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Direito comparado na prática: EUA x Brasil

Direito comparado na prática: EUA x Brasil

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O presente trabalho busca comparar o funcionamento da justiça brasileira com a justiça norte-americana, diferenciando os sistemas civil Law do Common Law, bem como, realiza críticas acerca da burocracia da justiça brasileira e sua morodidade.

1. Sistema jurídico Brasil x EUA

No Brasil, o direito possui influência no sistema romano-germânico, conhecido como Civil Law (direito civil).

O sistema Civil Law se baseia na lei devidamente positivada e codificada, ou seja, é a aplicação do direito com base no texto da lei, sendo que, na ausência de norma regulamentadora, ou quando o legislador for omisso, o Poder Judiciário se vale da jurisprudência (casos semelhantes já julgados pelo Poder Judiciário) para que o direito seja aplicado ao caso concreto[1].

Já o sistema Common Law (direito comum) possui influência no direito anglo-saxão, cuja denominação é dada à fusão dos povos germânicos (anglos, saxões e jutos) que se fixaram no sul e leste da Grã-Bretanha no século V.

Desta forma, “a Common Law se fundamenta na lei não escrita, no direito jurisprudencial e nos costumes; enquanto que a Civil Law se alicerça na lei devidamente positivada e codificada.”. [2]

Sendo assim, o common law  consiste na aplicação do Direito baseado, principalmente, nas jurisprudências. Todavia, existe a lei, mas na análise e julgamento do caso, a jurisprudência é bem mais utilizada na corte norte-americana.

Aqui no Brasil, isso pode ocorrer, mas não é regra. A regra é usar o texto da lei, seguindo a vontade do legislador, o qual criou a lei. Todavia, esse texto também pode ser interpretado. E a lei também cai em desuso em alguns casos. Além disso, quando a lei ainda não aborda o assunto, a jurisprudência é muito utilizada.

2. A prática do Direito no Brasil

Ao analisarmos a organização judiciária brasileira, podemos observar que, se tratando da tramitação dos processos, o Poder Judiciário, regulado nos artigos 92 a 126 da Constituição Federal.

O poder Judiciário é constituído de diversos órgãos, tais como o Supremo Tribunal Federal (STF), que é a corte superior do país. Tal Corte tem como função principal zelar pelo cumprimento da Constituição, analisando casos de inconstitucionalidades, ou seja, se há alguma lei que seja contra aos princípios regidos pela carta Magna.

 Abaixo da Suprema Corte está o Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável por fazer uma interpretação uniforme da legislação federal, dentre outras atribuições elencadas no art.105 e incisos da Constituição Federal.

O Poder Judiciário conta, ainda, com as unidades da Justiça Federal (comum), as quais se incluem os juizados especiais federais, bem como, a Justiça Especializada, composta pela Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar.

Já no âmbito da Justiça Estadual, esta inclui os juizados especiais cíveis e criminais, cuja competência se dá a cada um dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, onde é localizada a capital do país.

Tanto na Justiça da União como na Justiça dos estados, os juizados especiais são competentes para julgar causas de menor potencial ofensivo e de pequeno valor econômico.

Em regra, os processos têm o seu tramite inicial nos órgãos de primeira instância, julgado por juízes singulares. Estando as partes insatisfeitas com a sentença, as mesmas podem exercer o que chamamos de Princípio do duplo grau de jurisdição.

Tal princípio consiste no fato de, a parte que estiver insatisfeita com a sentença, possa recorrer da decisão, buscando decisão que lhe seja favorável, realizado por meio de recursos.

Uma vez admitido, o recurso é remetido à segunda instância, ou seja, para o STJ (ou demais tribunais superiores), onde o caso será analisado e julgado por desembargadores.

Todavia, há casos em que o processo pode se originar na segunda instância e até nas Cortes Superiores, como por exemplo, casos de processos criminais contra autoridades que possuam prerrogativa de foro.

 Contudo, m se tratando de matéria de violação de dispositivo constitucional ou de lei, inconformada com a decisão de segunda instância, chamada de Acórdão, a parte inconformada poderá recorrer á Suprema corte, o STF, que dará a palavra final em disputas judiciais no país em questões constitucionais. [3]

Outrossim, o problema enfrentado pelo judiciário brasileiro é a morosidade na tramitação dos processos, pois, devido a grande demanda de ações, o judiciário não consegue dar conta de milhares de demandas distribuídas todos os dias. Sem contar, a burocracia administrativa das serventias no que tange ao andamento dos processos, prazos longos, inclusive com o advento do Novo Código de Processo Civil, em vigência desde março/2016, em que os prazos que antes eram contados em dias corridos, passou-se a ser contado em dias úteis, o que prejudica ainda mais obter a solução do caso pela prestação jurisdicional.

O dia-dia dos profissionais do Direito se torna muitas das vezes cansativo e desestimulante, pois, além de enfrentarem dificuldades de terem acesso ao magistrado, advogados e estagiários encontram uma grande dificuldade por parte dos funcionários das serventias no que tange em obterem o andamento desejado do processo, que muitas das vezes dura mais de 10 anos e não é solucionado.

Em boa parte do tempo os profissionais do Direito não são valorizados pelo Poder Judiciário, o qual em muitos casos profere decisões que não são punitivas nem satisfatórias às partes, que precisam recorrer para ter o seu direito atendido.

3. A prática do Direito nos EUA

Diferente do Brasil, a justiça americana não é uniforme como aqui e não há um órgão que a controle, como no Brasil, o qual possui o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Nos EUA, cada um dos 50 Estados possui autonomia para regular a justiça norte-americana, ou seja, são as Constituições Estaduais que definem a forma, os tribunais, o ingresso de ações, as custas processuais, etc.

Sendo assim, não há um órgão que exerça o controle nacional, nos moldes do nosso Conselho Nacional de Justiça.

No Brasil somos regidos pela Constituição Federal, sendo esta a lei maior do nosso país, porquanto, nos EUA, cada Estado possui sua própria constituição.

No Brasil, as regras que não estão de acordo com o texto da Carta Magna não podem ir contra suas normas jurídicas, sob pena de tais normas serem declaradas inconstitucionais pelo guardião da Constituição Federal, o STF.

 Voltando as normas jurídicas dos EUA, de acordo com o professor da PUC/PR, Vladimir de Freitas, “somente um elo de união dos tribunais, chamado Conference of State Court Administrators (COSCA), criado em 1955, que busca aperfeiçoar o funcionamento dos Tribunais Estaduais.”. [4]

  Sendo assim, é praticamente impossível analisar a sistemática prática do Poder Judiciário de todos os estados norte-americanos, pois teríamos que abordar cada um dos seus sistemas.

 Por tal motivo, utilizaremos como exemplo, o Estado do Colorado, capital Denver, localizado no centro do país.

 Enquanto no Brasil para ser juiz de direito é necessário que seja aprovado em concurso público para a magistratura, nos EUA os juízes participam de eleição, promovendo campanhas, arrecadando fundos e submetendo-se ao voto popular.

Todavia, não há eleições no Estado do Colorado, cujo sistema se define por uma Comissão composta por três advogados e quatro pessoas do povo, que ao surgir uma vaga para juiz, ocorre uma entrevista com os candidatos, onde são examinados seus currículos.

Após o sistema de filtragem dos candidatos, são recomendados três nomes ao governador, que irá escolher um dos candidatos indicados.

Diferente do Brasil, onde o juiz começa como substituto, cuja estabilidade ocorre após dois anos, tornando seu cargo vitalício, nos EUA, após exercer as funções por determinado período, o juiz se submete a uma eleição para que possa se manter no cargo, cujo prazo varia conforme o grau de jurisdição, como por exemplo, “um juiz distrital (1ª. Instância) deverá ser confirmado depois de seis anos nas funções e um Justice da Suprema Corte Estadual depois de 10 anos.”. [5]

            Nos EUA, os graus de jurisdição são estabelecidos na Constituição Estadual, sendo que, a Suprema Corte Estadual atua de acordo com a Suprema Corte Federal dos EUA, escolhendo os recursos os quais considera relevante.

O duplo grau de jurisdição norte-americano se perfaz no órgão chamado Tribunal de Apelação, cujos casos, em sua maioria absoluta são decididos em última instância. Todavia, as decisões dos Tribunais Estaduais, em regra geral, são definitivas.

Como em toda regra há exceção, apenas dois recursos foram conhecidos e providos na Suprema Corte Federal, nos últimos vinte anos. Portanto, ao contrário do que ocorre no Brasil, o Tribunal Estadual dá a última palavra em matéria de lei estadual.

Outra diferença do sistema brasileiro é que nos EUA, há juízes municipais, que são indicados pelo prefeito e julgam pequenas causas, tais como ofensas às leis de trânsito, furtos dentro de lojas e crimes de menor potencial ofensivo.

Se houver inconformidade da parte contra a decisão, esta poderá recorrer ao Tribunal de Apelação Estadual, que conforme abordado anteriormente, dará a sua última palavra sobre o caso.

Há ainda, os juízes de condados, os quais decidem pequenas infrações criminais e ações civis até US$ 15 mil. Havendo recurso contra suas decisões o mesmo será examinado pelo juiz distrital.

Não é apenas no Brasil que há juizados especiais, popularmente conhecidos como juizados de pequenas causas. Nos EUA, dentro das County Courts (condado da corte) há os Juizados Especiais conhecidos como Small-Claims Courts (pequenas reivindicações á Corte), que decidem questões civis até US$ 7,5mil. Nelas atuam os magistrates, qual seja, os juízes que possuem menor graduação.

No Brasil, há o prazo de dois anos para atuar na presidência do tribunal, todavia, nos EUA não há prazo.

Nos EUA, há avaliação dos juízes são avaliados por uma “Comissão de Performance Judicial, que avalia a integridade, os conhecimentos, pontualidade, a prática de sentenças (não o mérito) e outros requisitos.”. [6]

 Importante ressaltar, que nos EUA sempre há participação dos cidadãos e de advogados, diferente do que acontece no Brasil. Tal comissão chama-se Comissão Disciplina Judicial, a qual é formada por 10 membros, sendo quatro cidadãos, dois advogados, dois juízes distritais e dois juízes de condado.

Esta Comissão é responsável por investigar se os juízes estão cometendo faltas administrativas ou desrespeito ao Código de Ética.

3. Conclusão

Conforme pode ser observado, de acordo com as críticas feitas no que tange a abordagem de como funciona a justiça brasileira, podemos concluir que a Justiça Estadual norte-americana é muito diferente da brasileira, principalmente no que tange à celeridade, pois, aparenta ser menos congestionada e mais estruturada, melhor fiscalizada pelo povo.

Concluímos, ainda, que a autonomia estadual é mais respeitada nos EUA do que no Brasil.

Seguindo o raciocínio do mestre Freitas, podemos concluir que, além do fato de todos os Acórdãos dos TJs submeterem-se ao STJ ou ao STF,  não há reconhecimento aos estados, nem tampouco, utilizando-se das palavras do mestre Freitas, maior e melhor fonte de pesquisa para o presente estudo: “o direito de terem regras processuais mínimas (a previsão de procedimentos da CF de nada vale), deliberarem sobre a oportunidade de terem Tribunais de Alçada,  cargos de Pretor (como havia no RS e PA), igualando-se realidades tão distintas como o Paraná e o Amazonas.”. [7]

Sendo assim, a justiça brasileira tem um longo caminho a ser percorrido para que possa obedecer aos princípios gerais criados, sendo um deles, de suma e maior importância para a sociedade: O Princípio da Celeridade Processual.

Por fim, é necessário que haja a valorização dos operadores do Direito, os quais lutam, diariamente, para conseguirem a aplicação correta do Direito, com a devida prestação jurisdicional que cada cidadão merece, mas que são tão maltratados e desprezados pelo Judiciário.

Que possamos nos conscientizar conforme brada a Ordem dos Advogados do Brasil: “Sem advogado (a) não há justiça!”.


[1] CASTRO, Guilherme Fortes Monteiro de Castro; GONÇALVES, Eduardo da Silva. A aplicação da common law no Brasil: diferenças e afinidades. Disponível em <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/aplica%C3%A7%C3%A3o-da-common-law-no-brasil-diferen%C3%A7as-e-afinidades.> Acesso em 25/04/2016.

[2] Idem, op.cit

[3] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias do STF. Sistema Judiciário Brasileiro: organização e competências. Publicado em 17/01/2011. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=169462>. Acesso em 25/04/2016.

[4] FREITAS. Vladimir Passos. A Justiça Estadual nos Estados Unidos. Revista Online Administração da Justiça. Instituto Brasileiro de Administração do Sistema judiciário – IBRAJUS. Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=159>. Acesso em 25/04/2016.

[5] FREITAS. Vladimir Passos. A Justiça Estadual nos Estados Unidos. Revista Online Administração da Justiça. Instituto Brasileiro de Administração do Sistema judiciário – IBRAJUS. Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=159>. Acesso em 25/04/2016.

[6] FREITAS. Vladimir Passos. A Justiça Estadual nos Estados Unidos. Revista Online Administração da Justiça. Instituto Brasileiro de Administração do Sistema judiciário – IBRAJUS. Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=159>. Acesso em 25/04/2016.

[7] FREITAS. Vladimir Passos. A Justiça Estadual nos Estados Unidos. Revista Online Administração da Justiça. Instituto Brasileiro de Administração do Sistema judiciário – IBRAJUS. Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=159>. Acesso em 25/04/2016.


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