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As raízes do subdesenvolvimento econômico do Brasil

As raízes do subdesenvolvimento econômico do Brasil

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A pobreza extrema de considerável parcela da população, a gritante desigualdade na distribuição da renda, a violência na cidade e no campo e a precariedade dos serviços públicos essenciais são mazelas existentes no Estado brasileiro desde a sua formação como nação.

Resumo: Este texto objetiva resgatar a discussão das causas do subdesenvolvimento do Estado Brasileiro, focalizando o caráter comercial da colonização, a influência da cultura dos colonizadores e o desenvolvimento dependente do capitalismo na América Latina, à luz das interpretações de vários autores brasileiros na linha do Historicismo, alguns dos quais titulares de obras que se tornaram clássicas sobre a formação da sociedade brasileira e o desenvolvimento econômico nacional, tais como Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes e Celso Furtado. 

Palavras-chave: Brasil. Capitalismo. Subdesenvolvimento. Causas. Dependência. Colonização. 


1. INTRODUÇÃO

Independentemente do nível de escolaridade, qualquer brasileiro conhece com base na própria experiência de vida cotidiana os enormes problemas que afligem o Brasil. A pobreza extrema de considerável parcela da população, a gritante desigualdade na distribuição da renda, a violência na cidade e no campo e a precariedade dos serviços públicos essenciais, entre outros problemas, são mazelas existentes no Estado Brasileiro desde a sua formação como estado-nação.

Embora com variações, esses mesmos problemas afligem igualmente as sociedades dos demais países da América Latina, todos os países do continente africano e boa parte das nações asiáticas. Enquanto isso, os países ditos desenvolvidos, de que são exemplos principais os Estados Unidos, o Canadá, a maioria dos países da Europa Ocidental e o Japão, há muito já proporcionam às suas populações condignas condições de vida.

A que se deve a disparidade de progresso econômico entre nações? O que têm em comum as nações desenvolvidas, mas falta ao Brasil e às demais nações subdesenvolvidas?1  O que impede os países da América Latina como um todo de alcançarem o desenvolvimento? No atual momento do capitalismo globalizado, quais são as opções existentes para o Brasil? Os elementos que podem nos auxiliar na busca de respostas para indagações como essas nós podemos buscar na leitura das obras de um seleto rol de autores brasileiros, dentre os quais alguns são hoje considerados clássicos dos temas da formação da sociedade brasileira e/ou do desenvolvimento econômico nacional, tais como Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Celso Furtado e outros.

Conquanto com abordagens ou interpretações distintas, as obras de diversos autores revelam que as raízes dos problemas deste país estão fincadas fortemente em especificidades que cercaram a formação histórica de sua sociedade, a começar pelas características que marcaram a sua exploração e povoamento enquanto colônia portuguesa, passando pela posição subalterna no sistema capitalista mundial, até as dificuldades de superar as relações externas e internas que perpetuam as mazelas do subdesenvolvimento e bloqueiam a capacidade de submeter a acumulação capitalista aos seus desígnios, inclusive no momento atual, do capitalismo globalizado.

Este artigo tem como objetivo proporcionar uma explicação sintética da problemática do desenvolvimento nacional baseada nas reflexões de vários autores. Para tanto, segue dividido em mais quatro tópicos, além desta introdução: Desenvolvimento econômico e subdesenvolvimento (tópico 2); O capitalismo dependente na América Latina e suas causas (tópico 3); O Brasil no atual momento do capitalismo global (tópico 4). O texto é fechado com uma conclusão (tópico 5) na qual serão apontadas as receitas para a superação do subdesenvolvimento no Brasil, passadas por alguns pesquisadores de renome. 


2. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SUBDESENVOLVIMENTO 

A busca do desenvolvimento, como bem expressa Sampaio Júnior, não é nada mais do que a luta do homem pelo domínio de seu próprio destino. Desse modo, estudar o desenvolvimento é procurar entender o conjunto de circunstâncias objetivas e subjetivas que condicionam a capacidade da sociedade de controlar o processo de mudança social (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 63-64).

O desenvolvimento já é um tema fundamental da Economia desde os teóricos econômicos clássicos, como Adam Smith e Karl Marx. Todavia, desde o princípio, a preocupação dos teóricos se dirigia preponderantemente às instituições que dificultam o desenvolvimento. Somente por volta da década de 40 do século XX, com o advento da moderna teoria econômica do desenvolvimento, o foco das atenções dos economistas mudou das instituições que dificultam o desenvolvimento em direção às instituições “positivas”, assim consideradas aquelas que facilitam o processo de acumulação de capital e de incorporação de progresso técnico, e que são consideradas desde então como fundamentais para o desenvolvimento (PEREIRA, 2006). 

As teorias superadas baseavam-se em concepções de economia clássica, as quais não levavam em conta as diferenças das estruturas econômicas de cada lugar, desprezavam a mobilização social como meio de se lograr mudanças e acreditavam que o capitalismo tinha a tendência em expandir-se mundialmente, trazendo consigo, de maneira espontânea, o desenvolvimento da periferia. Com a moderna teoria do desenvolvimento econômico, essa concepção cedeu lugar ao entendimento de que o aparelho estatal pode ser utilizado para promover as chamadas transformações estruturais, o que dá respaldo à afirmação de Sampaio Júnior (1999, p. 65), de que “o estudo do desenvolvimento estrutura-se a partir da constatação de que o Estado nacional constitui a única força capaz de ‘civilizar’ o capitalismo.” 

Conforme Pereira (2006, p. 1), desenvolvimento econômico é um fenômeno histórico, o qual ocorre nos estados-nações que realizaram sua revolução capitalista, sendo caracterizado pelo aumento sustentado da produtividade ou da renda por habitante, acompanhado por sistemático processo de acumulação de capital e incorporação de progresso técnico.

Podemos compreender o fenômeno do desenvolvimento a partir do processo histórico verificado nos países hoje tidos como desenvolvidos. Esse processo abrange o surgimento das nações e a formação dos estados nacionais, de um lado, e, de outro lado, a acumulação de capital e incorporação de progresso técnico ao trabalho e ao próprio capital, “que ocorrem sob a coordenação das instituições e principalmente de mercados competitivos” (PEREIRA, 2006, p. 5). 

Os estados hoje considerados desenvolvidos chegaram a essa condição porque neles as elites locais lograram completar suas revoluções nacionais, o que equivale dizer que elas não só conseguiram criar os respectivos estados-nações, mas, também, que os dotaram de autonomia suficiente para promover seu próprio desenvolvimento (PEREIRA, 2006; FURTADO, 1961).

Buscar o desenvolvimento econômico equivale a perseguir níveis mais elevados de vida para os cidadãos, o que envolve, naturalmente, uma permanente competição entre os estados-nações (PEREIRA, 2006). Por isso, as nações que se desenvolveram passaram por processos nem sempre equivalentes entre si. 

Assim, de acordo com Pereira (2006), do ponto de vista do momento em que o desenvolvimento se desencadeou ou que a respectiva revolução industrial aconteceu, são identificados três tipos de desenvolvimento: o desenvolvimento original, o desenvolvimento atrasado e o desenvolvimento nacional-dependente. 

Desenvolvimento original é o que se deu naqueles países que primeiro se industrializaram, como Inglaterra, Bélgica, França e Estados Unidos. Por sua vez, o “desenvolvimento atrasado” corresponde ao processo ocorrido em países como a Alemanha, Rússia, Áustria e Suécia, no âmbito da Europa, e, ainda, no Japão, pois esses países realizaram suas revoluções industriais apenas na segunda metade do século XIX. Por fim, o “desenvolvimento nacional-dependente” corresponde ao que se passou e ainda se passa nos países que foram colônias, os quais somente começaram a se desenvolver a partir da Segunda Guerra Mundial, como é o caso do Brasil, da Coréia e da China (PEREIRA, 2006, p. 21).

À luz das noções acima expendidas, podemos concluir que o subdesenvolvimento corresponde à condição econômica e social em que se encontram os estados-nações em situação de desenvolvimento nacional-dependente, o que corresponde a “um processo de desenvolvimento contraditório na medida em que as elites locais são ambíguas e não logram completar a revolução nacional.” Por isso, para Furtado (1961), o subdesenvolvimento não é um simples atraso, mas a outra face da moeda do desenvolvimento.

No Brasil, como em toda a América Latina, vários teóricos do desenvolvimento econômico, por critérios diferentes, concordam que o subdesenvolvimento da América Latina tem suas raízes no fato de termos estado, desde a fase colonial até os dias atuais, submetidos aos interesses externos. No próximo tópico discorremos mais especificamente sobre essa problemática. 


3. O CAPITALISMO DEPENDENTE NA AMÉRICA LATINA E SUAS CAUSAS 

Parece que não há dissenso entre os vários autores que analisaram a história econômica da América Latina, quanto ao entendimento de que os países desse continente ressentem-se de uma incapacidade de conseguir atingir um nível de progresso econômico e social equivalente ao dos países considerados desenvolvidos, não obstante a pujança de recursos naturais e humanos de que muitos deles dispõem, como é o caso do Brasil. 

Inúmeras análises, apesar de realizadas por diferentes perspectivas, estão totalmente de acordo também no tocante à conclusão de que a incapacidade de lograr o desenvolvimento econômico e social dos países latino-americanos advém da circunstância de que nesses países ocorre aquilo que tem sido denominado de “capitalismo dependente” ou “desenvolvimento capitalista dependente”.

Sampaio Júnior foi um dos estudiosos que bem analisaram o tema do capitalismo dependente na América Latina, tendo como foco o caso do Brasil. Esse autor define o capitalismo dependente como:

“um capitalismo sui generis que se caracteriza pela reprodução de uma série de nexos econômicos e políticos que bloqueiam a capacidade de a sociedade controlar seu tempo histórico. O problema é que a posição subalterna na economia mundial e a falta de controle social sobre o processo de acumulação comprometem as propriedades construtivas do capitalismo como motor do desenvolvimento das forças produtivas e exacerbam suas características anti-sociais, antinacionais e antidemocráticas. Por isso, no capitalismo dependente existem contradições irredutíveis que impedem que a sociedade nacional consiga submeter a acumulação capitalista a seus desígnios.” (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 90).

Conforme o citado autor, nas economias dependentes, o modo real de operação do capitalismo guarda grande discrepância em relação às formas ideais de seu funcionamento. Com efeito, as transformações capitalistas só podem se processar como fenômeno intrínseco ao espaço econômico nacional se forem preenchidos certos pré-requisitos básicos, o que não acontece em se tratando de economias capitalistas dependentes, devido: a) à perpetuação de mecanismos de acumulação primitiva e a difusão desigual de progresso técnico, que fazem com que os produtores não tenham nem necessidade nem possibilidade de transformar a inovação na principal arma da concorrência; b) à reprodução de uma superpopulação permanentemente marginalizada do mercado de trabalho, que torna a acumulação de capital incapaz de socializar os ganhos obtidos com os aumentos na produtividade do trabalho (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 89-90). Esse autor vislumbra que:

“o sistema capitalista mundial é um espaço heterogêneo polarizado em torno de um centro dinâmico – que concentra as economias produtoras de progresso técnico responsáveis pelos impulsos do desenvolvimento – e uma periferia dependente – composta de uma constelação de economias satélites que absorvem, com retardo e de maneira restrita, as transformações difundidas pelos centros hegemônicos...Apesar de repetir os mesmos processos vividos pelos centros dominantes, na situação de dependência as estruturas e os dinamismos capitalistas perdem a sua eficácia como mola propulsora do desenvolvimento econômico e do bem-estar social” (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 89).

Praticamente existe, também, um consenso de que uma das causas do problema reside no caráter totalmente mercantil que marcou a colonização dos países latino-americanos. Prado Júnior (1990, p. 13-23) busca evidenciar o caráter puramente comercial da colonização portuguesa no Brasil mediante uma comparação com o processo de colonização da América do Norte. De acordo com o referido autor, o móvel principal dos emigrantes europeus em direção à América do Norte foi o objetivo de “(...) construir um novo mundo, uma sociedade que lhes oferecesse garantias que no continente de origem já não lhes eram mais dadas”. A zona temperada da América, dadas suas condições naturais mais afins às da Europa, também foi um fator importante para essa emigração. Os acontecimentos que motivaram a emigração europeia para a América do Norte “(...) não têm relação direta com ambições de traficantes ou aventureiros” e são inclusive posteriores ao descobrimento do novo continente (PRADO JÚNIOR, 2008, p. 18-19).

Os emigrantes que povoaram a América do Norte para lá se dirigiram ora por razões de cunho religioso, ora de natureza meramente econômica. No primeiro caso eram provenientes de populações que, fugindo das lutas político-religiosas da Europa, buscavam um lugar em que ficassem ao abrigo e paz para suas convicções político-religiosas e pudessem reconstruir um lar desfeito ou ameaçado. No segundo caso, trata-se das vítimas da transformação econômica por que passava a Inglaterra durante o século XVI e que estava a modificar profundamente o equilíbrio interno do país e a distribuição de sua população; são pessoas que viviam do cultivo dos campos, mas que estavam sendo deslocados em massa para a cidade, impelidos pela intensa ocupação de seu antigo lugar por pastagens para carneiros cuja lã iria abastecer a nascente indústria têxtil inglesa. Com tais finalidades, inicialmente emigraram para a América do Norte puritanos e quakers da Inglaterra, Hugenotes da França; e, mais tarde, Morávios, Shwenkfelders, inspiracionalistas e menonistas da Alemanha meridional e Suíça, num processo que durou mais de dois séculos (PRADO JÚNIOR, 2008, p. 18)2 .

Ainda segundo Prado Júnior, 

“O que resultará desse povoamento, realizado com tal espírito e num meio físico muito aproximado do da Europa, será naturalmente uma sociedade que, embora com caracteres próprios, terá semelhança pronunciada com a do continente de onde se origina. Será pouco mais que um simples prolongamento dele.” (op. cit., p. 19)

Assim, como se pode constatar, mesmo aqueles que emigraram para a América do Norte por questões econômicas, para lá se dirigiram não em busca de lucro imediato, mas, tal como aqueles que para lá seguiram para praticar com liberdade suas crenças religiosas, visavam igualmente à construção de um novo país, ou seja, não tinham em mente apenas exaurir as riquezas da nova terra e partirem depois de enriquecidos.

Outra importante causa do subdesenvolvimento do Brasil, segundo Florestan Fernandes, vem a ser o fato de não termos completado nossa “revolução burguesa”, o que, por sua vez, decorre do “caráter autocrático” de nossa burguesia.

Conforme se depreende da obra de Fernandes, um país capitalista consuma sua revolução burguesa quando os padrões de acumulação de capital e de dominação colocam a economia e a sociedade nacional sob a hegemonia da burguesia industrial. Trata-se de um processo histórico pelo qual se constituem as estruturas e os dinamismos econômicos, socioculturais e políticos necessários à reprodução e à expansão do capitalismo dentro de um determinado espaço nacional. Esse processo não acontece necessariamente como aconteceu nas economias dos países desenvolvidos da Europa; é na verdade um processo histórico específico, condicionado pela posição da sociedade dentro do sistema capitalista mundial e pelas características específicas da luta de classes em cada formação social (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 157-158). 

A “revolução burguesa” realiza o papel de superar os anacronismos pré ou extracapitalistas que bloqueiam a generalização de relações de produção típicas do capitalismo, como também de superar os nexos de dependência externa que obstaculizam a plena constituição de centros internos de decisão, tarefas essas para cuja consecução é indispensável a consolidação de um Estado Nacional forte (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 156).

Porém, no capitalismo dependente, 

“a revolução burguesa se desenrola em um contexto externo e interno extremamente adverso, que restringe dramaticamente a possibilidade de conciliar transformações capitalistas e integração nacional. O vácuo econômico, sociocultural e moral deixa a revolução burguesa a reboque de uma burguesia profundamente articulada ao imperialismo, para a qual é estratégico que se eternizam as articulações responsáveis pela reprodução da situação de dependência e de subedenvolvimento” (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 158).

Ou seja, é extremamente difícil nos países de capitalismo dependente a  superação dos fatores que os condenam à dependência externa e ao subdesenvolvimento. A burguesia é única classe social que teria possibilidade de êxito nesse desafio, o que poderia obter se abrisse espaço para composições e compromissos com as classes subalternas, permitindo a emergência das classes populares na arena política. No entanto, nossa burguesia se acovarda e acomoda-se na posição defensiva: prefere autoproteger-se e privilegiar-se, voltando-se contra as classes operárias, ao mesmo tempo em que se alia aos focos de poder das sociedades capitalistas hegemônicas e do sistema capitalista mundial (FERNANDES, 1976; SAMPAIO JÚNIOR, 1999).

Por último, ainda em torno das possíveis causas do capitalismo dependente no Brasil, convém mencionar a herança da cultura portuguesa. Na obra que é também considerada um clássico do tema da formação da sociedade brasileira, o “Raízes do Brasil”3   de Sérgio Buarque de Holanda, este autor também ressalta como negativo para o desenvolvimento do país o caráter de “empresa” da colonização da América Latina e, especialmente, do Brasil (HOLANDA, 1995). Nessa obra, aspectos ligados mais especificamente à cultura dos portugueses são ora apontados como positivos ora como negativos, tais como o espírito aventureiro (que teria sido útil na empreitada da ocupação, porém, negativa por dar ensejo ao surgimento do latifúndio improdutivo e outras mazelas); a propensão à mistura com outras raças, reputado útil para a colonização e para a miscigenação e para a menor presença de preconceitos entre as três raças integrantes de nosso povo, o que fomentaria o desenvolvimento sócio-econômico etc. 

O caráter dos traços culturais do povo português e seu peso positivo ou negativo para o desenvolvimento do Brasil é, todavia, uma questão um tanto polêmica, pois, enquanto determinados autores podem enxergar nos traços culturais dos portugueses aspectos negativos, outros, como Gilberto Freyre, no seu também clássico “Casa Grande e Senzala”, praticamente enxergam somente aspectos positivos. O citado autor, por exemplo, chega mesmo a tentar justificar o injustificável: a escravidão praticada pelos portugueses nestas e em outras terras, reputada pelo autor como imprescindível para a empreitada da colonização.


4. O BRASIL NO ATUAL MOMENTO DO CAPITALISMO GLOBAL

A situação do desenvolvimento do Brasil neste momento da globalização da economia capitalista está intimamente vinculada com o abandono das políticas desenvolvimentistas, a partir da década de 1980. Assim, a discussão sobre esse tema requer uma breve recapitulação a respeito da origem e dos fundamentos das referidas políticas, de sua utilização no país, principalmente a partir da denominada “Era Vargas”, e de seu posterior (quase) abandono pelos governos, desde o final dos anos 1980.

O desenvolvimento econômico é um processo econômico que envolve conceitos como o de taxa de lucro e de investimento produtivo, de trabalho assalariado e de consumo popular e de luxo, de inovação e de produtividade. Todas essas particularidades só adquiriram sentido a partir do capitalismo, donde se depreende que o desenvolvimento econômico é um processo próprio do capitalismo. A experiência histórica ensina, igualmente, que para haver desenvolvimento econômico são necessárias instituições que garantam a ordem pública, a estabilidade política, o bom funcionamento do mercado etc. Para isso, é imprescindível o Estado, o que nos leva a concluir que o desenvolvimento econômico é um processo histórico que é próprio também da formação dos estados nacionais (PEREIRA, 2006, p.11-15).

Daí termos assinalado, no segundo tópico deste texto, que a preocupação com as políticas de desenvolvimento surge juntamente com o capitalismo e com os estados nacionais, bem assim que, já a partir dos economistas clássicos, existia a preocupação com as estratégias que os estados-nação usavam para promover seu desenvolvimento (PEREIRA, 2006).

Porém, no que diz respeito à América Latina, a preocupação com o desenvolvimento econômico remonta ao final da década de 40 do século passado e tem como marco o desenvolvimento dos fundamentos teóricos da ideologia conhecida como “desenvolvimentista”, no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina - CEPAL, entidade criada em 1948 por economistas, políticos e sociólogos latino-americanos4 , que viam na industrialização a única forma de libertação dos países subdesenvolvidos da sua situação de pobreza e dependência externa. 

A “Teoria Cepalina” procura explicar o atraso da América Latina - vista como “periferia” em relação aos países desenvolvidos, por ela definidos como países “centrais’ -  e encontrar formas de superá-lo. Segundo os cepalinos, caberia ao Estado a função de impulsionar e administrar a redução do atraso econômico dos países subdesenvolvidos em relação aos desenvolvidos, através do processo de industrialização (BRUM, 1998). 

Para os cepalinos, a América Latina não poderia se desenvolver sob a égide do modelo primário-exportador, de forma que se fazia necessária a criação de um novo modelo, mediante o processo de industrialização. Seria imprescindível a implementação de uma política que visasse ao desenvolvimento industrial, que promovesse a reforma agrária, que melhorasse a alocação de recursos produtivos e que impedisse a evasão de produtividade para os países centrais. Porém, a Cepal considerava que mudanças de tamanha magnitude seriam possíveis somente com a presença de um promotor e planejador da industrialização e do desenvolvimento, e este seria o Estado, considerado pelos cepalinos como um agente da política econômica, a quem cabe corrigir as distorções próprias das evoluções e do funcionamento do sistema econômico periférico (BRUM, 1998).

No Brasil, a adesão governamental à ideologia desenvolvimentista foi marcante no período de 1951 a 1964, tendo se iniciado no segundo Governo de Getúlio Vargas (1951-1954) e seu “Plano de Reaparelhamento Econômico”, prosseguindo no Governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), com o seu “Plano de Metas” (50 anos em 5) e, depois, no Governo de João Goulart (1963-1964) com o “Plano Trienal”. Nesses três governos foram conferidas ao Estado as características de planejador da industrialização, de regulador dos mercados e, simultanamente, de cumpridor do papel de capital financeiro, produtor e empresário (BRUM, 1998). 

Porém, numa análise mais abrangente constata-se que, mesmo após o rompimento político de 1964, com os Governos militares, prosseguiu-se a implementação de políticas desenvolvimentistas. Esse foi, aliás, o período áureo da intervenção estatal no Brasil, embalado pelo contexto internacional amplamente favorável às políticas de desenvolvimento .5 Ao invés de se limitar à regulamentação da atividade econômica e à atuação como transferidor de rendas, o estado atuou inclusive como produtor direto de bens e serviços, ocupando espaços não utilizados pelo capital privado e/ou nos quais o sistema empresarial privado não teria envergadura, face à grande dimensão do volume de capitais e da tecnologia necessárias para tanto (CANO, 1985).

A questão do desenvolvimento no Brasil, todavia, perdeu espaço a partir da década de 1980 em razão de um conjunto de fatores que, entretanto, dada a síntese que se exige neste tipo de trabalho científico, podemos resumi-los à crise continuada do capitalismo que se instalou nos países centrais a partir do final da década de 60 e início da década de 70 do século findo, bem assim, à reação capitalista a essa crise, por meio da reestruturação produtiva e outras medidas inspiradas no ideário neoliberal.

Na década de 1960, os movimentos nacionalistas e de esquerda encontravam-se sobremaneira fortalecidos nos Estados Unidos e na Europa. De um lado, os Estados Unidos haviam sido derrotados no Vietnã e os países produtores de petróleo impuseram um choque nos preços desse produto, eliminando os pilares que sustentaram a fase áurea de crescimento econômico no centro do capitalismo. A União Soviética parecia ganhar terreno, levando muitos a acreditarem que estava próximo do fim do capitalismo ou, no mínimo, do fim da hegemonia norte-americana. No início dos anos 1970, o capitalismo entrou numa crise de superprodução que se tornou crônica, em razão do incremento da concorrência intercapitalista, da perda da lucratividade das empresas e do surgimento de uma capacidade ociosa acima da planejada, causados pela entrada maciça de produtos alemães e japoneses no mercado mundial a partir de 1960. A isso se somava o ímpeto do movimento sindical, provocando elevações de salários, impedindo que os capitalistas recompusessem a lucratividade por meio de redução de salários. Os Estados Unidos foram os mais afetados, de sorte que o dólar perdeu posição, provocando a crise do sistema financeiro internacional que se agregou à da superprodução (CORSI, 2002, p. 15).

Todavia, um conjunto de fatores permitiu uma virada da situação pelo capitalismo: o aumento do desemprego diante da crise econômica, fazendo aumentar vertiginosamente o exército industrial de reserva; a burocratização dos partidos de trabalhadores e dos sindicatos; e o fracasso das estratégias reformistas após o fim do socialismo soviético, o “débâcle” da União Soviética e a queda do muro de Berlim (CORSI, 2002, p. 15-16).

A reação capitalista, levada a efeito via grandes empresas, grandes bancos, fundos de investimento e pensão e importantes governos, dirigiu-se, de um lado, contra o Estado de Bem-Estar Social e contra os sindicatos, que, para os neoliberais seriam a raiz da crise; e de outro lado, mediante a busca de mercados mais amplos e desregulamentados e a reestruturação e reorganização da produção (CORSI, 2002, p. 16).

O que resultou dessa reação é exatamente o que caracteriza o atual momento do capitalismo globalizado:

“A constituição de oligopólios internacionais em importantes setores, a abertura das economias nacionais, a formação de mercados regionais, a utilização intensa de novas tecnologias, a organização de processos produtivos mais flexíveis, a redução da força de trabalho empregada, a introdução de vínculos variados e relativamente frouxos entre o trabalhador e a empresa, a realocação espacial em alguns países de vários segmentos produtivos e a marginalização de inúmeras regiões...” (CORSI, 2002, p. 16). 

Nesse contexto, abriu-se espaço para a preponderância de um capital financeiro rentista com a consolidação de um mercado de câmbio, de capitais e títulos de âmbito mundial, dificultando sobremaneira aos Estados controlar suas economias, pois o capital financeiro pressiona sempre por políticas de abertura das economias nacionais e por políticas deflacionistas. Tratando-se de um mercado financeiro global, sem coordenação e sem um padrão monetário estável, torna-se bastante difícil para os países subdesenvolvidos a adoção de políticas de desenvolvimento (CORSI, 2002, p. 16).

Para os países da América Latina, o receituário neoliberal foi praticamente uma imposição, por meio do “Consenso de Washington”, que é o nome informalmente atribuído às conclusões de uma reunião ocorrida na cidade de Washingon, envolvendo funcionários do governo norte-americano especializados em assuntos lationo-americanos (FMI, Banco Muncial e BID) e tendo como objetivo “proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da região” (BATISTA, 1994, p. 99).  

No Brasil, a adesão aos postulados neoliberais deu-se a partir de 1989 com o Governo Collor e se aprofundou nas gestões do Governo de Fernando Henrique Cardoso, colocando por terra o modelo de desenvolvimento brasileiro e a política econômica externa que lhe dava apoio (BATISTA, 1994, p. 132). O que aconteceu no Brasil no auge da vigência das medidas neoliberais, como já é do conhecimento de todos, foi um aumento sem precedentes dos níveis de desemprego e da miséria, o desmonte de importantes empresas estatais, o arrocho salarial, o esfacelamento do serviço público, sucateamento das universidades federais etc., sem que isto tenha alterado para melhor a situação do país, muito pelo contrário.

A partir do segundo Governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, quando já se sabia do fracasso das medidas neoliberais em todos os lugares onde foram adotadas - inclusive nos países do Primeiro Mundo, onde a pobreza é crescente desde então até os dias presentes – algumas medidas têm sido adotadas em direção a uma retomada dos ideais de desenvolvimento. Sobre isso, vale a pena mencionarmos alguns dados extraídos de análise bastante recente realizada por Jorge Natal e Priscila Góes. 

Os referidos autores reputam como importantes modalidades de políticas de desenvolvimento novas formas de intervenção pública adotadas nas gestões do Presidente Lula e que têm sido continuadas no atual Governo que o sucede, as quais são, nominadamente: os Programas Bolsa Família e Luz Para Todos; políticas como a de atualização do salário mínimo e das aposentadorias a taxas superiores às da inflação; medidas como a ampliação significativa do crédito e ampliação dos investimentos em infraestrutura (principalmente, via PAC); como também as políticas de ampliação das Universidades Federais e de expansão  da rede de ensino profissional e de ampliação dos investimentos em C&T; a política de incentivo à agricultura familiar via PRONAF; e programas como o seguro-safra e de compra de alimentos, entre outros (NATAL e GÓES, 2011).

No caso do Programa Bolsa Família, os autores em referência o enxergam como um importantíssimo mecanismo de transferência de renda no país, na medida em que a fração da população mais alcançada tem sido a da face Norte do país, com destaque para o Nordeste, que concentra a metade dos cidadãos beneficiados pelo Programa no país e onde ficou mais da metade dos valores nele despendidos pelo Governo até 2010. A injeção desses recursos deve ter contribuído muito para a dinamização das economias das regiões mais pobres, especialmente o Nordeste, como também para ampliar seus mercados internos (NATAL e GÓES, 2011, p. 13).

O mesmo é considerado quanto ao Programa Luz Para Todos, o qual, tendo sido lançado em novembro de 2003, já tinha contemplado, até 2010, 13,9 milhões de pessoas, sendo o maior número também no Nordeste (6,9 milhões), seguido pela região Norte, com 2,7 milhões (NATAL e GÓES, 2011, p. 14).O efeito multiplicador da renda, por conta da monetarização propiciada diretamente pelo Programa Bolsa Família e indiretamente pelo Programa Luz Para Todos permitiu a ampliação do mercado interno regional, no Norte e, em especial, no Nordeste, o que atraiu inclusive a instalação de plantas industriais nessas regiões.

Os multicitados autores também demonstram que não apenas os Programas Bolsa Família e Luz Para Todos, mas também todas as demais políticas ou programas relacionados nesta resposta (v.g. políticas de atualização do salário mínimo e das aposentadorias a taxas superiores às da inflação; ampliação do crédito, ampliação dos investimentos em infraestrutura via PAC etc.) provocaram no seu conjunto um desenvolvimento econômico expressivo na face norte do país, com ênfase para a região Nordeste (NATAL e GÓES, 2011).

Todavia, essas medidas acima descritas são pontuais e ressentem-se de várias limitações, não podendo, por isso, ser consideradas, nem mesmo no seu conjunto, como uma efetiva política de desenvolvimento e integração nacional.


5. CONCLUSÃO

Conforme se pôde constatar à luz de diferentes autores citados neste texto, as raízes do subdesenvolvimento do Brasil estão fincadas no seu histórico de ex-colônia europeia, no caráter puramente mercantil de sua exploração colonial, no fato de que seu desenvolvimento capitalista acontece de forma submissa aos países capitalistas centrais e no caráter autocrático de sua burguesia, que não se empenha em completar a “revolução burguesa”, por lhe ser favorável, numa visão imediatista, a manutenção do “status quo”.

A superação desses obstáculos, na percepção de Sampaio Júnior (1999, p. 231) requer uma ruptura definitiva dos nexos de dependência herdados do período colonial, o que passa: a) por uma completa inversão no modo de participação no sistema capitalista mundial; b) pela assunção do controle dos aparelhos de Estado por classes sociais umbilicalmente comprometidas com o destino da nação; e c) pela superação do mito do desenvolvimento econômico que alimenta a falsa esperança de um desenvolvimento recuperador.

Por sua vez, Batista (1993) reputa que para nossa guinada rumo ao desenvolvimento é fundamental não aceitarmos passivamente a receita do pessimismo e da resignação com um “status” de pequeno país, verdadeiramente incompatível com a grandeza de nosso povo. Portanto, para esse autor, devemos recuperar o sentimento da dignidade nacional. Batista também reputa indispensável que nossa nação resgate a imensa dívida de justiça social, o que passa pela eliminação da pobreza e da miséria, pela criação de empregos e fixação de salários condignos que façam de cada trabalhador brasileiro um sócio dessa grandeza nacional, como consumidor e cidadão; e, ainda, pela criação de um mercado interno forte, que seja a verdadeira plataforma de nossa inserção internacional. 

Batista defende, ainda, a adoção de mecanismos eficazes, do tipo que adotam os países desenvolvidos, para defender nosso parque industrial da concorrência desleal dos países desenvolvidos. Alerta esse autor, todavia, que o desenvolvimento brasileiro só será de fato viável e merecedor do nome se for socialmente e ecologicamente sustentável, na medida em que a miséria polui tanto quanto o equivocado desenvolvimento industrial ocorrido no primeiro mundo (op. cit, p., 140).

Já para Fernandes (1972), precisamos completar nossa revolução burguesa. A burguesia precisa deixar de ver o capitalismo e suas exigências sociais, culturais e políticas do ângulo do capitalismo dependente e se erguer acima dessa média, precisam ser compelidas a pensar e a transformar o mundo de uma perspectiva universal.

Para finalizar, vale a pena citar o pensamento de Celso Furtado, o maior defensor e difusor das teses cepalinas no Brasil. Para esse autor, devemos superar o mito do desenvolvimento econômico recuperador, ou seja, devemos pensar um modo de participação no sistema econômico mundial em função das nossas próprias prioridades estratégicas. Isso implica descartar toda estratégia de assimilação de progresso técnico à imagem das economias industrializadas, pois os séculos de atraso econômico não permite que se proporcionem às grandes massas da população que vivem nos países periféricos os mesmos estilos de vida mantidos das populações dos países desenvolvidos. Precisamos, portanto, definir um estilo de desenvolvimento compatível coma as necessidades do conjunto da população e com as possibilidades materiais da economia nacional (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 222).

No plano social, segundo Furtado, necessitamos de realizar a integração do conjunto da população (urbana e rural) no processo de desenvolvimento econômico e cultural do país, para tanto, enfrentando o problema da pobreza absoluta e da forte assimetria da correlação de forças entre trabalho e capital, o que requer uma redistribuição do estoque de ativos da sociedade, democratizando a estrutura fundiária no campo e na cidade (SAMPAIO JÚNIOR, 1999, p. 222). 


Notas

  1.Seguimos neste trabalho o entendimento de Bresser Pereira, segundo o qual o Brasil, não obstante o razoável grau de desenvolvimento econômico que já alcançou, “(...) é ainda um país subdesenvolvido. Não porque sua renda por habitante seja muito baixa, mas porque continua a ser um país dual – um país que até hoje não logrou integrar toda a sua população no mercado de trabalho” (PEREIRA, 2010). Compreenda-se por “dual” a característica inerente ao desenvolvimento, que induz a coexistência de riqueza e pobreza, na medida em que os investimentos tendem a incidir principalmente sobre a parcela mais rica da população, marginalizando a restante. Assim, diz-se tratar-se de uma “economia dual” aquela que reúne as condições descritas.

2.A religião, de maioria protestante, dos colonizadores da América do Norte costuma ser também apontada entre as causas positivas para o desenvolvimento desse continente, em comparação com o subdesenvolvimento da América Latina, cujos colonizadores pertenciam majoritariamente à religião católica. Essa interpretação está ligada a Max Weber, dada sua posição segundo a qual a origem protestante e calvinista do capitalismo fundamenta-se no fato de que, para o calvinismo, a riqueza é uma bem-aventurança e um sinal de predestinação, sendo que essa crença teria levado os calvinistas a procurarem o sucesso comercial e, assim, influenciar a gênese do capitalismo. A Igreja Católica não considera essa tese correta, citando que há vários países que, conquanto igualmente colonizados por protestantes, continuam na semi-barbárie, como Nigéria, Botswana e Ruanda, entre outros; e aqui mesmo na América Latina o Equador em comparação com a Guiana Holandesa. Um dos argumentos católicos é o de que alguns países protestantes se tornaram ricos porque sua grande riqueza advém do fato de os grandes bancos do mundo nos séculos XVI e XVII serem pertencentes a judeus e estarem situados em Londres e Amsterdam. Assim, a riqueza, na verdade, não seria advinda dos protestantes e sim dos judeus. Sobre essa questão, recomenda-se a leitura do tomo II das “Obras Completas do Padre Leonel Franca S.J.”, intitulado “A Igreja, a Reforma e a Civilização”, especialmente no capítulo intitulado “A grandeza econômica e política das nações”, obra rara que pode ser baixada para o computador, pela Internet, no caminho“http://www.obrascatolicas.com/livros/Apologetica/A%20Igreja%20a%20Reforma%20e%20a%20Civilizacao.pdf ”.

3.Publicada originariamente em 1936, esta obra é um clássico da interpretação da sociedade Brasileira. Nela, o autor, a partir da interpretação sociológica, analisa as diferentes formas pelas quais se deram as empresas colonizadoras de Portugal e Espanha no Novo Mundo e as marcas que deixaram nas nacionalidades que delas se originaram. Devemos assinalar, todavia, que não menos importantes nesse gênero são os livros “Casa Grande e Senzala”, publicado por Gilberto Freyre, em 1933, e “Formação do Brasil Contemporâneo”, publicado por Caio Prado Júnior em 1942. As três obras constituem aquela que ficou conhecida como a grande “tríade” da interpretação do país. Chegando a constatações semelhantes, o que há de diferente entre essas obras são as perspectivas próprias a partir das quais seus autores realizaram suas análises: enquanto Sérgio Buarque seguiu a perspectiva sociológica, Gilberto Freyre adotou uma análise tanto sociológica quanto antropológica, esta principalmente; no livro, esse autor procura explicar a sociedade a partir de seus componentes (indivíduos) e de seus comportamentos, valores, costumes, relações, crenças, educação, enfim, de sua cultura. Por seu turno, na análise de Prado Júnior a formação da sociedade brasileira é concebida como uma etapa e consequência do processo de acumulação de capital em nível global. 

 4. A fundação da CEPAL deu-se em Santiago, no Chile, por iniciativa do argentino Raul Prebish, seu principal ideólogo. 

5.  “A Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, ao acarretarem uma relativa desarticulação da economia mundial, abriram novas possibilidades de desenvolvimento para alguns países subdesenvolvidos que já tinham alcançado certo patamar de desenvolvimento capitalista. (...) As dificuldades das economias destroçadas pela guerra, as lições da Grande depressão, a correlação de forças favorável aos trabalhadores no centro e o avanço dos movimentos de descolonização, muitos deles de inspiração marxista, no contexto da Guerra Fria, abriram espaço para a economia mundial organizar-se com base em fortes economias nacionais, sendo que nos países desenvolvidos contribuíram para o florescimento do Estado de Bem-Estar Social. A grande finança internacional, enfraquecida pela Depressão, teve que se adaptar à nova situação” (CORSI, 2002, p. 12).


REFERÊNCIAS:

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CORSI, Francisco Luiz. A questão do desenvolvimento à luz da globalização da economia capitalista. Revista Sociol. Polit., Curitiba, 19, p. 11-29, nov. 2002.

FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 3ª ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1972.

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FURTADO, Celso. O subdesenvolvimento revisitado. Economia e Sociedade, n. 1, 1992. Campinas, n. 1, p. 5-20, ago. 1992.

_____. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Editora Fundo de Cultura, 1961.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

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PEREIRA, Bresser. Verbete “desenvolvimento e subdesenvolvimento no Brasil”. In:  BUENO, André; MORITZ, Lilia (Orgs.). Temas clássicos (e não tanto) do pensamento social no Brasil. Jun. 2010. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/papers/2010/10.25.Desenv-subdesenvolvimento_Schwarcs-Botelho.15.pdf

_______. O Conceito histórico de desenvolvimento econômico. “Paper” produzido em 2006. Disponível em: HTTP://www.bressserpereira.org.br/papers/2006/06.7-ConceitoHistoricoDesenvolvimento.pdf

PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense, 2008.

SAMPAIO JÚNIOR, Plínio de Arruda. Entre a nação e a barbárie: os dilemas do capitalismo dependente. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.


Abstract: This paper aims to rescue the discussion of the causes of underdevelopment of the Brazilian State, focusing on the commercial nature of colonization, the influence of culture of the colonizers and dependent development of capitalism in Latin America in light of various interpretations of Brazilian authors in the line of Historicism, some of whom holders of works that have become classics on the formation of Brazilian society and national economic development, such as Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes and Celso Furtado. 

Keywords: Brazil. Capitalism.   Underdevelopment.  Causes.  Depen-ce. Colonization.


Autor

  • Marco Aurélio Lustosa Caminha

    Marco Aurélio Lustosa Caminha

    Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. As raízes do subdesenvolvimento econômico do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4704, 18 maio 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49115. Acesso em: 5 maio 2024.