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Reserva legal. Colisão entre direito adquirido e meio ambiente ecologicamente equilibrado

supremacia do interesse público sobre o particular?

Reserva legal. Colisão entre direito adquirido e meio ambiente ecologicamente equilibrado: supremacia do interesse público sobre o particular?

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1 INTRODUÇÃO

Diante de interesses tão divergentes esposados nas manifestações hodiernas, constata-se a existência de inúmeros conflitos entre normas e, principalmente, como no caso do presente estudo, entre direitos fundamentais, de tal sorte que se evidencia que a colisão entre estes tornou-se o centro de inúmeras celeumas jurídicas, não raro, espraiando-se na efetivação dos direitos constitucionais imprescindíveis para a consagração dos anseios dos jurisdicionados.

Nesse sentido, a ponderação entre os princípios constitucionais assume papel de relevância, notadamente quando se fala em valores constitucionais conflituosos, porém, de igual relevância para a concretude do ideário constitucional de unidade.

Nesse diapasão, encontra-se o princípio da proporcionalidade a subsidiar a ponderação entre as normas constitucionais, propiciando o equilíbrio das relações jurídicas, de modo a oferecer a menor gravidade ao indivíduo, coadunada ao menor grau de sacrifício.

Ao aplicar o princípio da proporcionalidade em sentido estrito que se consubstancia propriamente na técnica da ponderação, tem-se que deverá ser realizado um juízo axiológico, com vistas à constatação do grau de sacrifício que será sentido por aquele direito que for efetivamente mitigado ante o caso concreto.

Não obstante, infere-se que para a efetiva satisfação de alguns direitos fundamentais, seriam permitidas certas limitações que estariam legitimadas a ocorrer através de reserva legal instituída pelo próprio constituinte originário, ou ainda pelo legislador, através de normas infraconstitucionais que exercem papel relevante no ordenamento, o que invariavelmente acaba por diminuir a instauração de muitos conflitos.

Sabe-se que, de acordo com tal limitação, o Estado estaria legitimado, portanto, à adoção de medidas que possam resultar em possíveis afrontas a outros interesses, muitas vezes de igual importância apenas por entender que um direito exerça papel de maior relevância em face de outro, considerando que, em se tratando de colisão entre princípios constitucionais, não há solução alguma no campo da validade, mas apenas e tão somente, na análise da carga axiológica que possuem.

Nessa esteira, pode-se passar a entender que não há direito fundamental que possa ser considerado absoluto, haja vista as restrições que eventualmente podem sofrer, quando demonstrarem confronto com outro direito aparentemente tido como de maior relevância, seja pelo maior grau de comprometimento que possa demonstrar com o ideário constitucional, seja pela maior eficácia que poderá refletir no plano fático.

Considerando-se que, no caso em comento, o objeto de estudo se consubstancia no sopesamento do direito de não averbação de reserva legal, com base no aludido direito adquirido que se contrapõe ao referido objeto de tutela do meio ambiente, não se pode olvidar que, em se aplicando o princípio da proporcionalidade em sentido estrito (técnica da ponderação), será indispensável a constatação do atendimento ao fim colimado, a fim de que a medida utilizada traga mais benefícios do que prejuízos.

A fim de justificar a existência do direito adquirido de não averbação de reserva legal, restará demonstrada a perspectiva da doutrina a acerca da sua existência.

De outro turno, imprescindível a demonstração de que o princípio atinente a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, erigido a categoria de bem essencial, por se constituir como norma de ordem pública acaba por condicionar o exercício de certos direitos.

Dessa forma, no caso em comento, buscar-se-á a partir da técnica da ponderação, a adoção de metodologias assecuratórias dos valores em conflito, lançando-se mão de mecanismos de sopesamento de princípios, visando preservá-los ao máximo possível, posto que não obstante, constituem-se como sendo de alta relevância e concretude constitucional.

Não obstante, à luz do princípio da soberania do interesse público sobre o particular, buscar-se-á de igual modo verificar a (im) possibilidade de prevalência de um dos princípios em colisão.

Nessa esteira, considerando o papel de relevância que o direito adquirido insculpido no bojo do artigo 5º, XXXVI, da Lex Suprema exerce sobre o sistema, tanto jurídico como social, haja vista ter como escopo a estabilização das relações sociais, ao passo que propicia a segurança jurídica, mais do que natural que haja um mecanismo que forneça o subsídio necessário à convivência harmônica deste, com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, insculpido no artigo 225 da Carta Magna, principalmente porquanto se fala na concretização concomitante de dois princípios constitucionais de igual modo relevantes.

Com base em tais situações, explanar-se-á ainda sobre a aventada soberania do interesse público sobre o privado, a justificar que independentemente do ângulo pelo qual se oberve a situação posta à discussão, em momento algum poderá falar-se na concretização do primeiro, com base na sua eventual soberania, eis que em se tratando de princípios, sequer há que se falar na existência de hierarquia entre eles.


2 A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL SAGRANDO OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Carta da República de 1988 inaugurou, após vinte anos de “burocracia tecnocrático-militar”[1], uma nova ordem constitucional que, procurando dissipar toda insensatez amargada naquele longo período de imperfeições, buscou estatuir garantias de cunho fundamental que reabilitassem toda ordem normativa, erigindo alguns valores com carga axiológica inquestionável, à categoria de direitos fundamentais, a fim de que a Carta Magna pudesse enfim, não apenas funcionar como o maior alicerce normativo do ordenamento jurídico, mas sim, “criar um ambiente propício à superação de patologias e à difusão de um sentimento constitucional apto a inspirar uma atitude de acatamento e afeição a Lei Maior”[2].

A partir desse novo sentimento, instaurou-se de igual modo uma nova conjuntura política, social e econômica em nosso país, graças à ampla participação popular que possibilitou o resgate da cidadania do povo brasileiro, resguardando valores outrora marginalizados, que sequer poderiam ser questionados sob a alegação de qualquer legitimidade no pleito das garantias fundamentais[3].

Muito embora a Carta Magna tenha como característica precípua o texto extremamente casuístico e prolixo, tratando desde direitos fundamentais até questões de cunho meramente econômico, fiscal ou ainda regras específicas de interesses de diversas categorias, há que se ressaltar que tal fato deve-se puramente à vontade de constituição, há tanto perseguida pelo povo brasileiro que, recém-saído de um período ditatorial, que perdurou por mais de vinte anos, estava ávido por resguardar as frágeis estruturas que começavam a ensaiar os primeiros passos, após as infindáveis e temerárias políticas que, sem sombra de dúvida, deflagraram o caos social em nosso país, conforme leciona Barroso[4]:

[...] a Constituição de 1988 foi marco zero de um recomeço, da perspectiva de uma nova história. Sem as velhas utopias, sem certezas ambiciosas, com o caminho a ser feito a andar. Mas com uma carga de esperança e um lastro de legitimidade sem precedentes, desde que tudo começou. E uma novidade. Tardiamente, o povo ingressou na trajetória política brasileira, como protagonista do processo, ao lado da velha aristocracia e da burguesia emergente.

Nesta senda, buscou-se evidenciar os direitos fundamentais, de tal sorte que o padrão de descaso com tais garantias, principalmente no que concerne ao arbítrio das maiorias políticas, fosse suplantado, cedendo vez a uma nova concepção jurídica e social que inaugurou o neo-constitucionalismo brasileiro, inicialmente reverberado, a partir do segundo pós-guerra na Europa Ocidental[5].

2.1 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ELEVADOS A DIREITOS SUBJETIVOS PÉTREOS ESPECIALMENTE O DIREITO ADQUIRIDO E DIREITO DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

Tendo em vista a essencialidade dos direitos fundamentais, considerando a importância de sua efetividade para a consagração de um bem maior que se constitui na dignidade da pessoa humana, o constituinte originário tratou de assegurá-los como direitos subjetivos pétreos, tornando-os imunes ao poder constituinte reformador em virtude da insigne cláusula pétrea que lhes atribuiu o condão de inflexibilidade a que se sujeita a Carta Suprema, ante eventuais emendas.

Nesse sentido, os direitos fundamentais foram estruturados para atender os inúmeros anseios sociais instituídos pela sociedade que projetou a Carta Política, através da Assembleia Constituinte concebida “como cenário de ampla participação da sociedade civil”[6], formada inicialmente, por 24 (vinte e quatro) subcomissões, 8 (oito) comissões temáticas, bem como pela Comissão de Sistematização, de tal sorte que as prerrogativas fundamentais foram consignadas em todo texto constitucional graças ao processo de redemocratização que o país passou a contemplar[7], conforme corroborado pelo ensinamento de Wolfgang[8]:

[...] no que concerne ao processo de elaboração da Constituição de 1988, há que fazer referência, por umbilical vinculação com a formatação do catálogo dos direitos fundamentais na nova ordem constitucional, à circunstância de que esta foi resultado de um amplo processo de discussão oportunizado pela redemocratização do País, após mais de vinte anos de ditadura militar.

Em que pese a dinâmica social demandar mudanças freqüentes no texto constitucional, não há que se entender, ainda que a voracidade das emendas perpetradas seja capaz de alterar circunstancialmente a essência do texto normativo, a possibilidade de que o rol das garantias fundamentais sofra qualquer mitigação, haja vista constituírem-se como cláusulas pétreas que têm por escopo a segurança de todo ordenamento jurídico, conforme depreende-se do escólio do professor Sarlet[9]:

[...] um dos elementos caracterizadores da fundamentalidade em sentido formal, ao menos em nossa Constituição, é justamente a circunstância de terem os direitos fundamentais sido erigidos à condição de “cláusula pétrea”, integrando o rol do art. 60, § 4º, inc. IV, da nossa Carta Magna, esta proteção jurídica reforçada, peculiar apenas aos direitos fundamentais e a alguns poucos princípios escolhidos pelo Constituinte, não deixa de poder ser considerada um dos efeitos jurídicos gerados pelos direitos fundamentais e, portanto, uma dimensão de sua eficácia.

Dentre tais direitos fundamentais, pode-se encontrar aqueles consignados logo no artigo 5º, inciso XXXVI, da Carta Maior, mais precisamente quando falamos de direito adquirido, que se consubstancia como um dos objetos de estudo do presente trabalho, caracterizando-se pelo resguardamento de garantias pré-existentes em face das frequentes alterações legislativas, considerando a temeridade de se adotar a retroatividade como postulado absoluto, segundo o escólio de Tolomei[10]:

[...] a retroatividade tomada como princípio absoluto constituiria evidente perigo para a segurança jurídica e, neste diapasão, para a estabilidade social. As garantias individuais, a ordem social e o próprio interesse público estariam permanentemente ameaçados.

E na mesma esteira, pode-se encontrar outro direito fundamental de extrema relevância, que mesmo albergado fora do capítulo II da Carta Magna constitui-se de materialidade caracterizadora de norma fundamental, qual seja o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado contemplado pelo artigo 225, conforme ensina Sarlet citado por Fensterseifer[11]:

[...] a despeito de não estar previsto no Título II da Constituição, é, portanto, por intermédio do direito constitucional positivo (art. 5º, § 2º, da CF) que é atribuído ao direito ao ambiente fundamentalidade material o que se dá pela abertura material da Lei Fundamental a direitos fundamentais não constantes do seu rol fundamental (situados fora do catálogo dos direitos fundamentais ou mesmo do texto constitucional). No caso do direito ao ambiente, o mesmo integra a Constituição formal (art. 225 e demais artigos dispersos sobre o tema) e, portanto, apresenta a característica de um direito formal e materialmente fundamental.

Não obstante, restar salvaguardado o direito do ambiente, imperioso ressaltar que, no presente estudo, o direito adquirido apresenta-se em oposição a ele. No entanto, ainda que diametralmente opostos, não se pode olvidar que, em se tratando de direitos fundamentais, encontram a mesma guarida no texto constitucional, conquanto, trazem em seu bojo o mesmo propósito de concretude do ideário constitucional que prenuncia a unidade de constituição, de acordo com o invocado por Avelar[12]:

[...] De acordo com esse princípio, as normas devem ser consideradas em seu conjunto, como que integrantes de um sistema unitário. Não é possível aceitar a tese de antinomias no texto constitucional, o que importaria na acolhida de normas constitucionais inconstitucionais.

Dentro desta mesma ótica, qual seja, da manutenção da unidade constitucional vale ainda frisar que, para Schier[13]

[...] Deveras, na perspectiva interna, qual seja, das suas funções ou do seu telos, tem-se afirmado que os principais objetivos das constituições modernas são os seguintes: (i) distinguir as diversas funções do Estado, atribuindo-as a órgão distintos - dimensão da repartição e distribuição de competências; (ii) criar mecanismo planejado que estabeleça a cooperação entre os diversos detentores do poder (limitação do exercício do poder político e sistema de freios e contrapesos) - dimensão da separação dos poderes; (iii) criar mecanismo de solução de impasses, na órbita social, política e jurídica, atrelado ao princípio democrático ("quem decide é o povo!") - dimensão de controle e participação popular no poder; (iv) estabelecer um método racional para a reforma da constituição, impedindo movimentos desestabilizadores e (v) reconhecer, expressamente, certas esferas de autodeterminação individual - os direitos individuais e liberdades fundamentais -, e sua proteção frente à intervenção de um ou todos os detentores do poder. Portanto, cuida-se do estabelecimento de um núcleo de direitos inatingíveis pelo Estado, inalienáveis, garantidor do tráfico jurídico burguês (autonomia privada, igualdade, liberdade, transferência e garantia de patrimônio, etc.)[14]. Ou seja, o núcleo central da constituição consiste em controlar, limitar, racionalizar, justificar, distribuir etc., o poder, com o fim de salvaguardar certo núcleo de direitos fundamentais, como já se afirmou.

Imprescindível que se adote a devida parcimônia na ponderação dos dois princípios constitucionais em tela, a fim de que eventual mitigação de algum deles, não venha a afetar a harmonia constitucional que, invariavelmente, pode culminar com a inviabilidade da existência digna, conforme leciona Derani[15]:

[...] Do mesmo modo, a razão de garantir a livre disposição das presentes e futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tem em vista, em última instância, a finalidade de uma existência digna a todos – deduzida do fato de que uma existência digna a todos – deduzida necessariamente do fato de que uma “sadia qualidade de vida” (art. 225) é elemento fundamental para a composição de uma existência digna. Portanto, não há de argumentar que para realizar a livre iniciativa devem-se olvidar as disposições que permitem o livre dispor de um meio ambiente ecologicamente equilibrado decorrente da Constituição Federal, no capítulo sobre meio ambiente. O direito brasileiro não faculta essa alternativa, posto que os dois princípios (o da livre iniciativa e o do meio ambiente ecologicamente equilibrado) são igualmente necessários para a consecução de uma finalidade essencial do texto constitucional: o da realização de uma existência digna. (grifo nosso)

Desta feita, claro está que deverá haver um exercício que possibilite a exata compatibilização dos valores supramencionados, de modo que a conjugação de ambos evite a inviabilidade de qualquer deles, considerando que se constituem como corolários do sistema jurídico por contribuírem com preenchimento do princípio da dignidade humana que, para Derani[16], se constitui como “princípio essência do sistema jurídico”, e também pela premência do atendimento ao princípio da unidade da constituição, conforme dispõe o mestre Canotilho[17] quando invoca que

[...] o princípio da unidade da constituição ganha relevo autônomo como princípio interpretativo quando com ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as normas. Como ponto de orientação, guia de discussão e factor hermenêutico de decisão, o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar (ex. princípio do Estado de Direito e princípio democrático, princípio unitário e princípio da autonomia regional e local).

Nesta toada, faz-se premente uma pequena incursão às 3 (três) primeiras gerações de direitos fundamentais, a fim de que se possa evidenciar que o seu advento propiciou uma “nova concepção de universalidade dos direitos humanos fundamentais”[18] que, na visão de Bonavides[19], “não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da fraternidade”.

2.2 AS GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.2.1 A Primeira Geração de Direitos Fundamentais

Inaugurada pela Revolução Francesa, a primeira geração de direitos fundamentais tendo por escopo constitutivo as máximas: liberdade, igualdade e fraternidade, oportunizou a constituição de garantias fulcradas na invalidação do arbítrio dos poderes estatais, a partir de “um não-agir do Estado”[20], fator essencial para a harmonização das liberdades individuais contra um Estado absoluto pautado nos poderes amplos e irrestritos do soberano que, segundo Silva[21], desenvolveu-se “à sombra dos direitos fundamentais do homem, de onde promana que tais direitos são inatos, absolutos, invioláveis (intransferíveis) e imprescritíveis”.

As primeiras manifestações escritas que proclamaram tais direitos, foram a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 1976, e, por conseguinte, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, cujas quais deram azo ao desenvolvimento das Constituições escritas que propugnaram a positivação das garantias fundamentais surgidas no mundo contemporâneo, não havendo hodiernamente, segundo Bonavides[22], “Constituição digna desse nome que os não reconheça em toda a sua extensão”.

Insta ressaltar, primeiramente, que por terem papel limitador da atuação do ente estatal, tais direitos proporcionaram a emancipação do povo ao outorgar-lhe, segundo Derani, “uma esfera de atuação livre do Estado onde não precisava movimentar-se de acordo com modelos objetivos de relacionamento, porém, por decisões apreciadas subjetivamente”[23] propiciando, assim, o florescimento dos direitos fundamentais[24].

Vale trazer, nesse sentido, o ensinamento de Campos Júnior[25] quando preceitua que o individualismo permeava os direitos fundamentais:

[...] as primeiras declarações se caracterizavam pela conotação individualista dos direitos fundamentais, porque o Estado então estruturado era Liberal de Direito, pelo que os interesses individuais e o individualismo predominavam sobre todas as formas de organização, e o direito não se ausentava desta natureza com que se geravam as idéias, as instituições e as suas práticas, daí os direitos fundamentais referentes à vida, à liberdade individual, à segurança, à igualdade e à propriedade terem sido considerados, no curso do século XX, e denominados de primeira geração.

Ainda que a liberdade, marco do século XIX, tenha sido imprescindível para a emancipação do povo, bem como para o florescimento de uma nova sociedade que não mais se submetia ao jugo do soberano, certo é que, em virtude da concentração de renda e da exclusão social fruto do individualismo e do absenteísmo estatal[26], o Estado passou a ser chamado com vistas à proceder evitando o cometimento de abusos ou mesmo excessos, dentre eles, o do poder econômico, fato este que invariavelmente desencadeou a denominada segunda geração de direitos fundamentais.

2.2.2 A Segunda Geração dos Direitos Fundamentais

Ultrapassado o período em que os direitos fundamentais não mais resumiram-se apenas ao campo da não intervenção estatal versada nas liberdades dos indivíduos, tudo isto graças a dinâmica social e da não menos importante Revolução Industrial, houve a necessidade de que o Estado passasse a intervir diretamente na regulação das relações sociais que se estabeleciam na sociedade[27], fazendo as vezes de artífice na “composição social”, ao estabelecer a pacificação quando da existência de conflitos.

Nesta seara, é imprescindível mencionar que, não menos importantes e de igual relevo, consagraram-se os direitos fundamentais de segunda geração que invocavam a igualdade jurídica como seu corolário impondo a obrigação de agir ao Estado. Este não mais poderia abster-se do dever de regular o sistema, de tal sorte que o papel de coadjuvante que havia adotado em observância ao imperativo máximo do direito às liberdades individuais, marco do século XIX, teve de ser abandonado, posto que, a partir de então, o Estado deveria agir de forma comissiva no estabelecimento de diretrizes para a efetivação da composição social, na ideal pacificação dos conflitos, conforme propugna Derani[28]:

[...] a liberdade individual é possível de ser alcançada somente por uma composição social. Para tanto, o Estado recebe um aumento de tarefas destinadas a incorporar conflitos e organizá-los dentro da esfera administrativa, seja por normas, seja por aumento dos seus serviços.

Desta feita, sendo promanada a referida evolução, esclarece Carl Schmitt na lição de Bonavides[29], que os direitos de segunda geração “numa acepção estrita, são unicamente os direitos de liberdade, em princípio ilimitada diante de um poder estatal de intervenção, em princípio limitado, mensurável e controlável”, constituindo-se nos direitos civis e políticos que acabam sendo reconhecidos por se apresentarem como mecanismo de “resistência e oposição perante o Estado”[30].

De outra banda, ainda percebe-se que os direitos fundamentais de segunda geração relacionam-se intrinsecamente ao princípio da igualdade, fator este que desencadeou a exigência de prestações positivas do Estado, a partir de uma dimensão positiva na esteira do que leciona Campos Júnior[31]:

[...] os direitos fundamentais de segunda geração nasceram intrinsecamente ligados ao princípio da igualdade. Tais direitos fecundaram a justiça social, e o bem-estar social passou a ser buscado pelo próprio Estado (o Estado fez-se Social de Direito). É por esse motivo que a nota distintiva destes direitos é uma dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção de Estado na esfera da liberdade individual, mas sim, nas palavras de Lafer, de propiciar um “direito de participar do bem-estar social.

Assim, fecundou-se a possibilidade de o Estado intervir diretamente na manutenção do bem-estar social a partir da efetivação dos direitos prestacionais, dentre os quais incluíam-se a educação, a cultura, o trabalho, a assistência social e a saúde, tendo em vista que o exercício puro e simples das liberdades individuais, não mais se coadunava aos anseios sociais que de per si já indicavam a necessidade da intervenção estatal para um maior beneficiamento das populações.

2.2.3 A Terceira Geração dos Direitos Fundamentais

De outra banda surgem, calcados na fraternidade e na solidariedade, os direitos de terceira geração que, acrescentados aos direitos de primeira e segunda geração, passaram a expandir o rol das tantas garantias já concretizadas no campo dos direitos fundamentais, que se tornaram mais concretas no final do século XX.

Entenda-se por solidariedade e fraternidade os exatos termos asseverados pela Constituição da República, quando em seu artigo 3º consagra-os como preceitos relevantes para a estatuição de uma sociedade livre, justa e solidária, o que lhes permite desfrutar, portanto, de preeminência em todo ordenamento jurídico, visto que a erradicação da pobreza e da marginalização social, intrinsecamente relacionada à solidariedade culmina, inquestionavelmente, com a redução das desigualdades proporcionando, enfim, a efetividade das garantias fundamentais[32].

Segundo Cherobim, citado por Carvalho[33], a “solidariedade é conceituada como um conjunto de interesses e deveres mútuos de uma dada sociedade, sustentada em um conjunto de idéias e valores comuns”.

Nessa esteira, importante que se esclareça que na visão de Carvalho[34] o princípio da solidariedade representa um “novo paradigma, tanto no direito internacional, quanto no direito interno”:

[...] o princípio jurídico da solidariedade representa novo paradigma no Direito Internacional e doméstico, prenunciando o início de relevantes modificações nas estruturas jurídicas tradicionais. Embora essa concepção porte uma mensagem idealista e utópica, seus fundamentos têm raízes em conhecimentos científicos descortinados pela moderna ciência ecológica e espacial.

Concebem-se, por direitos de terceira geração, aqueles que não são destinados a um único indivíduo, grupo ou Estado, pois com o advento dos direitos de terceira geração, passou-se a preconizar a satisfação dos interesses dos inúmeros grupos humanos caracterizando-se, consequentemente, na visão de Campos Júnior, “como direitos de titularidade coletiva ou difusa”[35].

Além de serem dotados de “altíssimo teor de humanismo e universalidade,”[36] de acordo com o entendimento de Bonavides:

[...] dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

Nesta perspectiva, encontram-se abrangidos por tal geração de direitos, dentre outros, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, insculpido tanto no artigo 225, quanto no artigo 170, VI, da Constituição Federal, consolidando-se não mais como direito de menor importância, mas de magnitude hábil ao fortalecimento do insofismável dever de zelar por um patrimônio que não gera apenas benefícios às gerações atuais mas, principalmente, procura resguardar tal direito às gerações futuras, segundo lição ministrada por Canotilho e Leite[37]:

[...] assim posta, a proteção ambiental deixa, definitivamente, de ser um interesse menor ou acidental no ordenamento, afastando-se dos tempos em que, quando muito, era objeto de acaloradas, mas juridicamente estéreis, discussões no terreno não jurígeno das ciências naturais ou da literatura. Pela via da norma constitucional, o meio ambiente é alçado ao ponto máximo do ordenamento, privilégio que outros valores sociais relevantes só depois de décadas, ou mesmo séculos, lograram conquistar.

Importante ainda frisar, que na visão de Bessa, citado por Furlan[38], “o direito ambiental inclui-se dentre os novos direitos como um dos mais importantes”.

Observa-se, assim, que a relevância da proteção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado em virtude do seu escopo constitutivo de garantia mínima de direitos fundamentais, não somente adstrito às gerações presentes, como também as futuras, não permite que individualismos culminem com a indiferença ambiental, uma vez que uma das suas finalidades, quando alçado à categoria de direito fundamental é, justamente, a sua imunização em face de eventuais ingerências arbitrárias, visando a inibição do exercício do poder estatal em face da liberdade individual[39].

Nesse diapasão, tem-se claramente o fato de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tem por alicerce o princípio da solidariedade, de modo que este garante à coletividade, a fruição daquele, que será exercido como prerrogativa metaindividual, conforme apregoa Furlan[40]:

[...] a solidariedade, como valor subjacente aos direitos de terceira geração, é importante no plano ambiental na medida em que afasta o individualismo e o egocentrismo, concepções que totalizam e resumem a indiferença ambiental. O Estado, como garantidor desses direitos fundamentais de terceira geração, e a própria coletividade, como titular destes, devem almejar o bem-estar ambiental, perseguindo o desenvolvimento sustentável em detrimento do sistema individualista e predatório da sociedade industrial, que compromete a vida do planeta.

E ainda, o princípio que vela o meio ambiente, constitui-se como princípio da ordem econômica, cumprindo dupla função no ordenamento, além de revestir-se de caráter impositivo, bem como de diretriz do ordenamento jurídico, por destacar-se precipuamente como norma objetivo do sistema[41].

No entanto, ainda que se entenda que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é “direito constitucional impositivo”[42], bem como “direito das presentes e das futuras gerações”, não se pode olvidar da existência do alegado direito adquirido, de igual modo concebido como direito fundamental, conquanto segundo preceitua Derani[43]:

[...] a necessidade de assegurar a base natural da vida (natureza) coloca novos matizes na política econômica. É verdade, o grande desafio das políticas econômicas. A obviedade da necessidade de uma relação sustentável entre desenvolvimento industrial e meio ambiente é exatamente a mesma da irreversibilidade da dependência da sociedade moderna dos seus avanços técnicos e industriais. Assim, qualquer política econômica deve zelar por um desenvolvimento da atividade econômica e de todo seu instrumental tecnológico ajustados com a conservação dos recursos naturais e com uma melhoria efetiva da qualidade de vida da população.

Principalmente, quando sob a alegação de se proteger o meio ambiente, sejam criadas legislações cujo escopo constitutivo esteja eivado de inconstitucionalidade, conforme leciona Dutra, ao mencionar que a criação de algumas legislações ambientais, como por exemplo, o Decreto 6.514/08, ocorreram “à revelia da Carta Política”[44]:

[...] as alterações na legislação ambiental são a revelia da Carta Política, apresentando evidente inconstitucionalidade, em razão de ferir o direito de propriedade reconhecido na Carta Magna, porquanto eventual conflito entre direitos fundamentais deve ser interpretado de forma harmoniosa, não podendo um direito constitucional ser excludente de outros direitos fundamentais e, sobretudo, causar prejuízos ao cidadão.

À derradeira, resta claro que os princípios constitucionais, oriundos das gerações de direitos fundamentais, buscaram, sem “eliminar-se mutuamente”[45], garantir a fruição de prerrogativas essenciais, que concomitantemente, propiciarão a salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana que, segundo visão de Canotilho e Vital Moreira, citados por Grau[46]:

[...] fundamenta e confere unidade não apenas aos direitos fundamentais – direitos individuais e direitos sociais e econômicos – mas também à organização econômica. Isso, sem nenhuma dúvida, torna-se plenamente evidente no sistema da Constituição de 1988, no seio do qual, como se vê, é ela – a dignidade da pessoa humana – não apenas fundamento da República Federativa do Brasil, mas também o fim ao qual se deve voltar a ordem econômica (mundo do ser).


3 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO ERIGIDO A CATEGORIA DE DIREITO FUNDAMENTAL – HISTÓRICO LEGISLATIVO

Antes mesmo de o direito ao meio ambiente ter sido alçado à categoria de direito fundamental, no entender de Furlan e Fracalossi[47], desde o descobrimento do Brasil até meados do século XX, o meio ambiente teve “escassa proteção jurídica” ainda que não se possa olvidar que muitas foram as legislações que buscaram destacar a importância de resguardá-lo.

De modo não exaustivo, vale trazer à baila algumas legislações que buscaram assegurar a sua manutenção. Dentre as precursoras, pode-se encontrar o Regimento do Pau-Brasil, datado de 1605, versando expressamente sobre a proteção das florestas. Por conseguinte, houve a instituição da Carta Régia de 1797, que trouxe em seu bojo a afirmação da necessidade de proteção dos rios, nascentes e encostas que, por sua vez, passaram a ser declaradas como de propriedade da Coroa[48].

No ano de 1799, foi criado o Regimento de Cortes de Madeiras, de modo que o seu teor estabelecia regras rigorosas para a derrubada de árvores. Na sequência, surgiu a Lei 601/1850, dispondo sobre Lei de Terras do Brasil, ao estabelecer o disciplinamento, e a ocupação do solo, além das sanções para atividades que se caracterizassem nocivas para o meio ambiente[49].

No começo do século XX, mais precisamente no ano de 1911, com o advento do Decreto 8.843, instituiu-se a primeira reserva florestal do Brasil, localizada no antigo território do Acre. Posteriormente, no ano de 1916, com o advento do Código Civil brasileiro, foram promulgados dispositivos versando sobre o meio ambiente, ainda que, refletindo o ranço patrimonialista daquela sociedade[50].

Finalmente, no ano de 1934, foram sancionados, tanto o Código Florestal quanto o Código das Águas, tendo, o primeiro, o escopo precípuo de limitar o direito de propriedade e, o segundo, “o aproveitamento e a conservação da qualidade dos recursos hídricos”[51] e, ainda, o Decreto 24.645/1934 estabelecendo a proteção aos animais[52].

Já no ano de 1940, foi sancionado o Decreto 2.848 (Código Penal) que, mais precisamente em seu artigo 120, estabeleceu sanção para quem causasse incêndios e, em seu artigo 271, sanção para quem de alguma forma comprometesse ou poluísse a água potável[53].

Em 1948, através do Decreto Legislativo de n. 3, aprovou-se a Convenção visando a proteção da Flora, da Fauna, bem como das Belezas Cênicas e Naturais dos países das Américas[54].

Somente em 1950, a concepção “individualista ou da exploração desregrada”, que esteve vigente desde a descoberta do Brasil que, foi concebida como a primeira fase do Direito Ambiental Brasileiro, cedeu lugar à segunda fase, tratada pela doutrina como fragmentária[55], em cuja qual foram promulgados tanto o Decreto 50.877, de 1961, proibindo o lançamento de resíduos nas águas sem que houvesse o tratamento adequado para elidir a poluição; o Decreto 4.466 de 1964, determinando a arborização e construção de aterros-barragem para represamento de águas; a Lei 4.504, de 1964, denominada de Estatuto da Terra, que previu soluções para as acaloradas reivindicações oriundas dos movimentos sociais desencadeados for força da necessidade premente de alterações relativas ao uso da terra[56].

Ainda, sob a égide da segunda fase e, mais precisamente no ano de 1965, foram editadas a Lei 4.778, tratando da obrigatoriedade na oitiva de “autoridades florestais na aprovação de planos de loteamento”[57]. Além de uma nova versão do Código Florestal, que possibilitou a ampliação das políticas que visavam proteger e conservar a flora, além de contemplar a previsão de proteção das áreas de preservação permanente.

No ano seguinte, editou-se o Decreto 58.256, denominado de “Tratado de Prescrição das experiências com armas nucleares na atmosfera, no espaço cósmico e sob a água”[58]. Dois anos depois foram editados os Códigos de Caça, Pesca, Mineração; a Lei de Proteção à Fauna[59]; e ainda a Lei 5.357, que “estabeleceu penalidades para embarcações e terminais marítimos e pluviais que lançassem dejetos poluentes em águas brasileiras”[60]. No ano de 1967, a Constituição dispôs sobre a atribuição de competência aos Estados para que legislassem sobre florestas[61].Todavia, segundo Furlan e Fracalossi[62], ainda que tais normas visassem assegurar “uma proteção legal circunscrita, por exemplo, às florestas, animais, peixes e minérios, não garantiu a mesma proteção ao meio ambiente de modo uniforme”.

Em 1975, o Decreto Lei 1.413 estatuiu a obrigação da prevenção e correção dos prejuízos eventualmente ocasionados pela contaminação do meio ambiente[63].

Já no ano de 1977, foi promulgada a Lei 6.453 estabelecendo a responsabilidade civil para danos oriundos da realização de atividades nucleares. Alguns anos depois, foi estabelecida a Política Nacional do Meio Ambiente, através da qual o meio ambiente passou a receber atenção especial uma vez que foi concebido como objeto específico de proteção.

Em 1985, com a edição da Lei 7.347, já sob a égide da terceira fase do Direito Ambiental, denominada de holística[64], houve o disciplinamento da ação civil pública para a tutela específica do meio ambiente, e dos demais interesses difusos ou coletivos[65].

Finalmente, em 1988, com a promulgação da Constituição da República, surgiu uma nova era relativa à proteção ambiental, posto que o direito do meio ambiente foi alçado à categoria de direito fundamental em razão da materialidade constitucional do seu conteúdo, recebendo um capítulo exclusivamente voltado a obrigação da sua defesa e preservação, tanto para as gerações presentes como para as futuras, mais precisamente através do seu artigo 225[66].

Nesta senda, Fensterseifer[67], citando Silva, apregoa o cunho “eminentemente ambientalista” da Constituição de 1988:

[...] a Constituição de 1988 é eminentemente ambientalista, assumindo o tratamento da matéria em termos amplos e modernos, uma vez que, além de destacar capítulo próprio para a temática ambiental, a questão permeia todo o seu texto, correlacionada com os temas fundamentais da ordem constitucional.

Vale ressaltar que a Constituição de 1988, proporcionou a união entre o Meio-Ambiente e a infraestrutura econômica do país, pois, segundo Antunes Bessa[68], “foi reconhecido pelo constituinte originário, que se faz necessária a proteção ambiental de forma que se possa assegurar uma adequada fruição dos recursos ambientais e um nível elevado da qualidade de vida das populações”.

Vê-se que, tendo a Constituição alçado o meio ambiente a condição nunca antes elevada, foi extremamente inovadora, quando, em total harmonia com os diplomas internacionais que versam sobre a matéria, extrapolou as meras disposições que outrora visavam, de forma esparsa, proteger os recursos naturais, buscando o alcance da harmonia jurídica dos institutos que regiam a matéria, ainda que não se possa olvidar que, conforme visão de Antunes Bessa[69], “a norma constitucional ambiental é parte integrante de um complexo mais amplo e podemos dizer, sem risco de errar, que ela faz a interseção entre as normas de natureza econômica e aquelas destinadas à proteção dos direitos individuais”.

Ou seja, em que pese o meio ambiente ter sido caracterizado como imprescindível, em virtude de ser concebido como “centro nevrálgico”[70] da Carta Magna, sendo tanto formal, quanto materialmente constitucional, imprescindível será o esforço para que haja a necessária compatibilização de toda matéria contemplada pelo texto constitucional. Mesmo porque, a proteção do meio ambiente tem o escopo precípuo de “elemento de interseção entre a ordem econômica e os direitos fundamentais”[71]. Assim, em havendo qualquer colisão entre valores constitucionais como, por exemplo, o direito adquirido da não averbação de reserva legal de imóvel que se tornou urbano, considerando que a exigência recai somente sobre imóvel rural, conforme se verá adiante, deverá haver uma análise escorreita dos valores em tela, bem como pluralizada do todo, a fim de que seja preservada a unidade da constituição, considerando que, “não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços”[72].

3.1 RESERVA LEGAL

Como um dos objetos específicos de tutela do meio ambiente, encontra-se a reserva legal concernente a uma espécie de restrição imposta ao proprietário de imóvel rural que, segundo Freitas[73], consiste em “uma área mínima de conservação obrigatória” que não poderá ser explorada irrestritamente, cuja fruição da propriedade estará condicionada a uma limitação em que o percentual mínimo é de 20% (vinte por cento) podendo chegar, inclusive, a 80% (oitenta por cento) da área da propriedade de acordo com a região do país[74], conforme bem leciona Silva[75]:   

[...] Por reserva legal entende-se a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, á conservação e reabilitação dos processos ecológicos, á conservação da biodiversidade (art. 1º, § 2, III). Quer dizer que as áreas de preservação permanente não entram no cômputo do percentual de reserva legal discriminado nos incisos do artigo 16. A reserva legal que incide apenas sobre floresta de domínio privado, é um espaço territorial especialmente protegido, nos termos do art. 225, § 1º, III, da Constituição Federal, que não se confunde com unidades de conservação. Trata-se apenas de reserva florestal, não de reserva de fauna, que é também um espaço, (uma área) especialmente protegido não por si, mas em função das populações animais que nela existem, e é de domínio público, que tem seu regime jurídico estabelecido no art. 19 da Lei 9.985, de 2000, ao contrário da reserva florestal legal, que é protegida Poe si e é de domínio privado. A reserva legal de florestas não é servidão, mas simples restrição do direito de propriedade, pelo que não é indenizável.

Ocorre que a expressão “reserva legal” demorou 55 (cinquenta e cinco) anos para ser cunhada, tendo em vista que, somente com a promulgação da Lei Federal 7.803/1989, a aventada necessidade de restrição no manejo das florestas foi assim designada.

Verifica-se que o Decreto Federal 23.793/34[76], antigo Código Florestal, ainda que tenha, segundo lição de Milaré[77], “introduzido a idéia de Reserva Florestal Legal em nosso ordenamento”, não teve por escopo proceder qualquer alusão a expressão denominada de reserva legal, conforme depreende-se do texto legislativo, buscando única e tão somente assegurar, em seu artigo 23, que “nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de três partes da vegetação existente, salvo o disposto nos artigos 24 e 51 (25% - vinte e cinco por cento)”, omissão esta que propiciou o parcelamento do solo, sem que houvesse a averbação da dita reserva.

O referido código permaneceu vigente até o advento do Código Florestal de 1965, com a edição da Lei 4.771/65[78], que foi editada em decorrência do notável avanço da proteção estendida às reservas florestais. Contudo, não se pode afirmar que, neste momento, o termo Reserva Legal passou a constar do referido diploma legal, conquanto em tal texto, apenas existiam previsões de restrições à exploração de florestas de domínio privado, conforme o asseverado pelo seu artigo 16, “a”, senão vejamos:

[...] as florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2º e 3º desta Lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições:

Nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte Sul, as derrubas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada a critério da autoridade competente.

Ou seja, conforme o já esposado, somente no ano de 1989, com o advento da Lei Federal 7.803/89[79], foi cunhada a expressão reserva legal, cuja definição decorreu do advento da Medida Provisória 2.166-67/2001[80], mais precisamente de seu artigo 1º, § 2º, III, que assim a definiu:

[...] Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação e a biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas.

Nesse passo, com a nova redação legal, buscou-se promover a preservação e a recuperação das matas existentes nas propriedades rurais[81], de forma a evidenciar-se que, o que antes deveria ser aleatoriamente “preservado” ou “recuperado”, passou a necessariamente incidir sobre determinada fração do imóvel que deveria obrigatoriamente ser preservado.

Tal Medida Provisória concedeu nova redação ao artigo 16 do Código Florestal, ao asseverar que:

[...] As florestas e outras formas de vegetação nativas ressalvadas as situadas em áreas de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal.

I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo;

III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.

De acordo com o supramencionado, ainda que leis anteriores tenham tratado da matéria intentando disciplinar a questão da averbação da reserva legal, nenhuma foi impositiva o suficiente ao ponto de coibir, ou mesmo restringir a utilização da propriedade. Como bem reconheceu Machado[82], em virtude da tardia instituição da imposição legal que, somente ocorreu em 1989, a “reserva era esfacelada ou diminuída por ocasião da venda, do desmembramento e/ou sucessão da propriedade”. Ou seja, somente depois da instituição do referido disciplinamento, passou a existir a obrigatoriedade quanto ao seu cumprimento, culminando, notadamente, com a restrição parcial da sua modificabilidade.

Ainda que a intenção, tanto do legislador ordinário, quanto do constituinte tenha sido assegurar o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,” a reserva legal somente passou a ter proteção efetiva quando da introdução das modificações da lei 7.803/89.

Desta ilação, pode-se concluir que, somente a partir da edição da Lei 7.803/1989[83], a averbação da reserva legal passou a constituir-se como exigência. Além do que, a sua inalterabilidade, bem como a proibição do corte raso, passaram a constituir-se como imposições, quando o artigo 16, § 2º, dispôs que:

[...] a reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição da matrícula do imóvel, no Registro de Imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento de área. (grifos nossos)

Analisando a lei, tem-se que a alteração da destinação da reserva legal não poderia ocorrer quando esta já tivesse sido averbada à margem da matrícula do imóvel. Tal entendimento tem a confirmação de Mantovani e Bechara[84] que ponderam o seguinte: “como já asseverado, o Código Florestal, em seu art. 16, § 2º, dispõe que a Reserva Legal, devidamente averbada, não pode sofrer alteração em sua destinação, mesmo em casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento de área”, o que abriu a possibilidade para que todos aqueles proprietários de imóveis que, eventualmente, não tivessem procedido à averbação antes do advento da lei obrigando o seu registro na matrícula do imóvel a isentar-se da proibição de mutabilidade.

No entanto, ainda que sob o pálio da alegada inexistência de lei obrigando a averbação antes de 1989, bem como sob a existência de originado direito adquirido daqueles que tiveram as suas propriedades incorporadas ao perímetro de expansão urbana de seus municípios, para alguns, o entendimento de que somente a Lei 7.803 de 1989 teria implementado a necessidade de averbação de reserva legal, seria totalmente descabido, porquanto mesmo a lei tendo sido instituída somente em 1989, a obrigação da averbação de reserva legal já existia desde o advento do Código Florestal de 1934. Assim, todos aqueles imóveis que, eventualmente, fossem incorporados ao território de expansão urbana de seus municípios antes do advento da Lei 7.803/1989, deveriam ter procedido previamente à averbação da reserva legal à margem da matrícula dos respectivos imóveis, com vistas à preservação do meio ambiente, considerando que, independentemente, da localização do imóvel, ele deverá contribuir para a efetivação do direito à sadia qualidade de vida que, não obstante, também deverá ocorrer nas cidades[85].

3.2 AS LEGISLAÇÕES POSTERIORES À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – DISCIPLINAMENTO DA RESERVA LEGAL

Ainda que a Lex Suprema tenha sido o marco divisor da legislação ambiental, consistindo em conditio sine qua non para a elevação do direito do meio ambiente à categoria inquestionável de direito fundamental, há que se ressaltar que outras legislações importantes surgiram posteriormente, com vistas ao disciplinamento de questões ainda obscuras, ou mesmo lacunosas em nosso ordenamento jurídico, principalmente, no que concerne a denominada Reserva Legal que, desde a Constituição de 1934, tem sido motivo de dissenso na doutrina.

Em que pese a existência do Código Florestal, que desde 1934 busca disciplinar a questão da Reserva Legal, além da Constituição de 1988 propugnar que o meio ambiente sadio é bem de uso comum e imprescindível a sadia qualidade de vida, imperioso destacar que muitas legislações nasceram eivadas de vício, seja em decorrência da omissão do legislador, que as tornou confusas, lacunosas, tardias ou ainda ausentes de imperatividade necessária ao seu cumprimento, ou mesmo de sanções pelo seu descumprimento[86].

Não obstante isso, há que destacar que outras tantas foram criadas incompatíveis com a Carta Maior, ou seja, inconstitucionais, dando azo à colisão entre direitos fundamentais[87].

Nesse sentido, mister ressaltar que um dos maiores exemplos de antagonismo decorre da alegada imposição da averbação de reserva legal, pois conforme o ora invocado, ainda que alguns entendam que a obrigatoriedade advém da instituição do Código Florestal de 1934, outros entendem que somente com o advento da Lei 7.803/89, momento em que foi criado o termo “reserva legal” que alterou o artigo 16 do Código Florestal, é que tal exigência passou a existir[88]. E ainda, há quem diga que somente com a reforma da legislação, mais precisamente com o advento da Medida Provisória 2.166/67/2000, que inseriu o § 8º no artigo 16 do Código Florestal, é que se pode realmente conceber a existência de tal obrigação:

[...] art. 16, § 8º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001).

A determinação de imutabilidade da destinação quando da transmissão da propriedade, passou a existir para Machado[89] com a promulgação da Lei 7.803/89:

[...] a lei visou dar um caráter de relativa permanência à área florestada do país. A lei federal determina a imutabilidade da destinação da Reserva Legal Florestal de domínio privado, por vontade do proprietário. Nos casos de transmissão por compra e venda como, também, por acessão, usucapião e pelo direito hereditário, a área de Reserva, a partir da promulgação da Lei 7.803/1989, continua com os novos proprietários, numa cadeia infinita. O proprietário pode mudar, mas não muda a destinação da área da Reserva Legal Florestal.

E ainda, em outra passagem, Machado[90] revela que a instituição de tal legislação ocorreu a destempo, conquanto esclarece que:

[...] a reforma da legislação florestal de 1989, ao lado de outras reformas de textos legais ambientais que se fizeram na mesma ocasião veio tardiamente. A reserva era esfacelada ou diminuída por ocasião da venda, do desmembramento e/ou sucessão da propriedade.

Ou seja, conforme alhures referido, a lei não sendo suficientemente clara, ou mesmo não impondo o dever ao proprietário do imóvel, não evitou a ocorrência do parcelamento do solo que se dava por venda, ou mesmo sucessão das propriedades, o que somente ocorreu em virtude da ausência oportuna do disciplinamento da questão envolvendo a averbação de reserva legal que, nos exatos termos do escólio de Freitas[91] “é evidente que se houvesse limitação à alienação ou a oneração de bens imóveis pelo proprietário que não tivesse averbado a reserva legal, ela estaria expressa na lei”.

Como se já não bastasse a extemporaneidade da lei, existem ainda as diversas interpretações acerca da exigência da averbação, posto que em julgamento de Recurso Administrativo, a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, manifestou-se no seguinte sentido[92]:

[...] a averbação de reserva legal é exigida apenas para algumas formas de exploração dos imóveis rurais, mormente para a preservação da Mata Atlântica, não se podendo condicionar o registro de atos de transmissão da propriedade imobiliária rural e de fracionamento do imóvel rural à efetivação daquela averbação (da área de reserva legal), prevista no artigo 16, § 2º (atual 8º), do Código Florestal (Lei 4.771/65), isto sob o fundamento de que não existe na lei proibição do ingresso no registro imobiliário dos atos translativos ou de fracionamento daquelas propriedades se não for observada a determinação relativa à averbação de reserva legal. (Grifo nosso)

Desta feita, a efetividade deste objeto específico de tutela do meio ambiente, pode, invariavelmente, restar frustrada uma vez que, como se percebe, não se poderia sequer condicionar o registro de atos de transmissão da propriedade rural e de fracionamento de imóvel à averbação de reserva legal.

Assim, seja em decorrência da lacuna legislativa que permitiu o parcelamento do solo sem a devida averbação, seja, pelas inúmeras incorporações de imóveis ao território de expansão urbana, jungidas ao não condicionamento de tais registros à averbação da reserva legal, a tutela específica de proteção ao meio ambiente consistente na averbação de reserva legal restou frustrada.

Não obstante, o fato, insta ressaltar que, mesmo havendo a alegação de que sobre os imóveis não recai mais qualquer ônus relacionado à averbação de reserva legal em razão da sua incorporação ao território de expansão urbana dos municípios, tal fato não os exime, de forma alguma, das demais responsabilidades atinentes à realização individual da proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme bem dispõe o parágrafo único do artigo 2º do Código Florestal[93]; senão vejamos:

Art. 2º. [...] Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

Ou seja, independentemente da leitura que se faça da lei, ou ainda da alegação de que ela foi tardia, contribuindo para a deflagração de um direito adquirido de não averbar reserva legal, não se pode olvidar da necessária adoção de mecanismos voltados à gestão consciente do legado natural, conforme o disposto no Código Florestal, considerando que são imprescindíveis para a manutenção do equilíbrio do planeta, bem como da consecução de um objetivo comum que se baseia no fim coletivo e social[94].

3.3 A EXIGÊNCIA DE AVERBAÇÃO DE RESERVA LEGAL MESMO QUANDO O IMÓVEL JÁ FOR URBANO

Ainda que para uma parte da doutrina a exigência da averbação de reserva legal incida somente sobre imóveis rurais, e ainda que tal exigência decorreu apenas do advento da lei 7.803/1989, ou ainda da Medida Provisória 2.166/67/2000, momento em que muitos imóveis já eram urbanos, para Gabriel Montilha[95], advogado do Instituto Ambiental do Paraná, a obrigatoriedade de averbar reserva legal, não restringe-se somente aos imóveis rurais, mas também, a partir de 1989, à todos aqueles imóveis que foram incorporados ao perímetro urbano dos seus municípios, justamente porque, segundo ele, as propriedades que antes eram rurais, ao serem incorporadas ao perímetro urbano de seus municípios, já deveriam encontrar as reservas legais devidamente registradas nas matrículas dos imóveis, não havendo que se falar que a incorporação do imóvel ao perímetro urbano isentou-os da obrigação[96].

Sob tal pretexto, o Instituto Ambiental do Paraná, a partir de 1989, passou a exigir o registro da averbação de reserva legal para aqueles imóveis que já haviam passado a incorporar o perímetro urbano de seus municípios antes mesmo da edição da lei, sob a alegação de que a obrigação de averbar a reserva legal junto à matrícula do imóvel advinha dos Códigos Florestais de 1934 e de 1965, ressaltando que a partir da publicação da lei 7.803/1989, tornou-se obrigatório para o proprietário de imóvel rural a averbação da reserva legal no percentual mínimo de 20%.

Tal entendimento, de igual modo consubstanciou-se na Lei 10.257/2001, que visando a concretização do direito ao meio ambiente, passou a instituir que o desenvolvimento da cidade deveria obedecer a proteção, a preservação e a recuperação do meio ambiente natural, cuja obrigação deveria refletir nos planos diretores das cidades, com vistas à efetividade da preservação do meio ambiente. Mesmo porque, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui-se como um dos cernes do nosso ordenamento jurídico, posto que, somente com a sua preservação, é que poderá ocorrer a confirmação de que restará assegurada à todos a adequada fruição dos recursos naturais, tanto para as presentes, quanto para as futuras gerações[97].

Assim, o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, mais precisamente em seu artigo 2º, VI, estabelece que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, o qual, corroborado pelo artigo 2º, parágrafo único, do Código Florestal, retrata a necessidade de observância ao disposto nos planos diretores e leis de uso do solo, que, na visão de Figueiredo[98], consiste na adoção de “diversas diretrizes gerais, dentre as quais a de ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar o parcelamento do solo, e a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana, bem como a evitar a degradação ambiental”.

Ressalta-se ainda que, mesmo havendo entendimentos acerca do fato de que somente a partir da Lei 7.803/89, passou-se a exigir a averbação de reserva legal, segundo o referido advogado[99], não se pode olvidar que a competência para legislar sobre florestas é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, não tendo, portanto, o município, a prerrogativa para legislar sobre florestas, tampouco, sobre reserva legal, ainda que a tenha para legislar sobre assuntos de ordem local, como foi o caso do Decreto que incorporou o imóvel à zona de expansão urbana do município.

Tal fator tem implicado na indigitada colisão entre direitos fundamentais, pois enquanto existe a manifestação incisiva acerca da existência da obrigação decorrer do Código Florestal de 1934 e de 1965, há quem rebata a ideia, sob a alegação de que tal obrigação decorreu apenas da edição da Lei 7.803/89, momento em que muitas propriedades já eram urbanas e, portanto, alheias a obrigação.

Ainda que a tardia promulgação da lei tenha dado azo ao descumprimento da obrigação por parte dos proprietários dos imóveis que se tornaram urbanos antes de 1989, momento em que sob o ponto de vista destes não incidia tal exigência em decorrência do imóvel ter se tornado urbano, sob pena de prejudicar o direito adquirido de não averbação de reserva, imperioso destacar que o princípio da defesa do meio ambiente, além de “conformar a ordem econômica” segundo afirma Grau[100], ainda é o responsável pela efetivação da existência digna, sem a qual não se pode viver, sendo certo que deverão existir políticas conformadoras que resguardem a efetivação da disposição expressa na Carta Magna no que diz respeito a conservação do meio ambiente que deverá se orientar pelo desenvolvimento sustentável, consoante leciona Derani[101]:

[...] assim, políticas que reencontrem uma compatibilização da atividade econômica com o aumento das potencialidades do homem e do meio natural, sem exaurí-las; apoiadas por normas de incentivo à pesquisa científica de proteção dos recursos naturais e de garantia de uma qualidade ambiental são expressões do direito do desenvolvimento sustentável – uma outra forma de ver e compreender o direito ambiental. (grifo nosso)

Nesse passo, a partir de uma leitura teleológica do supramencionado entendimento, percebe-se que será necessário o devido condicionamento da atividade econômica, bem como do desenvolvimento da atividade humana, com vistas à manutenção da qualidade ambiental que, somente será possível com a utilização de técnicas de compatibilização que podem ser encontradas somente com a adoção do princípio do desenvolvimento sustentável.

3.4 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O desenvolvimento sustentável tem como objetivo precípuo ordenar as políticas de desenvolvimento objetivando, especialmente, a erradicação da pobreza que, invariavelmente, propiciará a melhoria das condições vitais em todos os aspectos, tanto no econômico, quanto no plano social, intrinsecamente relacionado à sadia qualidade de vida dos povos[102].

O princípio do desenvolvimento sustentável tem como premissa “a regulação e o controle da atividade econômica”[103] o que se dá a partir da instituição de leis, que surgem com o fito de salvaguardar o direito de todos ao acesso à esse bem, evidenciando que os processos de desenvolvimento deverão sempre estar pautados na condução de técnicas que permitam evitar a deteriorização ambiental[104], a fim de que o meio ambiente seja mantido incólume.

Com isso, a educação ambiental se faz premente, uma vez que, somente a partir dela, será possível a potencialização dos inúmeros sistemas de conhecimento para a integração plena entre o homem e o meio ambiente, fazendo-o perceber acima de tudo, que todos os recursos utilizados para o seu conforto advêm de fontes naturais que, ao contrário do que se pensa, são esgotáveis[105].

Tal constatação permite evidenciar que a reflexão sobre mecanismos tendentes à minimização dos riscos torna-se “um tema e um problema” para a sociedade que, ao produzir os riscos deverá dar conta de rever as suas práticas sociais[106].

Por fim, ainda que todos os seres humanos tenham o direito de desenvolver-se economicamente, há que se ressaltar que o alcance de tal meta deve ocorrer em observância aos princípios do desenvolvimento sustentável que se consubstancia na harmonia entre o progresso e a natureza. Ou seja, ainda que, eventual demanda judicial seja decidida em prejuízo do meio ambiente, deve-se assegurar, que o prejuízo seja o menor possível, valendo nesse sentido transcrever o entendimento de Furlan e Fracalossi[107]:

[...] Deve ser feito o trabalho e Hércules de Dworkin, ou seja, dentre todas as soluções possíveis, a justa, a certa, será aquela que menor dano cause ao meio ambiente. Isso porque a bandeira do progresso não pode servir para justificar tudo, inclusive danos ambientais.

Com a adoção de tal prática, espera-se que, em momento algum o direito ao meio ambiente tenha o seu conteúdo essencial esvaziado ou comprometido ante a deflagração de conflito entre valores constitucionais relevantes, considerando-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos mais importantes direitos fundamentais do nosso ordenamento jurídico, uma vez que se traduz como legado a ser resguardado, tanto para as presentes como para as futuras gerações[108].


4 O DIREITO ADQUIRIDO – DIREITO FUNDAMENTAL CONSAGRADO NO ARTIGO 5º – PRINCÍPIO CONCRETIZADOR DA ESTABILIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA

Precipuamente, cumpre esclarecer que o direito adquirido no Brasil vem sendo concebido como tradição do constitucionalismo brasileiro, uma vez que se pode encontrar a previsibilidade de tal garantia desde o texto constitucional de 1824, mais precisamente no artigo 179, 3º, bem como a de 1891, artigo 11, 3º. De igual modo, tem-se que a Constituição de 1934, buscou assegurar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, algo que com o advento da Constituição de 1937, restringiu-se à aplicação da norma no âmbito penal. Ainda que a Constituição de 1946 tenha albergado tal previsibilidade, houve certa mitigação quanto ao seu âmbito de aplicação, considerando que muitas garantias jungidas à consagração de tal ideário padeceram ante a instauração do estado de exceção. Ressalte-se que mesmo tendo a redação se mantido incólume em todos os textos constitucionais posteriores, a saber: 1967 e 1969, tal prerrogativa não se realizou no plano fático em decorrência do AI Nº. 5 [109].

Com a promulgação da Carta Maior de 1988, a proteção ao direito adquirido foi de fato enfatizada visando a segurança jurídica da coletividade, ao condicionar o exercício arbitrário do poder estatal, bem como permear as relações sociais, que se estendeu, sobretudo, à proteção das liberdades individuais[110].

Não obstante, o próprio Código Civil de 1916, contemplou a garantia da proibição da retroação legal[111] e o Código Civil de 2002, através da Lei de Introdução ao Código Civil, buscou assegurar tal prerrogativa ao prelecionar, em seu artigo 6º, que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”[112].

De toda sorte, para a própria estabilização do sistema, faz-se imprescindível a existência da segurança jurídica que, notadamente, é conferida pelo direito adquirido, haja vista que, somente dela decorre a certeza de que o indivíduo não será surpreendido negativamente por alguma norma que tenha o condão de esgotar todas as garantias até então alcançadas, ou mesmo tolhê-lo da prática das suas prerrogativas essenciais[113].

Veja-se que, para Sarmento[114], a segurança jurídica traduz-se na ideia de que não deverão ser gerados deveres que venham a surpreender o sujeito, senão vejamos:

[...] certeza do Direito aparece, assim, como um direito fundamental, na medida em que não se geram deveres que surpreendam ao sujeito, assim como não se lhe impõe penas que possam atingir a sua liberdade ou seus bens. Mais até do que isto: a falta de certeza do Direito pode levar a decisões divergentes entre os vários tribunais, o que em última análise, faz com que casos idênticos sejam tratados de forma diferente em um mesmo ordenamento jurídico, o que contraria o princípio da igualdade, imanente á própria idéia de Direito.

Por fim, insta ressaltar que a segurança jurídica está intimamente relacionada ao Estado de Direito e, ainda, à certeza quanto à concretização deste direito através da submissão de todos à lei, como forma de prevenir-se o exercício arbitrário de funções, principalmente quando se fala que o princípio da segurança jurídica que “ajuda a promover os valores supremos da sociedade”[115] está intrinsecamente relacionado com o princípio da legalidade do qual decorre a legitimidade para a atuação do Estado Administração[116].

4.1 ATUAL ENTENDIMENTO E APLICAÇÃO DO DIREITO ADQUIRIDO NO BRASIL E SUA ORIGEM HISTÓRICA

Em todos esses anos, ainda que o arcabouço legislativo tenha contemplado inúmeras alterações relativas ao entendimento sobre a garantia da existência ou não do direito adquirido, conforme afirma Sampaio[117], “a Constituição resguarda o que se consolidou no patrimônio privado”. Nesse diapasão, Sampaio[118], citando Raul Machado Horta, esclarece ainda que, “o desfazimento dos direitos adquiridos é excepcional em nossa tradição, prevalecendo o princípio da continuidade”.

Inobstante, a doutrina italiana, mais especificamente na pessoa de Gabba, foi preponderante para a sedimentação do primado do direito adquirido, principalmente, quando se vislumbra que as Constituições brasileiras sofreram forte influência de sua concepção sobre a impossibilidade de retroação da norma, objetivando, com isso,  garantir a consagração do direito adquirido[119].

Foi Gabba quem perfeitamente definiu o direito adquirido, “como o que integra o patrimônio de uma pessoa, por força de lei, ou de fato voluntário, verificado na vigência da lei derrogada, cujos efeitos produzem-se ainda no futuro, apesar de a lei que o rege estar revogada”[120].

Hodiernamente, no Brasil o próprio Supremo Tribunal Federal pacificou a questão quando proferiu o julgado citado por Marmelstein[121], enunciando que “o disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva”.

Tal estatuição serve para demonstrar que existe a premência de se respeitar as situações jurídicas já firmadas e consolidadas pelo tempo, de modo que, se eventualmente houver aplicação retroativa da lei ela, em hipótese alguma, poderá desrespeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada[122].

Por oportuno, vale ainda mencionar que na visão de Sampaio[123], os direitos adquiridos convertem-se em direito fundamental, cuja garantia apresentasse como direito “público subjetivo jusfundamental”, valendo transcrevê-lo ipsis literis:

[...] os direitos adquiridos podem ter a estatura de instituto previsto na Constituição, convertendo-se em direito fundamental. Em sendo assim, a sua garantia se mostra como direito público subjetivo jusfundamental qualificado no tempo como barreira à irreversibilidade da regulação dos atos e conseqüências passados. Um direito negativo, de maneira a possibilitar aos titulares exercê-lo contra as intervenções estatais, notadamente legislativas; mas também um direito positivo de exigir-se do Estado um quadro de prestação fática e jurídica que permita, pelo menos, fazer-se respeitado por terceiros, advogando-se ir além; possibilitar material e juridicamente a realização do conteúdo protegido. Além do mais, ganham os traços peculiares da rigidez das barreiras agravadas a mudanças constitucionais sob a proteção do sistema de fiscalização da constitucionalidade.

De tal leitura, pode-se perceber que, mostrando-se o direito adquirido como norma fundamental, que, por conseguinte, consagra-se como um direito negativo, devidamente qualificado como limitação de irreversibilidade dos atos, acaba por propiciar aos jurisdicionados a segurança jurídica de um conteúdo que se pretende proteger, ante as inúmeras alterações legislativas que, não raro, poderão ser objeto de controle de constitucionalidade.

Importante ensinamento advém do escólio de Lacerda[124], ao mencionar Pontes de Miranda, quando da afirmação de que “não se deve presumir o caráter retroativo da norma constitucional”, senão vejamos:

[...] as constituições têm incidência imediata, ou desde o momento em que elas mesmas fixaram como aquele em que começariam de incidir. Entretanto, não se deve presumir o caráter retroativo da norma constitucional originária. Insista-se em que o princípio geral de direito é a irretroatividade. Daí a presunção de que a norma não tem retroeficácia. Para fugir disto é necessário que a norma decorra inexoravelmente do texto.

Por fim, vale afirmar que o postulado da não retroatividade das leis, ainda que comporte exceções, vem sendo concebido como universal, o que inviabiliza que leis novas intentem disciplinar fatos e consequências ocorridas sob o império de outras normas, ainda que estas últimas tenham ocorrido sob a égide da lei nova, justamente para que se alcance a segurança jurídica e a estabilidade do direito[125], sendo imperioso que se verifique se a aquisição do direito violado pela lei nova ocorreu na vigência da lei antiga, a fim de que se evite que venha a ser prejudicado pela nova estatuição legal[126].

4.2 A INEXISTÊNCIA DE HIERARQUIA ENTRE LEIS DE ORDEM PÚBLICA E AS DEMAIS

A existência do direito adquirido como garantia constitucional está totalmente pacificada na doutrina, de modo que as hipóteses de não retroatividade da lei encontram-se expressas na Carta Magna, a saber: (i) proteção da segurança jurídica no domínio das relações sociais; (ii) proteção da liberdade do indivíduo contra a aplicação retroativa da lei penal; (iii) proteção do contribuinte contra o Fisco. Ademais isso, verifica-se que a não retroação ainda consubstancia-se em direito individual devidamente resguardado pelo artigo 60, § 4º, IV da Lex Suprema, o qual condiciona a atividade tanto legislador, quanto dos órgãos judiciário e legislativo[127].

Vislumbra-se ainda que, justamente visando salvaguardar tal princípio constitucional, o legislador constituinte, estatuiu no artigo 60, § 4º, IV, que não será “objeto de deliberação a proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais”[128], a qual é corroborada pela lição de Lacerda[129], no seguinte sentido:

[...] daí se pode inferir, sem censura jurídica, que, por meio de reforma constitucional – Poder Constituinte Derivado –, o direito adquirido não pode sofrer modificação, e muito menos abolição, pois se encontra no rol dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal, conforme salienta seu art. 5º, caput.

Quanto a eventual alegação de hierarquia entre leis de ordem pública e as demais, imperioso destacar que não há qualquer diferenciação entre elas, segundo escólio ministrado por Barroso[130]:

[...] a regra do art. 5º, XXXVI, dirige-se ao legislador de todos os níveis, só não se sobrepondo ao constituinte. Quanto ao conteúdo do ato normativo, não há qualquer distinção entre as chamadas “leis de ordem pública” e as demais, como faz supor certo segmento doutrinário. A Constituição não prevê exceções. Qualquer lei, seja qual for o adjetivo que se lhe vier a agregar, está obrigada a respeitar essas garantias, mesmo porque nenhum sentido haveria em admitir-se que a Lei, conferindo a si própria determinada qualificação, pudesse afastar a garantia constitucional. (Grifo nosso)

Nesse passo, importante asseverar que não há que se entender pela retroação da lei, mesmo que esteja fulcrada na alegação de constituir-se como lei de ordem pública. Mesmo porque, tal fato acarretaria em ofensa ao direito adquirido que, segundo Gabba[131], também consiste em “forte interesse de ordem pública” e, ainda, de acordo com o posicionamento de Caio Mário da Silva, citado por Tolomei[132]:

[...] costuma-se dizer que as leis de ordem pública são retroativas. Há uma distorção de princípio nesta afirmativa. Quando a regra da não retroatividade é de mera política legislativa, sem fundamento constitucional, o legislador, que tem o poder de votar leis retroativas, não encontra limites ultralegais à sua ação, e, portanto, tem a liberdade de estatuir o efeito retrooperante para a norma de ordem pública, sob o fundamento de que esta se sobrepõe ao interesse individual. Mas, quando o princípio da não retroatividade é dirigido ao próprio legislador, marcando os confins da atividade legislativa, é atentatória contra a Constituição a lei que venha a ferir direitos adquiridos, ainda que sob a inspiração da ordem pública. (grifos nossos)

4.3 O DIREITO ADQUIRIDO ANTE O REGIME OU ESTATUTO JURÍDICO

Com o escopo de adentrar a questão mais profundamente, importante destacar que, mesmo restando assegurada a existência do direito adquirido ante a ocorrência das situações previstas em lei, segundo grande parte da doutrina, não há que se considerar a sua subsistência em “se tratando de direito público com referência a regime jurídico estatutário, uma vez que, não há direito adquirido a esse regime jurídico”[133].

Para Gabba, não se concebia a existência de direito adquirido quanto aos institutos jurídicos, que deveriam ser imediatamente aplicados, ainda que para ele devessem ser respeitadas todas as relações dele decorrentes[134].

Nesse passo, vale mencionar que para o referido teórico, existe ainda um rol de legislações que poderão ser imediatamente aplicadas, independentemente de qualquer alegação de existência de direito adquirido, especialmente aquelas que estão voltadas ao interesse geral e, portanto, não sujeitas a limites, dentre elas as leis que versem sobre o direito de propriedade de florestas, por exemplo[135].

Restou consagrado, ainda, o ponto de vista de que determinada lei poderia ser suprimida ou modificada, assentando-se o primado de que a aplicabilidade da nova lei pode ocorrer imediatamente à sua edição, como no caso da resgatabilidade das enfiteuses gravadas com cláusula de perpetuidade, cuja legitimidade da redução do prazo para o seu resgate foi consolidada, inclusive, pela Súmula 170 do Supremo Tribunal Federal[136].

Desse modo, ainda que o direito adquirido seja sinônimo de segurança jurídica, não se presta ao atendimento, ou mesmo não tem por escopo a proteção de determinadas posições jurídicas ante a alteração de institutos, ou ainda determinados estatutos ou regimes jurídicos, o que acarretou na consolidação do entendimento de que não há que se invocar direito adquirido ante um regime jurídico.

Pode-se vislumbrar facilmente tal assertiva quando da análise detida dos julgados do Supremo Tribunal Federal, tendo como matéria a aposentadoria dos servidores públicos, momento em que lançando mão de tal entendimento, é estabelecido que “em se tratando de direito público com referência a regime jurídico estatutário, não há direito adquirido a esse regime jurídico”[137], bem como no momento em que a referida Corte decide sobre a natureza institucional do FGTS e se pronuncia acerca da inexistência de direito adquirido a tal regime jurídico[138], valendo transcrever o referido julgado[139]:

[...] “Fundo de garantia por tempo de serviço – FGTS. Natureza jurídica e direito adquirido. Correções monetárias decorrentes dos planos econômicos conhecidos pela denominação Bresser, Verão, Collor I (no que concerne aos meses de abril e de maio de 1990) e Collor II.

- O Fundo de Garantia por Tempo (FGTS), ao contrário do que sucede com as cadernetas de poupança, não tem natureza contratual, mas, sim, estatutária, por decorrer da Lei e por ela ser disciplinado.

- Assim é de aplicar-se a ele a firme jurisprudência desta Corte no sentido de que não direito adquirido a regime jurídico”.

Vale mencionar que, para Barroso[140], ainda que seja expressa a condição de que há uma relação institucional entre o servidor público e a União, que por sua vez, é regida por lei que poderá ser alterada sem que se mantenham as condições iniciais, tal situação somente estará legitimada a ocorrer, por tratar-se de uma relação institucional, algo que, de forma alguma, seria concebido se a nova lei se destinasse ao disciplinamento de relações privadas, conquanto somente poderia ser aplicada às relações que, eventualmente, fossem estruturadas sob a égide do seu império.

No entanto, no que tange aos servidores públicos, é pacífica a orientação do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não há que se falar na existência de direito adquirido com vistas à continuidade de uma situação estabelecida com base em lei anterior, considerando que tal possibilidade restou peremptoriamente rechaçada pela Egrégia Corte. Assim, não se permite, portanto, a subsistência de posições pessoais em face de eventuais mudanças, revisões e, inclusive, supressões de institutos jurídicos, ou mesmo alterações estatutárias[141].

4.4 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO ADQUIRIDO COMO ASSEGURADOR DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIÇÃO – PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

Ainda que tenha restado claro que não há que se invocar a existência de direito adquirido nas relações entre servidores públicos e a União, ou ainda à regimes ou estatutos jurídicos, é de crucial importância salientar que, em se constando a ocorrência da hipótese de incorporação do bem jurídico ao patrimônio do seu titular, seja reconhecida a incidência do direito adquirido, sob pena de se violar a segurança jurídica, pois ainda que este último princípio tenha uma abstração muito elevada[142], reveste-se como postulado fundante do Estado de Direito, que visa, inclusive, a proteção da propriedade privada, cuja garantia é considerada como “essencial para o funcionamento do capitalismo, tal como preconizado pelo pensamento liberal e acolhido pelo sistema constitucional brasileiro”[143].

Ademais, ainda que seja clara a possibilidade de supressão, revisão ou mudança de instituto jurídico, não se pode olvidar as situações jurídicas consolidadas ao longo do tempo, bem como a boa fé perpetrada pelos contratantes que, pressupondo a “confiança na estabilidade de uma situação legal atual”[144] celebraram negócios jurídicos pautando a sua conduta, única e tão somente na segurança jurídica.

Percebe-se que, no que toca ao ferimento da segurança jurídica, de estreme importância invocar que as situações jurídicas consolidadas deverão sempre ser consideradas, senão vejamos o que a doutrina destaca a respeito[145]:

[...] ainda que não se possa invocar a idéia de direito adquirido para a proteção das chamadas situações estatutárias ou que se não possa reivindicar direito adquirido a um instituto jurídico, não pode o legislador ou o Poder Público em geral, sem ferir o princípio da segurança jurídica, fazer tabula rasa das situações jurídicas consolidadas ao longo do tempo.

Importante ainda perceber que, além de a celebração de negócios jurídicos encontrar a proteção da lei, ainda está alicerçada na prerrogativa insculpida no artigo 5º, XXXVI, que caracteriza o direito adquirido, estando ainda consubstanciado na segurança conferida pelo ato jurídico perfeito, cuja denominação consiste em reputar-se consumado segundo a lei vigente ao tempo em que ocorreu, o que corrobora a todo infatigavelmente aludido, isto é, de que o evento realizado sob a égide de determinada lei, que no caso em comento, seria o Decreto incorporador do imóvel à zona de expansão urbana do município, além de revestir o ato com a perfeição jurídica necessária, ainda gera o direito adquirido[146].

Com o fito de enriquecer o presente estudo, há que se destacar o magistério de Romeu Felipe Bacellar Filho[147], quando explicita que a desconsideração de tais direitos, em uma dada ordem constitucional, poderia deflagrar o caos social:

[...] o ato jurídico perfeito gera o direito adquirido, o direito adquirido, o direito concreto e subjetivo a exercê-lo ou desfrutá-lo, na medida em que a não consideração dos formados sob uma norma prejudicaria o interesses de seus titulares e implantaria o caos e a desordem social. Portanto, quando se fala em direito adquirido é porque decorre, na maior parte das vezes, de um ato jurídico perfeito, que é o que lhe dá embasamento em decorrência de ter sido realizado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

Sabe-se que, conforme disciplinou Gabba[148], toda lei que trate de propriedade florestal tem incidência imediata. Nesse sentido, claro é que a Lei 7.803/89 passou a incidir imediatamente sobre propriedades rurais, com vistas à disciplinar a obrigação da averbação da dita reserva legal que restava omissa. Com isso, todos aqueles proprietários de imóveis rurais que até então não tinham procedido à averbação teriam que, a partir da promulgação da lei, registrá-la à margem da matrícula de imóveis. Todavia, em momento algum a norma referiu-se à averbação de reserva legal em imóvel urbano, de forma que eventual desnaturação do instituto, ou seja, interpretação diversa daquela que realmente lhe deveria ser dada, comprometeria, inclusive, a segurança jurídica valendo, nesse aspecto, transcrever o escólio de Recaséns Siches citado por Ferrari[149] ao ponderar que:

[...] o principal motivo do direito, que este surgiu para prestar culto à idéia de justiça e fornecer segurança e certeza á vida social, porque a segurança é um valor fundamental do jurídico, sem ela não pode haver direito. O direito a partir do ponto de vista formal, não é um fim, mas um meio para assegurar a realização de certos fins que os homens reputam como de indispensável cumprimento. Portanto, não radica no que é, mas como é.

Portanto, quando se suscita a existência de um direito adquirido do proprietário de imóvel que se tornou urbano embasa-se, precipuamente, na celebração de um negócio jurídico que ocorreu sob a égide de determinada lei que disciplinou a incorporação do imóvel ao território de expansão urbana do município sobre o qual não se opõe à referida exigência, bem como na concessão de licenças pela Administração Pública, posteriormente à constatação da inexistência de qualquer irregularidade referente a instalação do parque fabril que ocuparia todo o imóvel, algo que se deu através da realização de Estudo de Impacto Ambiental e da realização de Relatório de Impacto Ambiental.

Para corroborar a existência do alegado direito adquirido, Sampaio[150] esclarece que não cabe a revogação de atos administrativos por inconvenientes ou, mesmo porque se mostrem contrários ao interesse público. Ademais, na situação em espeque, o ato de a Administração Pública ter concedido as licenças para a instalação e operação não ocorreu contra disposição expressa de lei de modo que, o direito delas oriundo, não permite a revogação dos atos administrativos.

Nesta toada, Arnoldo Wald, citado por Sampaio[151], entende que nem mesmo sob o argumento de que se estará defendendo o meio ambiente, tais licenças poderão ser revogadas com fulcro em normas supervenientes:

[...] para quem a aprovação de loteamento pela autoridade competente equipara-se à licença de construção, por ambos integrarem um “direito novo” no patrimônio do proprietário. Significa dizer que não pode ser revogada, mesmo que a pretexto da defesa do meio ambiente, valendo-se de normas supervenientes.

Veja-se assim, que os atos administrativos de que resultam direitos, não podem ser revogados, o que demonstra que a exigência de averbação de reserva legal em propriedade já incorporada ao perímetro urbano que submeteu-se ao Estudo de Impacto Ambiental e de Relatório de Impacto Ambiental prévio, antes da concessão de licenças para instalação do parque fabril e, operação da atividade, não pode tê-las revogadas, uma vez que não foram expedidas contra disposição de qualquer lei.

Nesse sentido, conforme se percebe quando da análise de julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[152], exarado no Agravo de Instrumento da Ação Civil Pública de nº. 1992.002.529, foi concedida proteção jurídica àquele que, ostentado pela obtenção de licença, demonstrou possuir um direito subjetivo, senão vejamos:

[...] construção. Obra licenciada. Embargo de Obra. Proteção do Meio Ambiente. Cassação da Liminar. Embargo de obra licenciada, por força da liminar em ação civil pública agitada pelo Ministério Público, no pregão de defesa do meio ambiente. A licença para edificar como ato administrativo publicizado, ostenta-se como gerador de direito subjetivo, e enquanto não desconstituído legalmente, no procedimento em que se assegure ao licenciado o pleno da defesa, desfruta de ampla proteção jurídica. O direito de construir integra a confederação dos direitos irradiados da propriedade, jungido à disciplina das posturas municipais, não sendo de admitir, mesmo por epístrofe, a priori presumida ilegalidade daquele atua sobre o pálio do bill administrativo. A suspensão de inopinado de uma obra de vulto, em pleno desenvolvimento, ante os fatores inflacionários que martirizam a nação e todos estão a suportar com estóico espírito de lealdade aos governantes, os quais se esforçam, mas nada acertam, isso, na liminar de uma ação civil pública à guisa de preservação ambiental urbana, em princípio não contemplada na reserva urbanística municipal, pelo menos explicita e, com certeza individuosa, torna-se medida agressiva e temerosa pelos danos imensos e irreparáveis para a parte atingida. Provimento do agravo para se cassar a liminar, ficando o risco à conta da construtora. Agravo provido. TJRJ, AI nº 1992.002.529, rel. Des. Hermydio Figueira, j. 9.2.93, v.u. (Grifos nossos)

Percebe-se que, mesmo sendo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um dos fins da Ordem Constitucional, o fortalecimento e a expansão da economia acabou por preponderar no julgado supramencionado, justamente porque a medida perpetrada se mostrava extremamente agressiva em virtude dos danos que causaria, algo que sem dúvida, não coadunaria com o desenvolvimento do país, ainda que, ressalte-se, o prevalecimento de um, ou outro direito deva, necessariamente, ser sempre analisado à luz do caso concreto, conforme se perceberá quando da análise do estudo feito acerca da colisão e da ponderação dos direitos fundamentais.


5 A COLISÃO E A PONDERAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Considerando o imenso rol de direitos fundamentais invocados pela Constituição da República Federativa do Brasil, não raro diametralmente opostos, importante que a solução perpetrada seja apresentada intentando a satisfação daquele direito que maior grau de comprometimento exercer, tanto perante à sociedade, como perante o indivíduo que pode, inadvertidamente, acabar sendo tolhido de suas prerrogativas constitucionais.

Nesse sentido, alerta Marmelstein[153], que “as normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica típica de qualquer Estado Democrático de Direito”, o que somente corrobora o fato de que, em se tratando de uma carta política como a brasileira, em que se procurou resguardar direitos das mais diversas ordens, seria inevitável que, em dado momento, alguns direitos fundamentais, por mais caros que fossem à sociedade, acabassem entrando em “rota de colisão”.

Nesse sentido, a colisão de direitos fundamentais para Canotilho[154], se dá “quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”.

Diante disso, a doutrina se mostra ávida pela busca de possíveis soluções para o referido entrave. No entanto, ainda não há um critério absoluto a referendar o saneamento das celeumas, ou mesmo, a contemplar a solução dos inúmeros casos apresentados aos tribunais pátrios. Contudo, muitos doutrinadores buscam, incansavelmente, soluções, senão por completo, pelo menos da grande maioria dos impasses instaurados.

Sabe-se que nenhum princípio é absoluto, principalmente porque todos os princípios constitucionais albergados pela Carta Magna são essencialmente importantes para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, estando, portanto, intrinsecamente relacionados, o que oportuniza a imposição de restrições com o escopo de preservar um “sistema de normas harmonicamente relacionadas”[155], consoante preceitua Campos Júnior[156]:

[...] por certo que nenhum desses princípios é absoluto, vez que são princípios constitucionais e, como tais podem ser objeto de restrições, visando a harmonização dos mesmos com outros princípios igualmente consubstanciadores de direitos fundamentais.

Nesse sentido, constatando-se a invocação de um direito adquirido do empresário de não averbar reserva legal sob a alegação de que a imposição decorreu de lei posterior, colidindo com a proteção despendida ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando-se a relação de precedência condicionada, ainda que todos os princípios constitucionais sejam igualmente relevantes. Segundo Alexy[157] “um dos princípios terá que ceder”, e nesse sentido, não haverá de ceder porquanto não seja passível de permanência no sistema jurídico, mas apenas porque no caso concreto ele se mostra contraditório[158].

Considerando a diversidade de interesses esboçados pela sociedade, bem como que grande parte deles encontra albergue na Carta Magna, tendo em vista o enorme casuísmo que lhe é peculiar, natural que a colisão ocorra deflagrando na grande maioria dos casos, o conflito entre direitos individuais do seu titular em contraposição ao exercício dos interesses e bens jurídicos da comunidade[159], conforme se observa do entendimento de Tolomei[160], ao invocar a existência de “inconstitucional retroatividade” de lei que, “mudando os parâmetros edilícios, determinasse o desfazimento de tudo aquilo que viesse a contrariar os novos parâmetros introduzidos” como, no caso do empresário que invoca direito adquirido de não averbar a reserva legal em sua propriedade, e por outro lado, a necessidade de preservação do meio ambiente que se faz premente, tanto no ambiente rural, quanto no ambiente urbano, conforme entendimento do advogado do Instituto Ambiental do Paraná[161].

Nesta senda, evidencia-se o surgimento de conflitos entre liberdades individuais daqueles que desenvolvem a atividade econômica e entre os direitos coletivos contemplados pelo direito do meio ambiente ecologicamente equilibrado, fator que deflagra uma colisão em sentido amplo envolvendo direitos fundamentais que, têm por escopo a proteção essencial de interesses sociais.           Nesse sentido, a fim de que se possa oferecer uma solução para o caso concreto, as colisões deverão ser analisadas caso a caso, considerando o alto grau de complexidade que lhes imprimem essência[162], senão vejamos:

[...] todas as situações envolvendo o fenômeno da colisão de direitos fundamentais são de complexa solução. Tudo vai depender das informações fornecidas pelo caso concreto e das argumentações apresentadas pelas partes do processo judicial. Daí porque é preciso partir para a ponderação para solucionar esse conflito.

Em se tratando de direitos fundamentais, considerando que serão aplicados conforme o caso concreto, não sofrendo como a regra, a extirpação do sistema em caso de invalidade, não se pode olvidar que, diferentemente desta, a sua análise não deverá ocorrer sob o âmbito da validade, mas sim, pela racionalização amparada no peso que cada qual representa para o caso concreto. Mesmo porque, o exercício de direitos e prerrogativas constitucionais são garantias individuais exercidas por diferentes titulares, sendo, portanto, indispensável a realização do sopesamento para a melhor adequação do direito fundamental que maior precedência demonstrar[163].

Impende esclarecer que haverá conflito efetivo entre direitos fundamentais, quando a esfera de um direito individual for diretamente afetada por outro direito igualmente relevante[164].

Nessa perspectiva, claro está que, em havendo colisão entre princípios que estejam alicerçados pelo mesmo grau de comprometimento social, haverá a instauração da colisão, vez que, diametralmente contrapostos, apresentarão aspectos diferenciados de concretude, seja por visar a solidariedade (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), ou então, visar a não averbação de reserva legal em propriedade urbana (direito adquirido do empresário).

Nesse diapasão, ensina Marmelstein[165] que, “no final o Judiciário sopesará esses valores (ponderação) e solucionará o caso com base na proporcionalidade”, de forma que haja a concretização do ideário constitucional, a partir da adoção de uma eventual hierarquia principiológica como mecanismo de solução de conflitos objetivando a unidade de Constituição[166].

Quanto a unidade da Constituição, leciona Canotilho[167], no sentido de que a Constituição se constitui como “unidade hierárquico-normativa”, e que, muito embora as normas constitucionais possam ser sopesadas diante de eventual colisão, dada a adoção do critério hierárquico-normativo, importante que não haja deflagração de óbices à efetivação do ideário constitucional de unidade, evitando-se, assim, a existência de “espaços de tensão” que gerem contradições[168].

Nesse mesmo sentido, há que se ter a devida parcimônia para que não se incorra no risco de prescindir da análise unitária da constituição a partir da tentativa de resolução do conflito entre os direitos fundamentais que, inadvertidamente, podem ser relegados à categoria diversa da qual foram alçados, em virtude de eventual desnaturação ocasionada pela colisão, justamente pela possível fixação de rigorosa hierarquia entre eles, fator este que, certamente, poderia, inclusive, desnaturá-los por completo, o que culminaria com a desconfiguração do “complexo normativo unitário que é a Constituição”[169].

De outra banda, não há que se incluir qualquer cláusula de exceção, ou mesmo invalidar qualquer direito fundamental, o que poderia vir a ocorrer em alguns casos, seria o estabelecimento de precedência condicionada, com base nas circunstâncias do caso concreto[170].

Em que pese restar aparente o conflito existente entre ambos direitos, impende ressaltar que, cada qual visto em apartado, guarda relevância peculiar no ordenamento jurídico, restando claro que, independentemente do conflito que restou deflagrado, cada direito fundamental seja isoladamente considerado, asseverando-se a sua amplitude singular, imprescindível para a composição dos interesses coletivos ou mesmo individuais estabelecidos na sociedade.

Como no caso em apreço, a proposta advém de um possível conflito quando da coexistência entre os supramencionados direitos fundamentais, a indagação se consubstancia na possível ideia do prevalecimento de um dos direitos fundamentais em detrimento de outro, em razão do peso que, invariavelmente, possam possuir diante do caso concreto.

Nesse diapasão, a leitura que se faz, consiste na razão de que um deles poderia constituir-se como mais preponderante, podendo assim, pretender obter “precedência geral sobre o outro”, a partir do momento em que se vislumbrasse o seu prevalecimento, ou ainda, que um deles cedesse para que o outro pudesse subsistir[171], nesse sentido:

[...] de fato, apesar de não existir, do ponto de vista estritamente normativo, hierarquia entre os direitos fundamentais, já que todos estão no mesmo plano jurídico-constitucional (princípio da unidade da constituição), parece inquestionável, sob o aspecto ético/valorativo, a existência de diferentes níveis de importância dos direitos previstos constitucionalmente. Certamente alguns direitos valem mais do que outros, sobretudo diante de conflitos que podem surgir em casos concretos, podendo, nesse aspecto, falar-se em hierarquia axiológica entre as normas constitucionais, incluindo-se aí, obviamente, os direitos fundamentais.[172]

Porém, considerando-se que ambos os direitos constituem-se como corolários do sistema jurídico, um constante do artigo 5º, XXXVI, da CR e o outro do artigo 225, do mesmo diploma legal, difícil saber qual deles exerceria o primado de precedência em face do outro, mesmo porque, vistos isoladamente, conforme o ora mencionado, não apresentam qualquer antagonismo, tampouco invalidade. Assim, buscar-se-á a harmonização entre os dois direitos fundamentais, de forma que seja possível que o direito adquirido do empresário, de não averbação da reserva legal, não inviabilize a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual deverá ser mantido incólume.

5.1 A BREVE, PORÉM, NECESSÁRIA DIFERENCIAÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS

Considerando que se está a falar sobre a colisão e ponderação de princípios constitucionais, faz-se premente uma pequena incursão sobre a diferença entre eles e as regras, mesmo para que se possa justificar a possibilidade de ponderação entre os princípios que se encontram em rota de colisão no presente trabalho.

Inicialmente, cabe determinar o que vem a ser a regra. Esta consiste em relato objetivo, ou mesmo descritivo, acerca de determinada conduta que acaba sendo aplicada à inúmeras situações, sempre que se constate a ocorrência da hipótese enunciada no texto, fato que se dará através do mecanismo da subsunção, sendo, contudo, “insustentável a validade simultânea de regras contraditórias”[173]. Não está abarcada pela regra a possibilidade de aplicá-la pela metade, ou ela é aplicada por inteiro, regulando totalmente a matéria, ou simplesmente é rechaçada, o que fatalmente ocasionará o seu descumprimento, ainda que a função primordial das regras seja a segurança jurídica[174].

Quanto aos princípios, verifica-se que possuem maior grau de abstração, “permitem o balanceamento de valores e interesses”[175] aplicando-se, irrestritamente, a um conjunto amplo e indeterminado de situações, além de suscitar problemas de validade e peso[176] que serão solucionados através da utilização da técnica da ponderação, que sempre se dará a luz da especificidade do caso concreto, não se permitindo que sejam rechaçadas por antinomia, como no caso das regras. No caso dos princípios, será inevitável a ocorrência de concessões recíprocas, ainda que a intenção seja a preservação do máximo de cada princípio, com vistas à distribuição da justiça para o caso concreto[177].

Por fim, a escolha de um determinado princípio decorrerá da análise que será realizada diante do caso concreto, fato este que se dará através da utilização da técnica da ponderação, decorrente da valoração do conteúdo existente em cada princípio, de modo que um deverá recuar, ainda que tal situação não implique na sua nulidade, ou mesmo na inserção de cláusula de exceção[178].

5.2 ÂMBITO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No intuito de que haja a convivência harmônica entre os direitos fundamentais, imprescindível que o seu âmbito de proteção seja delimitado, permitindo dizer, que deverão ser preservados de quaisquer ingerências, ou mesmo interferências indevidas.

Desta forma, percebe-se que, conforme leciona Mendes[179], “a identificação precisa do âmbito de proteção de determinado direito fundamental exige um renovado e constante esforço hermenêutico, visando resguardar o âmbito de proteção dos direitos fundamentais”. De igual modo, faz-se imprescindível a persecução quanto à amplitude da proteção de determinado direito, advinda de uma interpretação sistemática, sob à luz da norma constitucional, a fim de que se questione se determinada conduta, ou mesmo suposto comportamento se encontra contemplado sob o provável âmbito de proteção daquele direito[180].

A fim de que se possa assegurar o âmbito de proteção dos direitos individuais, importante que sejam estabelecidas algumas restrições como mecanismos de solução para que os direitos contemplados pela Constituição possam coexistir harmonicamente.

Nesse passo, o princípio geral da reserva legal, insculpido no artigo 5º, II, da Lex Suprema, invoca explicitamente a ideia do estabelecimento de restrições, em que o constituinte originário se serve de expressões que identificam a limitação daquele direito. Não obstante, impende ressaltar que a Constituição de 1988, de igual modo, instituiu a possibilidade do estabelecimento de técnica direta ou técnica de restrição legal, restando assegurado “o exercício pacífico das faculdades eventualmente conflitantes”[181].

Desta feita, considerando-se que, tanto o invocado direito adquirido de não averbar reserva legal, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado apresentam importante conotação constitucional, será imprescindível que diante de detida análise do caso concreto, verifique-se atentamente o âmbito de proteção de cada direito, com vistas à preservação dos princípios constitucionais para que se mantenha a unidade da constituição.

5.3 A PONDERAÇÃO COMO MECANISMO HÁBIL AO EQUILÍBRIO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Na tentativa de estabilização da controvérsia entre os direitos fundamentais, Carvalho[182] preceitua que o princípio da proporcionalidade contribui para a ponderação entre os direitos conflitantes, ao consistir em importante “programa de decisão quando se está diante de um conflito entre direitos fundamentais, sobretudo em contextos de incerteza como ocorre nos casos de riscos ambientais”.

Considerando que, para Alexy[183], os princípios estabelecem diversas obrigações que consistem em dever de respeito, proteção e promoção, além do que são “mandamentos de otimização”, ou seja, são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes” será importante que a aplicação da técnica da ponderação seja realizada em total observância à efetividade de cada direito que deverá ser analisado à luz das situações fáticas, sempre atreladas às possibilidades jurídicas que o constituem[184]. Para tanto, deverá ser aplicado o princípio da proporcionalidade[185] “que tem por conteúdo os subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito”, de forma a obter-se à ideal consecução dos fins colimados.

Nesse sentido, caberá aos órgãos providos de jurisdição a realização da ponderação dos direitos fundamentais decorrentes dos princípios constitucionais ora invocados, a fim de que não haja violação das garantias previstas na Carta Magna, ainda que “a obrigação que o Estado possui de adotar medidas para proteger o meio ambiente possa resultar em uma possível afronta ao dever de respeitar o direito de propriedade”[186].

Nesta senda, considerando o alto grau de concretização dos direitos fundamentais evidenciados, mesmo porque “não existe princípio que, invariavelmente prepondere sobre os demais, sem que devam ser levadas em conta as situações específicas do caso”[187], far-se-á imprescindível a perscrutação no sentido de avaliar a relevância dos dois direitos fundamentais em colisão, para que se proceda eventual ponderação dos valores constitucionais no sentido de estabelecer, se deverá haver a limitação de algum deles de acordo com a relação de precedência condicionada[188].

Tal fato, além de ser indispensável pelas razões amplamente evidenciadas é perfeitamente aceitável pela doutrina, considerando que, “no caso concreto, em uma relação de precedência condicionada, determinado princípio terá maior relevância que outro, preponderando-se segundo as situações fáticas e jurídicas”[189]. Em tal situação, poderá se falar em ausência de caráter absoluto dos direitos fundamentais, mesmo porque, de acordo com o apregoado por Furlan e Fracalossi[190], “os direitos e garantias individuais e coletivos devem ser relativizados, sob pena de afronta ao próprio Estado de Direito que os sustenta. Este traço de limitabilidade dos direitos fundamentais implica no fato de que estes não podem ser considerados direitos absolutos”.

Ainda que isso possa soar estranho, acaba por admitir restrições recíprocas, de tal sorte que a limitação do campo de extensão de um determinado direito fundamental, decorrerá de razões de “relevante interesse público” conforme entendimento já sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal[191].

Como se sabe, se não houvesse limite para atuação de alguns direitos seria inevitável a instauração de um verdadeiro caos jurídico e social, o que justifica a adoção de técnicas de ponderação, a fim de limitar as liberdades individuais que venham a ameaçar a coexistência de valores constitucionais, uma vez que “não existem princípios constitucionais absolutos ou um princípio constitucional absoluto que, em colisão com outros princípios, preceda independentemente da situação posta”[192].

Assim, para que a ponderação seja adequadamente realizada, deverá haver a determinação abstrata de cada direito fundamental no caso concreto, de modo que seja estabelecida uma relação de precedência condicionada entre os direitos fundamentais, o que poderá ser alterado, uma vez que as condições estatuídas para a precedência momentânea de um sob o outro se modifiquem[193].

Como é notório, inúmeras são as situações em que existem interesses conflitantes além de que, ante a eventual escolha de um dos interesses objeto da celeuma haverá, inevitavelmente a violação de outro bem jurídico, decorrendo de tal fato a premência no sopesamento que acarretará um descumprimento parcial, ou de forma mais gravosa, até mesmo total da norma constitucional, oportunidade em que caberá ao magistrado julgar de acordo com a maior carga axiológica que o princípio demonstrar possuir junto ao caso concreto[194].

Considerando a técnica da ponderação, importante ressaltar que para Alexy, citado por Mendes, a ponderação pode ser realizada em três planos, a saber:

[...] No primeiro, há de se definir a intensidade da intervenção. No segundo, trata-se de saber a importância dos fundamentos justificadores da intervenção. No terceiro plano, então se realiza a ponderação em sentido específico e estrito.

[...] O postulado da proporcionalidade em sentido estrito, pode ser formulado como uma “lei de ponderação” segundo a qual, quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, mais significativos ou relevantes hão de ser os fundamentos justificadores dessa intervenção. (Grifo nosso)

De igual modo, bem expressou-se Alexy[195], quando estatuiu a lei de colisão retratando quatro possibilidades de decisão com a solução de colisões a partir da análise do caso concreto, a saber: (1) P1 P P2; (2) P2 P P1; (3) (P1 P P2) C; (4) (P2 P P1), sendo que as duas primeiras, consistem em relações incondicionadas de precedência e as duas últimas consistem em relações condicionadas de precedência concreta ou relativa.

Sabe-se que as duas primeiras concernem a precedência incondicionada que guarda relação com os princípios constitucionais, que no mais das vezes, não apresentam precedência entre si[196].

Já nas relações de precedência condicionada haverá a preponderância de um direito fundamental sobre o outro, o que, invariavelmente, conduzirá a uma violação, cabendo apenas vislumbrar, no caso concreto, qual direito fundamental está efetivamente sendo violado, bem como qual deverá efetivamente prevalecer.

No caso em apreço, vislumbra-se aparente violação de dois direitos extremamente relevantes, em aparente antagonismo, quais sejam: Direito adquirido do empresário de não averbar a reserva legal, bem como do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado que visa garantir a continuidade da vida no planeta, com a averbação da dita reserva, sob a alegação de que o Código Florestal de 1934 e de 1965, já havia instituído a referida obrigação.

Por tratar-se de dois princípios constitucionais tão caros à efetividade da Lex Suprema, importante seja aplicada a relação de precedência condicionada entre ambos, em que a “metáfora do peso” seria o mecanismo capaz de sanar o impasse.

Assim, diante de um caso em que dois valores efetivamente distintos, se apresentem com maior relevância entre si, diante do caso concreto, a ponto de que, restem inviabilizados de coexistirem por restringirem de plano “as possibilidades jurídicas da realização de outro“, deverá ser aplicada a aludida técnica, posto que se está diante de contradição[197].

Assim a ponderação deverá ocorrer de forma que a supressão, ou mitigação de um deles, não acarrete maiores prejuízos do que benefícios, conforme reza o princípio da proporcionalidade, mesmo porque, sendo a Constituição um “sistema aberto de princípios, articulados não por uma lógica hierárquica estática, mas sim por uma lógica de ponderação proporcional, necessariamente contextualizada”, não poderá permitir que os efeitos alcançados sejam incompatíveis com o estado de coisas que se pretende promover[198].

De acordo com a relação de precedência condicionada, haverá a proibição explícita da continuidade da ação lesiva, sob pena de violação da ordem constitucional, como no “caso Lebach”, relatado do por Alexy[199] que retratou que, ainda que dois princípios constitucionais ocupassem a mesma posição hierárquica, ante o caso concreto, o direito à liberdade de informação não seria mais relevante que a proteção da personalidade, uma vez que esta estava intrinsecamente relacionada ao direito de ressocialização do soldado retratado no caso, direito este que, certamente, restaria abalado, comprometendo, ainda, o direito constitucional da sua personalidade.

Nesse sentido, claro está que, diante do caso concreto, caberá ao julgador analisar todas as situações fáticas, e uma vez restando configurada a existência de relação de preponderância entre valores constitucionais, ou melhor, que reste estabelecida a precedência condicionada, seja avaliado qual dos valores merece preponderar, a partir da valoração axiológica necessária à resolução do impasse.

5.4 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Em se constatando a existência de um direito adquirido de não averbação de reserva legal, em colisão com um direito do meio ambiente, cuja tutela específica consubstancia-se no entendimento pela averbação da referida reserva que, segundo os defensores de tal tese, seria decorrente do Código Florestal de 1934 e de 1965, faz-se imprescindível lançar mão da técnica da ponderação/sopesamento, a fim de que o impasse possa restar solucionado.

Cabe ressaltar que, ainda que um dos direitos fundamentais não seja preponderante para a decisão diante da análise do caso concreto, em virtude do estabelecimento de uma hierarquia entre os interesses conflitantes, indispensável que a aplicação da medida restritiva de direito fundamental, resguarde, inclusive, o direito mitigado, pois de igual modo encontra-se plasmado na ordem constitucional, no que cabe dizer que será necessário que o núcleo essencial dos direitos fundamentais seja oportunamente protegido para que a aplicação da referida restrição ocorra proporcionalmente.

Nesse sentido, para Mendes[200], no que toca ao “princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso no direito constitucional, envolve, como observado, a apreciação da necessidade e adequação da providência legislativa”.

Acerca de tal concepção, cabe ressaltar que as medidas restritivas deverão ser aplicadas em observância a real adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação / sopesamento), as quais, de acordo com o caso concreto.

Assim, segundo preleciona Silva[201]

[...] Nesse processo de controle de constitucionalidade da lei, se houver uma restrição a direito fundamental, deve-se recorrer à regra da proporcionalidade, nos moldes analisados anteriormente: ou seja, deve-se indagar se a regra infraconstitucional que restringe um direito fundamental é adequada para fomentar seus objetivos (fomentar a realização de um outro direito fundamental, por exemplo, se não há medida tão eficiente quanto, mas menos restritiva, e, por fim, se há um equilíbrio entre a restrição de um direito e a realização de outro. 

Tais critérios devem sempre ser analisados à luz da medida que se pretende adotar, de forma que seja perscrutada a adequabilidade do meio para a obtenção do resultado augurado (adequação), ou ainda, se o meio foi, dentre todos, o menos oneroso ao alcance da solução colimada (necessidade) e, por fim, se com alcance do benefício, os bens preteridos foram menos importantes do que os que foram efetivamente preservados em razão da limitação estatuída (ponderação)[202].

Diante do conflito relacionado a situação fática, caberá ao Judiciário, “solucionar esses conflitos de maneira menos traumática para o sistema como um todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver, sem a negação de qualquer delas”[203].

A tomada da decisão dependerá, especificamente, de todas as informações encontradiças nos autos e das provas devidamente carreadas pelas partes ao processo judicial[204], que será solucionado com base no princípio da proporcionalidade, o que permite dizer que, ainda que o núcleo essencial de um dos direitos venha a ser atingido, a restrição poderá ser plenamente aceita. Um exemplo de ponderação poderia ser observado quando diante do risco de morte experimentado por uma gestante grávida, a decisão que prevalecesse fosse a de resguardar a vida da mãe em detrimento da vida do feto[205].

Em verdade, diante desse fato, está-se a afirmar mais uma vez que, não há direitos absolutos conforme assegura Marmelstein[206] ao enunciar que “considerar direitos fundamentais como princípios, significa, portanto, aceitar que não há direitos com caráter absoluto, já que eles são passíveis de restrições recíprocas”, mesmo porque, limitações à sua extensão são indispensáveis em um sem-número de casos.

Ou seja, ainda que se esteja a falar sobre um princípio essencial que influencia diretamente na continuidade da vida do planeta, que constitui-se no direito do meio ambiente, mais especificamente através de um dos seus mecanismos de tutela, que consiste na obrigação de averbação de reserva legal de imóveis rurais, deve-se, inicialmente, perquirir se no caso concreto a exigência não seria desproporcional e desarrazoada, se comparada ao bem que se pretende proteger, conquanto, ainda que se esteja a falar na manutenção do meio ambiente, que sempre deverá ser resguardado, de extrema relevância ponderar que, além da existência de um direito adquirido por um terceiro de boa-fé, que obteve a propriedade quando sobre esta não mais recaia obrigação de averbar reserva legal, ainda existe a questão de que os benefícios gerados pela empresa ali implantada, são muito maiores do que os eventuais danos que a ausência de averbação poderia ocasionar. Nesta esteira, importante salientar que a finalidade da vida social é a obtenção de paz, de modo que as normas jurídicas devem ser interpretadas conforme os fins por ela visados[207]. Sendo certo que, o fim da norma 7.803/89, destina-se ao disciplinamento da averbação de reserva legal em imóvel rural, o fato dela estar sendo imposta ao proprietário de imóvel urbano implica na quebra da “harmonia da vida em sociedade”[208] que tornar-se-ia comprometida, uma vez que a exigência perpetrada está recaindo sobre imóvel que não está abarcado pela referida previsão legal, fator este que inviabiliza, inclusive, a segurança jurídica.

Assim, toda a situação deverá ser analisada à luz da valoração e do peso dos bens em colisão, ou melhor, da carga axiológica que cada princípio possui, de modo que a aplicação da técnica da ponderação proporcione o alcance da composição mais adequada para o caso concreto.

Desta forma, quando da realização do cotejamento de valores, será permitido que, excepcionalmente, sejam aplicadas algumas medidas restritivas, ainda que a integridade do princípio mitigado deva ser preservada, principalmente, quando em detrimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, haja o prevalecimento do direito adquirido. Sabendo-se que o direito do meio ambiente visa resguardar interesses de uma coletividade que, invariavelmente, depende do seu equilíbrio para a manutenção da sadia qualidade de vida, tanto das presentes, quanto das futuras gerações, será possível que o julgador “harmonize os interesses em jogo através do princípio da concordância prática”[209], de tal sorte que, ao uniformizar os interesses em questão, lance mão da utilização de outros princípios que estão abarcados pelo direito ambiental, dentre os quais, o da sustentabilidade, pois certamente propiciaria a restrição mínima do direito fundamental colidente, considerando que, nesse caso, será possível a “integração harmoniosa dos valores contraditórios”[210].

Considerando que os dois direitos são de extrema relevância, porquanto o direito adquirido é sinônimo de segurança jurídica, e que uma vez ameaçado, colocaria em risco atos regularmente consolidados pela lei, comprometendo as garantias individuais já incorporadas ao patrimônio do seu titular[211], bem como que o direito ao meio ambiente equilibrado é imprescindível para a sadia qualidade de vida, considerando que os recursos naturais não são inesgotáveis e que constituem-se “como prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos”[212], importante que, diante do caso concreto, de acordo com o princípio da ponderação, ainda que se decida pelo direito adquirido da não averbação de reserva legal, seja possível que a atividade empresarial não se desenvolva alheia a esse fato, ou seja, que se observe a necessidade de preservação dos recursos naturais, a fim de que não se tornem escassos ou mesmo insuficientes[213].

A partir dessa premissa, não de pode perder de vista o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, já que na visão de Silva[214]

[...]  conteúdo essencial dos direitos fundamentais não pode ser utilizado como mero lugar-comum, um topos argumentativo que apela para a simples intuição do aplicador do direito.

Desta feita, importante que o princípio da proporcionalidade, consoante o amplamente debatido, seja, utilizado de forma que, através dele, seja perpetrada a equalização do sistema, atuando como mais um mecanismo hábil à ponderação e sopesamento de valores de estreme relevância, mesmo porque, uma vez insertos na Carta Política Brasileira, constituem-se como normas de hierarquia superior, e ainda que tenham que ceder perante o caso concreto, continuam tendo a mesma relevância para a estabilização das relações sociais, bem como para a harmonização do sistema.


6  RELAÇÃO ENTRE O INTERESSE PÚBLICO E O PRIVADO  

Como pilar do sistema jurídico administrativo, encontra-se como corolário a preponderância entre o princípio do interesse público sobre o privado, sob a justificativa de que dessa forma estar-se-ia resguardando interesses de maior relevância, já que até onde se sabe o princípio do interesse público está intimamente relacionado a necessária proteção dos interesses da coletividade. E não é só, daí partiria igualmente o ideário de preservação da dignidade da pessoa humana, que não obstante, norteia o ordenamento jurídico como um todo.

Dessa forma, sob tal ótica não menos certo afirmar, que em que pese o interesse público colocar-se como postulado de extrema relevância para a manutenção da ordem jurídica, mais certo ainda que deverá haver submissão do festejado princípio do interesse público ao da dignidade da pessoa humana, alicerce de todo o sistema jurídico.

Assim, quando se fala em supremacia do interesse público sobre o interesse privado, fala-se necessariamente de princípio geral de Direito que consiste em pressuposto lógico e essencial de convívio social.

Por essa perspectiva, importante lembrar que a atividade estatal está umbilicalmente relacionada ao atingimento do interesse público, de modo que paute-se necessariamente na finalidade pública, sob pena de desvirtuamento.

Contudo, nem sempre foi assim, eis que como se sabe a finalidade última do soberano, estava normalmente alicerçada em atos arbitrários e totalmente incompatíveis com a função do interesse público, tão conclamada nos dias de hoje.

Somente com o advento do Estado Democrático de Direito foi possível perceber que o governante sempre deverá justificar seus atos com base no interesse público, ou seja, deverá sempre se submeter à legalidade, decorrência lógica da indisponibilidade do interesse público.

Nesta toada, Celso Antônio Bandeira de Mello[215] preleciona que, "a Administração não titulariza interesses públicos. O titular deles é o Estado, que, em certa esfera os  protege e exercita através da função administrativa. (...) Os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos".

Contudo, não se pode em momento algum perder de vista que não há qualquer relação entre o interesse público e o interesse estatal, pois o primeiro justifica o fato de que o governante deverá estar adstrito aos interesses de uma coletividade, o que no segundo caso não ocorre, pois trata-se de direito voltado ao atendimento de interesses pessoais do Estado, o qual se mostra totalmente discernível do primeiro, especialmente pela finalidade máxima nele consubstanciada, qual seja: a de atender os interesses de uma coletividade.

Por essa lógica, de bom alvitre lembrar que o interesse público em momento algum poderá se confundir com os interesses da administração pública, já que segundo a lição de Marçal Justen Filho[216] "o exercício da função pública não pode ser afetado pelos interesses privados e egoísticos do agente público".

Ultrapassada tal discussão, tem-se que plenamente distanciados tais interesses privados daqueles incansavelmente defendidos pela doutrina como sendo “um ponto de vista que faz parte do conteúdo de bem comum da Constituição”[217].

Nesse esteira, da mesma forma que o interesse público está intrinsecamente relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana, de igual modo está o interesse privado, cuja tutela tem veementemente sido exercida pela Constituição da República que visa justamente assegurar os direitos subjetivos dos cidadãos.

Aliás, o próprio termo “Constituição Cidadã”, não deixa margem à dúvida quanto ao escopo básico da Carta Magna que em suas minúcias demonstra de forma translúcida que a sua finalidade precípua cinge-se à proteção da esfera individual do cidadão.

Não é por acaso que segundo disposto na própria Constituição tudo que não é proibido é permitido, diversamente dos poderes de atuação concedidos a Administração Pública que está estritamente vinculada a comandos legais de atuação.

Ou seja, o próprio princípio da legalidade, deflagra a submissão do administrador público, em toda a sua atividade funcional, a mandamentos da lei e, especialmente, às exigências do bem comum, não podendo em hipótese alguma  afastar-se, ou mesmo, desviar-se de tal finalidade, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal.

Assim, em que pese a importância da preservação do interesse público, em toda e qualquer análise que venha a ser feita, não se pode prescindir do que preconiza a Constituição, ou seja, de viabilizar o máximo possível a consecução do fim individual, mesmo porque não se pode subestimar a sua importância dentro do sistema jurídico, não apenas porque se está invocando a dignidade da pessoa humana, mas também, porque invariavelmente não se pode olvidar da máxima constitucional versada na unidade da Constituição, cuja sincronia não pode ser violada.

6.1  PRINCÍPIO DO INTERESSE PÚBLICO  X INTERESSE PRIVADO – (IM) POSSIBILIDADE DE SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO COMO FORMA DE PONDERAR OS VALORES COLIDENTES

Há muito a supremacia do interesse público vem sendo considerada como pilar do regime jurídico administrativo, já que, segundo Celso Antônio Bandeira de Melo [218] “trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno direito público. Proclama a superioridade do direito da coletividade a prevalência dele sobre o particular, como condição até mesmo, da sobrevivência e asseguramento desse último.”

Tal constatação, por obviedade, serviria de fundamento e especialmente de fator legitimador de inúmeras arbitrariedades e, inclusive, de um sem número de benefícios que poderiam ser criados ao alvedrio da lei, não fosse o princípio da legalidade que, uma vez por todas, condiciona o atuar da administração pública ao que dispõe a norma.

Tendo em vista a importância da discussão sobre a aventada supremacia do interesse público sobre o particular, que em muito contribui, inclusive, para a conclusão do presente trabalho já que somente a técnica da ponderação poderá apresentar a resolução para o conflito de valores constitucionais objeto do presente trabalho monográfico, premente se faz discorrer sobre algumas peculiaridades que fizeram com que a dita supremacia do interesse público, sobrepujasse durante muito tempo o interesse privado.

Ora, como se sabe, e já destacado no presente, a finalidade primordial da Constituição é a de manter a sua unicidade e a sua harmonia.

Pois bem!

O princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado é o mais relevante alicerce do Direito Administrativo, justamente pela importância da sua atuação no Estado Democrático de Direito.

A supremacia jurídica que a Administração Pública possui, decorre diretamente do fato de o Estado ser o agente responsável pela satisfação de todos os anseios e necessidades da coletividade, de tal sorte que o interesse público se coloca como legitimador da atuação estatal.

Nesta linha, destaque-se ainda, que as atividades administrativas devem ocorrer em prol da satisfação dos interesses da coletividade, o que de per si, justificaria a diferenciação em nosso sistema jurídico do ente público em relação ao particular e por via de consequência a aventada superioridade, prevalência, ou mesmo superioridade do interesse público sobre o particular.

E, nesse caso, especificamente, já que se fala na necessidade de aplicação da técnica da ponderação para solucionar a colisão dos valores constitucionais colidentes, entender pela possibilidade de prevalência de um direito, qual seja: o do meio ambiente ecologicamente equilibrado sobre o interesse particular.

Contudo, para Osório[219], existe uma inadequação terminológica quando aponta que supremacia não é o termo mais adequado para indicar o princípio.

E nessa esteira, há de se concluir que realmente visto dessa maneira, o dito “princípio” da soberania do interesse público, acaba por estabelecer uma dicotomia dentro do sistema jurídico, eis que até onde se sabe, não existe supremacia entre princípios, já que trata-se de normas de otimização concretizáveis à medida das ocorrências fáticas e jurídicas, que não prescindem da técnica da ponderação, senão vejamos[220]:

[...] a teoria geral do direito define os princípios como normas de otimização concretizáveis em vários graus, sendo que a medida de sua concretização depende não somente das possibilidades fáticas, mas também daquelas jurídicas; eles permitem e necessitam de ponderação (...), porque não se constituem em regras prontas de comportamento, precisando, de concretização. Justamente porque consistem em normas jurídicas, ainda que carecedoras de concretização, não possuem fundamento de validade auto-evidente ou meramente reconduzível ao comumente aceito, antes decorrem da ideia de Direito positivamente constituída, dos textos normativos ou do seu conjunto, ou, ainda, dos fins positivamente instituídos pelo Direito. A solução de uma colisão de normas-princípios envolvidos, a ser estabelecida de acordo com as circunstâncias do fato concreto e em função das quais será determinado o peso relativo de cada norma-princípio. A solução de uma colisão de princípios não é estável nem absoluta, mas móvel e contextual. A regra prevalência, segundo a qual determinada norma-princípio em determinadas condições tem preferência sobre outra norma-princípio, institui uma hierarquia móvel entre ambas as medidas, já que pode ser modificada caso alterado o contexto normativo e fático.           

Dessa forma, ainda que a Soberania do Interesse Público sobre o Privado tenha sido erigida ao status de princípio fundamental de Direito Público, considerando que o seu conteúdo normativo na visão de Ávila[221] pressupõe a ideia de conflito, não resta dúvida de que “as teorias jurídicas passam a padecer de inadequação sintática, na medida em que utilizam termos iguais para explicar fenômenos desiguais, instalando na ciência do Direito o gérmen da ambiguidade.[222]”.

Como solução para tal impasse, com o advento da constitucionalização do direito administrativo, pautada especialmente nos direitos fundamentais e no sistema democrático, refletindo diretamente nos princípios e regras que passaram a pautar a atuação da administração pública, muitos avanços foram obtidos, de modo que a Constituição passou a adotar um papel de prevalência no ordenamento jurídico, atuando diretamente no desenvolvimento do liame entre a Administração Pública e a Juridicidade[223].

Nesse sentido, vale mencionar que Neto e Sarmento, citando Barroso[224], bem destacam que “no Brasil de hoje, a constitucionalização do direito é uma realidade”. Não obstante, ainda destacam que

[...] É difícil, nos dias atuais, encontrar um processo judicial  em qualquer área em que dispositivos constitucionais não sejam invocados pelas partes e, depois empregados na fundamentação da respectiva decisão judicial. E isso ocorre não só nas grandes questões, mas também na resolução de grandes questões, mas também na resolução dos pequenos conflitos: em modestas reclamações trabalhistas, em demandas nos juizados especiais, em singelas ações previdenciárias.

Dessa forma, pode-se falar concretamente na “desconstrução dos velhos paradigmas e na proposição de novos, a tessitura constitucional possui papel determinante, funcionando como diretriz normativa legitimadora das novas categorias” [225] fator este que não permite que eventual entendimento de que o princípio do interesse público sobre o interesse particular indique a solução para a colisão dos valores em tela.

6.2 A (IM) POSSIBILIDADE DE PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COM BASE NA AVENTADA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO

Considerando que no presente caso estão em rota de colisão dois interesses que circunscrevem-se perfeitamente à situação em espeque, qual seja, a de legitimar eventual prevalência do interesse público (Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado) em razão da sua aparente supremacia sobre o interesse particular (Direito Adquirido do empresário) não há como se conceber a prevalência do primeiro sobre o segundo, apenas com base no que preconizavam o as concepções do direito administrativo.

Pois, segundo afirmado pelos atuais publicistas, tal princípio do direito público sequer se coadunaria com a Carta Magna, e além de tudo afrontaria este núcleo central e justamente a promoção deste bem maior, cujo escopo se consubstancia na proteção de direitos fundamentais.

Atualmente com a constitucionalização do Direito Administrativo, promanada de três grandes baluartes da dogmática jurídica, quais sejam: Força normativa da constituição, jurisdição constitucional e principalmente os direitos fundamentais, pode-se perceber notável diferenciação no cenário jurídico.

Explica-se:

Tais baluartes da dogmática representaram para o sistema jurídico um novo e necessário posicionamento e, até mesmo, um novo olhar, que não permitem mais sobrepujar os interesses particulares, sob a alegação de que se estaria resguardando interesses maiores fulcrados na coletividade.

Nesse sentido, manifesta-se Binenbojm[226] suscitando que

[...] Cuida-se em suma de uma constitucionalização do conceito de interesse público que fere de morte e ideia de supremacia como um princípio jurídico ou postulado normativo que afirme peremptoriamente a preponderância do coletivo sobre o individual ou do público sobre o particular. Qualquer juízo de prevalência deve ser sempre reconduzido ao sistema constitucional, que passa a constituir o núcleo concreto e real da atividade administrativa.

Mesmo porque, a proteção aos direitos individuais advém da própria mutação sofrida no seio social com o advento do Estado moderno. E diante desse fato inquestionável, não há como se permitir o contrário, mesmo porque estar-se-ia primando pelo retrocesso social, algo inimaginável quando se analisa especificamente o transcurso da história que assinala a evolução do Estado Liberal para o Estado social de Direito.

E não apenas um retrocesso social, mas, especialmente, a verdadeira “emergência de uma política autoritária de realização constitucional”  brilhantemente destacada por  Schier,[227] que assim pontua

[...] a assunção prática da supremacia do interesse público sobre o privado como cláusula geral de restrição de direitos fundamentais tem possibilitado a emergência de uma política autoritária de realização constitucional, onde os direitos, liberdades e garantias fundamentais devem, sempre e sempre, ceder aos reclames do Estado que, qual Midas, transforma em interesse público tudo aquilo que toca.

No Estado social de Direito, com a lei cedendo lugar à Constituição, esta passa a figurar não apenas no cerne do ordenamento jurídico, como também da vinculação administrativa à juridicidade, do que se infere que a tão conclamada definição de supremacia do interesse público sobre os interesses particulares passa a sofrer juízos de valoração versados na ponderação de direitos fundamentais que a desvinculam da tendência anterior que a submetia inteiramente ao arbítrio do administrador[228] e segundo Schier[229]

[...]  Nesta hipótese de análise, como já se afirmou anteriormente, não se vê autorizada a extração de um princípio geral de supremacia do interesse público sobre o privado. O critério de prevalência do interesse público, em tais situações, é casual. A ponderação, in abstrato, realizada pelo constituinte originário, ora pende aos interesses públicos e ora aos privados. Logo, daí não se infere a supremacia de um ou de outro.

Assim, a premissa básica e finalística da atuação passou a estruturar-se sob a ótica constitucional que traz em seu bojo justamente o arcabouço de direitos fundamentais, do que se depreende a mais absoluta incompatibilidade da orientação de que os interesses da coletividade devam estar sobrepondo-se aos interesses individuais, conforme afirma Binenbojm[230]

[...] Também a noção de um princípio jurídico que preconiza a prevalência a priori de interesses individuais revela-se absolutamente incompatível com a idéia da Constituição como sistema aberto de princípios, articulados não por uma lógica hierárquica estática, mas sim por uma lógica de ponderação proporcional necessariamente contextualizada.

E, nesse sentido, ainda complementa Binenbojm[231] mencionando Celso Antônio Bandeira de Melo, que a lógica de ponderação “demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”.

Dessa forma, o problema circunscrito ao princípio da supremacia do interesse público encontraria barreiras de efetivação em nosso sistema atual, eis que o próprio sistema de direitos fundamentais não possibilita dissociação entre interesses privados e coletivos, tampouco que haja qualquer supremacia dos últimos sobre os primeiros.

Ora, não é preciso ir longe para evidenciar que a própria preservação de direitos fundamentais impede que haja preterição da ordem individual, o que de per si, impõe a Administração Pública o dever de ponderar os interesses divergentes e na visão de Alexy[232] buscar concretizá-los no seu grau máximo de otimização.

Há tempos atrás, tal discurso não teria o menor respaldo em nosso sistema jurídico, mesmo porque a dita supremacia do interesse público sobre o interesse privado sempre reverberou no Direito Administrativo brasileiro.

Todavia, em que pese alguns doutrinadores ainda defenderem avidamente a existência de supremacia do interesse público sobre o privado, o professor Daniel Sarmento[233] tem se mostrado uma das vozes que se contrapõe a dita supremacia do indigitado princípio, ao justificar que a sua sustentação afronta os direitos fundamentais do administrado e o estatuto axiológico do Estado democrático de Direito, pois estaria alicerçado em uma compreensão equivocada entre o ser humano e o Estado, no sentido de que as pessoas não existiriam para servir ao poder público, mas que este último deve justificar-se como forma de proteção e promoção dos direitos humanos.

Nesta mesma perspectiva Sarmento[234] traz um questionamento muito importante sobre a possibilidade de restrição de direitos fundamentais quando esta ocorrer com vistas, única e tão somente, à tutela dos direitos coletivos, ao suscitar que o afastamento da possibilidade de ponderação de direitos fundamentais e interesses da coletividade, sob o argumento de que o interesse público prevaleceria, não se concilia com Constituições sociais como a de 1988.

Dentro desta mesma ótica, pode-se ainda perceber que o supramencionado autor ainda destaca que o caráter vago e indeterminado do princípio da soberania do interesse público sobre o privado pode, além de tudo, oferecer perigo para a proteção dos direitos individuais, justamente em virtude da subjetividade inerente ao conceito de interesse público, ao abrir margem à arbitrariedade que põe em risco os direitos fundamentais.

Dessa forma, segundo o Autor, estaria justificada a dificuldade de manutenção do princípio da soberania do interesse público sobre o privado dentro do nosso sistema jurídico, mesmo porque estaria em franca oposição ao princípio da proporcionalidade que se apresenta como a principal ferramenta de aferição de constitucionalidade da malfada restrição de direitos fundamentais[235].

Assim, muito ao contrário do que apregoou-se no velho direito administrativo, diante de tal posicionamento, imperioso que se respeite o núcleo essencial dos direitos fundamentais, de modo que eventual colisão entre tais interesses deverá ser solucionada com base na Constituição, o que não raramente culminará com a possível prevalência do interesse privado sobre o público.

Pois, diante de situações de conflito, imprescindível que o interesse público apresente argumento muito mais relevante do que o interesse privado para que possa prevalecer sobre este.


CONCLUSÃO

Com o presente trabalho buscou-se demonstrar que dois princípios de extrema relevância para a harmonia do sistema jurídico, apresentaram-se contrapostos, sendo eles: o direito adquirido de não averbação de reserva legal pelo proprietário de imóvel urbano, e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cuja tutela específica no caso em comento consubstancia-se na averbação de reserva legal em imóvel que passou a ser urbano.

Sob a ótica constitucional possibilitou-se concluir pela impossibilidade de efetivação de quaisquer dos dois valores colidentes sem que antes seja procedido um juízo de valoração dos mesmos, analisando-se especialmente o núcleo essencial dos direitos fundamentais, para que ato contínuo, seja aplicada a técnica da ponderação e um deles seja preservado no caso concreto.

Com a aplicação da técnica da proporcionalidade, espera-se seja combatida qualquer prática que se revele contra a harmonia e unidade constitucional, de modo que, sejam encontrados mecanismos que oportunizem composição de uma medida exata e justa para ambos os lados.


REFERÊNCIAS

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[2] Ibid., p. 1.581.

[3] BARROSO, Luis Roberto. Temas de Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.p. 15.

[4] BARROSO, Luis Roberto. A Nova Interpretação Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 329.

[5] LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Estado Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra: Coimbra, 2009. p. 12-13.

[6] BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3208>. Acesso em: 26 ago. 2010.

[7] ABREU; BELOCH; LATTMAN-WELTMAN, 2009, p. 1.580.

[8] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 75.

[9] ibid., p. 401.

[10] TOLOMEI, Carlos Young. A Proteção do Direito Adquirido sob o Prisma Civil-Constitucional: uma perspectiva sistemático-axiológica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 5.

[11] FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 168.

[12] AVELAR, Matheus Rocha. Manual de Direito Constitucional. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 47.

[13] SCHIER. Paulo Ricardo. Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime jurídico dos direitos fundamentais. 2005. Revista HISTEDBR On-line. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis18/art11_18.pdf> Acesso em: 04 mar. 2014.

[14]. Karl Loewenstein. Teoria de la constitución, p. 153-154.

[15] DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 221.

[16] Ibid., p. 221.

[17] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria de Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.223.

[18] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 573.

[19] BONAVIDES, loc. cit.

[20] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 25.

[21]SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 180-181.

[22] BONAVIDES, 2006, p. 563.

[23] DERANI, 2008, p. 203.

[24] DERANI, loc. cit.

[25] CAMPOS JÚNIOR, Raimundo Alves de. O conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2004. p. 30-31.

[26] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 52.

[27] DERANI, 2008, p. 204.

[28] Ibid., p. 204.

[29] BONAVIDES,  2006, p. 561.

[30] BONAVIDES,  2006, p. 564.

[31] CAMPOS JUNIOR, 2004, p. 30-31.

[32] PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 168.

[33] CARVALHO, Edson Ferreira de. Meio ambiente como patrimônio da humanidade: princípios fundamentais. Curitiba: Juruá, 2008. p. 53.

[34] CARVALHO. loc. cit.

[35] CAMPOS JÚNIOR, 2004, p. 32.

[36] BONAVIDES, 2006, p. 569.

[37] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 73.

[38] FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, William. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 53.

[39] LEITE; SARLET, 2009, p. 119.

[40] FURLAN; FRACALOSSI, 2010, p. 53.

[41] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 251.

[42] GRAU, loc. cit.

[43] DERANI, 2008, p. 227.

[44] DUTRA, Ozório Vieira. Reserva Legal. São Borja: Conceito, 2009. p. 12.

[45] FENSTERSEIFER, 2008, p. 144.

[46] GRAU, 2008, p. 196-197.

[47] FURLAN; FRACALOSSI, 2010, p. 43.

[48] Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.

[49] Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.

[50] Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.

[51] BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. Proteção do Meio Ambiente na Constituição da República. Belo Horizonte: Forum, 2008. p. 14.

[52] BARACHO JÚNIOR, loc. cit.

[53] BARACHO JÚNIOR, loc. cit.

[54] BARACHO JÚNIOR, loc. cit.

[55] FURLAN; FRACALOSSI, 2010, p. 43.

[56] BARACHO JÚNIOR, 2008, p. 14.

[57] BARACHO JÚNIOR, loc. cit.

[58] BARACHO JÚNIOR, loc. cit.

[59] Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.

[60] BARACHO JÚNIOR, op. cit., 14.

[61] Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.

[62] FURLAN; FRACALOSSI, 2010, p. 44.

[63] BARACHO JÚNIOR, 2008, p. 14.

[64] FURLAN. FRACALOSSI, 2010, p. 43.

[65] Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.

[66] Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.

[67] FENSTERSEIFER, 2008, p. 144.

[68] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 61.

[69] Ibid., p. 61.

[70] ibid., p. 62.

[71] ibid., p. 62.

[72] GRAU, 2008, p. 164.

[73] FREITAS, Wladimir Passos de. Direito Ambiental em Evolução. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010.p. 205.

[74] FIGUEIREDO, Guilherme José Pervim de. A Propriedade no Direito Ambiental. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 234.

[75] SILVA. José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 183.

[76] Disponível em: <http://www.ecosocialnet.com/legislacao/Codigo_Florestal_Come>. Acesso em: 15 jul. 2010.

[77] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: RT, 2007.p. 700.

[78] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm - 96k>. Acesso em: 18 jul, 2010.

[79] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7803.htm - 12k>. Acesso em: 18 jul. 2010.

[80] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2166-67.htm - 38k>. Acesso em: 18 jul. 2010.

[81] ACETI JÚNIOR, Luis Carlos. Advocacia Ambiental: segurança jurídica para empreender. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 119.

[82] MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 761-762.

[83] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7803.htm - 12k>. Acesso em: 18 jul. 2010.

[84] MANTOVANI, Mário; BECHARA, Erika. Reserva Leal à luz de Medida Provisória 1736. Revista de Direito Ambiental, v. 4, n. 16, p. 146, out./dez. 1999.

[85] MONTILHA. Gabriel. A obrigação de se manter a averbação de reserva legal em imóvel urbano. 2004, p. 4. Disponível em: <www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/.../reserva_legal_urbana. pdf.>. Acesso em: 05 maio 2010.

[86] MACHADO, 2008, p. 761-762.

[87] DUTRA, 2009, p. 12.

[88] ACETI JÚNIOR, 2009, p. 119.

[89] MACHADO, 2008, p. 761-762.

[90] Ibid., p. 761-762.

[91] FREITAS, 2010, p. 213.

[92] SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 456-457.

[93] Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em: 20 jul. 2010.

[94] DERANI, 2008, p. 247.

[95] MONTILHA, 2004, p. 3. Disponível em: <www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/.../reserva_legal_ urbana.pdf.>. Acesso em: 05 maio 2010.

[96] MONTILHA, loc. cit. Disponível em: <www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/.../reserva_legal_ urbana.pdf.>. Acesso em: 05 maio 2010.

[97] Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 05 ago. 2010.

[98] FIGUEIREDO, 2010, p. 218.

[99] MONTILHA, 2004, p. 3. Disponível em: <www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/.../reserva_legal_ urbana.pdf.>. Acesso em: 05 maio 2010.

[100] GRAU, 2008, p. 252.

[101] DERANI, 2008, p. 156.

[102] SHELTON, Dinah; KISS, Alexandre. Manual Judicial de Direito Ambiental. Nairobi: Unep, 2004. p. 26-27.

[103] SHELTON; KISS, loc. cit.

[104] SHELTON; KISS, loc. cit.

[105] JACOBI, Pedro. Educação ambiental: cidadania e sustentabilidade. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/cp/n118/16834.pdf >. Acesso em: 18 set. 2010.

[106] JACOBI, Pedro. Educação ambiental: o desafio da construção de um pensamento crítico, complexo e reflexivo. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/ep/v31n2/a07v31n2.pdf >. Acesso em: 18 set. 2010.

[107] FURLAN; FRACALOSSI, 2010, p. 99.

[108] Ibid., p. 99.

[109] ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Constituição e Segurança Jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 308.

[110] MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 144.

[111] SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito Adquirido e Expectativa de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 169.

[112] Disponível em: <www.presidencia.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 ago. 2010.

[113] SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flavio. Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de janeiro: Renovar, 2006. p. 354.

[114] ibid., p. 355.

[115] ROCHA, 2009, p. 227.

[116] GRAU. Eros Roberto. Direito Posto e Direito Pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.p. 119.

[117] SAMPAIO, 2005, p. 172.

[118] SAMPAIO, loc. cit.

[119] ROCHA, 2009, p. 145.

[120] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 247-248.

[121] MARMELSTEIN, 2009, p. 144.

[122] MARMELSTEIN, loc. cit.

[123] ROCHA, 2009, p. 145.

[124] LACERDA, Belizário Antônio de. Direito Adquirido. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 47.

[125] BARROSO, 2006, p. 300.

[126] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 506.

[127] BARROSO, 2006, p. 302.

[128] Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/.../constituiçao.htm>. Acesso em: 03 set. 2010.

[129] LACERDA, 1999, p. 23.

[130] ROCHA, 2009, p. 147.

[131] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 502.

[132] TOLOMEI, 2005, p. 233.

[133] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 506.

[134] Ibid., p. 509.

[135] Ibid., p. 509.

[136] Ibid., p. 511.

[137] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 506.

[138] Ibid., p. 512.

[139] MENDES; COELHO; BRANCO, loc. cit.

[140] BARROSO, 2006, p. 307.

[141] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 531.

[142] MENDES; COELHO; BRANCO, loc. cit.

[143] MARMELSTEIN, 2009, p.137.

[144] ROCHA, 2009, p. 125.

[145] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 532.

[146] ROCHA, 2009, p. 227.

[147] Ibid., 226.

[148] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 510.

[149] ROCHA, 2009, p. 215.

[150] SAMPAIO, 2005, p. 85.

[151] Ibid., p. 86.

[152] Disponível em: <www.pinheiropedro.com.br/.../jurisprudencia/01_jurisprudencia_licenciamento_ ambiental.php>. Acesso em: 28 ago. 2010.

[153] MARMELSTEIN, 2009, p. 367.

[154] CANOTILHO, 2003, p. 1.270.

[155] BARROSO, 2006, p. 65.

[156] CAMPOS JÚNIOR, 2009, p. 142.

[157] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 93.

[158] Ibid., p. 96.

[159] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 375.

[160] TOLOMEI, 2005, p. 189.

[161] MONTILHA, 2004, p. 3. Disponível em: <www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/.../reserva_legal_ urbana.pdf.>. Acesso em: 07 set. 2010.

[162] MARMELSTEIN, 2009, p. 367.

[163] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 375.

[164] MENDES; COELHO; BRANCO, loc. cit.

[165] MARMELSTEIN, 2009, p. 369.

[166] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 377.

[167] CANOTILHO, 2003, p. 1.183.

[168] Ibid., p. 1.224.

[169] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 377.

[170] ALEXY, 2008, p. 96.

[171] ALEXY, 2008, p. 101.

[172] MARMELSTEIN, 2009, p. 397.

[173] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre Interpretação/Aplicação do Direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 181.

[174] LEITE, 2008, p. 68-69.

[175] GRAU, 2005, p. 181.

[176] GRAU, loc. cit.

[177] LEITE, 2008, p. 68-69.

[178] GRAU, 2005, p. 178.

[179] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 330.

[180] MENDES; COELHO; BRANCO, loc. cit.

[181] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 375.

[182] CARVALHO, Delton Winter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilidade civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 157-158.

[183] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 380.

[184] ALEXY, 2008, p. 95.

[185] CAMPOS JÚNIOR, 2009, p. 204-205.

[186] MARMELSTEIN, 2009, p. 370.

[187] CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Colisões entre princípios constitucionais. Curitiba: Juruá, 2006. p. 235.

[188] Ibid., p. 232.

[189] Ibid., p. 235.

[190] FURLAN; FRACALOSSI, 2010, p. 58.

[191] CRISTÓVAM, op. cit., 235.

[192] CRISTÓVAM, 2006, p. 235.

[193] Ibid., p. 234.

[194] MARMELSTEIN, 2009, p. 397.

[195] ALEXY, 2008, p. 97.

[196] ALEXY, 2008, p. 111.

[197] Ibid., p. 96.

[198] BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Malheiros, 2006. p. 30.

[199] ALEXY, op. cit., p. 100.

[200] MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 364.

[201] DA SILVA. Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais – Conteúdo essencial, restrições e eficácia. 1. Ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 179.

[202] MARMELSTEIN, 2009, p. 376.

[203] BARROSO, 2008, p. 57.

[204] MARMELSTEIN, 2009, p. 367.

[205] Ibid., p. 405.

[206] Ibid., p. 370.

[207] ROCHA, 2009, p. 213.

[208] ROCHA, loc. cit.

[209] MARMELSTEIN, 2009, p. 389.

[210] Ibid., p. 389.

[211] GUSMÃO, 2006, p. 247.

[212] FRACALOSSI; FURLAN, 2010, p. 65-66.

[213] FIORILLO. Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 27.

[214] SILVA, 2011, p. 184.

[215] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005,  p. 65.

[216] 16. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005,

p. 39.

[217] ÁVILA, Humberto. Repensando o Princípio da Soberania do interesse público sobre o particular. Revista Eletrônica Sobre a Reforma do Estado, nº 11, Set/Out/ Nov. 2007. Bahia.

[218] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pg. 66.

[219] OSÓRIO, Fábio Medina. Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no direito administrativo brasileiro. Revista do Direito Administrativo. São Paulo, 2000. p. 7.

[220] ÁVILA. 2007. p. 7.

[221] Ibid., p. 4.

[222] Ávila., loc. cit.

[223] BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: Um Inventário de Avanços e Retrocessos. Março/abril/maio 2008, Bahia: Revista Eletrônica sobre a reforma do Estado. n. 13.

[224] NETO, Claúdio Pereira de Souza; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional – Teoria, História e Métodos de Trabalho. 1 Reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 39.

[225] BINENBOJM., op. cit, p. 8.

[226] Ibid., p. 12.

[227] SCHIER. 2005, p. 2.

[228] BINEMBOJM, Ibid., p. 9.

[229] SCHIER. 2005. 17.

[230] BINENBOJM., loc. cit.

[231] Ibid., p. 9.

[232] ALEXY. 2008, p. 89.

[233] SARMENTO, Daniel (Org.) Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público. 3ª tiragem. 2010. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 27.

[234] Ibid., p. 85-87.

[235] Ibid., p. 87-91.


Autor

  • Debora Cristina de Castro da Rocha

    Advogada com grande experiência na área do Direito Imobiliário, tendo atuado na defesa de grandes construtoras do país, possui vários artigos publicados. Palestrante, Colunista no site de notícias YesMarilia, Vice Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Vice Presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas Profissionais da OAB/PR, subseção São José dos Pinhais/PR e membra da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PR seccional. Especialista em Direito e Processo do Trabalho, Especialista em Direito Constitucional pela ABDConst e Especializanda em Direito Imobiliário Aplicado pela EPD.

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