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Princípios nucleares do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e sua extensão como princípio constitucional

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05/02/2004 às 00:00
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2. A POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E SUA ABRANGÊNCIA

Estabelece o caput do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor, a definição dos objetivos que norteiam a política das relações de consumo, buscando um alcance substancialmente mais longo, ao estabelecer parâmetros que nortearão todo e qualquer ato do governo, seja na esfera do legislativo, do executivo ou do judiciário, a partir do instante em que se trata das "relações consumeristas" que é uma expressão declaradamente mais ampla do que a "defesa do consumidor".

Daí percebe-se o equívoco em se considerar que os incisos do art. 4°, correspondem apenas aos princípios da defesa do consumidor, uma vez que, traçam também os objetivos e princípios de toda a Política Nacional de Relações de Consumo.

Apesar de se confundirem os objetivos expressos da Política Nacional de Relações de Consumo com a defesa do consumidor, deve-se perceber que uma e outra não são a mesma figura, sendo esta uma importante faceta daquela, todavia com objetivo mais restrito.

Com o decorrer dos anos, a política e o direito do consumidor desenvolveram-se de forma cada vez mais autônoma, coerente e separada. Numa fase mais recente, uma nova abordagem é postulada "em que se exige a integração das considerações da política de consumo a outras políticas econômicas e sociais" (BOURGOIGNIE, 2002, p. 34).

À política de defesa do consumidor é dado um objetivo mais amplo de aplicação, e seus dados se tornam cada mais significativos à medida que ele vão se estendendo a outros ramos políticos.

2.1. As Diretrizes Gerais da Política e do Direito do Consumidor

Antes de dissertarmos sobre a principiologia inserta no art. 4° do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, apontaremos abaixo os aspectos mais comuns de interesse da política tradicional de proteção ao consumidor:

a) Educação: uma importantíssima ferramenta de auxílio ao consumidor, busca torná-lo mais consciente de suas responsabilidades, direitos e obrigações, ajudando-o a exercer um papel atuante no mercado, protegendo-o dos enganos e fraudes, ao possibilitar o acesso efetivo à lei e aos mecanismos de reparação.

b) Informação e conselhos: detalhar cada vez mais as informações e formas de uso sobre produtos e serviços, riscos e acidentes relacionados a eles, cláusulas contratuais, preços e tarifas, leis e regulamentos entre outros; rotulagem e empacotamento dos produtos, avisos e instruções de uso, revelação das cláusulas contratuais, concessão de períodos de controle, proibição de propaganda enganosa, estabelecimento de uma rede de Centros de Conselhos para Consumidores, promovendo informações de consumo por meio de fontes independentes, desenvolvimento de campanhas públicas de conscientização etc.

c) Proteção dos interesses econômicos dos consumidores: prevenção de comércio, propaganda e métodos de venda desleais, impedimento de cláusulas abusivas em contratos de consumo, regulamentação da especulação de preços, do crédito, dos empréstimos e de outras transações financeiras do consumidor, obrigações de garantia pós-venda, instituição de padrões de qualidade, entre outros.

d) Segurança: proteção aos consumidores de produtos ou serviços, que são perigosos ou sem segurança, através de medidas preventivas, tais como exigências de informações, planos de garantia de qualidade, obrigações de controle sobre processos de produção e distribuição, retirada de produtos quando nocivos aos consumidores e a terceiros, a realização de recalls, intercâmbio de sistemas de informações e supervisão das reservas de mercado, assim como corretivas que dão aos consumidores, acesso a planos de compensação adequados e facilmente acessíveis, particularmente por meio de específicas regras de responsabilidade. Imprescindível que se destaque, que o objetivo de segurança sobre produto e serviços tais como, comida, drogas, cosméticos, brinquedos, automóveis, saúde, transporte, lazer, atividades esportivas etc.

e) Compensação ao consumidor: tem como objetivo armar o consumidor de meios rápidos e acessíveis de assegurar seus direitos, definindo reparações civis, criminais e administrativas mais adequadas, ao criar para os grupos de consumidores, personalidade jurídica ou o direito de ingressarem ações coletivas em cortes e tribunais quando se sentirem lesados, além de desenvolverem sistemas alternativos para solução de conflitos que sejam eficientes e independentes.

f) Representação dos interesses coletivos dos consumidores: para promover e dar suporte aos grupos de consumidores, aumentando a participação de representantes de consumidores no processo de tomada de decisões.

g) Satisfação de necessidades básicas: como possibilitar a todos, o efetivo acesso a mercadorias e serviços básicos, dentre eles, água, energia, telecomunicações, educação, saúde etc.

2.2. Consumo Sustentável e o Princípio da Integração

Conforme a resolução da ONU, através do documento "United Nations Guidelines for Consumer Protection", ampliado no ano de 1999, o chamado "consumo sustentável", foi eleito como um dos direitos do consumidor universalmente considerado e será um objetivo comum a todos os governos a sua promoção, como bem observa José Geraldo Brito Filomeno (2003, p. 67), "enquanto as necessidades do homem são, em princípio, ilimitadas, sobretudo se se tiver em conta a ciência de marketing e a publicidade, são limitados os recursos naturais disponíveis".

Assim percebe-se que o consumo sustentável, nada mais é do que um grande cuidado que os homens devem ter no instante que exploram o meio ambiente através de suas atividades econômicas, no intuito de se buscar uma redução dos impactos causados por essas atividades, de maneira que os recursos naturais não se esgotem de forma irreversível.

É desse problema que surge "a necessidade de incutir no homem, desde a infância, a preocupação em proceder ao consumo responsável e, sobretudo sustentável, de produtos e serviços" (FILOMENO, 2003, p. 68).

Todavia, como se pode perceber, esta tarefa não é nada fácil, e para que a criação desta consciência de preservação ao meio ambiente possa vir a colher bons resultados, aponta a resolução acima citada, no seu art. 42, in verbis: "Sustainable consumption includes meeting the needs of present and future generation for goods and services in ways that are economically, socially, and environmentally sustainable." (O consumo sustentável deverá satisfazer às necessidades das presentes e futuras gerações por meio de benefícios e empreendimentos que contribuam pela higidez do meio ambiente, tanto no aspecto econômico, quanto no aspecto social. Tradução nossa.), devem ser observadas.

A responsabilidade pelo consumo sustentável deve ser compartilhada por todos os membros e organizações da sociedade, por consumidores informados, por governantes e empresários, por organizações do trabalho, além das associações de proteção aos consumidores e ao meio ambiente que irão desempenhar importante papel na divulgação da mais adequada informação, uma vez que da escolha dos consumidores por determinados produtos é que recairão os efeitos sobre os produtores. Se o consumidor, por exemplo, consome determinada marca de papel de uma empresa que não pratica o reflorestamento, ele estará incentivando cada vez mais a atividade comercial dessa empresa que depreda o meio ambiente no que implicará um forte desequilíbrio, entre os recursos naturais disponíveis e a atividade industrial, o que poderá trazer drásticas conseqüências.

Os preceitos desse artigo, referem-se a uma variedade de políticas, tais como: telecomunicações, sociedade de informação, saúde, nutrição, proteção ambiental e agrícolas, que devem ser desenvolvidas numa estratégia rumo à integração dos dados de consumo. É desta atividade que trabalha com a inter-relação que temos o princípio da integração, o qual se encontra consubstanciado no texto do art. 43, in verbis: "Governments should promote the development and implementation of policies for sustainable consumption and the integration of those policies with other public policies." (Os governantes devem promover a implementação e o desenvolvimento de políticas que tenham como objetivo o consumo sustentável além da integração dessas políticas a outras políticas públicas. Tradução nossa.), da diretriz geral de proteção ao consumidor editada pela ONU.

Diante disso, infere-se que "a qualidade de vida ou direito de viver num ambiente saudável tornou-se um dos direitos fundamentais dos consumidores" (BOURGOIGNIE, 2002, p. 36). A responsabilidade pela proteção ao meio ambiente, não recairá apenas aos produtores, aos fornecedores, entre outros entes da cadeia empresarial, mas também aos consumidores, que devem procurar consumir produtos menos nocivos ao meio ambiente, o que não é nada fácil já que implica numa mudança nos seus hábitos, daí observa-se que o processo de integração é extremamente complexo.

Portanto conclui-se que o consumo sustentável, como bem observa Thierry Bourgoignie (2002, p. 37), "colocará sua marca na política e no direito do consumidor".

A livre escolha dos consumidores, deverá ser limitada em prol do meio ambiente e que os interesses da coletividade e benefícios individuais a curto prazo, ao fazer com que todos tomem consciência da dimensão ecológica do processo consumerista em geral e de seu comportamento individual particular.

2.3. Princípios Fundamentais da Política Nacional de Relações de Consumo

Para melhor se compreender o corpo principiológico do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor de acordo com a nova redação dada ao artigo pela Lei n.° 9.008, de 21 de março de 1995, in verbis:

Art. 4.° A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade;

I - harmonização dos interesses dos particulares dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

II - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

III - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

IV - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

V - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

VI - estudo constante das modificações do mercado de consumo.

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De acordo com Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Jaime Marins (1995, p. 44), pode-se dizer serem seis os princípios fundamentais da Política Nacional das Relações de Consumo, citados abaixo:

I - Princípio da Vulnerabilidade

II - Princípio do Dever governamental

III - Princípio da Garantia de Adequação

IV - Princípio da Boa-fé nas relações de consumo

V - Princípio da Informação

VI - Princípio do Acesso à Justiça

Todos estes princípios supra citados, serão devidamente analisados nos subtópicos que se seguem, dado o propósito desse trabalho.

2.4. Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor - Art. 4°, I.

Este princípio, atua como elemento informador da Política Nacional das Relações de Consumo, e é tido como o núcleo base de onde se irradia todos os outros princípios informadores do sistema consubstanciado no Código de Defesa do Consumidor.

Isto acontece, a partir do momento em que se examina a cadeia consumerista, ao perceber que o consumidor é o elemento mais fraco dela, por não dispor do controle sobre a produção dos produtos, consequentemente acaba se submetendo ao poder dos detentores destes, no que surge à necessidade da criação de uma política jurídica que busque a minimização dessa disparidade na dinâmica das relações de consumo.

A vulnerabilidade, qualidade ontológica (essencial, nuclear, intrínseca) e indissociável do consumidor numa relação de consumo, de acordo com o conceito legal preceituado pelo art. 2° da Lei 8.078/90, independentemente da sua condição social, cultural ou econômica, seja ele consumidor-pessoa jurídica ou consumidor-pessoa física.

Deve-se notar também que, a vulnerabilidade do consumidor não se confunde com a hipossuficiência, que é uma característica restrita a determinados consumidores, que além de presumivelmente vulneráveis são também, em sua situação individual carentes de condições culturais ou materiais, como por exemplo, os analfabetos quando se encontram diante de uma situação em que podem assinar um contrato de plano de saúde sem os devidos esclarecimentos a respeito de suas cláusulas contratuais contidas no corpo contratual, ou então, crianças que são expostas diariamente aos diversos anúncios de chocolates, entre outros alimentos supérfluos em que o exagero no consumo destes podem levá-las a ter vários problemas no seu desenvolvimento natural, por estarem desprovidas de outros indispensáveis alimentos em sua dieta.

Com precisão, Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin (1991, p. 224-225) demonstra a diferença entre a vulnerabilidade e hipossuficiência:

A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns - até mesmo a uma coletividade - mas nunca a todos os consumidores.

Diante disso temos que, numa hipotética situação, determinado médico neurocirurgião de grandes títulos durante a carreira, ao levar um automóvel seu numa oficina mecânica para a realização de reparos no veículo, pode ser considerado vulnerável frente ao fornecedor (neste caso, a oficina mecânica prestadora do serviço), por não conhecer nada a respeito de mecânica de motores automotivos.

Além destas constatações, observa-se também que o princípio da vulnerabilidade de acordo com Nelson Nery Júnior (1991, p. 320) que "permeia as relações de consumo está em verdade a dar realce específico, ao princípio constitucional da isonomia, dispensando-se tratamento desigual aos desiguais". Todavia, esta expressão "tratamento desigual aos desiguais" de Aristóteles, é insuficiente para desate do problema. Sem fazer contestação ao teor do que nela se contém e reconhecendo, sua validade como ponto de partida, segundo Celso Antônio Bandeira de Melo (2002, p. 11): "deve-se negar-lhe o caráter de termo de chegada, pois entre um e outro extremo serpeia um fosso de incertezas cavado sobre a intuitiva pergunta que aflora ao espírito: Quem são os iguais e quem são os desiguais?"

E de acordo com Hans Kelsen (1998, p. 207) têm-se as seguintes condições:

A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direito sem fazer distinção entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres.

Sob esta ótica, se percebe que é mister da Lei 8.078/90 colocar em equilíbrio jurídico o consumidor e fornecedor, já que este é a parte detentora dos mecanismos que induzem aquele, ao consumo tanto básico quanto exagerado, ao colocá-lo sob um intenso bombardeamento de anúncios, além de deter o processo tecnológico da fabricação de seus produtos.

Daí o porquê se parte do princípio da fraqueza manifesta do consumidor no mercado, não apenas sobre o aspecto técnico, mas também sob o aspecto econômico, para armá-lo de certos instrumentos para que ele possa melhor defender-se.

2.5. O Princípio do Dever Governamental - Art. 4°, II, VI e VII

Este princípio, elencado nos incisos II, VI e VII do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor, dever ser compreendido sob dois principais aspectos. O primeiro é o da responsabilidade atribuída ao Estado, enquanto sujeito máximo organizador da sociedade, ao prover o consumidor, seja ele pessoa jurídica ou pessoa física, dos mecanismos suficientes que proporcionam a sua efetiva proteção, seja através da iniciativa direta do Estado (art. 4°, II, "b") ou até mesmo de fornecedores, dos mais diversos setores e interesses nas relações consumeristas.

O segundo aspecto é o enfoque sob o "princípio do dever governamental", em que é dever do próprio Estado de promover continuadamente a "racionalização e melhoria dos serviços públicos" (art. 4°, VIII), ao surgir aqui a figura do Estado-fornecedor além de suas eventuais responsabilidades.

2.6. Princípio da Garantia da Adequação - Art. 4°, II, "D" e V

É o princípio que emana a necessidade da adequação dos produtos e serviços ao binômio, qualidade/segurança, atendendo completamente aos objetivos da Polícia Nacional das Relações de Consumo, elencado no caput do art. 4°, consistente no atendimento dos eventuais problemas dos consumidores, no que diz respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos e a melhoria da sua qualidade de vida.

A concretização desse princípio, diz respeito ao binômio, qualidade/segurança, que é o fim perseguido pelo sistema de proteção e defesa do consumidor, fica a cargo do fornecedor que será oficialmente auxiliado pelo Estado, a quem está incumbido o dever de fiscalização, que é uma outra atribuição do "princípio de dever governamental" o qual já se expôs.

Preocupadas com tais aspectos, várias empresas, têm criado os conhecidos "departamentos de atendimento ao consumidor", que demonstram uma dupla atribuição: - ao mesmo tempo que recebem reclamações de determinados produtos ou serviços, também recebem valiosas sugestões de consumidores, instruindo-os em como melhor servi-los, o que contribui de maneira inteligente para o desenvolvimento das próprias atividades empresariais.

Atualmente, fala-se muito na chamada "qualidade total", demarcando o Código que as empresas deverão ser incentivadas para a criação de mecanismos eficazes de controle de qualidade de produtos e serviços, uma vez que o Código do Consumidor é adepto do princípio da "responsabilidade objetiva", aliada à inversão do ônus da prova (como este assunto não é a proposta de discussão do presente trabalho, não irá se discuti-lo aqui), indica que a prevenção de danos é a política que deve ser prioritariamente buscada pelas empresas.

Por fim, vale ressaltar também que o princípio da garantia de adequação contido no art. 4°, II, "d" e V do Código do Consumidor encontra-se amparado pela inteligência dos art. 8° parágrafo único e art.10° §1°, §2° e § 3° do mesmo diploma, in verbis, respectivamente:

Art. 8° Os produtos e serviços no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.

Art. 10° O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

§ 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores mediante anúncios publicitários.

§ 2° Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.

§ 3° Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.

2.7. Princípio da Boa-Fé nas Relações de Consumo - Art. 4°, III e VI

Este princípio nas relações de consumo, que traz uma carga significativa de regra geral de comportamento, está expressamente referido no inciso III, do art. 4°, e, de certa maneira, encontra-se difundido em grande parte dos dispositivos do Código do Consumidor, desde a instituição de seus direitos básicos (art. 6°), percorrendo pelo capitulo referente à reparação por danos pelo fato do produto, e, orientando basicamente os capítulos referentes às práticas comerciais, a publicidade, e a proteção contratual, merecedora de especial destaque de acordo com o inciso IV do art. 51. do Código do Consumidor, que considera nulas de pleno direito cláusulas contratuais que "sejam incompatíveis com a boa-fé e eqüidade".

A harmonia das relações de consumo e a transparência, indicadas no caput do art. 4° como um dos escopos da Política Nacional das Relações de Consumo, serão o resultado da conduta geral da boa-fé, que deve ser buscada pelos dois pólos componentes das relações de consumo: consumidor e fornecedor, mesmo que ocupem posições antagônicas frente ao conflito de seus interesses.

Nesse sentido, os componentes da relação consumerista devem buscar o objetivo comum de melhor e com mais eficiência, fazer circular produtos e serviços com objetivo da geração de riquezas e benefícios a todos os integrantes do mercado de consumo.

Será a boa-fé, nos dizeres de Silvio Rodrigues (2002, p. 60): "um conceito ético, moldado nas idéias de proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar."

Como se pode perceber, o primado básico da boa-fé será "o princípio máximo orientador do CDC" (MARQUES, 2002, p. 671), e é através deste princípio nuclear que não apenas os pólos atuantes da relação de consumo, devem se localizar no momento do ato de consumo, mas até a própria legislação consumerista sofre reflexos dele, como por exemplo, "o princípio da transparência (art. 4°, caput) que não deixa de ser um reflexo da boa-fé exigida aos agentes contratuais." (MARQUES, 2002, p. 671)

2.8. Princípio da Informação - Art. 4°, IV e VIII

Antes de se iniciar este tópico, necessário é citar a importância da informação de acordo com o jurista Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (2002, p. 255), em que este revela um importante pensamento a respeito da informação: "Não há sociedade sem comunicação de informação. A história do homem é a história da luta entre idéias, é o caminhar dos pensamentos. O pensar e o transmitir o pensamento são tão vitais para o homem como a liberdade física".

Como se vive num mundo globalizado em que a tecnologia a cada dia que passa caminha a passos cada vez mais largos, percebe-se que a informação circula com maior velocidade por estar difundida nos mais variados meios de comunicação que a massificam com muito mais intensidade, fazendo com que a informação passe "a ter uma relevância jurídica antes não reconhecida" (DE CARVALHO, 2002, p. 256).

Será deste interesse jurídico, o de saber melhor no ato da decisão, "para que o homem não seja levado a assumir comportamentos que não correspondam a uma perfeita compreensão da realidade" (DE CARVALHO, 2002, p. 256), que o direito de informação existirá expressamente no Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, com o objetivo de coibir que os cidadãos sejam levados a consumir pela ilusão, e não através da realidade.

Desse modo será a informação, o elemento regente da Lei 8.078/90 ao ter como corolário a educação.

Matérias que se referem a educação, divulgação, publicidade, informação dentre outros, são objetivos em parte do Código do Consumidor, com várias normas dispostas a destacar a extrema cautela com que tais temas devam ser encarados. Por um dos princípios adotados pelo Código de caráter acessório, o "princípio da veracidade", em que o fornecedor deve sempre prestar informações sobre produtos ou serviços de quaisquer natureza que ele ofereça no mercado, constata-se a presença deste princípio em inúmeros artigos do código, além do art. 4°, tais como; o art. 6° (dos direito básicos do consumidor); arts. 8° e 10° (citados no tópico referente ao princípio da garantia de adequação); arts. 18, 19 e 20 (vício do produto); arts. 30, 31 e 35 (oferta); arts. 36, 37 e 38 (publicidade e marketing); 43 e 44 (bancos de dados e cadastros); art. 56. (sanções administrativas); por fim, os arts. 60, 63, 64, 66, 67 e 72 (infrações penais).

Todavia há de ressaltar-se que, independentemente da preocupação que os redatores da lei consumerista brasileira tiveram com a informação, esta só poderá ser estendida aos cidadãos de maneira mais eficiente, se as autoridades derem mais atenção a educação básica, que é uma condição indispensável para o completo exercício da cidadania.

Uma proposta a esta problemática, seria a introdução, ou melhor dizendo, reintrodução da disciplina de educação moral e cívica nos currículos escolares de 1° e 2° graus, com o objetivo de fazer com que crianças e adolescentes comecem a criar uma cultura para melhor consumirem e orientarem seus pais, durante o ato de consumo, como por exemplo, saber avaliar a qualidade do produto além de suas condições de higiene, suas condições de exposição para venda, dos componentes artificiais, do valor calórico dos alimentos que devem estar dispostos numa tabela nutricional impressa no rótulo das embalagens, o prazo de validade para consumo dos produtos, dentre outros aspectos de cunho sócio-econômico.

Todavia Hélio Jaguaribe (apud, ALVIM, A.; ALVIM, T.; ALVIM, E.; SOUZA, J. 1995, p. 48-49) chama atenção desta questão social da seguinte maneira:

O Brasil tem demonstrado capacidade para mobilizar forças e enfrentar problemas sociais. Em tempos recentes, as comunicações, o programa do álcool, as hidrelétricas, a industrialização diversificada, a produção de grãos e a ampliação do comércio exterior, em diferentes setores, constituíram provas eloqüentes dessa afirmação. A educação do povo, entretanto, sendo questão da mais transcendente magnitude - pois dela também o equacionamento de todos os problemas, incluindo os políticos, sociais e econômicos - não tem acompanhado sequer as exigências mínimas do país, apesar de ser dever imperioso da nação para com seus filhos e garantia de seu próprio bem-estar.

Concluindo, independentemente do instrumento jurídico que se tenha, por mais avançado que seja, acabará sempre se esbarrando nos problemas sociais, ou seja, na carência cultural que acompanha a população brasileira. Daí que várias empresas, sejam elas multinacionais ou nacionais acabam, na maioria das vezes, se aproveitando da ignorância alheia ao construir seus megaimpérios econômicos centralizadores de preços e extintores de quaisquer modalidades de concorrência nos mercados.

2.9. Princípio do Acesso à Justiça

Primeiramente, far-se-á um breve relato deste princípio no campo constitucional do qual ele emana através do art. 5°, inc. XXXV da Constituição Federal de 1988 in verbis: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", e segundo Nelson Nery Jr. (2002, p. 98) tem-se: "Embora o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão".

Isto significa que todos têm direito do acesso à justiça para pleitear a tutela jurisdicional reparatória ou preventiva, no que diz respeito a um direito. Contemplando-se aqui tanto direitos individuais quanto coletivos.

Todavia, este princípio não está expresso nos incisos do art. 4° do CDC, mas ele se reveste de suma importância, a partir do momento em que o legislador do diploma consumerista, teve como uma de suas grandes preocupações a busca pela criação de novos mecanismos, que pudessem facilitar ainda mais o acesso dos cidadãos à justiça, como um meio de defesa de seus direitos, daí se observarão consubstanciados em vários artigos do código alguns desses caminhos.

E para que o consumidor se atenha desta efetividade, conforme Arruda Alvim (1990, p. 31) ensina em termos processuais:

a palavra ''efetividade'' alcança uma conotação principalmente sociológica e não meramente jurídico-formal, mas no sentido de que o que conta, em última análise, não é tanto a existência de uma normatividade completa e lógica, em que todos os direito são protegidos pela letra da lei e pelo sistema, mas tão somente aparentemente funcional, pois na verdade, normatividade jurídica, ainda que exaustiva, não é suficiente para satisfazer às aspirações sociais dos segmentos numericamente predominantes e desprotegidos da sociedade.

Antes de se prosseguir com o estudo deste princípio, vale a pena diferenciar o que são as concepções jurídico-formais, das concepções jurídico-materiais, apresentadas pelos autores, Antônio Carlos de Araújo Cintra; Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (1999, p. 40), em que a primeira é "o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, ou seja, o complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho", já a segunda, é "o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida (direito civil, penal, administrativo, comercial, tributário, etc.)".

A necessidade de se dar efetividade ao processo, e facilitação ao acesso à justiça, demandou que se fortalecesse o consumidor, ao inseri-lo numa ordem mais ampla a partir do instante em que se construiu mecanismos processuais que davam tratamento coletivo de pretensões individuais, que se agissem isoladamente pouquíssimas condições teriam de obterem um resultado mais satisfatório.

E por mencionar o "tratamento coletivo", destaca-se brevemente as ações coletivas de modo geral, que visam a tutela dos interesses difusos (art. 81, parágrafo único, I do CDC), interesses coletivos (art. 81, parágrafo único, II do CDC) e os interesses individuais homogêneos de origem comum (art. 81, parágrafo único, III do CDC).

Como dissertado um pouco atrás, em que o princípio do acesso à justiça não se encontra expresso na redação do art. 4° do Código do Consumidor, mas sim exposto por outras normas do mesmo diploma, exemplo deste caso é o que acontece com o art. 6° inc. VII, in verbis: "Art. 6°, inc. VII: o acesso aos órgãos judiciários e administrativo com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;" do Título III do CDC que cuida da defesa do consumidor em juízo, ao oferecer a oportunidade de fazer valer seus interesses, inclusive, como já se observou no inc. VII supra citado, de natureza coletiva, e "mediante a ação de órgãos e entidades com legitimidade processual para tanto, sem prejuízo dos pleitos de cunho nitidamente individuais" (FILOMENO, 2001, p. 127).

Por fim, com a criação de instrumentos adequados para a proteção do consumidor, nascem dois planos distintos de incidência. O primeiro, se relaciona às possibilidades que se criam para a efetivação da proteção do consumo em juízo, ao contribuir para que se extraia resultados claros e objetivos pertinente ao direito de consumo. A segunda incidência não decorre do uso destes mecanismos em juízo, mas simplesmente de sua potencialidade de uso, ao clamar pela importância da mudança de mentalidade do consumidor, a partir do momento em que ele irá pressionar cada vez mais o Estado, no intuito de conseguir a tutela específica exigidas pelas relações de consumo, que demandam maior agilidade por parte dos órgãos públicos, armando o consumidor do seguinte slogan de que "quem reclama sempre alcança".

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Sobre o autor
Henrique Alves Pinto

Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Pesquisador bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), Visiting Researcher no Tereza Lozano Long Institute of Latin American Studies (LLILAS), da University of Texas at Austin

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Henrique Alves. Princípios nucleares do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e sua extensão como princípio constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 218, 5 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4792. Acesso em: 22 nov. 2024.

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