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A colaboração premiada atualizada: reflexos da Lei n° 12.850/2013 no processo penal brasileiro

A colaboração premiada atualizada: reflexos da Lei n° 12.850/2013 no processo penal brasileiro

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Estudo a respeito da colaboração premiada, abordando a criminalidade organizada; a evolução legislativa sobre o instituto; sua utilização como instrumento de investigação e produção probatória; os aspectos procedimentais; e as polêmicas correlatas.

RESUMO

 O presente trabalho tem o escopo de desenvolver um estudo a respeito da colaboração premiada no Brasil, após o advento da Lei nº 12.850/13. Inicialmente, contextualiza o estudo no âmbito do combate à criminalidade organizada, discorrendo-se sobre suas características, o histórico da evolução legislativa no Brasil e no mundo, bem como analisa a perspectiva de sucesso da colaboração premiada como instrumento de investigação e produção probatória. A seguir, destaca as inovações procedimentais e o estabelecimento detalhado de requisitos e benefícios ao colaborador. Por fim, aprofunda a análise dos aspectos polêmicos correlatos ao tema, que envolvem desde a consolidação da justiça negociada no Brasil, até a refutação das alegadas inconstitucionalidades da norma.

PALAVRAS-CHAVE: Colaboração Premiada. Crime Organizado. Justiça Negociada. Métodos de investigação. Constitucionalidade da Lei nº 12.850/13.

ABSTRACT

 This work develops a study about the witness immunity in Brazil, after the enactment of Law 12.850/13. Firstly, there is a contextualization with fight against organized crime, discoursing on their characteristics, the history of legal developments in Brazil and on the world, as well as analyzes the collaboration prospect of success awarded as a research tool and probative production. Proceeds highlighting the procedural innovations and the detailed establishment of requirements and benefits to the collaborator. Finally, deepens the analysis of the controversial aspects related to the issue, involving the consolidation of plea bargain in Brazil, until the refutation of the alleged unconstitutionality of the law.

KEYWORDS: Witness Immunity. Organized Crime. Plea Bargain. Retroactive lapsing. Research method. Constitutionality of the law 12.850/13.

 

INTRODUÇÃO

  

A segurança pública é talvez, hodiernamente, a mais problemática das funções estatais, haja vista a notória incapacidade do Estado em lidar com a criminalidade, e todos os efeitos sociais dela decorrentes. O enfrentamento do problema resta prejudicado, principalmente, pela inexistência de um planejamento estrutural, que envolva desde a elaboração dos projetos de Lei até a execução das penas; das atribuições do Executivo na prevenção, às funções punitivas do Poder Judiciário, em todos os âmbitos federativos.

Por outro prisma, observa-se eficiente o fenômeno da descodificação, em que se prioriza a construção de microssistemas, para o enfrentamento mais direcionado de questões específicas. Neste contexto se insere a Lei n° 12.850/2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, as infrações penais correlatas e o procedimento criminal.

A Lei do Crime Organizado introduz em nosso ordenamento tanto o conceito quanto a tipificação da organização criminosa, dispondo ainda sobre métodos de investigação criminal e produção probatória. Neste estudo, prioriza-se a análise da regulamentação da colaboração premida, já prevista anteriormente em nosso ordenamento jurídico pela Lei n° 9.034/1995, assim como em outras leis subsequentes sob a alcunha de delação premiada.

Destaca-se, em relação às normas anteriores, a regulamentação de forma mais detalhada do seu procedimento, de seus requisitos, e dos benefícios conferidos ao colaborador, especificamente para as infrações cometidas no âmbito das organizações criminosas, mas com ampla possibilidade de utilização em situações abrangidas por outras leis, por analogia.

Posta assim a questão, é primordial que se proceda ao estudo pormenorizado da nova Lei, que muito tem a contribuir para o combate à criminalidade. A análise crítica dos institutos por ela trazidos, especialmente a colaboração premiada, tem por função auxiliar o manuseio destes pelos operadores jurídicos.

É inegável que o instituto pode se mostrar um eficiente mecanismo estatal para a desestruturação das organizações criminosas, alcançando-se resultados que não seriam possíveis por outros meios, tais como a identificação de seus integrantes, a revelação de sua estrutura hierárquica, a sua divisão interna de tarefas, e até mesmo a “implosão psicológica” do grupo, visto que pode resultar na perpétua desconfiança recíproca de seus membros.

Assim, por se tratar de uma lei recente, há um campo fértil para o desenvolvimento doutrinário, haja vista a inexpressiva quantidade de julgados até então proferidos (considerando-se a complexidade das investigações e dos processos que envolvem organizações criminosas), e a existência de toda sorte de considerações e hipóteses, de cunho jurídico e social, a serem analisadas.

É mister que se atente às críticas realizadas por criminalistas ao instituto, dentre as quais se destaca a resistência à maior abertura da dita justiça negociada (plea bargaining no direito americano), ampliando o rol de exceção ao princípio da indisponibilidade da ação penal — em que já consta a transação penal da Lei nº 9.099/1995.

Não menos importante, relata-se também uma possível inconstitucionalidade da renúncia ao silêncio, e a atribuição do delegado de polícia, estabelecida pela Lei em questão, para propositura e formalização do acordo de colaboração premiada, haja vista a titularidade exclusiva do Ministério Público para formação da opinio delicti.

Questiona-se ainda, por um viés, a moralidade da colaboração premiada, visto que o Estado utiliza-se, para a persecução de seu direito de punir, de um ato de “traição” do colaborador; e por outro, o enfraquecimento das atividades investigativas, servindo o instituto a provocar a falta de zelo das instituições responsáveis em formar um corpo probatório mais robusto e seguro, confiando-se nas informações provenientes do colaborador, ou até a seguir uma linha investigativa errônea, propósito almejado dolosamente pelo membro da organização criminosa.

As outras considerações dizem respeito às divergências oriundas da interpretação dos artigos da norma, que transitam desde meras divergências teóricas, sem efeito prático, até a discordância quanto a entendimentos que interferem de maneira substancial na aplicabilidade prática da colaboração premiada, como é o caso da eventual vinculação — ou não — do Poder Judiciário ao acordo celebrando entre as partes.

Destarte, tem-se que a análise crítica da inovação legislativa é essencial para a correta aplicação de seus dispositivos, para a verificação de seu encaixe nos ordenamentos constitucional e criminal brasileiros, bem como a sua aptidão para atender satisfatoriamente ao objetivo de auxiliar a investigação criminal.

 

  1. O COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

 

1.1       CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO

 

 

O crime organizado não possui uma faceta homogênea, tornando difícil o apontamento das caraterísticas uniformes que o permeiam. Mesmo no imaginário popular, existem diversos arquétipos que costumam ser atrelados à criminalidade organizada, como são exemplos a máfia italiana (a qual, em si mesma, sofreu transmutação no decorrer dos séculos, como foi a passagem da era das famiglias até a ditadura de Provenzano e Riina na Sicília[1]), e a máfia americana pós-Lei Seca, em que é representante simbólico Al Capone.

Ainda vêm à mente a máfia japonesa Yakuza, as Tríades Chinesas, os Cartéis do narcotráfico na América do Sul, com destaque para o Cartel de Medellín na Colômbia e a organização terrorista Los Zetas, no México, e as facções brasileiras Comando Vermelho e PCC – Primeiro Comando da Capital.

No Brasil, aponta-se que a tradicional máfia oriunda do jogo do bicho[2], criado pelo Barão de Drummond para salvar o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, mas que passou ao controle dos “banqueiros” do jogo, cujo poder se ampliou pela proibição da atividade, levando à corrupção de agentes públicos e diversificação de atividades na área de entretenimento, principalmente.

Outra faceta da criminalidade nacional surgiu da associação de presidiários, dentre as quais se destacam o Comando Vermelho, surgido na década de 70, na cidade do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), formado em 1993, na cidade de São Paulo. Explica Flávia Ribeiro:

 

O Comando Vermelho tem raízes nos anos 1970, quando bandidos comuns conviveram com presos políticos na prisão de ilha Grande e aprimoraram suas técnicas. Entre seus mentores estavam William da Silva Lima e José Carlos Encina, o Escadinha. Rachas levaram à formação dos outros grupos. Nos últimos 30 anos, as facções se encastelaram nas favelas cariocas, apavorando nas guerras por território. Desde 2008, as comunidades têm sido ocupadas por unidades de polícia pacificadora, precedidas por ações das tropas de elite do Bope. O tráfico de drogas no Rio movimenta cerca de 630 milhões de reais por ano.

Já o PCC, surgiu em 1993, organizado por oito detentos do Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté. Hoje, seu líder é Marcos Camacho, o Marcola. Em seu estatuto há 16 itens, inclusive um que determina a lei do silêncio, como a omertà italiana. O PCC assassina juízes e policiais e comanda 90% dos presos de São Paulo. Seus chefes controlam o crime de dentro das prisões, com celulares e a ajuda de advogados comprados. Em maio de 2006, mostrou toda a sua força ao promover rebeliões simultâneas em dezenas de presídios e o caos nas ruas da capital paulista.[3]

 

Eduardo Araújo da Silva[4], que apresenta um admirável estudo da origem e evolução das organizações criminosas e suas áreas de atuação pelo mundo, aponta que muitas dessas mais tradicionais surgiram como movimento de proteção contra arbitrariedades praticadas pelo Estado, em detrimento das classes mais humildes e desamparadas de serviços públicos, motivo pelo qual conseguiram se desenvolver com o apoio da comunidade circundante.

Nesse ponto, há diversa semelhança com organizações atuais, que transitam, a todo momento, do poder paralelo ao Estado, à provedor social da comunidade em que estão inseridas, como se observa nos morros cariocas.

Comum, de igual forma, é a transição de atividades lícitas (ou não proibidas) para as atividades ilícitas. Assim ocorreu na transição de atuação das Tríades Chinesas do ópio para a heroína, por exemplo. No caminho reverso, as organizações criminosas costumam também expandir seus negócios para atividades lícitas, com o intuito de lavar dinheiro, aumentar a influência social e mesmo multiplicar seus lucros.

O crescimento das máfias está ligado, outrossim, às ações terroristas, das quais a maioria se utilizam como atos simbólicos de afirmação ou demonstração de força; com a crescente influência econômica e política; e com o tráfico internacional de entorpecentes, armas, pessoas, animais silvestres, peças de arte, e tudo quanto possa gerar lucros. Arremata o autor:

 

Notam-se, portanto, alguns traços comuns entre as diversas origens das organizações criminosas nos diferentes países: a maioria teve como nascedouro movimentos populares, o que facilitou sobremaneira a sua aceitação na comunidade local, assim como o recrutamento de voluntários para o exercício de suas posteriores atividades ilícitas; muitas delas passaram a atuar no vácuo de algumas proibições estatais (exploração da prostituição, jogos de azar, venda de entorpecentes e de armas sofisticadas); contaram com a conivência de agentes do Estado para o desenvolvimento de suas atividades ilícitas; e impuseram sua lei pelo emprego da ameaça e violência, voltada sobretudo para delatores e integrantes de grupos concorrentes.

 

Convém destacar, ainda, as características gerais apontadas no estudo, quais sejam, a acumulação de poder econômico (um quarto de dinheiro em circulação do mundo, em estimativa), o alto poder de corrupção, em relação a todos os poderes estatais, a necessidade de “legalizar” o lucro obtido licitamente, o alto poder de intimidação (com destaque para a imposição da “lei do silêncio” e a tortura em relação ao membro — e familiares — que prejudicar a organização), as conexões locais e internacionais, a estrutura piramidal e sua relação com a comunidade.

Nesse trabalho, interessa sobretudo a estrutura piramidal e/ou empresarial das organizações criminosas, visto que a colaboração premiada tem, como um dos objetivos, a revelação dessa estrutura, da divisão de tarefas, das áreas de atuação e dos membros componentes. Sobre essa faceta, é precisa a lição de Vicente Greco Filho:

 

Na atualidade, a preocupação maior é a dos crimes praticados por intermédio de empresas, como os delitos contra a ordem econômica, prevendo-se, inclusive, a criminalização da pessoa jurídica. E, sem dúvida, os crimes praticados por organizações criminosas como o tráfico de drogas, o tráfico ilícito de armas, tráfico de seres humanos, a lavagem de dinheiro etc., verdadeiras empresas criminais que constituem real e altamente danoso poder paralelo ao regular poder do Estado, e que pode não se limitar a fronteiras constituindo a chamada criminalidade transnacional.[5]

 

O autor da classificação também explica a forma como as organizações criminosas costumam se organizar:

 

A divisão de tarefas nesses grupos segue a estrutura empresarial, pois na sua base há um elevado número de ‘soldados’, responsáveis pelas mais variadas atividades, os quais são gerenciados regionalmente por integrantes de média importância que, por sua vez, são comandados e financiados por um boss, que não raras vezes se utiliza de sofisticados meios tecnológicos para integrar todos os seus membros.[6]

 

É relevante também a transnacionalidade, problema que movimentou a comunidade internacional a realizar convenções e celebrar tratados, com o intuito de buscar caminhos para o combate sistemático e cooperativo entre as nações, já que as organizações criminosas possuem fácil transição entre elas, dificultando consideravelmente a atuação isolada de cada uma.

Outrossim, a Lei das Organizações Criminosas destaca essa particularidade ao prever, em seu art. 1º, § 1º, o caráter transnacional como hipótese alternativa à prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos. Ou seja, a simples constatação da transnacionalidade é suficiente para a incidência da lei, ainda que as infrações apuradas não alcancem o patamar mínimo indicado, percebendo-se com isso a gravidade genérica que a lei empresta ao atributo.

Nesta esteira, a título de esclarecimento, o caráter transnacional mencionado no fim do dispositivo refere-se aos crimes cometidos pelas infrações criminosas, questão que ganha relevância quando confrontada com o teor do §4º do art. 2º [7], uma vez que este prevê, como causa de aumento de pena se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização. É o que explicam Eduardo Luiz Santos Cabette e Marcius Tadeu Maciel Nahur:

 

Ocorre que nem toda organização criminosa terá de ser necessariamente transnacional, essa característica é meramente acidental no conceito erigido pelo legislador no artigo 1º, § 1º, da lei de regência. Pode haver tranquilamente organizações criminosas não transnacionais. Observe-se que o § 1º, arrola uma série de características (...). Somente até ai já está caracterizada uma organização criminosa, a qual pode ser ou não transnacional. Depois de todas essas características, vem então o legislador e, de forma facultativa diz: “o que sejam de caráter transnacional”. Aqui o legislador se refere às infrações penais, que, sendo de caráter transnacional, não precisarão ter penas máximas acima de 4 anos, poderão ser inclusive contravenções. Ora, a transnacionalidade claramente é elemento obrigatório do conceito de Organização Criminosa mas meramente acidental. Não constitui a “essência” do conceito. Dessa maneira é incorreto afirmar que o aumento de pena sob comento constitui “bis in idem”. (...)Dessa forma é mais justo que uma organização criminosa transnacional seja mais rigorosamente apenada do que uma de caráter local, estadual, regional ou nacional. O equívoco de Nucci está em entender que somente haverá organização criminosa se a atividade for transnacional, como se a transnacionalidade fosse um elemento essencial do conceito de organização criminosa, quando não o é, mas apenas um elemento acidental e, inclusive, de parca incidência prática.[8] (grifos nossos)

 

Ademais, o §2º direciona a aplicação da lei também às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; e às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

Pois bem, retornando às particularidades das organizações criminosas, verifica-se estas que tendem a tornar ineficazes os métodos tradicionais de combate ao crime, quando a elas aplicados. O alto poder econômico e alto poder de corrupção, principalmente, aliados às peculiaridades do mundo moderno, no qual a circulação de capitais, bens e pessoas facilitam a operação de atividades ilegais, demandam, necessidade de adoção de técnicas diferenciadas pelo Estado.

Nesse sentido, destaca Vicente Greco Filho:

 

Não se quer dizer que desapareceram os crimes contra bens jurídicos individuais nem que tenha desaparecido o crime individual. O que ocorre é que o Direito Penal ainda não encontrou resposta adequada às modalidades modernas de criminalidade, constatando-se que os países ocidentais de influência mundial têm adotado medidas especiais em face delas, medidas essas que são, queiram ou não queiram, a aceitação de que certa criminalidade se põe como um poder paralelo, um Estado paralelo que rejeita o Estado regular e que, portanto, precisa ser combatido com medidas especiais.[9]

 

Também discorre sobre o assunto Juan Muñoz Sanches[10], para o qual a mudança de paradigma constatada, qual seja, da criminalidade individual à criminalidade organizada, levou as instituições policiais a buscarem novos métodos de investigação, já que esta “se serve de meios logísticos modernos e está fechada ao ambiente exterior, em certa medida imune aos meios tradicionais de investigação (observações, interrogatórios, estudos dos vestígios deixados)”.

Nesse cenário, é imperioso que o Estado tome a frente da situação, rechaçando-se a inércia e se desprendendo de tradicionalismos jurídicos, mormente quando os antigos paradigmas comprovadamente não alcança bons resultados seguindo.

 


1.2       A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL

 

 

O principal instrumento global de combate ao crime organizado transnacional é a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo. Foi aprovada pela Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas em 15 de novembro de 2000, data em que foi colocada à disposição dos Estados-membros para assinatura, e entrou em vigor no dia 29 de setembro de 2003[1]. Cumpre informar que, no Brasil, a Convenção foi promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004.

Segundo consta do sítio eletrônico do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime - UNODC, a Convenção é complementada por três protocolos que abordam áreas específicas do crime organizado, quais sejam, o Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças; o Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea; e o Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e munições.

Consta ainda a informação que, até agora, 185 (cento e oitenta e cinco) países aderiram à Convenção de Palermo[2], um número expressivo e que representa um passo importante na luta contra o crime organizado transnacional. Significa, sobretudo, o reconhecimento da gravidade do problema, bem como a necessidade de promover e de reforçar a estreita cooperação internacional a fim de enfrentar o crime organizado transnacional.

Os países que ratificaram este instrumento se comprometem a adotar uma série de medidas contra o crime organizado transnacional, incluindo a tipificação criminal na legislação nacional de atos como a participação em grupos criminosos organizados, lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução da justiça.

A tipificação da criminalidade organizada foi um grande desafio. Eduardo Araújo da Silva explica que a adoção isolada de cada um dos critérios conceituais usados para tentar definir o crime organizado não se mostrava suficiente para delimitar, com segurança, um conceito deste. Ademais, o autor destaca a explicação de Andrea R. Castaldo:

 

(...) o Direito Penal clássico encontra forte resistência para modelar a própria estratégia de prevenção e repressão do crime organizado, pois o modelo tradicional de ilícito penal era historicamente concentrado em um delito de evento ‘monossubjetivo’, lesivo de bens jurídicos individuais. O crime organizado, pelo contrário, é por definição crime associativo, que pouco se exterioriza através de comportamentos lícitos, agressivos de interesses supraindividuais e imateriais, emergente de uma organização ramificada e presente no território graças à conivência dos poderes institucionais.[3]

 

No Brasil, inaugurou a legislação voltada ao crime organizado a Lei n° 9.034/95, que dispunha sobre os meios operacionais para a prevenção e repressão praticada por organizações criminosas. Contudo, a sua incompletude gerou diversas e contundentes críticas, pois somente indicava os meios de investigação e formação de provas (dentre as quais a colaboração espontânea do agente), sem detalhar adequadamente seus procedimentos, inviabilizando a sua utilização a contento. Não obstante, também foi omissa na conceituação de organização criminosa. Merecem transcrição as considerações de Eduardo Araújo da Silva:

 

Assim, não partiu de uma noção de criminalidade organizada, não definiu crime organizado através de seus elementos essenciais, não arrolou as condutas que constituiriam a criminalidade organizada e nem procurou aglutinar essas orientações para delimitar a matéria. Optou apelas e tão somente, num primeiro momento, por equiparar a organização criminosa às ações resultantes de quadrilha ou bando (art. 1º).

À época da edição da lei as críticas pela unanimidade da doutrina quanto à insuficiência do critério adotado pelo legislador brasileiro foram inevitáveis, que o considerou ao mesmo tempo ampliativo e restritivo.[4]

 

Nesta esteira, restava emprestar o conceito da Convenção de Palermo, em cujo artigo 2, alínea a, constava um conceito de grupo criminoso organizado. Esta integração, contudo, gerava problemas de ordem prática, como a caracterização de crime antecedente a que se refere o art. 1º, inciso VII, da Lei nº 9.613/98, que tipifica a lavagem de dinheiro. Embora aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, foi refutada pelo Supremo Tribunal Federal[5], para o qual o conceito da Convenção de Palermo, introduzida no Brasil por Decreto, não era suficiente gerar a tipicidade ali demandada.

Também mencionou organização criminosa, sem conceituar, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), surgindo uma conceituação legal, finalmente, na Lei nº 12.694/12, que dispõe sobre o processamento e julgamento em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organização criminosa. O art. 2º, entretanto, foi revogado pela Lei nº 12.850/13, que modificou o conceito (os demais artigos permanecem vigentes).

A Convenção de Palermo também prevê que os governos adotem medidas para facilitar processos de extradição, assistência legal mútua e cooperação policial. Adicionalmente, devem ser promovidas atividades de capacitação e aprimoramento de policiais e servidores públicos no sentido de reforçar a capacidade das autoridades nacionais de oferecer uma resposta eficaz ao crime organizado.

Outras importantes medidas indicadas pela Convenção de Palermo são a adoção de medidas legislativas para caracterizar como infração penal a lavagem do produto do crime, a corrupção de agentes públicos, e o confisco e a apreensão de produtos do crime.

Por fim, merece maior destaque nesse estudo o norte que a Convenção dá aos países signatários acerca das técnicas especiais de investigação, dentre as quais a infiltração policial, a criminalização de obstrução à justiça, a proteção das testemunhas, a entrega vigiada e principalmente, a indicação de medidas para intensificar a cooperação com as autoridades competentes para a aplicação da lei, que nada mais são que a colaboração premiada. Sobre essa última, transcrevemos os trechos abaixo:

 

Artigo 26 - Medidas para intensificar a cooperação com as autoridades competentes para a aplicação da lei:

1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as pessoas que participem ou tenham participado em grupos criminosos organizados:

a) A fornecerem informações úteis às autoridades competentes para efeitos de investigação e produção de provas, nomeadamente:

i) A identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos criminosos organizados;

ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos organizados;

iii) As infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou poderão vir a praticar;

b) A prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades competentes, susceptível de contribuir para privar os grupos criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime.

2. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, nos casos pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um arguido que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção.

3. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, em conformidade com os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico interno, de conceder imunidade a uma pessoa que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção.

 

Assim, necessário reconhecer que a colaboração premiada é consagrada como eficiente técnica de investigação e produção probatória, e que deve ser adotada por todos os países aderentes à Convenção de Palermo, cumprindo o seu mister de reduzir os efeitos nefastos do crime organizado.

 

 

1.3 HISTÓRICO DA COLABORAÇÃO PREMIADA NO BRASIL

 

 

Vislumbra-se um embrião do processo colaborativo na Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), em cujo art. 8º, parágrafo único, consta a redução de pena, de um a dois terços, ao participante (ou associado) que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento.

A revogada Lei nº 9.034/95 também dispunha, em seu art. 6º, a redução da pena em caso de colaboração espontânea do agente, que tivesse como resultado o esclarecimento das infrações penas e de sua autoria; já a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) dispõe no art. 41 a redução de pena ao agente que colaborar voluntariamente com a investigação e o processo.

Neste mesmo ano, a Lei nº 9.080/95 acrescentou ao art. 25 da Lei nº 7.492/86, que tratava do Sistema Financeiro Nacional, o §2º, trazendo a possibilidade de redução de pena, de um a dois terços, coautores ou partícipes que, nos crimes previstos nesta lei, revelaram à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa, por confissão espontânea.

Já a Lei nº 9.269/96 modificou a redação do §4° do art. 159 do Código Penal, possibilitando que, no delito de extorsão mediante sequestro cometido em concurso de agentes, o concorrente tenha sua pena reduzida de um a dois terços, se informar o crime à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado.

É ainda exemplo a Lei nº 9.807/99, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas. Os arts. 13 e 14, possuem redação que se assemelha ao art. 4º e alguns de seus incisos, in verbis:

 

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

 

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

 

Observa-se que esses dispositivos, de modo geral, preveem a redução da pena ao colaborador, e eventualmente, a concessão de perdão judicial, “sempre vinculados à eficácia ou eficiência da contribuição do agente, seja em relação à identificação dos autores e partícipes, seja para a proteção da vítima e recuperação do produto do crime”, como aduz Eugênio Pacelli de Oliveira[6].

Também com esses contornos, a Lei nº 12.529/2011 trouxe à tona o Acordo Leniência, a ser celebrado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, e que pode ser celebrado para crimes de formação de cartel.

Contudo, segundo Eduardo Araújo da Silva[7], tais previsões representam meramente institutos de direito penal ensejadores de perdão ou redução da pena. A primeira tentativa de disciplina da colaboração processual, na sua real dimensão, ocorreu com a Lei nº 10.409/02, a antiga e revogada Lei de Drogas, em seu art. 32, §2º [8], bem como previa, inclusive, a possibilidade de o Ministério Público deixar de propor ação penal, em seu art. 37 [9]. Não obstante, para o autor, “a singeleza desses institutos mostrava-se incompatível com a magnitude do instituto da colaboração processual”.

Por consequência, o estabelecimento de um procedimento pela Lei 12.850/13 teve boa recepção. Destacamos, nesse aspecto, as considerações de Eugênio Pacelli de Oliveira sobre o tema:

 

No entanto, a referida lei parece ser a única que efetivamente institui um modelo de procedimentos para a concretização da colaboração premiada, dispondo sobre a legitimidade ativa, sobre a fase procedimental em que será cabível a colaboração e, finalmente, acerca do papel e funções atribuídas ao juiz, à polícia e ao Ministério Público nessas fases[10].

 

Não por menos, observa-se que a importância da regulamentação legal vai além do âmbito das organizações criminosas. Uma vez que as legislações anteriores que preveem outras modalidades de colaboração e delação premiada ainda estão vigentes, e não dispõem sobre procedimento a contento, a regulamentação dos meios de prova pela Lei 12.850/13 deve ser utilizada, por analogia, àquelas.

Frise-se que, anteriormente, era a Lei 9.807/99, que dispõe sobre a proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas, apontada pela doutrina e pela jurisprudência como norma geral para a delação premiada. Nesse sentido, já discorreu a colenda 4ª Turma do STJ:

 

EMENTA PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA IMPETRARHABEAS CORPUS. DELAÇÃO PREMIADA. EFETIVA COLABORAÇÃO DO CORRÉU NA APURAÇÃO DA VERDADE REAL. APLICAÇÃO DA MINORANTE NO PATAMAR MÍNIMO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. [...] 2. O sistema geral de delação premiada está previsto na Lei 9.807/99. Apesar da previsão em outras leis, os requisitos gerais estabelecidos na Lei de Proteção a Testemunha devem ser preenchidos para a concessão do benefício[11].

 

No entanto, embora a Lei nº 9.807/99 mencione alguns requisitos e benefícios ao delator, o seu foco reside nas medidas protetivas. A Lei nº 12.850/13, por sua vez, disciplina de forma mais detalhada a colaboração processual, estabelecendo todo o procedimento desde à celebração do acordo, até a aplicação do benefício, quando da prolação da sentença.

Tal nível de detalhamento parece elevar, naturalmente, a Lei das Organizações Criminosas à categoria de norma geral para a colaboração premiada, em detrimento da Lei nº 9.807/99. Nesse sentido, Eduardo Luiz Santos Cabette e Marcius Tadeu Maciel Nahur trazem elucidativa explicação:

 

Entende-se que o advento da normatização da lei 12.850/13, além de não revogar os dispositivos anteriores, pode servi-los de complemento em suas respectivas áreas de aplicação, uma vez que o atual diploma legal normatiza de forma bem mais detalhada os procedimentos para a colaboração. Isso, aliás, era uma lacuna por demais prejudicial à devida aplicação do instituto por meio dos diplomas legais que antecederam à atual Lei do Crime Organizado” (CABETTE, Eduardo Luiz Santos; NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Criminalidade Organizada & Globalização desorganizada – curso completo de acordo com a lei 12.850/13. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora. 2014. p. 182).[12]

 

Destaque-se a posição dos professores Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues, para os quais a Lei 12.850/13 melhorou o nível da segurança jurídica ao colaborador, ao prever a forma escrita para o termo de colaboração, o modo e o momento de sua realização, e as partes envolvidas, garantindo-se a aplicação do devido processo legal. Além do mais, os renomados professores contextualizam o intercâmbio entre os diversos microssistemas de colaboração premiada na Teoria do Diálogo das Fontes (Erik Jayme):

 

Tal ‘Diálogo’ surge com o objetivo de fornecer ao intérprete uma nova ferramenta hermenêutica hábil a solucionar o conflito entre as leis de um mesmo ordenamento, ultrapassando os critérios tradicionais de solução de antinomias, sendo plenamente possível de utilização no âmbito penal (muito embora no Brasil só se tenha notícias de sua utilização no âmbito do direito privado).

O diálogo das fontes ampara o entendimento no sentido que quando duas regras de diferentes ramos no direito regem o mesmo fato, haverá possibilidades de o juiz, por meio de seu papel consolidador do sistema, escolher por aquela que mais ampara os direitos fundamentais, ainda que configure norma de natureza geral diante de norma de natureza especial.

Assim sendo, as normas de delação premiada devem complementar-se umas às outras, no que lhes forem compatíveis, mantendo-se um diálogo sistemático de coerência, ou seja, é necessário que essa complementação se dê de forma coerente com o sistema em que cada uma se encontra inserida. [13]

 

Nesse aspecto, uma importante ressalva é feita por Pacelli, que aduz ser importante limitar tal analogia quando as peculiaridades e especificidades indicarem um tratamento diverso. É o caso, por exemplo, da quantidade de requisitos necessários para a fruição de benefícios. Para ele, é necessário a observação de apenas um dos resultados previsto no art. 4º, para a obtenção dos benefícios, ao passo que outras leis demandavam a cumulação de condições.

Outra consideração importante é o fato de a multiplicidade de regras disciplinadoras da colaboração premiada acaba por dificultar a sua aplicação, criando uma gama de incongruências aos operadores jurídicos. Bem resume essa questão Ana Luiza Almeida Ferro, em sua obra dedicada ao estudo da Lei das Organizações criminosas:

 

O disseminar da colaboração premiada pelos diversos diplomas legais não só deixou ver a ausência de espírito sistemático do legislador, que impediu que a benesse se previsse de forma unificada no ordenamento, mas produziu uma multiplicidade de contornos jurídicos. [...] Desta variedade de previsões legais cujo reflexo se faz sentir nos aspectos do instituto apontados resulta uma série de problemas de ordem dogmática e pragmática.[14]

 

Dentre os imbróglios gerados, observa-se o questionamento quanto à possibilidade de cumulação de benefícios previstos em leis diversas. Como exemplo, podemos citar a redução de pena prevista no parágrafo único do art. 8º da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos)[15].

Embora exista doutrina[16] sustentando a possibilidade de cumulação deste benefício com o previsto na Lei das Organizações Criminosas, é mais sólido o posicionamento de Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues[17], para os quais inexiste a possibilidade, uma vez que o delito de associação criminosa (art. 288 do Código Penal[18]) não se confunde com organização criminosa, definida pela Lei nº 12.850/13. Impecável nesse sentido a conclusão dos autores:

 

Por certo, cada lei que previu delação premiada trouxe contornos próprios com relação aos efeitos premiais do instituto, sua diversidade teleológica etc. Contudo, não se pode, em princípio, misturá-los a fim de se criar uma lex tertia decorrente da combinação de leis (esta é a nossa posição). Aliás, o STJ por meio da súmula 501 veda a combinação de leis. Outrossim, o conflito aparente de normas se resolve pelo critério da especialidade, ou seja, em se tratando de organização criminosa, aplica-se a Lei nº 12.850/13 sobre as demais hipóteses de delação premiada previstas em outras normas.

 

A despeito dessas ressalvas, cujos problemas interpretativos hão de ser repercutidos e solucionados pela jurisprudência, o advento da Lei nº 12.850/13 é um avanço legal no combate às organizações criminosas, e no procedimento da colaboração premiada, pelo que se espera, no fim das contas, que os prós superem os contras, resultado em um produto vantajoso aos entes estatais que operam direta e indiretamente contra o crime organizado.

 


2. A COLABORAÇÃO PREMIADA DA LEI 12.850/2013.

 

2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

 

O primeiro ponto de destaque da Lei nº 12.850/13, no que diz respeito à colaboração premiada, é a nomenclatura adotada pelo instituto, visto que leis anteriores utilizaram o termo delação premiada.

Para parte da doutrina, os termos são sinônimos. É o caso de Eugênio Pacelli de Oliveira[1], Gustavo Meringhi e Rejane Alves de Arruda. Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto apresentam ainda outros termos sinônimos: “delação premiada (ou premial)”, “chamamento do corréu”, “confissão delatória” e, segundo os mais críticos, “extorsão premiada”.

Outros autores, contudo, compreendem que o termo colaboração premiada é mais amplo, constituindo-se em sinônimo dos termos cooperação processual ou processo colaborativo. Daí subdividem-se as espécies, de acordo com a classificação estabelecida pelo doutrinador. Nessa esteira, destaca-se a classificação indicada por Luiz Flávio Gomes[2], por ser mais completa ao definir cinco espécies, de acordo com o resultado alcançado pela colaboração, sendo cada uma referente a um dos incisos do art. 4º.

Assim, o inciso I trata, segundo o autor, da “delação premiada” ou “chamamento de corréu”, vez que se destina à identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa, bem como das infrações penais por eles cometidas. O inciso II, por sua vez, refere-se à “colaboração reveladora da estrutura e do funcionamento da organização”, já que se destina à revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa.

A seguir, encontra-se no inciso III a “colaboração preventiva”, pois tem como finalidade a prevenção de novas infrações penais; no inciso IV, a “colaboração para localização e recuperação de ativos”; que visa a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e no inciso V, a “colaboração para libertação”, que tem como escopo a localização da vítima, com a sua integridade física preservada.

De qualquer forma, a relevância de tal classificação é meramente acadêmica, não havendo implicações práticas na adoção dos termos como sinônimos ou não, mesmo porque a Lei nº 12.850/13 é aplicável, no que for cabível, a todas as hipóteses de colaboração premiada, como visto alhures.

Pois bem, mister se discorra, por conseguinte, sobre a natureza jurídica da colaboração premiada. Para Eduardo Araújo Silva, a natureza jurídica varia conforme o momento processual em que é aplicada. Sendo na fase pré-processual (art. 2º, §4º), trata-se de um instituto puramente processual. Nas demais fases, seja judicial (art. 2º, caput) ou pós-processual (art. 2º, §5º), a colaboração processual é um instituto de natureza mista, já que as normas que regem o acordo são de natureza processual, mas as consequências (perdão judicial, redução ou substituição da pena, ou redução de regime) são de natureza material[3].

Luiz Flavio Gomes[4], por sua vez, entende que a natureza é mista independentemente da fase em que é realizada, em razão da judicialização do acordo de colaboração, ou seja, sempre o acordo há de ser objeto de homologação pelo Poder Judiciário, mesmo que realizado na fase pré-processual.

Essa compreensão ganha especial relevância quanto se verifica a possibilidade de retroação dos efeitos aos fatos anteriores à edição da Lei nº 12.850/13, ao passo que, fosse considerado norma meramente processual, como defendido por Eduardo Araújo Silva, a norma processual apenas poderia ter efeitos pro futuro.

 

2.2 REQUISITOS

 

A celebração do acordo de colaboração premiada necessita do preenchimento de requisitos, de ordem objetiva e subjetiva, os quais estão reunidos no art. 4º da Lei nº 12.850/13. Os resultados necessários encontram-se nos incisos do caput, ao passo que o parágrafo primeiro traz outros requisitos de ordem subjetiva:

 

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

 

§ 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

 

Aqui se observa uma diferença significativa para as legislações anteriores, qual seja, os objetivos da colaboração não são cumulativos, bastando a presença de apenas um dos requisitos para a fruição dos benefícios pelo colaborador. É necessário, ainda, que o delito seja praticado por organização criminosa, ou mesmo que configure o tipo legal do art. 2º, da Lei nº 12.850/13.

Adiante-se, nesse momento, que a fruição dos benefícios está condicionada à comprovação da eficácia dos requisitos, a ser aferida pelo juiz, quando da prolação da sentença. Logo, não basta que o réu conceda informações, sendo necessário que essas se mostrem verdadeiras e auxiliem a elucidação dos fatos.

Por conseguinte, observa-se que os incisos I e II se referem ao modus operandi da organização criminosa. A identificação dos membros, suas posições hierárquicas no grupo, o tipo atividades por eles exercida, incluindo os delitos, são essenciais para a atividade investigativa. É possível até mesmo apontar que, salvo os meios de prova regulamentados pela Lei 12.850/13, seria de dificuldade incalculável para a polícia brasileira alcançar tais informações.

Sobre o inciso I, Marcelo Bartlouni Mendroni[5] explica que não é necessário a identificação de todos os integrantes, o que poderia ser difícil até mesmo para os membros do maior escalão, e que o grau de colaboração deve ser medido pela importância do membro exposto pelo colaborador.

Sobre o inciso II, discorre bem Márcio Alberto Gomes Silva:

 

Entender o funcionamento da agremiação é fundamental para seu completo desbaratamento. Óbvio que nem todo criminoso conhece a organização por completo (a hierarquia do grupo normalmente impede que bandidos que atuem na base conheçam e saibam as tarefas dos que estão no comando). Uma vez mais cabe à autoridade policial e ao MP verificar se conhecer a estrutura da célula onde trabalha o colaborador é suficiente para a oferta do acordo de colaboração.[6]

 

O inciso III traz o requisito de maior dificuldade de comprovação. Afinal, a percepção de delitos que não ocorreram tende a ser abstrata, como no exemplo dado por Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto[7], no qual uma região que sofra constantemente com assaltos a caixas eletrônicos, e com a identificação e prisão de alguns membros do grupo, note-se uma redução dos delitos. Nesse caso, seria possível atrelar a diminuição à eficácia do acordo celebrado.

Quanto ao inciso IV, mais uma vez merece destaque a lição de Márcio Alberto Gomes Silva[8], para o qual o objetivo deste inciso é tentar descapitalizar a organização criminosa. Isso porque, estando o grupo criminoso desprovido de fundos, resta mais fácil a tarefa de desarticula-lo, pois ele “precisa de dinheiro para corromper autoridades públicas, pagar honorários de advogados, custear sua operação, sustentar famílias de líderes momentaneamente presos, etc”.

Acerca do disposto no §1º, Vicente Greco Filho ressalta a necessidade de conjugação dos requisitos com as circunstâncias nele previstas:

 

A colaboração e os efeitos, porém, não geram automaticamente o direito ao benefício (perdão judicial ou redução da pena). Dependerão de avaliação outras circunstâncias, previstas no §1º, quais sejam, a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão do fato criminoso e a eficácia da colaboração. As mesmas circunstâncias serão levadas em conta pelo juiz ao dosar o benefício, o que ocorrerá na sentença de mérito.[9]

 

Feitas tais considerações, aponta a doutrina uma divergência quanto à necessidade de o investigado colaborar nas duas fases processuais, para que possa, ao final, usufruir do prêmio da colaboração.

Gabriel Habib[10] sustenta que, pela interpretação literal da lei, há de se exigir que a colaboração tenha ocorrido nas duas fases, uma vez que o art. 4º, caput, dispõe que a colaboração deve ocorrer “com a investigação e com o processo criminal”. Por esse motivo, a intenção do legislador seria exigir que as informações fossem prestadas nas duas fases da persecução penal, ou seja, na fase de inquérito policial e também na fase de processo criminal.

Não obstante, a interpretação sistemática da lei leva à conclusão de que a efetividade da colaboração pode ocorrer em qualquer fase. É o que se observa quando analisamos o §5º do Art. 4º, o qual prevê o benefício para a colaboração prestada posteriormente à sentença.

De fato, em determinadas situações parece lógico que a mera constatação da efetividade da colaboração é suficiente para a fruição do benefício. Assim, por exemplo, em uma situação de incidência do inciso V, em que o colaborador tenha auxiliado na localização da vítima com a sua integridade física preservada, é patente a desnecessidade de qualquer outra colaboração em fase judicial.

No mesmo sentido, quando as informações prestadas auxiliaram em uma linha investigativa eficaz, com a revelação da estrutura hierárquica e a identificação dos demais integrantes da organização criminosa, por exemplo, sem maiores necessidades de esclarecimento pelo colaborador, então não deve haver óbice para a obtenção dos benefícios.

Ainda na análise da Lei nº 9.807/99, a qual porém é perfeitamente aproveitável, pois a redação era similar (colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal), Frederico Valdez Pereira bem discorreu:

 

Poderia resultar a conclusão de que somente haveria colaboração processual quando o agente fosse a juízo prestar testemunho contra os demais coautores e partícipes do crime. Tem-se que essa literal interpretação não é a melhor, pela grande limitação que traria na utilização do instituto pelos órgãos de repressão como técnica investigativa. E por certo que o indiciado que prestasse revelações significativas à autoridade policial e ao Ministério Público estaria colaborando com o futuro processo criminal, pois permitiria ou facilitaria o esclarecimento de fatos investigados, mediante a busca de outros elementos probatórios pela autoridade investigante para serem utilizados futuramente no processo penal; elementos esses que de outro modo poderiam jamais ser buscados sem a colaboração de algum membro da associação criminosa.[11]

 

A ressalva fica por conta da necessidade de ratificação em juízo das informações prestadas pelo colaborador, quando este se recusar a fazê-la. Vale ressaltar, neste ponto, que os deveres do colaborador não se resumem a respeitar as cláusulas do termo de acordo por si assinado, mas também aos ditames da Lei nº 12.850/13. E o parágrafo §12[12] é claro ao estabelecer a obrigação do colaborador em ser ouvido novamente, quando for necessário.

Ora, a solução para a recusa parecer lógica. Se a repetição em juízo da prova produzida for imprescindível para o julgamento do feito, a recusa do colaborador em corroborar seu testemunho prestado em sede de inquérito policial acarretará na ineficácia da colaboração, caso em que o juiz assim o declarará, no momento oportuno.

Esta consequência seria, portanto, a mera aplicabilidade do §11º, o qual determina que o juiz apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia, quando prolatar a sentença.

 


 

2.3 PROCEDIMENTO

 

Dentre os acertos da Lei 12.850/13 apontados pelos doutrinadores, destaca-se o estabelecimento de um procedimento para a realização da colaboração premiada. Como exposto anteriormente, a falta de detalhamento das leis anteriores dificultava a celebração do acordo, os trâmites nas investigações e na formação da prova.

Por outro lado, a Lei do Crime Organizado detalha, no extenso art. 4º os benefícios, requisitos, procedimento, e outras considerações acerca do instituto. O art. 5º, por sua vez, elenca os direitos do colaborador, legando-se ao art. 6º o estabelecimento dos elementos essenciais do termo de acordo de colaboração. Já o art. 7º dispõe sobre o pedido de homologação e o sigilo do acordo.

Dito isto, observa-se que a norma estabelece, que o acordo de colaboração deve ser levado a termo, sendo confeccionado por escrito pela autoridade que o propôs, ou seja, pelo delegado de polícia, no bojo do inquérito policial, ou pelo membro do Ministério Público, a partir de então.

Disciplina a sua confecção, indicando seus elementos essenciais, o art. 6º da Lei nº 12.850/13, in verbis:

 

Art. 6º O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:

I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;

II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;

III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;

IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;

V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

 

Importante recomendação é encontrada no Manual de Colaboração Premiada, redigido pelo juiz federal Rafael Wolff e revisado pela ENCCLA-Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, em sintonia com o §13 do art. 4º:

 

Sempre que possível, recomenda-se que, com a ciência do colaborador, as declarações sejam também registradas por meio audiovisual ou por gravação magnética, a fim de garantir a fidedignidade e evitar futuras negativas de autoria de declarações.[1]

 

Por conseguinte, o termo do acordo de colaboração deve ser encaminhado ao juiz, para homologá-lo ou recusá-lo, conforme o caso, tal qual previsto nos §§ 7º e 8º do art. 4º.

Neste ponto, observa-se a cautela do legislador, ao indicar, no art. 7º, caput, que o pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto. É saber, para evitar o vazamento das informações nos trâmites burocráticos do Tribunal de Justiça, realiza-se um pedido genérico, que não contenha informações explícitas das partes envolvidas, ou mesmo a descrição detalhada dos fatos.

Tal cautela é recomendada, evitando-se assim um risco desnecessário e minimizando os riscos, e ainda blinda os serventuários da justiça que tramitarem as peças em questão.

Uma vez distribuído o pedido de homologação, as informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, tal qual preconiza o §1º do art. 7º. É salutar que o magistrado, no âmbito de sua vara ou gabinete, adote as medidas necessárias para também impedir ou reduzir o acesso de seus assessores, garantindo-se de forma mais eficiente a proteção do sigilo.

Essa restrição se encontra no §2º do art. 7º, o qual dispõe expressamente que “o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia”, e que o objetivo da rigidez é a garantia do êxito das investigações.

É de bom viltre ressaltar que ao colaborador e ao seu advogado é assegurado o acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento, conforme estabelecido pelo §2º.

Interessante questão surgiu no bojo da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito instaurada para investigar a corrupção na Petrobrás, em que o magistrado[2] indeferiu o pedido desta para ter acesso ao acordo de colaboração premiada, em conformidade com o disposto no §2º da lei em estudo. No mesmo sentido seguiu o Supremo Tribunal Federal, conforme trecho do Ministro relator abaixo reproduzido:

 

Como se percebe, o sigilo é da essência da investigação. Portanto, está longe de ser teratológica a interpretação segundo a qual, até o recebimento da denúncia, o acesso aos depoimentos colhidos em regime de colaboração premiada é restrito ao juiz, ao membro do Ministério Público, ao delegado de polícia e aos defensores que atuam nos respectivos autos. Isto porque a divulgação de dados durante o período crítico que antecede o recebimento da denúncia – ainda que para autoridades com hierarquia e poderes semelhantes – poderia comprometer o sucesso das apurações, bem como o conteúdo dos depoimentos ainda a serem colhidos e a decisão de eventuais envolvidos em colaborar ou não com a Justiça.

(...)

De acordo com a Lei n. 12.850/13, portanto, o acesso aos documentos relativos ao acordo de colaboração é restrito àqueles que dele participam. Mais do que isto, assim como a Súmula Vinculante nº 14, antes referida, o art. 7º § 2º, da Lei n. 12.850/13, também restringiu, inclusive ao próprio investigado e seu defensor, o acesso aos documentos do acordo relacionados com diligências em andamento.” (destaques no original). Por fim, registro que a ocorrência de “vazamentos seletivos” – a partir dos quais determinados dados sigilosos vêm a público de forma ilícita –, conquanto reprovável, não justifica que se comprometa o sigilo de toda a operação, ou da parcela que ainda se encontra resguardada.[3]

 

Pois bem, retornando ao §7º do art. 4º, verifica-se que o magistrado deverá analisar a regularidade, a legalidade, e a voluntariedade do acordo celebrado, podendo, para este fim, ouvir sigilosamente o colaborador, na presença de seu defensor.

Essa análise, ressalte-se, não alcança mérito do acordo. Ao juiz, nessa fase, é vedado expressamente ponderar sobre o conteúdo, como se verifica no §6º, restringindo-se a apreciar a adequação da colaboração pactuada com as normas estabelecidas nesta Lei nº 12.850/13, ou seja, a observância dos pressupostos e requisitos legais. Trata-se de um sistema de discricionariedade regrada, segundo a doutrina de Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto[4].

Destarte, caso entenda não estar o acordo dentre os parâmetros estabelecidos pela norma, poderá recusar a homologação, ou mesmo adequá-la ao caso concreto (art. 4, §8º).  O prazo para a decisão do juiz sobre a homologação ou a recusa de 48 (quarenta e oito) horas, nos ditames do art. 7º, §1º.

Caso o magistrado se recuse a homologar o acordo, deverá remeter o acordo ao Procurador-Geral de Justiça, em aplicação analógica do art. 28, do Código Penal, conforme indicado por Eduardo Araújo da Silva[5].

Mais adiante, no §10º é prevista a possibilidade de retração pelas partes, hipótese esta que demanda diversas considerações. A primeira diz respeito ao momento em que poderá ser feita, já que a lei não o explicita. Enquanto Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto[6] defendem que a retratação somente poderá ser realizada antes da homologação judicial, Guilherme de Souza Nucci[7] compreende que deverá ser feita após a homologação, e antes da sentença.

Defende ainda esse último que ambas as partes, o Ministério Público e colaborador, poderão fazê-lo. Já Ana Luiza Almeida Ferro, Flávio Cardoso Pereira e Gustavo dos Reis Gazzola discordam, pois caberia apenas ao magistrado avaliar a eficácia do acordo:

 

“Sob a responsabilidade de que a colaboração se transforme em mecanismo ilícito de obtenção de provas e elementos de informação, o distrato não pode ser facultado à parte estatal do acordo. Como quer o art. 4º, § 11º, a eficácia do acordo é apreciada pelo magistrado no momento da sentença. Este é não apenas o tempo em que se avaliam os significados probatórios da colaboração mas a fase que define a autoridade competente para fazê-la, o magistrado. Como destinatário da prova produzida em juízo, bem como, na fase administrativa dos procedimentos de investigação, fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal, cabe ao magistrado ponderar os efeitos da colaboração segundo a qualidade da colaboração do delator na execução dos termos do acordo. Permitir ao Ministério Público o distrato significa outorgar-lhe a função judicial, porquanto passará da condição de parte no acordo para avaliador de seu cumprimento; ou, o que mais grave, se estará a conferir ao órgão estatal a retratação por ato meramente discricionário.”[8]

 

Inauguram uma terceira via Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues[9], que alertam para a diferença entre proposta de acordo e acordo formalizado. Assim, é permitida ao Ministério Público a retratação somente da proposta, condição válida também para o colaborador. Em relação a este, a simples desistência de contribuir com a obtenção dos resultados pactuados gera a ineficácia do acordo, e não a retratação.

Consta ainda no §10 que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador retratante não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. De igual forma, pensamos que tais informações não poderiam incriminar terceiros, pois não possuem qualquer validade jurídica, situação diversa da que ocorre na rescisão do acordo.

Por fim, outros pontos de destaque do procedimento são a suspensão do prazo para oferecimento de denúncia, previsto no §3º, e o não oferecimento da denúncia, previsto no §2º. O não oferecimento da denúncia será tratado no capítulo referente aos benefícios, motivo pelo qual se avança à análise da suspensão do prazo pra oferecimento de denúncia.

Trata-se, evidentemente, de uma cautela por parte do legislador, possibilitando uma produção probatória mais robusta, mormente para verificar a eficácia do acordo de colaboração, além de suspender o prazo prescricional. Explicam nesse sentido Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto:

 

A ‘ratio legis’ contida nesse dispositivo é clara. Procura-se conceder um tempo hábil para que se demonstre a eficácia da colaboração. Suponha-se, num exemplo, que, ao delatar seus comparsas, o colaborador tenha revelado a estrutura hierárquico da organização criminosa, bem como a divisão de tarefas em seu âmbito interno, como previsto no inciso II acima. Passados seis meses (prazo que pode ser prorrogado por igual período), constata-se que tudo que fora dito não era verdadeiro. O comando do crime organizado era totalmente diverso e as tarefas eram distribuídas de forma diferente daquela apontada quando da celebração do acordo. Tem-se, neste caso, que o beneficiado pelo acordo, sob o pretexto de colaborar, forneceu dados que não correspondiam à realidade e que, quando confrontados na prática, não resultaram em nenhum efeito, perdendo-se, a partir daí, o objetivo da colaboração premiada.[10]

 

Importante ressaltar que inexiste a possibilidade de extensão as suspensão a outros réus, segundo aduz Marcelo Batlouni Mendroni[11], podendo ocorrer apenas em relação ao colaborador.

 


2.4 DIREITOS E BENEFÍCIOS

 

Da colaboração premiada podem resultar diversos resultados ao colaborador, a depender do acordo celebrado, do preenchimento dos requisitos, das condições pessoais e da eficácia das informações prestadas.

Inicialmente, o art. 4º, caput da lei em estudo prevê a possibilidade de perdão judicial, redução ou substituição de pena daquele que tenha efetiva e voluntariamente com a investigação criminal e com o processo penal. A redução será de até dois terços, e a substituição ocorre entre uma pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos.

Nota-se que a lei não estabelece fração mínima para a redução da pena, levando alguns doutrinadores a indicar o valor de um sexto[1], visto ser este o menor valor previsto no Código Penal e na Legislação especial, ao passo que outros indicam o valor de um terço, que é o menor valor previsto nas demais leis que tratam de delação premiada[2].

Outra questão controversa que surge é a possibilidade de cumulação dos benefícios previstos na Lei das Organizações Criminosas. Origina-se a celeuma da redação do caput do art. 4º, o qual separa os benefícios com uma alternativa (ou), ao passo que, sob determinada perspectiva, é possível extrair uma teor aditivo do dispositivo.

Pois bem, estabelece o art. 4º que o juiz poderá “conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos”. Veja-se que, da interpretação gramatical, percebe-se um claro sentido alternativo. Para Guilherme de Souza Nucci, a tônica da norma é a progressividade, ou seja, “a opção deve levar em consideração o grau de cooperação do delator, pois quanto mais amplo e benéfico aos interesses do Estado, maior deve ser o seu prêmio[3]”.

Já Ana Luiza Almeida Ferro, Flávio Cardoso Pereira e Gustavo dos Reis Gazzola[4] compreendem que, conquanto os benefícios encontrem-se, no preceito, distintos por uma conjunção alternativa, é recomendável lhes emprestar um conteúdo aditivo, como forma de estabelecer de formar mais adequada e proporcional a correlação entre o benefício e a colaboração prestada.

Nesta controvérsia, parecem solucionar melhor questão Cezar Roberto Bitencourt e Paulo César Busato. Prelecionam os autores que:

 

A legislação é específica em estabelecer alternativas, utilizando a expressão ou, o que significa dizer que não é possível cumular as benesses da redução de pena e substituição, ambas com fundamento na Lei 12.850/2013.Outrossim, como é óbvio, se a redução de pena levar a sanção aos patamares alcançados pela regra geral do Código Penal, nada impede que a substituição ocorra[5].

 

A bem da verdade, a cumulação dos benefícios estabelecidos pela Lei 12850/13 carece de previsão legal, motivo pelo qual o aplicador não pode, simplesmente, fazê-lo sob o pretexto de melhor individualizar a pena. Entretanto, quando se equaciona uma pena após o desconto do benefício, esta ainda se insere na regra geral do Código Penal, estando sujeita às substituições do art. 44.

Questiona-se também a possibilidade de cumulação de benefícios previstos em leis diversas. Como exemplo, podemos citar a redução de pena prevista no parágrafo único do art. 8º da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos)[6].

Embora exista doutrina[7] sustentando a possibilidade de cumulação deste benefício com o previsto na Lei das Organizações Criminosas, é mais sólido o posicionamento de Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues[8], para os quais inexiste a possibilidade, uma vez que o delito de associação criminosa (art. 288 do Código Penal[9]) não se confunde com organização criminosa, definida pela Lei nº 12.850/13. Impecável nesse sentido a conclusão dos autores:

 

Por certo, cada lei que previu delação premiada trouxe contornos próprios com relação aos efeitos premiais do instituto, sua diversidade teleológica etc. Contudo, não se pode, em princípio, misturá-los a fim de se criar uma lex tertia decorrente da combinação de leis (esta é a nossa posição). Aliás, o STJ por meio da súmula 501 veda a combinação de leis. Outrossim, o conflito aparente de normas se resolve pelo critério da especialidade, ou seja, em se tratando de organização criminosa, aplica-se a Lei nº 12.850/13 sobre as demais hipóteses de delação premiada previstas em outras normas.

 

Diferente caso é a incidência dos benefícios da colaboração premiada a outros delitos, que não os previstos na Lei das Organizações Criminosas. A conclusão parece lógica: inexiste restrição para essa “extensão”, já que ampla gama de delitos praticados pelas organizações criminosas não são previstos nessa lei, caso contrário esvaziaria a norma de eficácia e sentido.

Evidentemente, o alcance e a quantificação do benefício devem ser previamente acordados e sopesados com as peculiaridades do caso concreto. De qualquer forma, é oportuno destacar a lição de Renato Brasileiro de Lima:

 

Com a amplitude desses benefícios legais, certamente haverá questionamentos quanto ao âmbito de incidência da Lei 12.850/13, ou seja, se tais benefícios podem ser aplicados a todo e qualquer ilícito decorrente de organização criminosa, ou se a concessão de tais prêmios estaria restrita ao crime de organização criminosa (Lei n. 12.850/13, art. 2º, caput) isoladamente considerado. Há quem entenda que as regras do artigo 4º da Lei 12.850/13 são aplicáveis exclusivamente ao crime de organização criminosa, e não a todas as infrações penais dela decorrentes. A nosso ver, mesmo para os crimes anteriormente estudados que contam com regramento específico acerca do assunto (v.g., extorsão mediante sequestro, tráfico de drogas), não há fundamento razoável para se lhes negar a concessão dos benefícios previstos pela Lei 12.850/13, sob pena de esvaziamento da eficácia da colaboração premiada. Ora, se o agente souber que eventual prêmio legal ficará restrito ao crime de organização criminosa, dificilmente terá interesse em celebrar acordo de colaboração premiada. Essa mesma discussão já havia se instalado com o advento da Lei 9.807/99. Por não ter seu âmbito de aplicação restrito a determinado(s) delito(s), muito se discutiu quanto à incidência dos benefícios constantes dos arts. 13 e 14. Acabou prevalecendo a orientação de que a referida Lei seria aplicável inclusive para crimes que contassem com um regramento específico sobre colaboração premiada (v.g. tráfico de drogas) – STJ, 5ª Turma, HC 97.509/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15/06/2010, Dje 02/08/2010.[10]

 

Prosseguindo à análise dos direitos do colaborador, encontramos no art. 5º da Lei do Crime Organizado uma série de medidas protetivas, relativas ao risco que corre em relação aos seus comparsas delatados. Eis o teor do dispositivo legal:

 

Art. 5º São direitos do colaborador:

I - usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;

II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;

III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;

IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

V - não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;

VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

 

A primeira delas é a remissão à legislação específica, qual seja, a Lei nº 9.807/99, a qual estabelece normas para a organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas. Os artigos 13, 14, e 15 dessa norma preveem medidas de proteção ao réu colaborador, inclusive com a possibilidade de alteração de nome. Vale destacar a ressalva feita por Vicente Greco Filho:

 

 A Lei que estabelece normas para a proteção de pessoas envolvidas em processo penal é a Lei nº 9.807/99. No que se refere ao réu colaborador, as hipóteses de cabimento são um pouco diferentes, já que a Lei nº 9.807/99, por exemplo, exige a primariedade do agente, o que não ocorre na lei agora comentada. No caso de organização criminosa, então, o que se aplica para o reconhecimento da condição de colaborador, os requisitos e os efeitos são total e exclusivamente os da lei comentada, que é posterior e especial, porque a Lei nº 9.807/9 se aplica em todos os casos em que haja ameaça a pessoas envolvidas no processo.[11]

 

As demais medidas referem-se ao sigilo que se impõe antes da denúncia, o isolamento em relação aos outros membros da organização criminosa no trâmite processual, e no cumprimento da pena.

Cumpre informar que o sigilo pode se tornar inócuo, quando não for o caso de deixar de oferecer denúncia ao colaborador. Afinal, como bem explica Eugênio Pacelli de Oliveira[12], a participação do colaborador deverá estar contida na denúncia, inclusive com a individualização das condutas, e especificação de sua posição na estrutura hierárquica.

Nesta esteira, ainda que o termo de acordo de colaboração (que deverá ser apensada aos autos do processo) mantiver em sigilo os dados do colaborador, será possível a sua identificação pelos demais acusados.

De qualquer forma, observa-se o acerto do legislador ao prever medidas de proteção ao colaborador. Eduardo Araújo Silva aponta o risco que este sofre ao colaborar com a Justiça:

 

 Uma das caraterísticas dos processos que envolvem a apuração das organizações criminosas, como salientado, é a busca da destruição dos meios de prova para salvaguardar a impunidade dos seus integrantes. Essa ‘cultura da supressão da prova’, como referido por Elvio Fassoni, geralmente é materializada através da violência imposta contra aqueles que ousam desrespeitar a ‘lei do silêncio’ e seus familiares. Daí a necessidade – como forma de assegurar a inteireza da prova oral a ser produzida em juízo – de se proporcionar uma efetiva proteção para vítimas, testemunhas e corréus colaboradores, pois em que pese o desenvolvimento dos demais meios de prova, a prova oral continua a se uma das mais importantes para a apuração do crime organizado.[13]

 

De fato, a garantia que o Estado deve oferecer ao colaborador, sujeito que está a todos os tipos de represália, é mais que simplesmente o dever geral de proteção aos indivíduos, já que a percepção do mínimo de segurança por este é uma exigência da eficácia da norma. Afinal, na ponderação das vantagens e desvantagens feita pelo investigado ou réu, certamente será relevante a sua vida e integridade física, bem como seus auxiliares.

Por fim, temos o § 4º, que faculta ao Ministério Público a possibilidade de não oferecer denúncia em face do colaborador quando, além do preenchimento de uma das hipóteses do caput, incidir nas hipóteses de seus incisos. Eis o teor, in verbis, do dispositivo mencionado:

 

§ 4º Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:

I - não for o líder da organização criminosa;

II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.

 

Como é cediço, em regra, adota-se no Brasil o princípio da obrigatoriedade, bem como o princípio da indisponibilidade. Aquele diz respeito à obrigatoriedade de o Ministério Público, como titular da ação penal, em promovê-la sempre que estiver lidando com um caso que configure um ilícito penal, e não incidir nenhuma das excludentes legais ou supralegais do delito, ao passo que este indica a impossibilidade de desistir de uma ação já em curso.

Assim como outros institutos anteriores, a colaboração premiada relativiza esses princípios. É justamente o caso do §4º, em que se observa uma mitigação do princípio da obrigatoriedade. Caso estejam presentes os requisitos, é possível que o membro do Ministério Público sequer ofereça a denúncia.

A doutrina já chama essa possibilidade de princípio da oportunidade, como o fez Marcelo Batlouni Mendroni[14]:

 

São fixadas aqui duas hipóteses independentes e discricionárias ao Ministério Público – titular da ação penal pública, para o não oferecimento da Denúncia, em clara exceção ao Princípio da Legalidade. Sem oferecimento da Denúncia, não há ação penal – e portanto inexistirá aplicação de “perdão judicial” ou redução da pena. É a aplicação, no sistema processual penal brasileiro, do Princípio da Oportunidade. O promotor de Justiça, nesse caso, pode conceder “imunidade” ao colaborador, não o processando criminalmente em relação aos fatos específicos que ele relatar em contribuição ao contexto probatório, e seguindo-se os parâmetros estabelecidos no caput desse artigo.

 

Sobre os requisitos, tem-se destacado a dificuldade prática em apurar, no caso concreto, se o colaborador é ou não o chefe da organização criminosa, podendo este, inclusive, valer-se da hierarquia dentro do grupo para livrar-se de punições, obrigando a membros de menor escalão assumirem a “liderança” do grupo.

O inciso II, por sua vez, tem por objetivo impedir que vários integrantes da uma organização criminosa venham, em sequência, celebrar acordo de colaboração premiada e, ao final, não serem denunciados. Contudo, a exclusividade do primeiro que colaborar se restringe ao benefício desse parágrafo, qual seja, não ser denunciado, possibilitando-se outros colaboradores usufruírem os outros benefícios previstos na lei.

Por fim, parece desnecessário ressaltar que os dois requisitos são cumulativos, não havendo na redação legal nada que indique a alternatividade dos requisitos, e, discordando o magistrado do pedido de arquivamento, deverá aplicar o disposto no art. 28, do Código de Processo penal.

 


 

3. ASPECTOS POLÊMICOS DA COLABORAÇÃO PREMIADA

 

3.1 A CONSTITUCIONALIDADE DOS DISPOSITIVOS LEGAIS

 

3.1.1 A renúncia ao direito ao silêncio

 

Para a compreensão da polêmica redação do preceito legal, é necessário, anteriormente, compreender o significado e o alcance do direito ao silêncio.

Trata-se de direito previsto na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XVIII, alcançando o indiscutível status de direito fundamental do acusado. Outrossim, é previsto em tratados internacionais já incorporados ao nosso ordenamento jurídico, na condição de norma supralegal, quais seja, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

De fato, preconiza o art. 5º, inciso LVIII, que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado", ao passo que o Pacto de San José da Costa Rica estabelece em seu art. 8º, inciso II, alínea “g”, que “toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.

Segundo Eugênio Pacelli de Oliveira[1], o interrogatório deve ser considerado um meio de defesa, e o direito ao silêncio se desdobra em algumas facetas, quais sejam: o direito de permanecer calado e não responder perguntas, não se permitindo a valoração do silêncio em seu prejuízo, além da não exigibilidade de participação compulsória na formação da prova a ele contrária, salvo em hipóteses previstas em lei, e não invasivas da integridade física e psíquica do agente.

Aduz o autor que a vigência do art. 5º, inciso LXIII, implicou em imediata revogação do art. 186 do Código de Processo Penal (posteriormente revogado pela Lei nº 10.792/03), “pela simples e bastante razão de que não se pode atribuir qualquer forma de sanção a quem esteja no exercício de um direito a ele assegurado em lei”.

No mais, é interessante a ressalva feita pelo autor, de que o direito ao silêncio não implica jamais em um direito de mentir, ou mesmo se desdobra em um direito de fuga, como já houve julgado. Explica:

 

O que se poderá alegar, com maior ou menor sucesso, a depender do caso concreto, é que o agente – que tenta a fuga, que mente sobre sua identidade etc. – é a eventual justificação da conduta (excludente de ilicitude) ou inexigibilidade de conduta diversa (exclusão de culpabilidade). Jamais o exercício de qualquer direito subjetivo![2]

 

Feitas tais considerações, passemos à análise da norma legal objeto de estudo. Reside neste ponto, certamente, a maior potencial inconstitucionalidade da Lei nº 12.850/13. Trata-se do §14 do art. 4º, o qual dispõe, in verbis:

 

§14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.

 

Da leitura do preceito legal, é possível o vislumbre da inconstitucionalidade alardeada por parte de respeitável doutrina brasileira. Isto porque, o que salta aos olhos na primeira análise é o fato de uma legislação infraconstitucional prever uma hipótese de renúncia a um direito fundamental, inconcebível em nosso contexto jurídico.

Cite-se, incialmente, o entendimento de Cezar Roberto Bitencourt e Paulo César Busato:

 

Ora, o dispositivo legislativo é claramente inconstitucional enquanto obriga (ou condiciona, o que dá no mesmo) o réu a abrir mão de um direito seu consagrado não apenas na Constituição como em todos os pactos internacionais de direitos humanos. Afinal, o réu simplesmente não está obrigado a fazer prova contra si em circunstância alguma, mesmo a pretexto de “colaborar” com a Justiça, ou seja, na condição de colaborador. Afinal, interessa-lhe muito mais (é-lhe muito mais benéfico) uma sentença absolutória, que a aplicação dos benefícios decorrentes da colaboração.[3]

 

Neste momento, ressalve-se apenas alguns pontos. Embora os autores ressaltem a indiferença entre obrigar e condicionar, entendemos existir uma diferença abissal entre as duas posturas estatais. A obrigação é, por si só, uma violência. É justamente a conduta perigosa, imoral, e incompatível com o estado democrático de direito, inconcebível em uma sociedade que tenha atingido grau razoável de civilidade. Se houver alguma lei que disponha a obrigação do réu em colaborar, então não há espaço algum para discussão: a inconstitucionalidade salta aos olhos.

De outro lado, o condicionamento do não exercício ao direito ao silêncio para a fruição de benefícios, no qual exista a absoluta liberdade do acusado ou réu para mensurar a conveniência da colaboração com a Justiça, é consideravelmente distante da situação anterior.

Pode-se argumentar, é claro, que a simples ameaça da censura estatal seja suficiente para derrubar esse argumento, já que o temor provocado tem o condão de afetar o discernimento de qualquer ser humano. Não obstante, a colaboração premiada não difere, neste ponto, de diversos outros dispositivos legais que trazem benefícios ao réu, conforme extenso rol indicado no capítulo referente ao histórico legislativo.

Apenas para citar, a circunstância atenuante da pena prevista no art. 55, inciso III, alínea d, qual seja, a confissão espontânea, perante a autoridade, da autoria do crime, norma originária do Código Penal e que, após décadas de vigência, não desperta oposição. Desconsiderando-se as hipóteses de obrigação moral e autocensura que possam levar o criminoso a confessar o crime, mesmo porque o Código não exige qualquer desses requisitos, pode perfeitamente ser o objetivo deste a obtenção da atenuante, obtendo pena mais favorável.

Não seria, em comparação superficial, uma situação semelhante à da colaboração premiada? Em ambas, o Estado aceita a redução na pena incialmente prevista genericamente, com o intuito de obter maior certeza na busca da verdade, e chegar a uma prestação jurisdicional mais correta — e nesse ponto, a versão do próprio autor é insubstituível em determinadas situações — tendo em contrapartida uma atitude positiva do réu, qual seja, a colaboração voluntária com as investigações, após a análise de conveniência.

Ademais, o procedimento da colaboração premiada possui mecanismos que visam garantir a voluntariedade do agente, que antes de tudo, requisito expresso para a elaboração do acordo, previsto no caput do art. 4º. Além disso, a presença obrigatória do defensor afasta a possível mácula do discernimento do acusado, visto ser um profissional habilitado e que contará com sua experiência profissional e conhecimento das circunstâncias que pesem contra seu constituinte, para mensurar a oportunidade e a adequação da celebração do acordo.

Por fim, a sentença absolutória não necessariamente é mais benéfica ao colaborador. Os efeitos os mesmos do benefício do perdão judicial, com vantagem deste último, uma vez que o caminho a percorrer é mais fácil, no qual se destaca a não inclinação do Órgão Ministerial em recorrer, e menos benéfica que o não oferecimento da denúncia, em que o acusado sequer será processado.

Por sua vez, Gabriel Habib argumenta que a condição de réu assegura o direito ao silêncio, não podendo o legislador ordinário impor a sua renúncia. Discorre o expert:

 

Não se desconhece que os direitos fundamentais têm a característica de relatividade, não sendo, portanto, absolutos. Porém, a sua relatividade não implica renúncia automática deles. Demais disso, não se desconhece também que os direitos fundamentais podem ser renunciados pelos seus titulares, mas isso depende exclusivamente de manifestação deles. O que não se admite é que o legislador imponha essa renúncia à garantia fundamental ao direito ao silêncio. O titular de um direito fundamental pode renunciá-lo, mas o legislador não pode impor-lhe essa renúncia de forma obrigatória. Por tais razões, a inconstitucionalidade do dispositivo é patente.[4]

 

Data venia, a voluntariedade, e a sua diferenças ontológicas e práticas para a obrigatoriedade mais uma vez afastam o argumento. Não há em momento algum a imposição, e sim a faculdade, a oportunidade do acusado ou réu em colaborar com a justiça, sendo celebrando acordo vantajoso para ambos. Ora, que outra situação se imaginaria em que o agente obteria benefício a troco de nada, sem qualquer contrapartida (com exceção de outros dispositivos legais)?

Luiz Flávio Gomes também adere à corrente da inconstitucionalidade do dispositivo, aduzindo inexistir renúncia ao direito ao silêncio, sob pena de afronta aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, e em normas supralegais incorporadas ao direito interno, quais sejam: a Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 8º, § 2º, “g”) e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Preleciona o autor:

 

Qualquer norma, seja ela infralegal, supralegal ou mesmo emenda constitucional, não pode trazer previsão de renúncia ao direito ao silêncio. Jamais podendo-se compelir o réu a produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur sine detegere).

 (...) Veja-se o que diz o art. 4º, § 14 da Lei 12.850/13: “Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade”.

Veja-se que o aludido artigo fala em “renúncia” ao direito ao silêncio, e para assegurar a validade desta “renúncia” determina a presença do defensor! É algo que beira o absurdo. É inequívoca a intenção do legislador ao tratar de renúncia em seu sentido próprio, estando o dispositivo contaminado de inconstitucionalidade, não podendo jamais ser aplicável quando se estiver diante de um acordo de colaboração premiada.[5]

 

Filia-se à constitucionalidade do dispositivo Guilherme de Souza Nucci[6], pois a colaboração depende de anuência do investigado ou acusado. Entretanto, não explicita as consequências oriundas de eventual mentira contada pelo colaborador.

Melhor dissertou sobre o assunto Eugênio Pacelli de Oliveira, para o qual a redação da norma, embora eivada de atecnia legislativa, não é inconstitucional, pois dela não pode gerar quaisquer efeitos que configurem desrespeito ao direito ao silêncio. O problema seria tão somente de lógica: ao se estabelecer como requisito para a colaboração premiada a voluntariedade do agente, e como condição de eficácia, a qualidade das informações prestadas, não há que se falar em renúncia ao direito ao silêncio. Disserta o doutrinador:

 

E, mais, o dever de dizer a verdade na hipótese tal como previsto no referido dispositivo, decorreria unicamente de ato voluntário do colaborador, e não como imposição da norma legal! Se antes dessa decisão pessoal ele não era obrigado a depor – direito ao silêncio – não se pode dizer que tenha renunciado a esse direito, mas, sim, que resolveu se submeter às consequências de sua confissão.[7]

 

Arremata o autor discorrendo sobre as consequências da prestação de informações falsas pelo colaborador: caso venha atribuir responsabilidade penal a terceiro, sabendo que tal informação é inverídica, pode responder pelo crime de denunciação caluniosa (como ocorre em qualquer situação); mas o falso testemunho, não teria qualquer consequência, acarretando tão somente na ineficácia do acordo.

Nesse mesmo sentido se posiciona Luiz Flávio Gomes, qual seja, pela inexistência de responsabilização criminal advinda de inverdades relatadas pelo colaborador:

 

O colaborador nunca perde seu “direito ao silêncio”. Se exercido, a questão será deslocada para o campo da eficácia do acordo (o que será analisado na sentença do juiz).

Ademais, sequer estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade, pois se mentir, terá como consequência a não produção dos resultados previstos no acordo, não podendo responder pelo crime de falso testemunho. Ninguém é obrigado a se autoincriminar. O silêncio, amparado no princípio da não-autoincriminação, jamais pode ensejar qualquer tipo de responsabilidade penal. Quem exercita o direito constitucional do silêncio jamais pode ser punido por isso. Quem exerce um direito não pode ser punido.[8]

 

De fato, é repreensível a redação dada ao §14º, já que a irrenunciabilidade é uma característica que permeia os direitos fundamentais. Relativizam-se, é bem verdade, na colisão com outros princípios de igual magnitude, situação em que se pode discutir, no caso concreto, o resultado e os limites da relativização. Admite-se ainda o não exercício dos direitos fundamentais — mas não é dado à lei, em especial a infraconstitucional, preconizar a renúncia a um destes.

Contudo, compreende-se que a redação dada pecou somente pela falta de preciosismo. O objetivo, claramente, é estabelecer que o réu deverá, para colaborar, abrir mão de permanecer silente. De fato, tratar-se-ia de um dispositivo desnecessário, já que a colaboração pressupõe uma atitude positiva do réu, exceto quando se analisa a questão sob o viés de aplicar, quando este vier a exteriorizar uma inverdade, algum tipo de sanção.

Neste ponto, distancia-se das doutrinas acima relatadas Vicente Greco Filho[9], para o qual a renúncia ao direito ao silêncio sujeita o colaborador ao compromisso legal de dizer a verdade, sob pena de incorrer nas penas do crime de falso testemunho e ao crime do art. 19 da Lei º 12.850/13, além de denunciação caluniosa, a depender dos conteúdo das declarações inverídicas. Sobre o delito do art. 19, preleciona o autor:

 

O crime é um misto de calúnia e denunciação e denunciação Caluniosa. Trata-se de crime formal, não dependendo de resultado ou de prejuízo. O crime é de perigo sendo o sujeito passivo a pessoa à qual foi imputada falsamente a perícia da infração penal, mas também a coletividade quanto à administração da Justiça, porque a imputação falsa prejudica a investigação ou o processo relativo à organização criminosa.

A falsa declaração pode referir-se a determinada pessoa ou a informações sobre a estrutura de organização criminosa inverídicas, tendo conhecimento o agente dessa circunstância.

O dolo é específico, exigindo-se a finalidade de se beneficiar da condição de colaborador nos termos desta lei.

No caso de a imputação falsa dirigida a pessoa determinada dar causa a instauração de investigação policial ou processo, o crime é denunciação caluniosa, de pena bem mais grave porque ocorre prejuízo. A pena da denunciação caluniosa é exatamente o dobro, de 2 a 8 anos.[10]

 

Segue essa linha Marcelo Batlouni Mendroni, que ressalta a ineficácia do preceito legal, caso se adotasse outro entendimento:

 

Assumindo a condição de ‘colaborador’, o acusado passa a ter ‘imunidade’ ou ser acusado ‘diferenciado’. Evidentemente que já não terá o direito de mentir, conforme a sistemática do Direito Processual Penal Brasileiro, praticando o crime previsto no artigo 19 desta lei (Lei 12.850/13), por assim dizer, o crime de perjúrio. Tampouco poderá se valer do direito de permanecer em silêncio. É direito constitucional que, se pretender o acordo penal, dele terá que abrir mão de forma expressa e na presença de Advogado. Não fosse assim, o instituto seria absolutamente inócuo[11]

 

Não é outro o posicionamento de Márcio Alberto Gomes da Silva, para o qual o §14º é plenamente constitucional, visto que, se por um lado, trata-se de ato voluntário, por outro, o Estado precisa de garantias acerca da verossimilhança das alegações prestadas. Por consequência, constatada a mentida do colaborador, configuram-se o crime do art. 19, da Lei nº 12.850/13, e a rescisão do acordo. Explica o autor:

 

Anota-se a compatibilidade do dispositivo em estudo §14º, do artigo 4º, da Lei 12.850/13 e o inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal. É que o que a Carta Magna proíbe é que o investigado/indiciado/réu seja compelido a falar (a CF, em nenhuma passagem, garantiu o direito à mentira, apenas ao silêncio. Se o colaborador quer falar (e a colaboração, repito, é ato voluntário), terá que ser a verdade, sob pena de cometer o crime citado (art. 19, da Lei 12.850/13.[12]

 

Ora, entendemos ter razão essa última corrente. É bem verdade que a redação do dispositivo, como fartamente explicado, flerta com a inconstitucionalidade — mas pelo fato de preconizar a renúncia ao direito ao silêncio, o que não se pode aceitar. O que se observa aqui, é simplesmente, o seu não exercício.

Pode-se argumentar, desta feita, que quem exercita o direito constitucional do silêncio jamais pode ser punido por isso, como o fez Luiz Flávio Gomes, tal qual a transcrição acima colacionada. Mas a incidência do art. 19 não é exatamente uma sanção ao exercício do direito ao silêncio.

Adentra-se, pois, na discussão acerca do alcance desse direito. É sabido, como bem explicado por Eugênio Pacelli de Oliveira (acima reproduzido), que o direito ao silêncio não acarreta em outros direitos, especificamente, o direito à mentira (e ainda, não existem direitos absolutos). Aceita-se a não punição essa prática por outros motivos, dentre os quais se pode citar a justificação da conduta (excludente de ilicitude) ou a inexigibilidade de conduta diversa (exclusão de culpabilidade).

Não sendo direito ilimitado, há situações em que a inverdade proferida pelo réu é punível, como ocorre com a imputação falsa de crime a outrem, a denunciação caluniosa. E, mesmo que o acusado pratique atos que só tenham o condão de interferir em sua esfera individual, é possível que o mesmo seja punido.

Isso restou bem claro em entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, quanto à impossibilidade de apresentar documento falso ou sustentar falsa identidade, mesmo sob o pretexto de identidade falsa para esconder antecedentes criminais.

 

O fato de o paciente ter apresentado à polícia identidade com sua foto e assinatura, porém com impressão digital de outrem, configura o crime do art. 304 do Código Penal. Havendo adequação entre a conduta e a figura típica concernente ao uso de documento falso, não cabe cogitar de que a atribuição de identidade falsa para esconder antecedentes criminais consubstancia autodefesa[13].

 

De mesmo modo, na hipótese de falsa identidade, o Supremo Tribunal Federal compreende o se configura o delito quando o agente, com o intuito de não se incriminar, atribui a si uma identidade que não é sua. Essa questão já foi, inclusive, analisada pelo Pleno do STF em regime de repercussão geral:

 

O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes.[14]

 

Ora, se mesmo em situação que o réu se vê “pressionado” a mentir, em razão da iminência de uma prisão, não se cogita falar em exercício legítimo de autodefesa, como se pode aceitar que a celebração de acordo, no qual se busca, com o cercamento legal dado pela Lei nº 12.850/13, garantir a voluntariedade do agente, inclusive com a participação obrigatória do advogado e homologação por juiz, que o réu possa sair ileso ao tentar ludibriar os agentes estatais?

O que se vê, na verdade, é um crime contra a administração da justiça, cujos efeitos podem ser devastadores caso não seja devidamente punido. O primeiro, é claro, é a inviabilidade de se manter a colaboração processual no Brasil. A “permissão” para mentir pode acarretar em toda sorte de estratégia inescrupulosa, gerando vultosos dispêndios aos órgãos investigadores, semeando-se pistas falsas, afastando o foco de atividades relevantes da organização criminosa, e, ao final, a completa irresponsabilidade do responsável.

A contrario sensu, a tipificação de crimes contra a administração da justiça, a exemplo da denunciação caluniosa, da falsa perícia e da fraude processual, bem como os entendimentos dos Tribunais Superiores acima exarados, demonstram que o direito ao silêncio não garante ao réu a completa irresponsabilidade pelos seus atos, conclusão a que se chega no âmbito da celebração de acordo de colaboração premiada.

 


 

 

3.1.2 O acordo elaborado pelo delegado de polícia

 

A Lei do Crime Organizado trouxe a hipótese de celebração de acordo entre o investigado, seu defensor, e a autoridade policial, como se pode aferir na leitura do art. 4º, §6º, segundo o qual o acordo de colaboração ocorrerá entre o Delegado de Polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

Outrossim, o §2º dispõe que o Delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderá requerer ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).

A melhor justificativa para a atribuição da celebração de acordo pelo Delegado de Polícia é a oportunidade. Nesse sentido sustenta Marcelo Bartlouni Mendroni[1], para o qual “o dispositivo parece ter relevância intrínseca nas ocasiões ‘urgentes’ e ‘inadiáveis’ em que o delegado de polícia se depara com situação que conduza à necessidade e vantagem de propor a colaboração premiada ao pretendente”. Também nesse sentido aduzem Arthur Pinto de Lemos Júnior e Beatriz Lopes de Oliveira:

                                                                            

“Sublinhamos qe a Lei nº 12.850/13 possibilitou ao Delegado de Polícia propor ao Investigado o benefício da colaboração premiada. Aplaudimos essa prerrogativa ao Chefe de Polícia. O Ministério Público não está em tempo integral nas dependências policiais e, assim, a dinâmica e agilidade da investigação policial exige a concessão dessa prerrogativa ao Delegado de Polícia.[2]

 

Contudo, os dispositivos cingem-se de forte controvérsia, sobretudo porque, a depender da interpretação que se faça, pode-se suprimir uma prerrogativa do Ministério Público, titular ação penal, conferida pelo art. 129, da Constituição Federal, que indica, dentre as funções institucionais do Ministério Público a promoção da a ação penal pública, privativamente.

Assim, Eugênio Pacelli de Oliveira critica o preceito legal, bem como o §2º, que prevê a possibilidade de o Delegado de Polícia requerer ao juiz a concessão do perdão judicial ao colaborador, pois tais prerrogativas admitem a extinção da persecução penal, a viabilização de imposição de pena e a promoção da extinção da punibilidade do fato (inclusive, em relação a apenas um dos autores ou particípes). Em defesa de seu ponto de vista, enumera:

 

a) o acordo de colaboração premiada tem inegável natureza processual, a ser homologado por decisão judicial, que somente tem lugar a partir da manifestação daqueles que tenham legitimidade ativa para o processo judicial;

b) o fato de poder ser realizado antes do processo propriamente dito, isto é, antes do oferecimento da acusação, não descaracteriza sua natureza processual, na medida em que a decisão judicial sobre o acordo está vinculada e também vincula a sentença definitiva, quando condenatória;

c) a condição de parte processual está vinculada à capacidade e à titularidade para a defesa dos interesses objeto do processo. É dizer, a legitimação ativa está condicionada à possiblidade da ampla tutela dos interesses atribuídos ao titular processual, o que, evidentemente, não é o caso do delegado de polícia, que não pode oferecer denúncia e nem propor suspensão condicional do processo.

d) o acordo de colaboração, tendo previsão em lei e não na Constituição da República, não poderia e não pode impedir o regular exercício da ação penal pública pelo Ministério Público, independentemente de qualquer ajuste feito pelo delegado de polícia e o réu;

e) para a propositura do acordo de colaboração é necessário um juízo prévio acerca da valoração jurídico-penal dos fatos, bem como das respectivas responsabilidades penais, o que, como se sabe, constitui prerrogativa do Ministério Público, segundo o disposto no art. 129, I, CF.

f) a eficácia do acordo de colaboração está vinculada não só aos resultados úteis previstos em lei, mas também à sentença condenatória contra o colaborador, o que dependerá de ação penal proposta pelo Ministério Público.[3]

 

Finaliza o autor argumentando que, ou se admite a inconstitucionalidade de tais normas, ou se condiciona a homologação do acordo à manifestação favorável do Ministério Público. Assim, o trecho “com a manifestação do Ministério Público”, do §6º demandaria uma interpretação restritiva, tornando essa manifestação vinculante. Também defende esse ponto de vista Marcelo Bartlouni Mendroni[4].

Por outro lado, Renato Brasileiro de Lima defende que nem mesmo a manifestação do Ministério Público poderia validar o acordo celebrado pelo Delegado de polícia. Explica:

 

Esta simples manifestação não tem o condão de validar o acordo celebrado exclusivamente pela autoridade policial. Isso porque a Lei 12.850/13 não define bem o que seria essa manifestação, que, amanhã, poderia ser interpretada como um simples parecer ministerial, dando ensejo, assim, à celebração de um acordo de colaboração premiada pela autoridade policial ainda que o órgão ministerial discordasse dos termos pactuados. Se é verdade que a autoridade policial tem interesse em obter informações relevantes acerca do funcionamento da organização criminosa através dessa importante técnica especial de investigação, é inconcebível que um acordo de colaboração premiada seja celebrado sem a necessária interveniência do titular da ação penal pública. Quando a Constituição Federal outorga ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública (art. 129, I), também confere a ele, com exclusividade, o juízo de viabilidade da persecução penal através da valoração jurídico-penal dos fatos que tenham ou possam ter qualificação criminal. Destarte, diante da possibilidade de o prêmio legal acordado com o investigado repercutir diretamente na pretensão punitiva do Estado (v.g., perdão judicial), não se pode admitir a lavratura de um acordo de colaboração premiada sem a necessária e cogente intervenção do Ministério Público como parte principal, e não por meio de simples manifestação. De mais a mais, ainda que o acordo de colaboração premiada seja celebrado durante a fase investigatória, sua natureza processual resta evidenciada a partir do momento em que a própria lei 12.850/13 impõe a necessidade de homologação judicial (art. 4º, § 7º). Por consequência, se a autoridade policial é desprovida de capacidade postulatória e legitimação ativa, não se pode admitir que um acordo por ela celebrado com o acusado venha a impedir o regular exercício da ação penal pública pelo Ministério Público, sob pena de se admitir que um dispositivo inserido na legislação ordinária possa se sobrepor ao disposto no art. 129, I, da Constituição Federal.[5] 

 

Já Roberto Bitencourt e Paulo César Busato são da linha que, sob qualquer hipótese, o acordo celebrado pelo Delegado de Polícia será inconstitucional, ao conferir à autoridade o status de sujeito processual. Sendo a colaboração premiada meio de prova, constitui-se em matéria processual, motivo pelo qual a participação do Ministério Público não pode ser resumida à uma simples oitiva:

 

A questão toda é que a iniciativa a respeito do emprego deste instrumento probatório e mesmo o sopesamento das consequências que ele gera para fins de aplicação do direito penal devem estar disponíveis tão somente para o titular da ação penal que, por disposição constitucional, é exclusivamente o Ministério Público (artigo 129, I da CF/88), afinal, em certa medida, trata-se de dispor da persecução penal. (...)

Claramente, a seguir as disposições da lei, o delegado de polícia assume o papel de parte no processo penal, pois, ao admitir que ele negocie a colaboração, sua iniciativa poderia gerar a extinção da persecução, a redução da pena ou sua substituição de privação de liberdade por restrições de direitos, e até a extinção da punibilidade por perdão judicial. (...).

A única solução hermenêutica razoável é entender como absolutamente impossível a iniciativa do delegado de polícia em negociar a colaboração premiada, cabendo esta exclusivamente ao agente do Ministério Público, submetendo-se, em caso de discordância do juiz a respeito dos termos do acordo, à revisão pelo Procurador-Geral de Justiça. Qualquer outra interpretação ou forma de resolução esbarrará ou em ilegalidade ou em inconstitucionalidade.

 

Os doutrinadores explicam ainda que a aprovação do texto legal afastou-se da orientação do Grupo de Trabalho que elaborou o anteprojeto de lei, pois este apontava unicamente para a possibilidade de acordo entre o Ministério Público e a defesa, na condição de partes no processo, e a justificativa era justamente a titularidade do Ministério Público sobre a ação penal.[6]

Márcio Alberto Gomes da Silva[7], entende, por sua vez, que não há qualquer mácula na legitimidade conferida ao delegado de polícia para materializar acordo de colaboração com o investigado na fase pré-processual. Isso porque o presidente da investigação é quem pode, de forma mais adequada, avaliar a conveniência do acordo. Tal atribuição não se chocaria com a titularidade do Ministério Público, já que esse participa, posteriormente, emitindo parecer.

Parece-nos mais coerente que a manifestação do Ministério Público seja vinculante, mas suficiente para a possibilitar a homologação do acordo pelo magistrado. Afinal, o apontado risco mudança de interpretação sobre o dispositivo é inválido. Consolidando-se pela jurisprudência a concepção sobre a obrigatoriedade da concordância ministerial, será invalidado o acordo que descumpra tal regra.

Igualmente parece necessário assegurar a celebração de acordos de urgência, no momento oportuno, caso em que o entrave burocrático de acionar o Órgão Ministerial pode frustrar acordos que seriam fundamentais. Seria o caso, por exemplo, da captura de um dos coautores de um sequestro, que tivesse informações que auxiliassem na localização da vítima com a sua integridade física preservada.

Posta assim a questão, resta a ressalva de aplicação, no que couber, do art. 28 do Código de Processo Penal[8], por analogia. Dentre outras hipóteses desta lei em que se poderia aplicar o dispositivo, aqui nos parece ser a hipótese de discordância do membro do Parquet, quanto à celebração do acordo. Também, nesse sentido:

 

Caso o promotor não concorde com o Acordo de Colaboração Premiada proposto pelo Delegado de Polícia, o Juiz deverá aplicar a regra prevista no artigo 228 do Código de Processo Penal – parágrafo 2º do artigo 4º da Lei 12.850/13. Será daí, o Procurador-Geral de Justiça quem definirá sobre o ajuste ou não com o Investigado e sua Defesa técnica, destacando-se, vez mais, o caráter acusatório do processo penal brasileiro. Portanto, caso não seja acolhido o entendimento judicial, não será proposto Acordo de Colaboração Premiada, não obstante o entendimento da autoridade policial e do Magistrado.[9]

 

Em suma, tem-se que é possível atribuir ao Delegado de Polícia a incumbência de celebrar acordo de colaboração premiada, desde que tal acordo seja chancelado pelo Ministério Público. Acaso o Promotor de Justiça ou procurador da República discorde, aplica-se o art. 28 do Código de Processo Penal, sendo a manifestação do Procurador-Geral do Órgão conclusiva.

 


 

 

3.2 A QUESTÃO MORAL DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO

 

A despeito da eficiência que a colaboração premiada pode alcançar, no auxílio das investigações e desbaratamento das organizações criminosas, muito se critica a sua utilização, no que diz respeito às premissas éticas do Estado.

Não poderia o Poder Público, segundo os críticos, valer-se de um artifício que surge de um ato ignóbil e imoral, qual seja, a traição dos integrantes das organizações criminosas em relação aos seus comparsas.

Certo é que os criminosos possuem artifícios que o Estado nunca (legalmente) poderá ter. A completa e irrestrita ausência de cerceamento moral é o norte de tais artifícios, dois quais se desdobram outros tantos, como a corrupção de agentes públicos, a percepção de lucros exorbitantes, a prática de atos terroristas, e a imposição da lei do silêncio, apenas para exemplificar.

O debate perpassa, então, para os limites estatais em combater as organizações criminosas. Não há controvérsias no fato de que, por essência do estado democrático de direito, o Estado deve respeito às normas, aos direitos e garantias fundamentais, o que implica na impossibilidade de substituir os indivíduos na prática de condutas criminosas.

Em outras palavras, veda-se a utilização de armas, que não aquelas condizentes com a Constituição Federal, as leis, e o estado democrático de direito, sob pena de ser o próprio Estado um ente criminoso, situação essa que — a história nos mostra — é incomparavelmente mais perigosa.

Cite-se, dentre os críticos mais ferrenhos, o criminalista argentino Eugênio Raul Zaffaroni, o qual argumenta que a cobertura que se dá aos colaboradores, garantindo-lhes a impunidade, é uma séria lesão à eticidade do Estado, princípio que, em suas palavras, forma parte essencial do Estado de Direito. Aduz o autor que “o Estado está se valendo da cooperação de um delinquente, comprada ao preço da sua impunidade para ‘fazer justiça’, o que o Direito Penal liberal repugna desde os tempos de Beccaria”[1].

No Brasil, uma das críticas mais contundente é a sustentada por Alberto Silva Franco, para o qual, independentemente dos fins a que se destina, ou mesmo a rotulagem que se lhe imponha, a colaboração premiada é reprovável, sob o ponto de vista ético. Discorre o autor:

 

A delação premiada, qualquer que seja o nome que se lhe dê, quaisquer que sejam as consequências de seu reconhecimento, continua a ser indefensável, do ponto de vista ético, pois se trata da consagração da traição que rotula, de forma definitiva, o papel do delator.[2]

 

Também refuta a colaboração premiada Juarez Cirino dos Santos[3], visto que, no seu ponto de vista, “o cancelamento utilitário do juízo de reprovação estimula o oportunismo egoísta do ser humano, amplia o espaço de provas duvidosas produzidas por ‘arrependidos’, que conservam o direito de mentir”.

Quanto às críticas à postura do Estado, é uma visão pertinente a se considerar. Contudo, no que diz respeito ao incentivo para um comportamento imoral, percebe-se, talvez, a ausência de uma análise crítica mais profunda.

Ora, há de se esperar, de alguma forma, postura digna e comportamento ético de quem integra uma organização criminosa? Veja-se que não se está falando de indivíduos que eventualmente cometeram crimes ou mesmo de criminosos habituais, e sim de indivíduos cuja proposta de vida é burlar as regras de convívio em sociedade, sem tomar conhecimento de conduta ética. Como se falar então em estímulo a uma característica já inerente ao estilo de vida que se adota?

Bem discorre, nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima:

 

De mais a mais, falar-se em ética de criminosos é algo extremamente contraditório, sobretudo se considerarmos que tais grupos, à margem da sociedade, não só têm valores próprios, como também desenvolvem suas próprias leis. Como lembra Cassio Granzinoli, “não é incomum a chefes do tráfico de drogas, por exemplo, determinarem (por vezes e por telefone e de dentro dos próprios presídios onde cumprem penas) a execução de outros membros do grupo ou mesmo de pessoas de bem. Estarão eles, pois preocupados com a Ética, Moral, Religião e qualquer outra forma de controle social, diversa do Direito (uma vez que este prevê maior coerção para os atos que lhe são contrários)? Certamente não.[4]

 

Que não se chegue aos extremismos, a ponto de defender que “Nenhuma pessoa delatada é Jesus ou Tiradentes”, como indica Ana Luiza Ferro apud Carlos Fernando dos Santos[5], pois tal ponto de vista implica em uma presunção de culpabilidade, como critica Eugênio Pacelli de Oliveira[6] (muito embora o doutrinador arremate o pensamento corretamente, aduzindo-se que “Não há regra moral na omertà, não se pode admitir como obrigação ética o silêncio entre criminosos. Na verdade, a obrigação é com a sociedade”).

Não se quer, de forma alguma, pré-julgar os colaboradores ou seus pares por ele apontados, mesmo porque a consolidação da colaboração premiada ocorre com a comprovação das informações prestadas com outras provas. O que não se pode é querer obstar a utilização deste importante instituto em função de uma suposta regra de conduta moral do Poder Público em face daqueles que — acaso venha se comprovar o efetivo envolvimento em atividades ilícitas —não têm entre si, nem em relação ao meio social, conduta limpa e reta.

Melhor resolve a questão Hélio Schwartsman[7], em cujas poucas palavras se sintetiza e resolve-se a controvérsia: “Embora simples perspectiva de o poder público estimular a delação cause ojeriza, deve-se lembrar que nenhuma teoria geral do Estado reza que é dever das autoridades zelar pela observância da ética entre meliantes”.

Igualmente, nesse sentido, discorre Guilherme de Souza Nucci, ao contextualizar a moralidade da traição no seio das organizações criminosas:

 

No contexto das pessoas de bem, sem dúvida, a traição é desventurada, mas não se pode dizer o mesmo ao transferir a análise para o âmbito do crime, por si só, desregrado, avesso à ilegalidade, contrário ao monopólio estatal da resolução de conflitos, regido por leis esdrúxulas e extremamente severas, totalmente distantes dos valores regentes dos direitos humanos fundamentais.[8]

 

Endossa a defesa da colaboração premiada, de forma pragmática, Márcio Alberto Gomes Silva, ao justificar a técnica pelos fins obtidos, quais sejam, as benesses alcançadas pela sociedade com o desbaratamento das organizações criminosas.

 

A colaboração premiada (...) desperta discussão acerca do respeito a premissas éticas pelo Estado. Seria ético e moral estimular legalmente acordos que redundam em estímulo à traição (ainda que esta se manifeste no seio da organização criminosa)? Penso que não há o menor problema em ofertar benesses ao membro da agremiação criminosa que tenciona delatar seus comparsas e/ou desnudar as práticas delitógenas dos seus convivas. Cumpre lembrar que estamos tratando de indivíduos que diuturnamente se ocupam de atacar o Estado, de maneira sorrateira e por meio de práticas danosas ao tecido social. O desbaratamento de organizações criminosas e o bem que isso traz ao restante da população justifica (e muito) a utilização da técnica.[9]

 

O autor ainda destaca o posicionamento de Guilherme de Souza Nucci[10], para o qual a delação premiada constitui-se um “mal necessário”, uma vez que se trata de mecanismo que tutela o estado democrático de direito, ao passo que a criminalidade organizada tem o condão de desestabilizá-lo.

Some-se a isso o fato de que o espectro da colaboração premiada estabelecido pela Lei nº 12.850/13 é mais amplo que a simples delação de comparsas, como destacam Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, porquanto os benefícios possam ser obtidos sem enveredar o colaborador por esse caminho. É o caso, por exemplo, do inciso V do art. 4º, no qual basta o auxílio da localização de eventual vítima, com a sua integridade física preservada.

Por outro lado, critica-se ainda a desproporcionalidade que a concessão de benefícios ao colaborador poderá gerar na cominação das sanções, em relação a autores do mesmo fato criminoso. Neste ponto, assevera Luiz Rascovski que a colaboração premiada “viola o princípio da proporcionalidade, posto que enseja a aplicação de sanções diversas àqueles que perpetraram o mesmo crime”[11].

A bem da verdade, a crítica não tem fundamento, pois é mister constitucional que se proceda à individualização da pena, fato este que acarretará, independentemente de ter ocorrido a colaboração premiada, na consideração de condições subjetivas quando se realiza a dosimetria da pena, como bem visto nas norma acima indicadas.

Corrobora com essa visão a explicação de José Paulo Baltazar Júnior:

 

Em minha posição, a colaboração premiada é indispensável no âmbito da criminalidade organizada, e os ganhos que podem daí advir superam, largamente, os inconvenientes apontados pela doutrina. O instituto vem, na verdade, na mesma linha da confissão, do arrependimento eficaz e da reparação do dano, nada havendo aí de imoral (TRF2, HC 200302010155542, Maria Helena Cisne, 1ª T., 6.10.04), residindo a sua racionalidade no fato de que o agente deixa de combater crimes e passa a colaborar com o Estado para minorar seus efeitos, evitar sua perpetuação e facilitar a persecução. (grifos nossos)

 

E, a respeito da característica invasiva da colaboração premiada, nunca se pode perder de vista que o direito penal, em si, essencialmente irá adentrar na intimidade dos indivíduos, a fim de produzir provas e, posteriormente, caso ocorra uma condenação, privando-o de sua liberdade, ou restringindo direitos.

Nesse sentido, também já argumentou Guilherme de Souza Nucci[13], ao concluir que a colaboração premiada é instrumento útil, como tantos outros já utilizados legalmente pelo Estado, a exemplo da interceptação telefônica, que fere a intimidade com o intuito de combater a criminalidade.

No mais, ainda que não se conceba a adoção do perdão judicial a um autor de fato criminoso como uma solução satisfatória, ou mesmo uma pena inferior à que se considera proporcional à ofensa provocada, trata-se de um sacrifício em prol da efetividade do exercício do jus puniendi.

É saber, para alcançar resultados impensáveis com os métodos tradicionais de investigação, o Estado abre mão parcialmente de seu direito de punir, sob pena de não exercê-lo em sua integralidade, dando um passo que pode ser considerado satisfatório, ao alcançar até mesmo o desfazimento de organizações criminosas, cuja perpetração seria incomparavelmente mais gravosa que a renúncia parcial do jus puniendi.

 


 

 

3.3 A CONSOLIDAÇÃO DA JUSTIÇA NEGOCIADA NO BRASIL E A EFICÁCIA DA COLABORAÇÃO PREMIADA

 

 

A Lei das Organizações Criminosas estabelece, de forma definitiva no Brasil a chamada justiça negociada (plea bargaining, no direito americano). É Necessário ressaltar que não se trata de uma inovação em nosso ordenamento, já que previstas em leis anteriores, como a Lei dos Juizados Especiais (n° 9.099/95) e a Lei nº 8.137/90, que prevê o acordo de Leniência para crimes tributários.

Outrossim, ainda se demonstrou alhures que diversas outras a partir da Lei nº 8.072/90 previram institutos de direito penal ensejadores de perdão ou redução da pena. Contudo, o que diferencia a Lei nº 12.850/13 é a amplitude que a alcança o sistema negocial, antes restrito a determinados delitos específicos, ou de menor potencial ofensivo.

Nesse sentido, explica Eduardo Araújo da Silva, que a colaboração é um instituto “bem mais amplo que a delação premiada até então consagrada em várias leis brasileiras, a qual se restringe a um instituto de direito material, de iniciativa do juiz, com reflexos penais (diminuição da pena ou concessão de perdão judicial)”[1]. Aqui, importante ressaltar que o juiz não tem iniciativa, sendo esta do Ministério Público ou do delegado de polícia.

Ainda sobre a amplitude da que atingiu a negociação a partir da Lei das Organizações Criminosas, discorre Eugênio Pacelli de Oliveira:

                                                        

Mas não se pode negar que a Lei nº 12.850/13 pretende instituir uma modalidade de negociação penal, com parcial flexibilização do princípio da obrigatoriedade da ação penal, com contornos mais complexos que aquele previsto na conhecida transação penal da Lei nº 9.099/95. Diferença perfeitamente explicável: esta última cuida de infrações penais de menor potencial ofensivo, enquanto a outra, a primeira, trata de organizações criminosas, associadas, em regra, a crimes de maior relevância jurídico-penal.[2]

 

Ora, a despeito de se ver todo tipo de crítica à colaboração premiada, mormente no que tange à moralidade de sua utilização pelo Estado, não se verifica muita resistência na doutrina ao alargamento da justiça negociada no Brasil. E nem deveria ser, afinal, a sua utilização, embora não esteja próximo do mundo ideal (com a garantia da impunidade a um membro de organização criminosa), é uma perda que se aceita para não se perder, completamente, a possibilidade de alcançar a justiça (mesmo que parcial).

E mais, sua origem muito remota, e em larga escala se lhe aplica, em outros países cujo direito inspiram e influenciam o direito pátrio, e cujos resultados de eficiência são norte para o nosso país. É o caso, por exemplo, da Itália, conforme narra Eduardo Araújo da Silva, que passou na década de 1980 por grande prestígio, ao se mostrar eficaz no combate à criminalidade mafiosa. Aduz o autor:

 

O denominado pentitismo do tipo mafioso permitiu às autoridades uma visão concreta sobre a capacidade operativa das Máfias, determinando a ampliação de sua previsão legislativa e a criação de uma estrutura administrativa para a sua gestão operativa e logística (Setor de Colaboradores da Justiça). O sucesso do instituto ensejou, inclusive, uma inflação de arrependidos buscando os benefícios legais, gerando o perigo de concessão dos benefícios a indivíduos que não gozavam do papel apregoado perante as organizações criminosas.[3]

 

Nessa esteira, o autor ainda menciona casos emblemáticos da jurisprudência inglesa, como o Caso Rudd (1775), em que o juiz concedeu a imunidade ao acusado, em troca de testemunho contra os demais acusados, e o Caso Smith (1982), em relação à criminalidade organizada.

O destaque, contudo, fica por conta dos Estados unidos, no qual se observa que os acordos celebrados entre acusação e defesa restam incorporados na cultura jurídica. Explica o expert que, embora de tradição calvinista, no qual se prezava pela confissão pública da culpa, uma atitude considerada cristã, atualmente o instituto não é mais utilizado com esse fim, e sim como estratégia de defesa para a condenação dos chefes do crime organizado[4].

Por fim, não há de se olvidar que o combate ao crime organizado, tema de que trata a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, da qual o Brasil é signatário, e cuja ratificação interna se deu pelo Decreto nº 5.015/04, indica os instrumentos a serem adotados, dentre os quais o de maior relevância é, justamente, a colaboração premiada.

Ora, a ratificação da Convenção pelo Brasil, assim como por diversos outros países demonstra a tendência mundial para o processo colaborativo, uma demanda global pelo combate ao crime organizado que, como visto, não tem restrição de fronteiras internacionais. Assim, mais que um simples problema interno, a adoção de medidas que visam coibir a ação das organizações criminosas é um compromisso internacional, motivo pelo qual a colaboração premiada, indicada como método fundamental nessa missão, é de ser bem recebida e aplicada em nosso país.

Evidentemente, não se ignora os diversos problemas que o seu uso pode criar. Em primeiro lugar, não é desprezível, infelizmente, a possibilidade de corrupção dos órgãos de persecução penal, a saber, o Ministério Público e as Polícias. A concessão de redução de pena e perdão judicial pode gerar todo tipo de relação promíscua entre esses e as organizações criminosas, com troca de favores, tráfico de influência e mesmo a corrupção monetária.

Porém, a Lei 12.850/13 dispõe de mecanismos que visem coibir esse tipo de prática. É o que se observa com a necessidade de homologação do acordo celebrado, pelo Poder Judiciário, e a manifestação final deste quanto à eficácia percebida ao final do processo, quando da prolação da sentença. Eficiência completa não há — é plausível a capacidade da organização criminosa corromper todas as esferas públicas atuantes no processo — mas isso não se resume à colaboração premiada, e sim alcança todo processo criminal.

Também não se descuida da possibilidade de utilização da colaboração premiada como estratégia da própria organização criminosa, não com o intuito de livrar alguns de seus membros da punição estatal, mas de permanecer ativa, desviando o foco de linhas investigativas levadas a efeito pela Polícia, invertendo a hierarquia por simulação, a fim de levar membros do baixo escalão à punição, ao passo que os chefes possam sair impunes, enfim, infinitos estratagemas que se multiplicarão com a criatividade das mentes criminosas.

É ainda exemplo, indicado por Eduardo Araújo da Silva[5] para a existência dos profissionisti del pentitismo, que seriam os colaboradores que “comercializam meias verdades, em trocas de vantagens individuais.

Tudo isso deve ser filtrado pela análise da eficácia das informações prestadas, pelo magistrado. De igual modo, aqui, não se diferencia as informações levadas ao conhecimento do juiz, seja por acordo de colaboração, seja por estratégia defensiva. Não há maiores dificuldades de se encontrar a veracidade dos fatos aqui, que em qualquer processo criminal (desconsiderando, é claro, o fato de se tratar de criminalidade organizada).

Outra preocupação a ser levado em conta é a dificuldade que se encontrará em proteger o colaborador e seus familiares. Nesse sentido indica Rômulo de Andrade Moreira ao aduzir que “o nosso Estado não tem condições de garantir a integridade física do delator criminis, nem a de sua família, o que serviria como elemento desencorajador para a delação”[6].

De mais a mais, defende-se, dentre os doutrinadores criminais brasileiros, a utilização da colaboração premiada. Nesse sentido se posiciona Renato Brasileiro de Lima mormente pela dificuldade de se obter outros meios de prova, em razão da “lei do silêncio” que vige no seio das organizações criminosas, e da “oportunidade de se romper o caráter coeso das organizações criminosas (quebra da affectio societatis), criando uma desagregação da solidariedade interna em face da possibilidade da colaboração premiada”[7].

Também se manifestam pela dificuldade em esclarecer os delitos cometidos no âmbito da criminalidade organizada Arthur Pinto de Lemos Júnior e Beatriz Lopes de Oliveira[8], já que os agentes criminosos, “dotados de poderio econômico e com a melhor tecnologia à sua disposição, planejam a ocultação da prova do crime”, contratando até mesmo auditorias para supervisionar eventuais rastros de ajustes ilícitos.

A propósito, os autores, partem em defesa da necessidade de eficiência na investigação criminal, a qual deve ser sopesada pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais, a fim de se alcançar uma “concordância prática entre uma lógica de justiça e uma lógica de produtividade ou eficácia social”, no que destacam trecho do voto do Ministro Luiz Fux, na Ação Penal 470, em relação ao delito de formação de cartel (e bastante pertinente aos delitos praticados por organizações criminosas):

 

“É incomum que se assinem documentos que contenham os propósitos da associação, e nem sempre se logra filmar ou gravar os acusados no ato do cometimento do crime. Fato notório, e notoria non egent probatione, todo contexto de associação pressupõe ajustes e acordos que são realizados a portas fechadas. Neste sentido, por exemplo, a doutrina norte-americana estabeleceu a tese do ‘paralelismo consciente’ para a prática do cartel. Isso porque normalmente não se assina um ‘contrato de cartel’, basta que se provem circunstâncias indiciárias, como a presença simultânea dos acusados em um local e a subida simultânea de preços, v. g., para que se chega a conclusão de que a conduta era ilícita, até porque, num ambiente econômico hígido, a subida de preços, do ponto de vista de apenas um agente econômico, seria uma conduta irracional economicamente.”[9]

 

É oportuno transcrever as considerações de Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. de Almeida Delmanto:

 

(...) não se pode deixar de reconhecer que a delação premiada, ao lado da interceptação telefônica, tem se mostrado um instrumento poderoso de apuração de gravíssimos crimes, os quais, sem ela, permaneceriam impunes. Nesse contexto, e feita a ressalva, a Lei n. 12.850/2013 traz aspectos positivos ao garantir ao delatado maior possibilidade de questionar o depoimento do delator, ao buscar diminuir a possibilidade de erro judiciário vedando-se a condenação com fundamento exclusivo em delação, a procurar garantir a integridade física do colaborador e ao regulamentar o acordo de colaboração, o que antes inexistia.

 

De fato, o Brasil tem visto um exemplo prático do potencial que tem a colaboração premiada. A Operação Lava-Jato, que, segundo afirma o Ministério Público Federal, é “a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve”[10].

Os números apresentados pelo órgão, atualizados em 03/03/2015, impressionam. Foram instaurados 330 procedimentos, para investigação de 494 pessoas e empresas. Até essa data, haviam sido expedidos 201 mandados de busca e apreensão, 55 mandados de condução coercitiva, e 64 mandados de prisão haviam sido cumpridos. Até então, já foram formalizadas 19 acusações criminais contra 97 pessoas, pelos crimes de corrupção, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, tráfico transnacional de drogas, formação de organização criminosa lavagem de ativos, dentre outros. Com pessoas físicas, foram celebrados 12 acordos de colaboração premiada[11].

O Procurador-Regional da República Vladimir Aras, que integra a força-tarefa da Operação Lava-Jato, explica a importância da colaboração premiada para o desenvolvimento das investigações:

 

Existe muita incompreensão sobre a verdadeira extensão dessa técnica. Não se trata de estímulo à "traição", como certos comentaristas acreditam, mas de ferramenta do direito premial, que encontra símile em outros institutos jurídicos. O uso da colaboração premiada é estimulado por organizações internacionais sérias e respeitadas, como a ONU, a União Europeia, o Conselho da Europa e por organismos como o GAFI [Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Terrorismo Internacional]. Aliás, é bom que se diga que o modelo brasileiro de colaboração premiada foi desenvolvido pelo próprio MPF, por ocasião do caso Banestado. A prática dos acordos escritos, clausulados, firmados após negociação entre o Ministério Público e a Defesa surgiu ali, em meados da década passada, a partir de modelo de minha autoria e do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima. Por coincidência, alguns dos protagonistas do caso "lava jato”, na acusação, na defesa e no Judiciário participaram da implantação desses primeiros acordos, que acabaram sendo tomados como paradigma para a Lei 12.850/2013. (...) Não é nem pretende ser a "salvação do mundo", mas é um importante instrumento para o rompimento da omertà, isto é, o silêncio mafioso, que mantém impunes esquemas criminosos de todos os tipos. Há um certo viés preconceituoso na doutrina brasileira contra esses meios especiais de obtenção de prova. Critica-se o uso de interceptações telefônicas; ataca-se a colaboração premiada. Recrimina-se o emprego de escutas ambientais. Busca e apreensão também não pode, porque é "invasão". As quebras de sigilo bancário são abusivas. O que sobra? A prova testemunhal?[12]

 

É importante destacar ainda que o proveito dos acordos celebrados não se restringem à elucidação dos delitos cometidos e ao esclarecimento acerca da colaboração premiada. Muito importante também é a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa. No infográfico do Ministério Público Federal[13] consta que, até 03/02/2015, já haviam sido recuperados R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) em bens bloqueados.

A 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, na qual tramita alguns dos autos da Operação, informa que, somente no que tange ao acordo de colaboração premiada celebrado com o senhor Pedro José Barusco Filho, ex-Gerente da Petrobrás, este se comprometeu a depositar em Juízo R$ 3.250.000,00 (três milhões e duzentos e cinquenta mil reais) a título de multa compensatória penal, e a devolver aos cofres públicos cerca de USD 67.500.000,00 (sessenta e sete milhões e quinhentos mil dólares), acrescidos dos interesses financeiros, que seriam produto de crimes de corrupção. Até a emissão da Nota de Informação, já haviam sido depositados na conta judicial vinculada ao processo R$ 139.666.471,17 (cento e trinta e nove milhões, seiscentos e sessenta e seis mil, quatrocentos e setenta e um reais e dezessete centavos)[14].

Diante de todos esses fatos, é importante considerar que as críticas de cunho teórico sempre devem ser sopesadas com a os problemas reais, observados no cotidiano dos órgãos de persecução penal. As vantagens observadas indicam que a colaboração premiada tem se consolidado no Brasil, e que, cercada das cautelas e seriedade que se exige para a relevante função estatal do exercício do jus puniendi, há de vencida a resistência que se criou acerca do instituto.


 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A Lei das Organizações Criminosas vem suprir uma lacuna há muito aberta na legislação brasileira: enquanto o crime organizado já orquestrava ações criminosas desde a primeira metade do Séc. XX por aqui, a dogmática penal ainda buscava desenvolver e aperfeiçoar um sistema de combate aos delitos praticados por indivíduos, com pretensões individuais.

Não é preciso dizer, destarte, que a criminalidade organizada encontra-se em vantagem, tendo crescido na inércia do Estado em buscar mecanismos para frear o seu avanço, bem como se adaptando a cada avanço que o Estado alcança. O “sucesso” é incontestável — basta ver a estimativa de lucro indicada nesse trabalho, qual seja, um quarto do dinheiro em circulação no mundo.

Da análise da Lei nº 12.850/13, inegável que houve falhas técnicas, criando-se dissenso onde se deveria buscar a confluência, já que o combate ao crime organizado é interesse de toda a sociedade e comunidade jurídica. A verdade é que até mesmo as discussões doutrinárias e divergências jurisprudenciais tendem a ser vantajosas às organizações criminosas, que se valem de todos os meios possíveis para garantir a perpetuação.

Vislumbra-se até mesmo a possiblidade de alguns dispositivos acarretarem em conflito institucional, como é o caso do acordo de colaboração premiada celebrado por Delegado de Polícia. O Ministério Público e as Polícias, cuja sintonia é essencial para a persecução penal, já sofreram recente atrito por conta da PEC 37/2011, podem novamente entrar em rota de colisão, cada um na defesa de suas prerrogativas constitucionais.

Contudo, o produto final, como bem defendido neste estudo, é vantajoso à sociedade. A Lei do Crime Organizado cumpre papel imprescindível na previsão e regulamentação de métodos de investigação criminal e produção probatória, além de ter realizado a tipificação das organizações criminosas.

É nessa esteira que se aponta a importante função de prestar o rito da colaboração premiada a todas as outras leis anteriores que sobre ela dispõem, servido como parâmetro de norma geral. A regulamentação dada pela lei é satisfatória, indicando os requisitos, benefícios e procedimento, bem como as funções de cada instituição e as sanções ao descumprimento de seus preceitos.

Também se indica, por outro prisma, a colaboração premiada como um eficiente mecanismo estatal, com resultados comprovadamente eficientes. Sendo um instituto indicado pela Convenção de Palermo, e de aceitação universal, conforme se verifica na expressiva quantidade de países que a ela aderiram, é um instituto que não se pode mais ignorar, ao menos enquanto não for desenvolvido outros que tragam resultados tão eficientes.

Não se descuidou das críticas, muitas das quais consistentes, e que tanto auxiliam na evolução do Direito. Abordamos, portanto, a resistência oferecida ao sistema da justiça negociada, de pouca tradição e incidência em nosso ordenamento jurídico, e a utilização da colaboração premiada, que segundo alguns defendem, extrapola os limites éticos do Estado.

Neste ponto, demonstramos que, mesmo sob o viés da moralidade, não representa a colaboração premiada um ultraje, tanto por não se resumir ao ato de delação, já que são previstas diversas formas colaborativas, quanto por

Não menos importante, relata-se também uma possível inconstitucionalidade da renúncia ao silêncio, e a atribuição do delegado de polícia, estabelecida pela Lei em questão, para propositura e formalização do acordo de colaboração premiada, haja vista a titularidade exclusiva do Ministério Público para formação da opinio delicti.

Questiona-se ainda, por um viés, a moralidade da colaboração premiada, visto que o Estado utiliza-se, para a persecução de seu direito de punir, de um ato de “traição” do colaborador; e por outro, o enfraquecimento das atividades investigativas, servindo o instituto a provocar a falta de zelo das instituições responsáveis em formar um corpo probatório mais robusto e seguro, confiando-se nas informações provenientes do colaborador, ou até a seguir uma linha investigativa errônea, propósito almejado dolosamente pelo membro da organização criminosa.

As outras considerações dizem respeito às divergências oriundas da interpretação dos artigos da norma, que transitam desde meras divergências teóricas, sem efeito prático, até a discordância quanto a entendimentos que interferem de maneira substancial na aplicabilidade prática da colaboração premiada.

Destarte, observou-se, por tudo exposto, que a regulamentação da colaboração premiada há muito era necessária, e que esta tende a se tornar um eficiente mecanismo de combate à criminalidade organizada.

 

 

1] FOLLAIN, John. Os últimos mafiosos: ascensão e queda da família mais poderosa da máfia. São Paulo: Editora Lafonte Ltda., 2010. Tradução: Maria Elizabeth Hallak Neilson.

[2] RIBEIRO, Flávia. A história da máfia e do crime organizado. Guia do Estudante: Aventuras na história. São Paulo, 29 mar. 2012. Disponível em <http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/confira-historia-mafia-crime-organizado-680767.shtml>. Acesso em 17/03/2015.

[3] Ibidem.

[4] SILVA, Eduardo Araújo da. Organizações Criminosas: Aspectos Penais e Processuais da Lei nº 12.850/13. São Paulo: Atlas, 2010. pp.3-15.

[5] GRECO FILHO, Vicente. Comentários à Lei de Organização Criminosa: Lei nº 12.850/13. São Paulo: Saraiva, 2014. p.9.

[6] SILVA, Eduardo Araújo da. Op.cit. p.15.

[7] Dispõe o art. 2º, §4º da Lei 12.850/13: A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços): [...]V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

[8] CABETTE, Eduardo Luiz Santos; NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Criminalidade Organizada & Globalização desorganizada – curso completo de acordo com a lei 12.850/13. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora. 2014. pp. 145-147.

[9] GRECO FILHO, Vicente. Op.cit. p. 10.

[10] SANCHES, Juan Muños. El agente provocador. Valencia: Tirant lo Blanch. 1995. p. 22.

[1] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 2ª ed. Bahia: Juspodivm. 2014. p. 528.

[2] Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/lesson/questao-controvertida-49-colaboracao-premiada-possui-natureza-processual-material-ou-mista/> Acesso em 11 mar. 2015.

[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas – volume 2. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2014. p. 603.

[4] FERRO, Ana Luiza Almeida; GAZZOLA, Gustavo dos Reis; PEREIRA, Flávio Cardoso. Op.cit. p. 118.

[5] BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à lei de organização criminosa – lei 12.850/2013. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 129.

[6] Dispõe o art. 8º, da Lei nº 8.072/90: Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.

[7] CLARO, Adriano. Op.cit. p. 5.

[8] Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/lesson/questao-controvertida-49-colaboracao-premiada-possui-natureza-processual-material-ou-mista/> Acesso em 11 mar. 2015.

[9] Dispõe o art. 288 do Código Penal: Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

[10] LIMA, Renato Brasileiro de. Op.cit. p. 530-531.

[11] GRECO FILHO, Vicente. Op.cit. p. 44.

[12] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op.cit. p. 862.

[13] SILVA, Eduardo Araújo da. Op.cit. p. 76.

[14] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Op.cit. p. 41.

[1] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op.cit. p. 41.

[2] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op.cit. p. 42.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Op.cit. p. 134-135.

[4] HABIB, Gabriel. Op.cit. p. 50-51.

[5] Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/course/questoes-controvertidas/> Acesso em 15 fev. 2015.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. Vol. 2. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2014. p. 61.

[7] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op.cit. p. 864-865.

[8] Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/course/questoes-controvertidas/> Acesso em 15 fev. 2015.

[9] GRECO FILHO, Vicente. Op.cit. p. 43.

[10] Idem. p. 69.

[11] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Op.cit. p. 48.

[12] SILVA, Márcio Alberto Gomes. Op.cit. p. 28-29.

[13] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 92763. Relator: Eros Grau. 12 fev. 2008.

[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 640139 RG. Relator: Dias Toffoli. 22 set. 2011.

[1] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Op.cit. p. 44.

[2] LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto de; OLIVEIRA, Beatriz Lopes de. Crime Organizado e a Lei n. 12.850/13. São Paulo: Atlas, 2014. p.48.

[3] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op.cit. pp. 854-855.

[4] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Op.cit. p. 44.

[5] LIMA, Renato Brasileiro de. Op.cit. p. 542-544.

[6] BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Op.cit. p. 122-124.

[7] SILVA, Márcio Alberto Gomes. Op.cit. p. 25.

[8] Dispõe o art. 28: Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

[9] LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto de; OLIVEIRA, Beatriz Lopes de. Op.cit. p.49.

 

[1] SILVA, Eduardo Araújo da. Op.cit. p. 52-53.

[2] PACELLI, Eugênio. Op.cit. p. 836.

[3] SILVA, Eduardo Araújo da. Op.cit. p. 54.

[4] Idem. p. 53.

[5] Ibidem. p. 58.

[6] MOREIRA, Rômulo de Andrade. A nova lei do crime organizado – lei 12.850/2013. Porto Alegre: Magister. 2014. p. 46.

[7] LIMA, Renato Brasileiro de. Op.cit. p. 515-516.

[8] LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto de; OLIVEIRA, Beatriz Lopes de. Op. cit. p. 40.

[9] Idem, p. 40.

[10] Disponível em <http://www.lavajato.mpf.mp.br>. Acesso em 13 fev. 2015.

[11] Idem. Acesso em 15 mar. 2015.

[12] SILVA, Rodrigo Daniel. "Colaboração premiada é importante para romper pacto de silêncio mafioso". Disponível em <http://www.conjur.com.br/2015-jan-25/entrevista-vladimir-barros-aras-procurador-regional-republica>. Acesso em 18 mar. 2015.

[13] Disponível em <http://www.lavajato.mpf.mp.br>. Acesso em 13 fev. 2015.

[14] Disponível em <http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2015/03/mp-anuncia-repatriacao-de-r-139-mi-de-ex-gerente-da-petrobras.html>. Acesso em 17 fev. 2015.

[1] Disponível em <http://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/crime/marco-legal.html> Acesso em 22 fev. 2015.

[2] NAÇÕES UNIDAS. Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Palermo, 2000. Disponível em <http://nacoesunidas.org/onu-pede-medidas-urgentes-para-impedir-acoes-de-crime-organizado-contra-migrantes/> Acesso em 22 fev. 2015.

[3] SILVA, Eduardo Araújo da. Op.cit. p. 16-17.

[4] Ibidem. p 20.

[5] CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado: Comentários à nova lei sobre o Crime Organizado: Lei nº 12.850/13. 2. ed. rev. e ampl. atual. Salvador: Juspodivm, 2014. pp.11-12.

[6] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 18. ed. rev. e ampl. atual. de acordo com as Leis nº 12.830, 12.850 3 12.878, todas de 2013. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 8.

[7] SILVA, Eduardo Araújo da. Op.cit. p.55.

[8] Dispunha o art. 32, §2º, da Lei nº 10.409/02: O sobrestamento do processo ou a redução da pena podem ainda decorrer de acordo entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça.

[9] Por sua vez, dispunha o art. 37, da Lei nº 10.409/02: Recebidos os autos do inquérito policial em juízo, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes providências:

IV – deixar, justificadamente, de propor ação penal contra os agentes ou partícipes de delitos.

[10] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op.cit. p. 850.

[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 97.509. Ministério Público do Estado de Minas Gerais e Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Relator: Ministro Arnaldo Esteves. 15 jun. 2010.

[12] CABETTE, Eduardo Luiz Santos; NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Op.cit. p. 182.

[13] Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/course/questoes-controvertidas/> Acesso em 15 fev. 2015.

[14] FERRO, Ana Luiza Almeida; GAZZOLLA, Gustavo dos Reis; PEREIRA, Flávio Cardoso. Criminalidade Organizada. Comentários à lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. Curitiba: 2014. p. 104 e 107.

[15] Dispõe o art. 8º, da Lei nº 8.072/90: Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.

[16] CLARO, Adriano. Legislação Penal Especial. São Paulo: Verbo Jurídico, 2014. p. 5.

[17] Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/course/questoes-controvertidas/> Acesso em 15 fev. 2015.

[18] Dispõe o art. 288 do Código Penal: Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

[1] PACELLI, Eugênio. Op.cit. p. 849.

[2] Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/course/questoes-controvertidas/> Acesso em 15 fev. 2015.

[3] SILVA, Eduardo Araújo da. Op.cit. p.56.

[4] Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/course/questoes-controvertidas/> Acesso em 15 fev. 2015.

[5] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Op.cit. p. 33.

[6] SILVA, Márcio Alberto Gomes. Op.cit. p. 23.

[7] CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op.cit. p.45.

[8] SILVA, Márcio Alberto Gomes. Op.cit. p. 24.

[9] GRECO FILHO, Vicente. Op.cit. p. 40.

[10] HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais – tomo II. 5ª ed. Bahia: Juspodivm. 2014. p. 44.

[11] PEREIRA, Frederico Valdez. Delação Premiada – legitimidade e procedimento. Curitiba: Juruá. 2013. p. 117.

[12] Dispõe o §12, da Lei nº 12.850/13: Ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial.

1] Manual Colaboração Premiada. ENCCLA 2013. Versão de 24-09-2013. Aprovado pela Ação nº 9. Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/lesson/questao-controvertida-49-colaboracao-premiada-possui-natureza-processual-material-ou-mista/> Acesso em 11 mar. 2015.

[2] Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/lesson/questao-controvertida-49-colaboracao-premiada-possui-natureza-processual-material-ou-mista/> Acesso em 11 mar. 2015.

[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 33.278/DF. Relator: Roberto Barroso. 18 nov. 2014.

[4] CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op.cit. p. 72.

[5] SILVA, Eduardo Araújo da. Op.cit. p. 66.

[6] CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op.cit. p. 73.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Op.cit. p. 609-610.

[8] FERRO, Ana Luiza Almeida; GAZZOLA, Gustavo dos Reis; Op.cit. p. 140.

[9] Disponível em <http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/lesson/questao-controvertida-49-colaboracao-premiada-possui-natureza-processual-material-ou-mista/> Acesso em 11 mar. 2015.

[10] CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op.cit. pp. 56-57.

[11] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Op.cit. p. 40.

[1] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Crime organizado: uma categoria frustrada. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro: Revan, ano 1. V.1, 1996, p. 45.

[2] FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT. 2007. p. 343.

[3] SANTOS, Juarez Cirino dos. Crime Organizado. RBCCRim, n. 42, janmar. 1994. pp. 214-224.

[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Op.cit. p. 515-516.

[5] FERRO, Ana Luiza Almeida et. Al. Op.cit. p. 93.

[6] Explica o autor: “Manzini, penalista italiano que ainda goza de grande prestígio entre nós, ria-se daqueles que pregavam a presunção de inocência, apontando uma suposta inconsistência lógica no raciocínio, pois, dizia ele, como justificar a existência de uma ação penal contra quem seria presumivelmente inocente? Evidentemente, a aludida dúvida somente pode ser explicada a partir de um pressuposto: o de que o fato da existência de uma acusação implicava juízo de antecipação de culpa, presunção de culpa, portanto, já que ninguém acusa quem é inocente! Vindo de uma cultura de poder fascista e autoritário, como aquela do regime italiano da década de 1930, nada há a se estranhar. Mas a lamentar há muito. Sobretudo no Brasil, onde a onda policialesca do Código de Processo Penal produziu uma geração de juristas e aplicadores do Direito que, ainda hoje, mostram alguma dificuldade em se desvencilhar das antigas amarras.”. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op.cit. pp. 6-7.

[7] SCHWARTSMAN, Hélio. Delação Premiada. Disponível em: <http:/www1.folha.uol.com.br/folha/ pensata/ult510u212.shtml>. Acesso em: 29 dez. 2014.

[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Op.cit. p 50.

[9] SILVA, Márcio Alberto Gomes. Op.cit. p. 19-20.

[10] NUCCI, Guilherme de Souza. Op.cit. p. 49-50.

[11] RASCOVSKI, Luiz. A (in)eficiência da delação premiada. Estudos de processo Penal. São Paulo: Scortecci. 2011. p. 36.

[12] BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 9ª ed. São Paulo: Saraiva. p. 1290-1291.

[13] NUCCI, Guilherme de Souza. Op.cit. p. 602-603.

 

REFERÊNCIAS

 

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