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Justificação interna e externa das decisões judiciais no novo CPC

Justificação interna e externa das decisões judiciais no novo CPC

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O que interessa para o Direito, quando se visa aferir a fundamentação da decisão judicial, é saber se foi demonstrada a validade ou não dos argumentos a partir de premissas verdadeiras.

Resumo: O artigo 489, § 1º, do novo CPC, previu os requisitos necessários para que as decisões judiciais possam ser consideradas fundamentadas. Diante disso, o presente artigo objetiva expor aos profissionais do Direito aspectos acerca da justificação interna e externa das decisões judiciais, segundo a Teoria da Argumentação Jurídica, como forma de fornecer aparato teórico para cumprimento dos requisitos legais constantes do dispositivo legal mencionado.

Palavras-chave: Novo CPC – Decisão Judicial – Justificação Interna e Externa.


1. INTRODUÇÃO

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) trouxe novas disposições sobre a fundamentação das decisões judiciais. Dentre estas, está o contido em seu artigo 489, § 1º, o qual vem sendo objeto de comentários e especulações. Trata-se de inovação, uma vez que até aqui, tanto a Constituição Federal (CF, art. 93, inc. IX), como outros dispositivos legais processuais não expunham, de modo detalhado, quais os elementos necessários à configuração de uma decisão judicial fundamentada.

O presente artigo tem por objetivo examinar referido dispositivo à luz da Teoria da Argumentação Jurídica, de acordo com o pensamento de Robert Alexy e Neil MacCormick. Visa com isso fornecer aparato útil para cumprimento dos requisitos legais previstos no artigo 489, § 1º, do novo CPC, além de contribuir para tornar a decisão judicial realizável, inteligível e sindicável, o que contribui para a segurança jurídica, além de tornar o contraditório efetivo, como dispõe o artigo 7º, do NCPC.


2. FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS: CONSIDERAÇÕES GERAIS

A Constituição Federal, em seu artigo 93, inc. IX, prevê de modo genérico que todas as decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. De modo equivalente, dispõem o atual Código de Processo Civil (art. 458, inc. II), o Código de Processo Penal (art. 381, inc. III) e a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (art. 38). Como se percebe, exige-se que as decisões judiciais sejam fundamentadas, mas não se aponta o que deve conter uma decisão judicial para ser admitida como tal.    

Por conta disso, a compreensão do que se entende por decisão judicial fundamentada suscita certa margem de incerteza na práxis forense. O tema ganha relevo quando também são aceitas as chamadas fundamentações concisas ou sucintas nas decisões judiciais, sem que exista um limite nítido a separar fundamentação concisa ou sucinta de fundamentação insuficiente ou de falta de fundamentação.

Este mesmo cenário se torna ainda mais movediço quando se utiliza como parâmetro jurídico decisório os princípios jurídicos, os conceitos jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais, os quais, se mal interpretados e aplicados, podem alicerçar decisões em sentidos diametralmente opostos entre si, o que põe em xeque a segurança jurídica, um dos pilares do Direito.

Atento a esses aspectos, o legislador do novo CPC parece ter optado por uma nova postura; uma postura detalhista quanto aos requisitos da decisão judicial, a fim de estabelecer pautas para se poder aferir se determinada decisão está fundamentada ou está desprovida de fundamentação. Neste cariz, consignou nos incisos do § 1º, do art. 489, o seguinte: “não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”

Sucede, todavia, que a opção legislativa acima tem gerado certa apreensão entre os magistrados. Diz-se que, doravante, além do excesso e complexidade dos serviços forenses, a decisão judicial se converterá, na prática, em genuína peça acadêmica, não obstante se trate de peça processual técnica. Teme-se, inclusive, que isto possa refletir sobre a efetividade da prestação jurisdicional e/ou colocar em risco o princípio da duração razoável do processo, ante a possibilidade de discussões descontextualizadas em relação ao foco central da lide, além de abrir margem para argumentos sofísticos com intuito exclusivamente procrastinatório.    

Para que isto não ocorra; para que não haja instabilidade na interpretação e aplicação dos dispositivos que versam sobre a fundamentação das decisões judiciais no novo CPC, seja na elaboração da decisão, seja em seu exame, é necessário a existência de referenciais firmes, de pautas rigorosas, de critérios fortes, todos chancelados por balizada doutrina.

Para esse desiderato, tem-se que a interpretação e aplicação do artigo 489, § 1º, do novo CPC, devem ser levadas a efeito em consonância com a Teoria da Argumentação Jurídica. Isto porque, em rigor, o novo CPC não inovou. Apenas tornou obrigatório o que já era preconizado de há muito pela Teoria da Argumentação Jurídica.

Apesar disso, cumpre sublinhar que, ao assim proceder, o legislador processual civil dos anos 2010 incorreu em algumas imprecisões terminológicas e atecnias que precisam ser retificadas, em sede interpretativa, para não desencadear outros equívocos. Primeiro, não se atentou para a delimitação semântica de alguns vocábulos. Segundo, não havia necessidade de tantas minúcias como foi feito. Tais minúcias mais confundem do que esclarecem.   

Adiante, serão apontadas as imprecisões terminológicas relevantes em que incorreu o legislador processual civil contemporâneo, bem como os pressupostos que regem a justificação interna e a justificação externa das decisões judiciais, e assim evidenciar o que é o suficiente para se reputar fundamentada, na acepção jurídica do vocábulo, uma decisão judicial.


3. EXPLICAÇÃO OU JUSTIFICAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL

O primeiro aspecto atécnico a ser salientado no novo CPC em relação à fundamentação das decisões judiciais se refere aos vocábulos “explicar” e “justificar”. No inciso I, do § 1º, do art. 489, está dito que não se considerará fundamentada a decisão judicial se o juiz “se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida”. Situação semelhante ocorre no inciso II, do mesmo dispositivo, se o juiz “empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso.” Por outro lado, segundo o inciso III, do dispositivo retro não será aceita como fundamentada a decisão se o magistrado “invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão.”

Ora, explicar e justificar são vocábulos que, juridicamente, não se confundem. Não são sinônimos, tampouco devem ser equiparados, mesmo que por linguagem artificial normativa, haja vista o risco intrínseco de ambiguidade.                          

Para melhor captar a distinção entre tais vocábulos é preciso ter em conta a seguinte indagação: o que os juízes fazem quando decidem?

Se se atentar para o questionamento acima já será possível demarcar a diferença. É que a decisão judicial se divide em duas etapas. Uma, vem a ser a tomada da decisão, isto é, o ato de decidir em si. Outra, bem diversa, vem a ser o prolatar, o proferir, o pronunciar nos autos a decisão. Logo, processo decisório é algo abstrato; é o decidir propriamente dito. É algo interno do juiz. Pronunciamento da decisão judicial nos autos, em contrapartida, é algo externo, transparente, público.   

No processo decisório, de modo geral, o juiz deve se pautar pelo seguinte protocolo: de início, deve se inteirar dos fatos, com a maior riqueza de detalhes possível. Feito isto, ordinariamente, já terá consigo um esboço preliminar da decisão, constituído a partir de sua biografia, de seus valores, o que corresponde ao que Hans-Georg Gadamer nomina como “pré-compreensão”.[1] Entretanto, o julgador não deve se dar por satisfeito nesta fase. Se isto ocorrer, poderá incorrer em Realismo Jurídico Estadunidense,[2] o que não se coaduna com o Estado Democrático do Direito. A rigor, o juiz atua como um mediador esclarecido entre Direito e a realidade,[3] e não como um ditador de suas preferências, valores pessoais ou opiniões (“doxa”).

Sendo assim, uma vez reconhecida e estar consciente de sua “pré-compreensão” sobre a contenda, o magistrado deve pesquisar nas fontes formais do Direito a “verdade consensual” jurídica vigente no sistema para a solução do caso.[4] Neste momento, dá-se o chamado “Círculo Hermenêutico”,[5] segundo o qual o juiz empreende sucessivas idas e vindas entre o fato e as fontes jurídicas até identificar, de acordo com a orientação preponderante no âmbito jurídico, qual a norma individual e concreta que  disciplinará o conflito pendente.

            Como se constata, processo decisório é algo interno na pessoa do magistrado para encontrar a solução jurídica do caso. Nesse palmar, “explicar” a decisão, em quaisquer de suas dimensões ou etapas, implicaria impor ao juiz a obrigação de expor nos autos o percurso decisório até a solução jurídica respectiva, o que nada tem a ver com fundamentação jurídica. Explicar o “Círculo Hermenêutico” e/ou suas “pré-compreensões” ou os dilemas travados internamente pelo magistrado para desvelar a verdade consensual jurídica do caso é algo totalmente desnecessário para se averiguar se uma decisão judicial está fundamentada.

Na realidade, o que se afigura relevante e pertinente nesse tomo diz respeito à justificação da decisão judicial, e não à explicação. Explicação – insista-se – diz respeito ao processo decisório em si, e isto o juiz não precisa, tampouco deve “explicar”. Dito isto, indaga-se: se explicação diz respeito ao processo decisório mental do juiz, o que se entende por justificação da decisão judicial? Ou, de modo mais preciso: o que se entende por justificação interna e por justificação externa da decisão judicial?

É o que será visto adiante.


4. A JUSTIFICAÇÃO INTERNA DA DECISÃO JUDICIAL

A justificação interna da decisão corresponde ao mero silogismo, advindo da lógica clássica. No silogismo são expostas as premissas, maior e menor, a partir das quais se infere uma conclusão.[6],[7]

Vale lembrar que a lógica consiste na forma de organizar o pensamento; de expor de maneira articulada, coerente, racional e passível de compreensão determinado raciocínio. Ela possibilita saber se são válidos e consistentes os argumentos. Quando as pessoas se comunicam, fazem-no em geral por meio de enunciados, de proposições. Estas proposições são chamadas de premissas. Se as proposições (premissas) estiverem encadeadas entre si por inferências, ter-se-á um argumento.[8]

A lógica se vale de vários métodos para expor um raciocínio de maneira compreensível. Os principais são os métodos indutivo e dedutivo.[9] No método indutivo parte-se do particular para se chegar ao geral; universal. Exemplo: o corvo nº 1 (um) é negro; o corvo nº 2 (dois) é negro; o corvo nº 3 (três) é negro; o corvo nº “n” será (logicamente) negro. Ou seja, se todos os corvos observados são negros, é válido concluir que todo corvo existente é negro, ao menos num juízo de probabilidade.[10] O método indutivo costuma ser aplicado às ciências naturais (empirismo), eis que baseado na observação dos fenômenos naturais.

Mas o que interessa para o Direito é o método dedutivo. No método dedutivo o raciocínio se desenvolve a partir de uma verdade sabida e segue em busca de uma nova verdade. Parte-se do geral (universal) e segue-se até o particular. Exemplo: todo ser humano é mortal (premissa maior). Sócrates é um ser humano (premissa menor). Logo, Sócrates é mortal (conclusão).[11] O método dedutivo identifica-se com o racionalismo.

Estas considerações guardam íntima relação com a argumentação jurídica, uma vez que, no processo de justificação da decisão judicial, aplica-se o método dedutivo. Assim, uma vez expostas as premissas, maior e menor, de maneira articulada será possível saber se o argumento é válido.

Para comprovar isto, retome-se o exemplo de Sócrates. Ali, cada premissa constitui uma proposição diversa, as quais estão concatenadas entre si e, por isso, permitem a inferência. Assim, se a inferência é possível, diz-se que o argumento é válido. Se, ao contrário, a inferência não for possível, o argumento será inválido. No exemplo veiculado, se Sócrates fosse um computador (premissa menor), não haveria possibilidade de inferência da premissa menor para com a premissa maior. Em consequência, o argumento seria inválido. Resumindo: a validade do argumento depende da possibilidade de inferência lógica entre as premissas (proposições).[12]

Transposta essa ideia para as fronteiras do jurídico, toma-se como exemplo um contrato de locação. Suponha-se que determinado indivíduo, ora designado por “A”, tenha celebrado perante “B”, um contrato de locação de imóvel urbano, comprometendo-se a pagar alugueis e encargos em tempo, modo e lugar especificados. Não obstante, vencida a obrigação, “A” (locatário) deixa de cumpri-la perante “B” (locador). Em termos silogísticos, ter-se-ia o seguinte esquema:

  1. Premissa Maior (Direito)[13]

O locatário deve cumprir suas obrigações locatícias em tempo, lugar e forma convencionados, sob pena de ser despejado do imóvel.

  1. Premissa Menor (Fato)

“A” (locatário) deixou de cumprir suas obrigações locatícias perante “B” (locador), no tempo, lugar e forma convencionados.

  1. Decisão (Conclusão)

Por conseguinte, “A” deve ser despejado do imóvel.

No exemplo, houve possibilidade de inferência entre as premissas. O argumento é válido e o pedido procedente, portanto.

O exemplo é simples e foi apresentado apenas para facilitar apreensão do processo de justificação interna da decisão. Poder-se-ia dizer, de modo apressado, que o processo de justificação importaria no retorno ao juiz “boca da lei”, nos moldes apregoados por Montesquieu.[14],[15] Mas isto seria um equívoco. Lembre-se que, no processo decisório, para fixar a premissa jurídica, o juiz deve consultar as fontes do Direito, e não só a lei. E, por fontes formais do Direito, estão compreendidas, além das normas jurídicas positivadas (constituídas por princípios e regras, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados), há os precedentes jurisprudenciais (estatuidores de sentido), as orientações doutrinárias (densificadoras de conceitos jurídicos); e, conforme o caso, os costumes, sobretudo no direito mercantil. Aliado a isso, tem-se que o Direito não se interpreta “em tiras”,[16] o que exige do magistrado toda a atenção ao cumprir suas atribuições para não corromper a integridade, coesão e harmonia que se espera do sistema jurídico. Destarte, nada há de mecânico na atividade julgadora, pois o juiz constrói a premissa jurídica que irá solucionar o caso.  

Paralelamente ao que foi dito, outro ponto deve ser destacado, o qual demonstra a clara diferença entre processo decisório e processo de justificação da decisão. No processo decisório a análise se dá a partir do conhecimento dos fatos da causa, seguindo para as fontes do Direito. Já no processo de justificação da decisão (silogismo), ocorre o inverso. Mas isto será visto, de modo detalhado, no tópico seguinte.

Por ora e para encerrar este item, uma coisa deve ficar retida junto ao leitor: na justificação interna, o magistrado deve expor quais premissas (jurídica e fática) constituem a estrutura racional de sua decisão.[17] Estas premissas devem ficar claras e identificáveis na decisão judicial. Este será primeiro passo para se ter uma decisão judicial fundamentada.  


5. A JUSTIFICAÇÃO EXTERNA DA DECISÃO JUDICIAL           

A interpretação e aplicação do Direito não são atividades simples. Muitos problemas podem daí advir. Muitas vezes, a lei não fornece as respostas específicas para os conflitos e dramas humanos vividos em sociedade, o que realça a importância do juiz como mediador lúcido entre o Direito e a realidade. Adite-se a isso a existência de ambiguidade e vagueza das palavras, tanto daquelas que constam dos textos legais, como das que integram princípios, cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados. Além do mais, há a debilidade do instrumento processo em reproduzir nos autos, com perfeição, o fato que está sendo examinado.   

Atento a isso, Neil MacCormick, em postura taxonômica, elencou 4 (quatro) principais problemas na elaboração da decisão judicial. Segundo o jurista escocês, tais problemas são: a) problema de interpretação; b) problema de pertinência; c) problemas de prova; e, d) problema de qualificação.[18]

O problema de interpretação emerge quando não há dúvida a respeito de qual norma será aplicada à espécie, no entanto existe mais de uma interpretação aceita para esta norma. É comum em casos em que a jurisprudência ainda não sedimentou entendimento sobre a matéria.  

O problema de pertinência ocorre quando o fato ocorrido difere, em essência, do fato disposto no texto legal. Paira dúvida se há possibilidade de subsunção, dada a divergência sutil entre o fato ocorrido na vida real e o fato previsto no texto legal. Karl Larenz nomina esta situação de “lacuna oculta”.[19]

Nos problemas de prova a dúvida não incide na premissa maior (Direito), mas na premissa menor (fato). Ocorre quando o fato não fica demonstrado de maneira satisfatória pela prova judicial. Vale ressaltar que não se trata aqui de falta de provas, e sim de situação em que a prova se apresenta antagônica entre si e, por isso, suscetível de mais de uma interpretação.[20]  

Por fim, os problemas de qualificação, os quais se verificam quando não existe controvérsia em relação a determinado fato, e sim em relação à sua qualificação jurídica. Para elucidar esta circunstância, MacCormick recorda o caso “MacLennan vs. MacLennan”. Neste, o senhor MacLennan propôs ação de divórcio em face de sua esposa, sob o argumento de adultério, uma vez que ela deu à luz a um bebê após o casal não manter mais relações sexuais entre si. A esposa, em defesa, sustentou que utilizou técnica de inseminação artificial com sêmen de terceiro para engravidar, o que motivou a discussão se inseminação artificial implicava, ou não, em adultério. Tratava-se de problema de qualificação jurídica, pois.[21],[22]

As anotações tecidas até aqui reafirmam a complexidade da atividade julgadora. Para decidir determinada lide, o juiz deve construir as premissas, jurídica e fática, da decisão. Foi neste sentido que Kelsen asseverou que a atividade do juiz, enquanto intérprete autêntico, importa em criação do Direito.[23] Sucede que este ato “criativo” não é realizado de maneira aleatória ou intuitiva. Existem critérios para tanto. O juiz não inventa o Direito. O juiz, ao edificar a premissa maior da decisão, vale-se da matéria prima do Direito e, a partir da norma hipotética condicional; geral e abstrata, constrói a norma individual e concreta apta a eliminar o litígio. O mesmo raciocínio se aplica em relação à construção da premissa menor. Para delimitar o fato respectivo a ser justaposto ao Direito, o juiz deve se apoiar na teoria das provas, a qual estabelece uma série de diretrizes e parâmetros a orientar sua atuação.[24] 

 Nesta conformidade, por não ser a decisão judicial algo destituído de referenciais; algo intuitivo e/ou fruto de inspiração metafísica; para enfrentar os problemas de interpretação, de pertinência, de prova e de qualificação jurídica é que emerge a ideia de justificação externa da decisão judicial ao lado da justificação interna.

Mas o que vem a ser justificação externa?

Aqui cabe um parêntese antes de avançar.

Ao discorrer sobre argumento (item 4), foi dito que o argumento será válido ou inválido, desde que seja possível a inferência entre as premissas. Logo, um argumento nunca será verdadeiro ou falso. Um argumento – repita-se – será válido ou inválido. O que poderá ser verdadeiro ou falso será o teor das premissas (jurídica e fática). De consequência, se o argumento for válido e as premissas verdadeiras, o argumento, além de válido, será consistente.

Nessa trilha, para que uma decisão judicial contenha um argumento válido e consistente será necessário a inferência entre as premissas (jurídica e fática), mas também a veracidade destas. Ou seja, as premissas que o magistrado emprega na decisão devem ser verdadeiras. Dessa forma, o juiz, além de apontar as premissas (jurídica e fática) (silogismo interno), deverá justificar a “veracidade” destas premissas. A isto se dá o nome de justificação externa da decisão. Para Robert Alexy: “o objetivo da justificação externa é a fundamentação das premissas usadas na justificação interna.”[25],[26]   

O que interessa para o Direito, quando se trata de aferir a fundamentação da decisão judicial, é saber se foi demonstrada a validade ou não dos argumentos, a partir de premissas verdadeiras.    

Para melhor compreender isto, afigura-se conveniente recorrer a novo exemplo. Para tanto, passa-se ao exame de decisão proferida pela Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Paraná, em 24/03/2015, a fim de examinar se esta atendeu aos requisitos da justificação interna e externa, nos moldes aqui alinhavados.  

Referido caso versou sobre pedidos de indenização por danos morais e materiais, proposto por “A” em face de “B”.[27] A ação de indenização foi proposta porque “B”, na qualidade de advogada, teria procurado associados da pesca da região de Guaratuba-PR, informando-lhes que teriam direito à indenização em decorrência de acidente ocorrido com o navio Vicunha, em 2006. Com o acidente houve contaminação de toda a Baía do Litoral paranaense, causando prejuízos aos pescadores locais, dentre eles o autor (“A”). Na ocasião, “B” teria colhido instrumentos de mandato dos supostos lesados, inclusive de “A”, contudo deixou fluir o prazo previsto em lei para ingressar com a ação de indenização nos termos assumidos, o que teria gerado prejuízo para “A”. Por conta disso, “A” promoveu ação de indenização perante “B”, com base na teoria da perda de uma chance.

Pois bem. Como a teoria da perda de uma chance é algo recente no Brasil, vez que oriunda basicamente do Direito Italiano e Francês; como não há previsão legal expressa sobre o assunto por aqui, sendo suas fontes assentadas, de modo geral, pela doutrina e jurisprudência, pode-se constatar que se trata de caso peculiar. Esta peculiaridade, a seu turno, pode suscitar certa dificuldade acerca de quais pressupostos jurídicos são exigidos para caracterizar a perda de uma chance de maneira a deflagrar os efeitos da responsabilidade civil. Enfim, a dificuldade reside em como justificar a premissa jurídica para que esta possa ser considerada verdadeira.

Veja como o relator do caso, o juiz Leo Henrique Furtado Araújo, procedeu ao elaborar sua decisão: “(para a) aplicação da teoria da perda de uma chance, segundo  entendimento do STJ, exige-se que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no espectro da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável”. (...). “a chance perdida deve ser real e séria, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada.”

Em continuação, o magistrado transcreveu trecho de julgado em que fora registrado: “A teoria da perda de uma chance incide em situações de responsabilidade contratual e extracontratual, desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória.”

Para finalizar a construção da premissa maior (Direito), o juiz ainda ressaltou: “No caso em análise é necessário determinar se existiam probabilidades sérias e objetivas de sucesso na demanda pretendida pelo autor e, em caso afirmativo, qual o dano experimentado.”

Como se pode verificar, atendeu-se não só a justificação interna (Direito – Perda de uma chance), como se procedeu à sua justificação externa, vale dizer, apontou-se, de forma transparente e expressa, o que se entende por perda de uma chance, quais os requisitos necessários à sua incidência, bem como a fonte jurídica de onde extraiu suas assertivas. Note-se que perda de uma chance não é o que o magistrado entende, supõe ou presume. Perda de uma chance é o que doutrina e jurisprudência têm entendido sobre o tema (verdade consensual). Note-se, mais, que, ao agir assim, o magistrado possibilitou que se conhecesse, de modo evidente, qual a premissa jurídica foi adotada no julgado, como também que se pudesse aferir se os elementos apontados como constitutivos do instituto jurídico respectivo estão em conformidade com as diretrizes jurídicas vigentes. Significa dizer: permitiu investigar se a premissa jurídica por ele formulada é “verdadeira” em cotejo com as fontes formais do Direito.

Em suma, no caso, houve não só indicação da premissa jurídica (justificação interna), assim como a explicitação de seus elementos caracterizadores e constitutivos (justificação externa) na decisão. 

Passa-se, agora, ao exame da premissa menor (fatos). Neste aspecto, observa-se que o juiz averbou que, de acordo com o “laudo técnico (evento 20.2), realizado pelo Instituto Ambiental do Paraná, órgão oficial e imparcial, ficou concluído que a Baía de Guaratuba não foi atingida pelo vazamento decorrente do Navio Vicunha.” (...). “Assim sendo, resta ausente qualquer evidência que ampare a indenização pretendida, já que ainda que a ação fosse proposta pela recorrida, a probabilidade de procedência seria praticamente inexistente.”

Neste ponto, por igual, observa-se que a decisão judicial deixou claro que a situação fática que deveria ter sido objeto de ação indenizatória, a ser proposta pela ré (“B”), como advogada, remotamente ensejaria reparação civil ao autor. Esta circunstância, por sua vez, elide a pretensão indenizatória formulada por “A” em face de “B”, com base na perda de uma chance. Para dizer isto, o juiz não se valeu de especulações imaginativas, intuitivas etc. Pelo contrário, tomou por base o laudo pericial do Instituto Ambiental do Paraná, o qual concluiu pela inexistência de nexo causal entre o vazamento do Navio e o suposto dano aos pescadores. Nestas condições, a conclusão daí resultante não poderia ser outra senão a improcedência dos pedidos indenizatórios.

O que deve ficar claro nesta sede é que a explicitação da justificação interna e da justificação externa da decisão franqueia a verificação da veracidade das premissas e da validade e consistência do argumento jurídico, o que torna a decisão judicial não só fundamentada, como razoável.[28]

Ao examinar referido julgado do Paraná, outra importante conclusão pode ser firmada: para o preenchimento dos requisitos da justificação interna e externa da decisão não se torna necessário fazer da peça decisória uma peça acadêmica. Basta que se indique, de modo expresso, as premissas jurídica e fática na decisão e que se justifique a veracidade de cada uma delas. Se isto estiver presente, a decisão judicial estará calcada em dois componentes essenciais para a concretização da razoabilidade da prestação jurisdicional: a racionalidade e o empirismo.

A racionalidade decorrerá da inteligibilidade da decisão. O empirismo na possibilidade de propiciar um exame comparativo entre as premissas fixadas, seja em relação ao Direito, seja em relação às provas carreadas aos autos, evitando equívocos ou retificando-os se for o caso.

De se sublinhar, por derradeiro, que o mesmo raciocínio se aplica em relação aos princípios jurídicos, aos conceitos jurídicos indeterminados e às cláusulas gerais quando figurarem como premissas jurídicas na estrutura decisional. O juiz, além de indicar o princípio jurídico, a cláusula geral ou o conceito jurídico indeterminado (justificação interna), deverá apontar em que consiste sua essência; deverá densificar seu conteúdo (justificação externa).

Assim, ao se decidir questões de natureza contratual e for necessário recorrer à principiologia específica sobre a matéria, caso, por exemplo, dos princípios da boa-fé objetiva ou da função social dos contratos, não se deve conduzir a significação destes mediante ilações genéricas e vagas. Deve-se, em vez disso, calcar as significações em consonância com as fontes do Direito, as quais irão conduzir a decisão judicial para a solução adequada do conflito e em simetria com os padrões jurídicos vigentes.

Nesse vértice, boa-fé objetiva será aquilo que doutrina e jurisprudência significaram e continuam a significar sobre o tema. E será com base nesta significação jurídica consolidada no cenário jurídico que o magistrado deverá decidir a causa. 


6. CONCLUSÕES

Do desenvolvimento do tema, foram extraídas as seguintes conclusões:

1. O legislador processual civil de 2015 inovou em relação a outros diplomas legais ao estabelecer, de maneira detalhada, nos incisos do art. 489, § 1º, do novo CPC, os requisitos para que as decisões judiciais sejam consideradas fundamentadas.

2. Houve, porém, certa atecnia na redação legal de mencionado texto legal, seja em relação a alguns vocábulos, seja por não se pautar pelas diretrizes firmadas pela Teoria da Argumentação Jurídica, notadamente no que alude à justificação interna e à justificação externa das decisões judiciais. Se houvesse atentado para isto, não seriam necessárias tantas minúcias no texto legal, as quais mais confundem do que elucidam.

3. O excesso de detalhes e as impropriedades terminológicas no texto legal, em vez de contribuírem para o aprimoramento da fundamentação das decisões judiciais, podem dificultar seu cumprimento. Mais: podem abrir margem para argumentos sofísticos e recursos protelatórios sob a alegação de falta de fundamentação nas decisões judiciais.

4. Para impedir tais desvios e, ao mesmo tempo, cumprir os ditames legais, inicialmente, é essencial não confundir “explicação” e “justificação” da decisão judicial, ambos empregados no novo CPC. Explicação é algo interno do juiz e diz respeito ao processo decisório; diz respeito ao ato de decidir. Justificação, por outro lado, refere-se à exposição racional da decisão nos autos. O juiz somente está obrigado a justificar sua decisão nos autos, e não a explicá-la. 

5. A justificação das decisões judiciais se divide em justificação interna e justificação externa.

6. Justificação interna da decisão consiste na exposição do raciocínio silogístico da decisão. Para tanto, o juiz deve indicar a premissa maior (Direito); a premissa menor (Fato), a fim de ser aquilatar a possibilidade de inferência entre ambas em sede de conclusão (decisão). O método é dedutivo, portanto.

7. Na justificação externa da decisão, o magistrado deve demonstrar a veracidade das premissas adotadas na justificação interna. Não basta apontar premissas decisórias, é preciso demonstrar (justificar) a veracidade de cada uma delas.

8. Argumento consiste no conjunto de proposições (premissas) encadeadas entre si por inferências. Se a inferência (subsunção) entre as premissas for possível, diz-se que o argumento é válido. Se a inferência não for possível, diz-se que o argumento é inválido.

9. Para o argumento ser considerado válido e consistente, não basta a inferência (subsunção) entre as premissas. É preciso, inclusive, que as premissas sejam verdadeiras.

10. O que interessa para o Direito, quando se visa aferir a fundamentação da decisão judicial, é saber se foi demonstrada a validade ou não dos argumentos a partir de premissas verdadeiras. Se for possível a identificação das premissas fáticas e jurídicas, como também conhecer os argumentados empregados para justificar a veracidade de tais premissas, então a decisão será inteligível e passível de sindicância. Em suma: a decisão judicial será considerada fundamentada.


REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy Editora, 2005.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

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Notas

[1] Ao empregar os vocábulos “pré-compreensão” e “pré-juízo”, Gadamer quer destacar a perspectiva de mundo do sujeito; suas significações da realidade; sua recepção e compreensão da vida, motivadas, em grande medida, pelo meio que o cerca. Para Gadamer o ser humano é um ser histórico. De consequência, no ser adulto não há grau zero de interpretação (significação). Sempre existirão juízos prévios, “pré-conceitos” (conceitos pré-constituídos). Sobre este ponto, conveniente transcrever as palavras de Gadamer: “A compreensão implica sempre uma pré-compreensão que, por sua vez, é prefigurada por uma tradição determinada em que vive o intérprete e que modela seus preconceitos.” GADAMER, Hans-Georg. O problema da Consciência Histórica. Tradução de Paulo César Duque Estrada. 3ª ed. “In” Pierre Fruchon (Org.) Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 13. 

[2] Para o Realismo Jurídico Estadunidense o juiz primeiro decide e depois busca fundamentos jurídicos para conferir uma roupagem formal à sua decisão. Mais do que isso: o teor da decisão, em visão extremada e metafórica, é influenciada por aquilo que ele tomou no café da manhã, aspecto também conhecido como a “dieta do juiz”, e que procura realçar não só as preferências e opiniões do juiz na tomada de decisões, mas a repercussão de seu estado de ânimo no momento de decidir. Vem do Realismo Jurídico Estadunidense a frase “o Direito é aquilo que os Tribunais dizem”. Trata-se de uma corrente do pensamento jurídico que se desenvolveu no fim do Séc. XIX e primeira metade do Séc. XX, nos Estados Unidos. Teve como principais representantes John Chipmann Gray, Karl Llewellyn e Jerome Frank. COELHO, Luíz Fernando. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 133-137.

[3] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 59.

[4] A verdade consensual, nos termos ora propugnados, funda-se no pensamento de Jürgen Habermas. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Entre facticidade e validade. Vol. 1. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

[5] Sobre o Círculo Hermenêutico, Gadamer assinala: “(...) compreender é sempre um mover-se nesse círculo, e por isso é essencial o constante retorno do todo às partes e vice-versa”. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meuer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997, p. 297.

[6] De acordo com Robert Alexy: “os problemas ligados à justificação interna têm sido amplamente discutidos sob o nome de ‘silogismo jurídico’. Atualmente, há uma série de publicações em que se trata dos problemas relativos ao tema, aplicando-se os métodos da lógica moderna”. ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy Editora, 2005, p. 218.

[7] É importante averbar que as expressões justificação interna e justificação externa devem ser creditadas a Jerzy Wrobléwski. WROBLÉWSKI, Jerzy. Sentido y hecho en el Derecho. Tradução de Iguartúa Salaverria. México: Fontamara, 2003, p. 52.

[8] COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de Lógica Jurídica. 3ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 21.

[9] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 87 e 141-147.

[10] LAKATOS, Eva M. e MARCONI, Marina A. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 1991, p. 47.

[11] CHALMERS, Alan Francis. What is this Thing Called Science? What is This Thing Called Science? 3ª ed. Brisbane: University of Queensland Press, 1999, p. 43.

[12] COELHO, Fábio Ulhoa. “Op.cit.”, p. 14.

[13] Conforme acentua Robert Alexy “para a fundamentação de uma decisão jurídica deve-se apresentar pelo menos uma norma universal”, daí por que se fala em método dedutivo. ALEXY, Robert, “Op. cit”, p. 219.

[14] Veja, a propósito, as palavras de Montesquieu sobre este tema: “O poder de julgar, tão terrível entre os homens, não estando ligado nem a uma certa situação nem a uma certa profissão, torna-se, por assim dizer, invisível e nulo.” (...) “Poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega, fosse em certos casos muito rigorosa. Porém, os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor.” MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, Baron de la Brède et de. De L’Esprit des Lois. Livre XI, Chapitre IV. Paris: Librairie Ch. Delagrave, 1892, p. 238 e 239.

[15] Norberto Bobbio critica essa postura. Afirma que, sob esse ponto de vista, a lei seria para o juiz como um prontuário que ele deveria se utilizar infalivelmente e do qual não poderia jamais se afastar. Haveria, pois, um verdadeiro “fetichismo da lei”, o que é incompatível com a realidade social.  BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª ed. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: UNB, 1999, p. 121.

[16] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. XXVIII.

[17] Segundo Robert Alexy: “na justificação interna deve ficar claro quais premissas devem ser justificadas externamente.“ ALEXY, Robert. Op. cit., p. 226.

[18] MACCORMICK, Neil. Legal Reasoning and Legal Theory. Oxford University Press, 1994, p. 68-72.

[19] Sobre este ponto, Larenz assim se pronuncia: “qualificamos de lacuna ‘oculta’ o caso em que uma regra legal, contra o seu sentido literal, mas de acordo com a teleologia imanente à lei, precisa de uma restrição que não está contida no texto legal. A integração de uma tal lacuna efetua-se acrescentando a restrição que é requerida em conformidade com o sentido.” LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 5ª ed. Tradução José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, p. 556.

[20]GRAU, Eros Roberto. “Op. cit.”, p. X.

[21] MACCORMICK, Neil.“Op.cit”, p. 93.

[22] Para a solução desse caso ficou estabelecido pela Corte Julgadora que, para a configuração de adultério, deve haver pelo menos duas pessoas fisicamente presentes e estas devem praticar ato sexual entre si. Além disso, não é necessário que haja interação entre esperma e óvulo respectivos. Dessa maneira, inseminação artificial não configura adultério. Não obstante o entendimento do Tribunal, a senhora MacLennan não conseguiu demonstrar que realizara inseminação artificial e o pedido de divórcio foi acolhido.  DWORKIN, Roger B. Limits: The Role of the Law in Bioethical Decision Making. Indiana University Press, 1996, p. 62

[23] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 395.

[24] Preocupado com os riscos deste caráter subjetivo em aquilatar o justo, Herbert Wechsler adverte: “O que caracteriza as decisões judiciais, em contraste com os atos dos outros Poderes, é a necessidade de que sejam fundadas em princípios coerentes e constantes, e não em atos de mera vontade ou sentimento pessoal.” WECHSLER. Herbert. Towards Neutral Principles of Constitucional Law. Harvard Law Review. v. 73, n. 1, Nov. 1959, p. 10, “apud” BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 273

[25] ALEXY, Robert. “Op. cit.”, p. 226.

[26] MACCORMICK, Neil.“Op.cit”, p. 93.

[27] Optou-se por não declinar o nome das partes por se tratar de aspecto irrelevante ao exame do tema.  De qualquer modo, o julgado é público e está disponível, na íntegra, na internet. BRASIL – Tribunal de Justiça do Paraná - 1ª Turma Recursal – Recurso nº 0000876-44.2012.8.16.0088/1 – Relator Leo Henrique Furtado Araújo. Curitiba, 24 de março de 2015.

[28] Para Richard Posner, nas decisões judiciais, “o objetivo apropriado do juiz é um resultado razoável, e não um resultado objetivamente certo.” POSNER, Richard. The Problems of Jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 26.


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Informações sobre o texto

Texto originalmente publicado na Revista Pensamento Jurídico. São Paulo, v. 7, n. 1, p. 113-129, dez. 2015.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANNA, José Ricardo Alvarez. Justificação interna e externa das decisões judiciais no novo CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4717, 31 maio 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48372. Acesso em: 25 abr. 2024.