Resumo: O presente trabalho retrata a enorme importância do estudo a cerca do tem, princípios gerais de direito, em que demonstra os caminhos por eles percorridos sob a ótica da Teoria Geral do Direito, desde a sua constitucionalização até a sua irradiação por entre outros ramos do Direito, e em particular, o sistema de proteção e defesa do consumidor brasileiro. A análise com maior grau de aprofundamento recai sobre a principiologia criada com a elaboração da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, contida de mandamentos nucleares tais como, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, o princípio da eqüidade e a cláusula geral de boa-fé, o princípio da proibição do abuso do direito e a função social dos contratos. Dentre estes, chama-se a atenção do leitor para um dos mais importantes, senão o mais importante dos princípios do sistema de proteção consumerista, que é o da vulnerabilidade do consumidor.
Palavras-chave: Consumidor; Princípio da Vulnerabilidade; Boa-fé; Teoria Geral do Direito.
Sumário: Introdução. 1. Dos Princípios Gerais de Direito. 1.1. Da constitucionalização dos princípios gerais. 1.2. Direitos do Consumidor - previsão constitucional. 1.3. A defesa do consumidor e sua extensão como princípio constitucional. 1.4. Legislação infraconstitucional: o momento da parturição do Código de proteção e defesa do consumidor. 2. A Política Nacional das Relações de Consumo e sua abrangência. 2.1. As diretrizes gerais da política e do direito do consumidor. 2.2. Consumo sustentável e o princípio da integração. 2.3. Princípios fundamentais da política nacional das relações de consumo. 2.4. Princípio da vulnerabilidade do consumidor art. 4°, I. 2.5. O princípio do dever governamental art. 4°, II, VI e VII. 2.6. O princípio da garantia da adequação art. 4°, II, "D" e V. 2.7. Princípio da boa fé nas relações de consumo art. 4°, III e VI. 2.8. Princípio da informação - art. 4°, IV e VIII. 2.9. Princípio do acesso à justiça. 3. Livre concorrência, Abuso do Poder Econômico e Consumidor. Conclusão. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Todas as conclusões advindas de um princípio que não é evidente, também não podem ser evidentes, mesmo que tenham seguido o processo correto da dedução. Daí que todos os raciocínios assentes sobre tais princípios, não podem dar conhecimento certo de alguma coisa.
O homem equipado de sabedoria percebe facilmente a fragilidade dessa estrutura, inclusive nos sistemas mais bem aceitos e com as maiores pretensões de conter raciocínios mais elaborados.
Princípios acolhidos com base na confiança, destituídos de um conteúdo científico, falta de coerência entre as partes, e de evidência no todo, danificam o sistema podendo até mesmo levá-lo a sua ruína.
Será essa necessidade, de se ter evidentes premissas para se erguer um concreto sistema à base de um forte princípio, uma das propostas de desenvolvimento deste trabalho, além do estudo das ingressões destes princípios no Código de Defesa do Consumidor de 1990, sendo este, no ato de sua criação, totalmente dotado de uma carga manifestamente principiológica em suas normas.
1. DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO
Sobre os princípios gerais de direito importa citarmos Miguel Reale (1999, p. 305):
deve começar pela observação fundamental de que toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem todo campo do saber.
Dessa abordagem lógica da palavra "princípio", pode-se dizer que "os princípios são ''verdades fundantes'' de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas." (REALE, 1999, p. 305)
Nesse sentido, de acordo com Miguel Reale (1999, p. 306), os princípios se dividem em três categorias:
a) PRINCÍPIOS OMNIVALENTES : quando são válidos para todas as formas de saber, como é o caso dos princípios de identidade e de razão suficiente;
b) PRINCÍPIOS PLURIVALENTES: quando aplicáveis a vários campos de conhecimento, como se dá com o princípio de causalidade, essencial às ciências naturais, mas não extensivo a todos os campos do conhecimento;
c) PRINCÍPIOS MONOVALENTES: quando só valem como âmbito de determinada ciência, como é o caso dos princípios gerais de direito.
Será essa categoria de princípios, a dos monovalentes, que a presente monografia irá demonstrar: a incidência deles no âmbito das relações consumeristas devido à alta carga principiológica contida no texto da lei de defesa do consumidor.
A expressão princípios gerais de direito é por demais ampla e um autor de grande autoridade como Rubens Limongi França (apud RODRIGUES, 2002), entende que é aos princípios de direito natural que o legislador manda recorrer na lacuna da normatividade. Todavia, há de se atribuir um sentido diferente a eles, uma vez que o legislador quer referir-se àquelas normas que o orientam na elaboração da sistemática jurídica, ou seja, àqueles princípios que "baseados na observação sociológica e tendo como objetivo regular os interesses conflitantes, impõem-se, inexoravelmente, como uma necessidade na vida do homem em sociedade." (RODRIGUES, 2002, p. 25)
A esse respeito reportemo-nos a Washington de Barros Monteiro (1997, p. 42), "Nada existe de mais tormentoso para o intérprete, que a aplicação dos princípios gerais de direito, não especificados pelo legislador."
Com base nessa posição, ressaltemos, aqui, a resolução para o eventual problema da aplicação dos aludidos princípios gerais, encontrada pelo direito suíço que dispõe no art. 1° do Código Civil deste país que "no silêncio da lei e não havendo um costume a regular uma relação jurídica, deve o juiz decidir ''segundo as regras que ele estabeleceria se tivesse de agir como legislador''." (RODRIGUES, 2002, p. 25)
Assim, ao se examinar o direito positivo pátrio, encontra-se, no art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil a orientação a seguir, por força do qual, quando a norma jurídica for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Nas precisas palavras de Miguel Reale (1999, p. 306), isto significa que:
O legislador, por conseguinte, é o primeiro a reconhecer que o sistema das leis não é suscetível de cobrir todo o campo da experiência humana, restando sempre grande número de situações imprevistas, algo que era impossível ser vislumbrado sequer pelo legislador no momento da futura lei. Para essas lacunas há a possibilidade do recurso aos princípios gerais de direito, mas é necessário advertir que a estes não cabe apenas essa tarefa de preencher ou suprir as lacunas da legislação.
Note-se, porém, que para vários juristas essas lacunas não podem e nem verdadeiramente poderão existir, uma vez que o ordenamento jurídico oferece ferramentas para regular todos os casos possíveis, sejam eles previstos ou imprevistos, presentes ou futuros. Mas de maneira alguma se colocará em dúvida que as lacunas de fato existem no direito positivo, não merecendo acolhimento esse entendimento, posto que na própria há elementos para suprir essas lacunas; o certo é que tais elementos constituem uma breve resolução do problema, mas não a solução definitiva e concreta dele.
Diante desta exposição, temos a célebre noção atribuída por Miguel Reale (1999, p. 306), acerca do entendimento deste autor sobre os princípios gerais de direito em que ele nos revela o seguinte: "princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas".
Ora, é evidente, portanto, que tais princípios gerais são imprescindíveis ao direito. Concluamos este tópico, citando as palavras do constitucionalista Paulo Bonavides (2002, p. 232):
Todo discurso normativo tem que colocar, portanto em seu raio de abrangência os princípios aos quais as regras se vinculam. Os princípios espargem claridade sobre o entendimento das questões jurídicas, por mais complicadas que estas sejam no interior de um sistema de normas.
Daí infere-se que todo sistema se quiser adquirir a qualidade de um sistema que se completa e se relaciona por toda a extensão de seu corpo normativo, deve estar armado de princípios que emanam de um núcleo central, formados de postulados que seguem os preceitos do princípio da identidade que é comum a todos os campos do saber. Além disso, percebe-se também que dado esse rigor necessário do corpo principiológico central, todo e qualquer princípio que daí se irradiar por outros sistemas periféricos estará sendo amparado pela base.
Assim se fixarmos o pressuposto de que o direito positivo é uma camada lingüística de termos prescritivos dirigidos ao comportamento social das relações de intersubjetividade, nada mais justo que apresentarmos a proposta de interpretação do direito como um sistema de linguagem, nos seus três planos fundamentais: a sintaxe, a semântica e a pragmática.
Por plano sintático entende-se aquele formado pelo relacionamento que os signos lingüísticos mantêm entre si, sem qualquer menção ao mundo exterior do sistema. Por plano semântico, aquele que diz respeito ao modo de referência à realidade, ou seja, a qualificação dos fatos para alterar normativamente a conduta. Por plano pragmático, aquele "tecido pelas formas segundo as quais os utentes da linguagem a empregam na comunidade do discurso e na comunidade social para motivar comportamento." (BARROS CARVALHO, 2002, p. 97)
E para se chegar ao conteúdo intelectual dos textos do Direito através da exegese, deverá o intérprete adotar o critério sistemático de interpretação, porque envolve os três planos fundamentais, ao realizar reiteradas incursões nos níveis sintático, semântico e pragmático da linguagem jurídica. Neste sentido será a interpretação um ato de vontade e um ato de conhecimento e como ato de conhecimento não caberá à "Ciência do Direito dizer qual é o sentido mais justo ou mais correto, mas, simplesmente, apontar as interpretações possíveis." (BARROS CARVALHO, 2002, p. 99)
1.1. Da Constitucionalização dos Princípios Gerais
Em decorrência da alta instabilidade política percebida ao longo dos tempos na história do Brasil, sempre foi muito comum, pelo menos até pouco tempo atrás, a interpretação e aplicação dos mais variados ramos do direito tomando-se por base "a lei ordinária principal que o regulamentava." (NERY JÚNIOR, 2002, p. 19)
Isso acontece devido à falta de um forte regime democrático, de estabilidade política que possam contribuir com o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Em vista disso percebe-se "porque não se vinha dando grande importância ao Direito Constitucional, já que nossas constituições não eram respeitadas, tampouco aplicadas efetivamente"(NERY JÚNIOR, 2002, p. 19).
Daí a alegação de que a ofensa à Constituição, nos países com estabilidade política e que se encontram num verdadeiro Estado Democrático de Direito, possui conseqüências catastróficas. No Brasil, quando este problema é declarado, ou seja, quando há ofensa à Constituição, "a alegação não é levada a sério na medida e na extensão que deveria", apresentando-se "como mais uma defesa que o interessado opõe à contraparte."(NERY JÚNIOR, 2002, p. 19)
Entretanto, essa situação vem apresentando uma grande mudança, em virtude do aumento significativo de trabalhos e pesquisas jurídicas que abordam o tema da interpretação e aplicação da Constituição Federal, ao declarar que o Direito Constitucional é a base fundamental do direito para o país.
De acordo com Nelson Nery Jr. (2002, p. 20): "O intérprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto, sempre tendo como pressuposto o exame da Constituição Federal. Depois, sim, deve ser consultada a legislação infraconstitucional a respeito do tema."
Na verdade, o que podemos perceber dos ensinamentos deste jurista é que será na Constituição de determinado país que se encontrarão os mais altos valores do Direito Positivo, posto serem preservados pelos cidadãos orientados por uma carga principiológica que reside na base deste sistema. É da Constituição que se irradiam os princípios que irão se dispersar pelas mais variadas leis infraconstitucionais. Partindo desse pressuposto, Simonius tem razão quando afirma que "o Direito vigente está impregnado de princípios até suas últimas ramificações." (apud, REALE, 1999, p. 306)
Deste ponto de partida, o da função interpretativa e da aplicabilidade da Constituição, através dos princípios contidos em seu corpo, é que podemos chegar, segundo Paulo Bonavides (2002, p. 246), "numa escala de densidade normativa, ao grau mais alto a que eles já subiram na própria esfera do Direito Positivo: o grau constitucional".
Revela também, este constitucionalista, que "a constitucionalização dos princípios compreende dessas fases distintas; a fase programática e a fase não programática". (2002, p. 246)
Por fase programática deve-se entender que é uma fase de concreção, dotada de um alto teor de abstração e de perfeição, que demandam de operações integrativas em que se percebe a ausência de juridicidade.
Já a fase não programática é uma fase dotada de objetividade, por ser concreta e completa, suscetível de imediata aplicação, e ao contrário do que se pode perceber na fase programática, é dotada de incontrastável juridicidade.
Ressalta ainda Paulo Bonavides (2002, p. 246) o seguinte:
Na primeira, a normatividade constitucional dos princípios é mínima; na segunda máxima. Ali, pairam ainda numa região abstrata e têm aplicabilidade diferida; aqui ocupam um espaço onde releva de imediato a sua dimensão objetiva e concretizadora, a positividade de sua aplicação direta e imediata.
Apenas nesta última fase, a fase não programática, que se fará exeqüível "colocar no mesmo plano discursivo, em termos de identidade, os princípios gerais e os princípios constitucionais." (BONAVIDES, 2002, p. 246)
Portanto, o que se pode perceber deste tópico é que, salvo o empenho da Filosofia e da Teoria Geral do Direito ao construírem a doutrina da normatividade dos princípios em que se busca uma neutralidade na qual se possa superar antinomia Direito Natural/Direito Positivo, tema que não é o propósito desse trabalho. Ao se estudar a teoria dos princípios gerais de direito proposto por Del Vecchio nas lições de Vicente Ráo (1999, p. 275), chega-se à seguinte conclusão:
O perigo do que se chama aequitas cerebrina, isto é, o arbítrio do juiz em sentido contrário ao da lei, desapareceu com o nascimento do moderno Estado de direito. E se, em nossos dias, certa doutrina pretende restabelecer este arbítrio sob o pretexto especioso da liberdade do juiz ou da jurisprudência, doutrina é esta que, retrógada em sua substância e contrária à liberdade apesar de seu nome, deve ser repelida por se opor ao mencionado princípio e às próprias bases racionais do sistema atualmente em vigor.
Assim, nada mais imprescindível na história contemporânea do Direito Constitucional do que a solidificação dos princípios contidos em seus textos de leis, o respeito ao Direito Constitucional como lei basilar de todo o ordenamento jurídico dos Estados para a estabilização política e fortalecimento do Estado Democrático de Direito e, por fim, a conversão dos princípios gerais em princípios constitucionais, entre outras categorias de princípios, já que aqueles possuem maior ou menor incidência nos mais variados ramos do direito, para possibilitar uma maior objetividade e aplicabilidade no escopo de suprir as diversas lacunas encontradas entre as leis.
1.2. Direitos do Consumidor - Previsão Constitucional
A Constituição Federal Brasileira de 1988 considerou como fundamental o direito do consumidor. Tanto é que, no art. 5°, inc. XXXII, estabeleceu em "norma de notório conteúdo programático" (CARVALHO FILHO, 2001, p. 19): o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Como já comentamos a respeito da fase programática das normas, não é necessário entrarmos em maiores detalhes aqui. Percebe-se, pois, que não foi sem razão que o Constituinte inseriu o direito do consumidor no rol dos direitos fundamentais.
Fala-se em conteúdo programático neste inciso porque antes da Lei 8.078/90 de 11/09/1990, que criou o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o art. 5°, inc. XXXII da Constituição Federal, preestabelecia em si mesmo apenas um programa de ação, com respeito ao próprio objeto por se tratar de uma norma constitucional programática até então.
Sobre as normas constitucionais programáticas postula Crisafulli (1976, p. 75):
As normas constitucionais programáticas, como se viu, não regulam diretamente as matérias a que se referem, mas regulam propriamente a atividade estatal concernente a ditas matérias: têm por objeto imediato os comportamentos estatais e só imediatamente e por assim dizer, em segundo grau, aquelas determinadas matérias.
Acrescenta ainda Paulo Bonavides (2002, p. 222), "ostentam por igual uma dupla eficácia na medida em que servem de regra vinculativa de uma legislação futura sobre o mesmo objeto."
Além de caracterizada como direito fundamental, a defesa do consumidor "se qualifica também como um dos princípios da ordem econômica e financeira (art. 170, V, Constituição Federal)."
Por se tratar de uma sociedade capitalista, como é a brasileira, fundada na livre iniciativa na qual se verificam inúmeras formas de abuso de poder econômico, nada mais oportuno e justo do que se considerar o direito do consumidor como um direito fundamental.
No que diz respeito à competência normativa sobre a matéria, é da inteligência do art. 24, inc. VIII da Constituição Federal, serem competentes a União, os Estados e o Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano ao consumidor.
O produto legislativo da União deverá ater-se à edição de normas gerais, sendo que os Estados e Distrito Federal possuirão competência suplementar (art. 24, § 1° e 2° da Constituição Federal).
Protege-se ainda, através da normatividade constitucional, o direito do consumidor (ALVIM, A.; ALVIM, T.; ALVIM, E.; SOUZA, J., 1995, p. 14):
No Título IV da Constituição Federal, destinado à tributação e ao orçamento, em sua Seção II, que se refere às limitações ao poder de tributar, o § 5° do art. 150. dispõe que ''a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços'', determinando que se ofereça o devido esclarecimento acerca dos tributos incidentes sobre bens objeto de relações de consumo, em clara preocupação com o grau de informação que deve receber o consumidor, o que, aliás, é a tônica deste Código de Consumidor.
Como será discutido mais adiante o princípio da transparência, vale adiantar brevemente, como se percebe pelo fragmento supra citado, que a necessidade da devida informação acerca do produto que o consumidor venha adquirir, é mais do que uma mera necessidade, mas sim um dever que se impõe a todos os fornecedores que oferecem produtos ou serviços no mercado consumerista. Além disso nota-se também que o dever de bem informar os consumidores, nada mais é do que uma irradiação de um princípio basilar residente no corpo principiológico nuclear da Lei 8.078/90 (reitere-se o Código de Defesa do Consumidor), que é o princípio da boa-fé, como veremos mais detalhadamente no tópico específico destinado à elucidação de sua aplicabilidade.
1.3. A Defesa do Consumidor e sua Extensão como Princípio Constitucional
Após todo este levantamento da trajetória dos princípios gerais de direito, da sua constitucionalização e irradiação por entre outros ramos do Direito, chega-se ao assunto fundamental do presente trabalho, que é o da carga principiológica contida na Lei 8.078/90. Todavia, antes de abordarmos os princípios específicos desta lei, apontaremos ainda a extensão da defesa do consumidor como princípio constitucional.
Dada esta destacada posição de defesa do consumidor, a de estar no ápice do nosso ordenamento jurídico, nos declara a importância do tema na órbita da economia brasileira, que possui grande parte de suas atividades baseadas nas relações de consumo, ou seja, entre fornecedor e consumidor que a partir do ano de 1990 devem estar, necessariamente, subordinadas aos ditames do Código de Proteção e Defesa do Consumidor no que chama a atenção pela necessidade de sua correta interpretação nos quadros normativos.
Daí percebe-se que os princípios que envolvem a defesa do consumidor são princípios jurídicos basilares, a partir do momento em que buscam introduzir uma nova forma de pensar nos postulados da consciência jurídica, e de acordo com os dizeres de José Joaquim Gomes Canotilho (1992, p. 177-178) será:
princípio político constitucionalmente conformador, na medida em que indica opção valorativa do constituinte; é princípio constitucional impositivo, pois que impõe aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de uma tarefa e um fim a ser atingido e; princípio garantia, visto que garante, ainda que indiretamente, uma série de direitos ao cidadão.
Diante disso fica declarada a magnitude de sua garantia constitucional que possui no mínimo, disposições imediatas e emergentes, difundido de seu estado de princípio geral da atividade econômica do país, erigido por nossa Lei Maior, a virtude de corromper de inconstitucionalidade qualquer norma que possa ser um obstáculo à defesa desta figura das relações intersubjetivas de consumo, que é o consumidor.
Assim, ao se tratar de interpretação constitucional dever-se-á identificar quais foram as normas que receberam do legislador constitucional a categoria de princípios orquestradores do sistema de valoração. É preciso, pois, identificar tais princípios, posto que são mais do que normas dado o seu caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito, ou à sua importância estrutural dentro do sistema jurídico, uma vez que irão servir "como vetores para soluções interpretativas." (TEMER, 1990, p. 37)
Da posição do constitucionalista acima citado, nota-se que ele atribui ser papel do legislador apontar quais normas este erigiu à categoria de princípios, na busca da solução das antinomias que são encontradas nos conflitos entre as normas do sistema. Percebe-se portanto que, mais uma vez, será do núcleo sistêmico de onde emanará toda orientação no intuito de se atingir a devida interpretação normativa.
Por fim, lembra ainda Fábio Konder Comparato (1990, p. 69):
De um lado, não pode, o legislador, ou a administração pública, editar norma conflitante com o objetivo do programa constitucional. De outro, os Poderes Públicos têm o dever de desenvolver esse programa, por meio de uma ação coordenada.
Após todas essas exposições, mais do que declarado, está comprovado que a defesa do consumidor é uma garantia constitucional que engloba uma vasta gama de direitos que estão envolvidos em toda a Carta Constitucional ou em outros regimes e princípios colhidos por ela. "Direitos que envolvem a obrigação positiva de atuar, legislar e decidir, na política, na lei e na justiça, pela defesa do consumidor" (ZAPATER, 2001, p. 187).
1.4. Legislação Infraconstitucional - O Momento da Parturição do Código de Proteção e Defesa do Consumidor Brasileiro
Apesar do amplo otimismo do Constituinte, ao revelar certa pressa para que fosse promulgada a lei de proteção do consumidor, de acordo com a determinação do art. 48. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), quando consignou que o Congresso Nacional deveria elaborar, no prazo de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, o Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, após quase dois anos da promulgação da Carta Magna é que foi instituída a Lei 8.078/90 de 11/09/1990, que criou o código brasileiro das relações consumeristas.
Este impôs aos órgãos estatais, sobretudo ao legislador, "a realização de uma tarefa e um fim a ser atingido" (ZAPATER, 2001, p. 185), ao buscar uma legislação mais eficiente e específica para tratar de tais situações jurídicas, enquanto o que se tinha antes era a adaptação interpretativa pelos juristas do Código Civil de 1916, nos mais variados casos em que eram envolvidos os sujeitos do consumo, no que quase sempre acabava numa decisão menos favorável aos consumidores.