.

Concluindo, independentemente do instrumento jurídico que se tenha, por mais avançado que seja, acabará sempre se esbarrando nos problemas sociais, ou seja, na carência cultural que acompanha a população brasileira. Daí que várias empresas, sejam elas multinacionais ou nacionais acabam, na maioria das vezes, se aproveitando da ignorância alheia ao construir seus mega impérios econômicos centralizadores de preços e extintores de quaisquer modalidades de concorrência nos mercados.

2.9 Princípio do Acesso à Justiça

Primeiramente, far-se-á um breve relato deste princípio no campo constitucional do qual ele emana através do art. 5°, inc. XXXV da Constituição Federal de 1988 in verbis: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", e segundo Nelson Nery Jr. (2002, p. 98) tem-se: "Embora o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão".

Isto significa que todos têm direito do acesso à justiça para pleitear a tutela jurisdicional reparatória ou preventiva, no que diz respeito a um direito. Contemplando-se aqui tanto direitos individuais quanto coletivos.

Todavia, este princípio não está expresso nos incisos do art. 4° do CDC, mas ele se reveste de suma importância, a partir do momento em que o legislador do diploma consumerista, teve como uma de suas grandes preocupações a busca pela criação de novos mecanismos, que pudessem facilitar ainda mais o acesso dos cidadãos à justiça, como um meio de defesa de seus direitos, daí se observarão consubstanciados em vários artigos do código alguns desses caminhos.

E para que o consumidor se atenha desta efetividade, conforme Arruda Alvim (1990, p. 31) ensina em termos processuais:

a palavra ''efetividade'' alcança uma conotação principalmente sociológica e não meramente jurídico-formal, mas no sentido de que o que conta, em última análise, não é tanto a existência de uma normatividade completa e lógica, em que todos os direito são protegidos pela letra da lei e pelo sistema, mas tão somente aparentemente funcional, pois na verdade, normatividade jurídica, ainda que exaustiva, não é suficiente para satisfazer às aspirações sociais dos segmentos numericamente predominantes e desprotegidos da sociedade.

Antes de se prosseguir com o estudo deste princípio, vale a pena diferenciar o que são as concepções jurídico-formais, das concepções jurídico-materiais, apresentadas pelos autores, Antônio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (1999, p. 40), em que a primeira é "o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, ou seja, o complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho", já a segunda, é "o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida (direito civil, penal, administrativo, comercial, tributário, etc.)".

A necessidade de se dar efetividade ao processo, e facilitação ao acesso à justiça, demandou que se fortalecesse o consumidor, ao inseri-lo numa ordem mais ampla a partir do instante em que se construiu mecanismos processuais que davam tratamento coletivo de pretensões individuais, que se agissem isoladamente pouquíssimas condições teriam de obterem um resultado mais satisfatório.

E por mencionar o "tratamento coletivo", destaca-se brevemente as ações coletivas de modo geral, que visam a tutela dos interesses difusos (art. 81, parágrafo único, I do CDC), interesses coletivos (art. 81, parágrafo único, II do CDC) e os interesses individuais homogêneos de origem comum (art. 81, parágrafo único, III do CDC).

Como dissertado um pouco atrás, em que o princípio do acesso à justiça não se encontra expresso na redação do art. 4° do Código do Consumidor, mas sim exposto por outras normas do mesmo diploma, exemplo deste caso é o que acontece com o art. 6° inc. VII, in verbis: "Art. 6°, inc. VII: o acesso aos órgãos judiciários e administrativo com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;" do Título III do CDC que cuida da defesa do consumidor em juízo, ao oferecer a oportunidade de fazer valer seus interesses, inclusive, como já se observou no inc. VII supra citado, de natureza coletiva, e "mediante a ação de órgãos e entidades com legitimidade processual para tanto, sem prejuízo dos pleitos de cunho nitidamente individuais" (FILOMENO, 2001, p. 127).

Por fim, com a criação de instrumentos adequados para a proteção do consumidor, nascem dois planos distintos de incidência. O primeiro, se relaciona às possibilidades que se criam para a efetivação da proteção do consumo em juízo, ao contribuir para que se extraia resultados claros e objetivos pertinente ao direito de consumo. A segunda incidência não decorre do uso destes mecanismos em juízo, mas simplesmente de sua potencialidade de uso, ao clamar pela importância da mudança de mentalidade do consumidor, a partir do momento em que ele irá pressionar cada vez mais o Estado, no intuito de conseguir a tutela específica exigidas pelas relações de consumo, que demandam maior agilidade por parte dos órgãos públicos, armando o consumidor do seguinte slogan de que "quem reclama sempre alcança".


3. LIVRE CONCORRÊNCIA, ABUSO DO PODER ECONÔMICO E CONSUMIDOR

Conforme a posição de José Geraldo Brito Filomeno (2003, p. 69), diante de sua exposição acerca da defesa da ordem econômica, será esta a razão final "a proteção dos interesses e direito dos consumidores, eis que destinatários finais de tudo o que é produzido no mercado, seja em matéria de produtos, seja na de serviços".

Assim, diante de toda essa principiologia apresentada pelo texto do art. 4° do Código de Consumidor, tema deste trabalho, percebe-se que o diploma consumerista nada mais fez do que colocar na prática, durante o relacionamento entre consumidor e fornecedor, os preceitos constitucionais do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), como um dos princípios que regem a atividade econômica (Capítulo I), ao destacar a importância da proteção ao consumidor, como sujeito mais fraco (vulnerável) da cadeia que compõe as relações de consumo.

De acordo com o art. 170 da C.F/88, expressamente referido pelo art. 4° do CDC, diz ele que "a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos, existência digna, conforme ditames da justiça social", observados princípios bem delineados, dentre os quais figuram a livre concorrência e a defesa do consumidor (cf. incisos I e IV, respectivamente, ainda do citado art. 170 da CF/88.)

Mais adiante, o art. 173 da Carta de 1988, nos seus § 4° e 5° declaram o seguinte, in verbis:

Art. 173, § 4°. A lei presumirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5°. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Daí percebe-se, conforme foi observado pelos textos desses dispositivos constitucionais supra citados, a definição do que vem a ser abuso do poder econômico, ou seja, "qualquer forma de manobra, ação, acerto de vontades, que vise à eliminação da concorrência, à dominação de mercados e ao aumento arbitrário de lucros" (FILOMENO, 2003, p. 70).

Não obstante, está claro que a proteção e o incentivo às práticas leias de mercado, não interessam apenas aos consumidores, assim como aos fornecedores, que necessitam de uma livre concorrência entre os setores empresariais para que se obtenha uma melhoria da qualidade de produtos e serviços com o aprimoramento da tecnologia, além de melhores opções aos consumidores.

Assim observa-se que, se a livre concorrência não é garantida pelo Estado, o mercado será dominado por poucos, o que gera conseqüências drásticas aos cidadãos, tais como, o aumento de preços de produtos e serviços, a queda de sua qualidade, a falta de opções de compra e a obsolência tecnológica.

E para que se evite tais abusos, vários mecanismos jurídicos foram instituídos para protegerem os cidadãos, dentre eles a Lei 8.884 de 11 de junho de 1994, que transformou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE - em autarquia, dispondo sobre prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, através do que reza o seu parágrafo único do art. 21, incs. I, II, III, IV, in verbis:

Parágrafo único. Na caracterização da imposição de preços excessivos ou do aumento injustificado de preços, além de outras circunstâncias econômicas e mercadológicas relevantes, considerar-se-á:

I - o preço do produto ou serviço, ou sua elevação, não justificados pelo comportamento do custo dos respectivos insumos, ou pela introdução de melhorias de qualidade;

II - o preço do produto anteriormente produzido, quanto se tratar de sucedâneo resultante de alterações não substanciais;

III - o preço de produtos e serviços similares, ou sua evolução, em mercados competitivos comparáveis;

IV - a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que resulte em majoração de bem ou serviço ou dos respectivos custos.

Deve-se lembrar que para se caracterizar o aumento arbitrário dos lucros, há de se observar também o grau de concentração econômica do setor acusado de tal prática.

Diante disso, examine-se o que preceitua o § 2° do art. 20 da Lei 8.884/94, in verbis:

Art. 20 § 2°. Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.

"E o § 3° arremata essa ordem de idéias acrescentando que ''a parcela de mercado requerida no parágrafo anterior é presumido como sendo da ordem de 20% (vinte por cento)''" (FILOMENO, 2003, p. 71).

Ainda de acordo com José Geraldo Brito Filomeno (2003, p. 71), tem-se:

A infração de que ora se cuida, portanto, é tipificada pelo inc. III do art. 20 da Lei n° 8.884/94, complementada pelos seus três parágrafos, sobretudo os ora colacionados e suplementada, em termos de metodologia, pelos incisos também ditados do art. 21, no tocante à sua apuração.

Portanto, pode-se se conceituar o termo "aumento arbitrário de lucros" como aquele que exceder o limite razoável, levando em conta o teor da concentração de determinado setor da economia, diante o disposto da inteligência do art. 21 da Lei 8.884/94, além de outros dados socioeconômicos e a política das relações de consumeristas.

Com relação ao Capítulo V do Título I, "Das Práticas Comerciais" do CDC, em sua seção IV, diversas prescrições previstas no art. 39 se relacionam intimamente com algumas outras disposições legais, tais como, a Lei n° 8.158/91 e a Lei 4.137/62, sem mencionar os textos jurídicos que tipificaram os delitos contra a ordem econômica e as relações de consumo.

"Essas práticas", de acordo com Carlos Alberto Bittar (apud, FILOMENO, 2003, p. 71):

ao turbarem a livre possibilidade de escolha do consumidor, avançam em correspondência com uma necessidade real, em sua privacidade e em seu patrimônio, acrescendo-lhe ônus injustificados que em uma negociação normal não estariam presentes.

Bittar prossegue nesse raciocínio, por Filomeno desenvolvido, quanto a caracterizarem os abusos do poder econômico "prática abusiva manifesta", em detrimento do consumidor de produtos e serviços ao revelar que:

Residindo, no plano negocial, em investidas, ou em recusas, que excedem os limites normais da prática comercial e, no âmbito de serviços, em indefinição de preços ou condições, ou em cobrança de valores excedentes ao ajustado, ou ao realizado, merecem rigoroso regime repressivo no Código, através de leque diversificado de medidas protetivas e sancionamento (preventivos ou repressivos). (FILOMENO, 2003, p. 71).

Um outro comportamento abusivo que merece destaque é o disposto no inc. V do referido art. 39 do CDC, in verbis: "exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva", pois além dele, não apenas a Lei 8.078/90, mas também a Lei 8.884/94, que modificou o art. 39 do CDC, no seu inc. X ao dispor que, fica vedado ao fornecedor, elevar sem justa causa o preço de produtos e serviços, ensejam sanções pela Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) quando declarado estiver o aumento abusivo dos lucros dos detentores da cadeia de produção.

Assim serão destas leis, as especulações no mercado, os acordos entre concorrentes dentre outros tipos de articulações os "exemplos típicos de abuso nesse campo de lesão aos consumidores" (FILOMENO, 2003, p. 72).

Por fim, outro aspecto que merece ser destacado é o art. 1° da Lei 7.347/85 (Ação Civil Pública), inc. V, que diz o seguinte, in verbis:

Art. 1° Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

[...]

V- por infração da ordem econômica e da economia popular.

Além disso, esta lei teve, por força do art. 88 da Lei 8.884/94, o inc. II do art. 5° modificado no que diz respeito às condições para a legitimação de entidades com vistas à propositura de ações coletivas, in verbis:

II - inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artistíco, estético, histórico, turístico e paisagístico;

Com relação aos aspectos processuais e procedimentais, diz o art. 83 da Lei 8.884/94, que, in verbis: "Aplicam-se subsidiariamente aos processos, administrativos e judicial, previstos nesta Lei as disposições do Código de Processo Civil e das Leis 7.347, de 24 de julho de 1985, e 8.078/90 de 11 de setembro de 1990". No que se refere à tutela penal a Lei 8.134/90 estatuiu que se considera consistente a conduta que "elevar, sem justa causa, o preço de bem ou serviço, valendo-se de posição dominante no mercado".

Assim conclui, José Geraldo Brito Filomeno (2003, p. 73):

[...] é crime contra a ordem econômica aquela conduta, exigindo-se do acusado que demonstre que houve justa causa para a elevação do preço, sempre tendo-se em vista, por óbvio, [...], constante do art. 21 da Lei 8.884/94, e a dominação do mercado.

Se o agente aumenta sem quaisquer fundamentos, os preços de seus produtos ou serviços, consequentemente aumentará sua margem de lucro, o que revela uma infração à ordem econômica, e não uma mera elevação de preços de seus produtos e serviços.

Por conseguinte, o delito será de mera conduta ou formal, pois: "[...] se verifica com a simples constatação de que houve a elevação de preços sem justificativa plausível, e em setor econômico no qual o infrator desfruta de posição dominante em virtude de monopólio ou oligopólios, por exemplo". (FILOMENO, 2003, p. 73)


CONCLUSÃO

1.Apesar dos princípios gerais de direito estarem enquadrados na categoria dos princípios monovalentes, em que só valem no âmbito de determinada ciência, não se pode deixar de levar em conta que eles também são princípios omnivalentes, dado ao fato desta categoria de princípios serem comuns a todas as formas de saber.

2.Para melhor análise do corpo normativo de um sistema jurídico, deve se buscar a compreensão de seu princípios, para uma melhor aplicação e integração de seus textos, ou durante o ato da criação de novas normas.

3.Quanto maior a instabilidade política de um país, mais fraco será o respeito aos valores postulados pelo sistema constitucional do mesmo.

4.É tarefa do intérprete buscar o exame dos ditames constitucionais na busca de soluções aos fatos que se apresentam no seio da sociedade, num primeiro momento, para depois examinar as leis infraconstitucionais.

5.Os princípios gerais de direito atingem o seu apogeu, a partir do momento em que alcançam a mais alta posição do Direito Positivo que é o grau constitucional.

6.O art. 5°, inc. XXXII da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, que preceitua que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor, antes do ano de 1990, que foi o momento da criação do Código de Defesa do Consumidor através do art. 48 da ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), se encontrava na sua fase programática.

7.A criação da Lei 8.078/90 foi uma extensão do princípio constitucional elencado pelo art. 5°, inc. XXXII da Carta Magna do Brasil.

8.A Política Nacional das Relações de Consumo, está prevista legalmente no caput do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor.

9.São aspectos mais comuns de interesse da política tradicional ao consumidor, os seguintes tópicos: educação, informação e conselhos, proteção dos interesses econômicos dos consumidores, segurança, compensação ao consumidor, representação dos interesses coletivos dos consumidores e satisfação das necessidades.

10. O consumo sustentável é a necessidade de que o homem deve se policiar cada vez mais no hábito de seus consumos, no intuito de preservar o meio ambiente, para que este não se degrade de forma irreversível ao atender às suas necessidades básicas através do consumo exagerado.

11.O princípio da integração é uma estratégia política, de caráter interdisciplinar, que busca a união de vários setores políticos quanto econômicos, que buscam uma melhor forma de atender às necessidades básicas do homem aliada à proteção ao meio ambiente.

12.Os princípios basilares, ou melhor, a filosofia de ação da defesa do consumidor está esculpida no texto do art. 4° e seus incisos do CDC, ao fundamentar-se no reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado, na ação governamental no sentido de protegê-lo efetivamente, na educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres com vistas à melhoria do mercado, incentivos à criação; ainda pelos fornecedores, de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo.

13.A boa-fé é um princípio basilar que está consubstanciado por todo corpo normativo do Código do Consumidor.

14.A informação é uma das maiores armas das quais os consumidores, podem se utilizar no intuito de se proteger contra os potenciais abusos de anúncios, contratos, marketing, propagandas, dentre outros meios de difusão da informação, do mercado fornecedor.

15.Apesar da grande falta de resultados mais concretos efetivos, pelos quais os cidadãos podem se beneficiar contra os abusos do poder econômico, a concorrência desleal e dos crimes contra a ordem tributária, o Brasil possui várias legislações esparsas que têm como objetivo a proteção contra tais atrocidades, tais como, a Lei 8.884/94, a Lei 8.158/91, a Lei 4.137/62, a própria Lei 8.078/90 e a Lei 7.347/85 que disciplina a Ação Civil Pública que viabiliza a proteção dos interesses difusos e coletivos.


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Autor

  • Henrique Alves Pinto

    Henrique Alves Pinto

    Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Pesquisador bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), Visiting Researcher no Tereza Lozano Long Institute of Latin American Studies (LLILAS), da University of Texas at Austin

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Henrique Alves. Princípios nucleares do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e sua extensão como princípio constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 214, 5 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4792. Acesso em: 26 abr. 2024.