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Da desoneração do IPI e seus reflexos no Fundo de Participação dos Municípios

Da desoneração do IPI e seus reflexos no Fundo de Participação dos Municípios

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O governo federal pode reduzir repasses ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em razão das desonerações do IPI?

Resumo: O tema em epígrafe visa examinar a legalidade das reduções dos valores repassados ao Fundo de Participação do Município – FPM, advindas de desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, incentivos esses, concedidos pelo Governo Federal, às indústrias de alguns segmentos, entre eles: automóveis, produtos da linha branca, móveis e etc. Tal redistribuição resta guarida na própria Constituição Federal de 1988 (CF, alínea “b” inciso II do art. 159), onde prevê que parte da arrecadação do Imposto de Renda - IR e Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, deverá ser transferidos aos Municípios integrantes do FPM. Diante da raiz constitucional, abrangeremos a interpretação da Constituição Federal, no que diz respeito as razões de existências dos Fundos de Participação e analisaremos a repercussão do tema nos Tribunais Federais e no Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Fundo de participação dos Municípios. Desoneração do imposto sobre produtos industrializados. Incentivos fiscais inconstitucionais.


1. INTRODUÇÃO

O constituinte de 1988 insculpiu no art. 3º da Constituição Federal, objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, com intuito de garantir do desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Para tanto, com espeque no equilíbrio entre os entes federados, a própria Carta Magana prevê nos artigos 157 a 159, formas de repartições de recursos, assegurando certa equivalência econômico-financeira.

Diante da raiz constitucional da repartição dos recursos entre os entes federados, o presente artigo tem como tema central o exame legal da redução nos repasses constitucionais ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM, provenientes dos incentivos fiscais concedidos pelo Governo Federal iniciados em 2011, destinadas a determinadas categorias, desonerando o Imposto sobre Produto Industrializado – IPI sobre inúmeros produtos, entre eles: automóveis, produtos da linha branca, móveis e etc.

A transferência de receitas ao Fundo de Participação dos Municípios está prevista na alínea “b” inciso II do art. 159 da Constituição Federal de 1988, onde parte da arrecadação do Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados são partilhados com os Municípios, ficando a cargo de lei complementar determinar seus critérios de distribuição.

Preliminarmente, seguiremos com a definição de tributo com base no Código Tributário Nacional com foco no Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, desde seu fato gerador, até as condições e os limites estabelecidos em legislação infraconstitucional de modificar suas alíquotas, a fim de atingirem finalidades de ações políticas econômicas de fomentação mercadológica no País. Tal análise torna-se crucial para entendermos o quanto é volátil tal tributo e porque tais incentivos refletem tanto nos recursos destinados ao Fundo de Participação dos Municípios.

Especificando todas as caraterísticas do IPI e suas formas voláteis de modificação de alíquotas, adentraremos na seara das transferências intergovernamentais, com enfoque ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM, desde o surgimento constitucional, demonstrando a forma de cálculo de cada quota parte de cada ente federado pertencente ao referido grupo, através da análise do substrato normativo.

Por fim, traremos a baila alguns posicionamentos de Tribunais Regionais Federais, bem como do próprio Supremo Tribunal Federal, acerca da inconstitucionalidade da desoneração do FPM, com vistas aos incentivos fiscais concedidos pelo Governo Federal, com espeque na dupla titularidade do produto de arrecadação do IPI.


2. DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI

Preliminarmente, podemos definir Tributo como uma forma de captação de receitas derivadas do patrimônio dos indivíduos, recolhidos pelo Estado baseando-se no seu poder fiscal, este por sua vez, disciplinado por normas de direito público que formam o Direito Tributário.

O Código Tributário Nacional – CTN, define em seu artigo 3º o tributo como:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (BRASIL. Lei Complementar nº 5.172, de 25 de outubro de 1996, 1996)

Para HARADA (2010, pág. 304), “os tributos são prestações pecuniárias compulsórias, que o Estado exige de seus súditos em virtude do seu poder de império”.

Saindo de uma conceituação mais direta de Kiyoshi Harada, onde o tributo seria apenas uma obrigação do sujeito passivo para com o ativo, vejamos os ensinamentos Duarte (2015):

O tributo, como regra, é instituído para suprir os cofres do Erário com recursos para que o Estado possa arcar com os dispêndios da sua existência. Trata-se de tributos com função fiscal. De outra feita, é possível que razões de ordem econômica, de política fiscal, financeira, social, ambiental ou outra, justifique uma tributação de feições extrafiscais, como ocorre, por exemplo, com a progressividade das alíquotas do ITR para desestimular a propriedade rural improdutiva[...] (pág. 95)

Diante da conceituação de tributo, há de se rememorar que o mesmo classifica-se em cinco espécies tributárias, quais sejam: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições.

No tange ao Imposto, este, previsto no art. 145 da Constituição Federal de 1988, determina que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, ficando facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da Lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Em definição trazida pelo CTN, o imposto nada mais é que um tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.

Segundo Carvalho (2004 apud SABBAG, 2014, pág. 408), “podemos definir imposto como tributo que tem por hipótese de incidência um fato alheio a qualquer atuação do poder Público”.

Dentre os diversos impostos existentes no Brasil, destaca-se o Imposto sobre Produto Industrializado – IPI, este, evolução do antigo Imposto de Consumo, criado pela Lei nº 25, de 03 de dezembro de 19891. A denominação do IPI surgiu a partir do Decreto lei nº 34, de novembro de 1966. Atualmente o IPI é regido pela Lei nº 4.502/64, que foi recepcionada pela Constituição de 1988, e sua legislação encontra-se consolidada no Decreto nº 7.212/2010.

Nos dizeres de Paulsen (2014), sobre o IPI:

[...] o imposto em questão pode ser instituído relativamente a negócio jurídico que tenha por objeto bem ou mercadoria submetidos por um dos contratantes a processo de industrialização. Pressupõe, portanto, a industrialização e a saída do produto do estabelecimento industrial. Assim, o IPI incide nas operações de que participa o industrial que industrializou o produto, mas não, e.g., na venda por comerciante ao consumidor [...] (pág. 320-321)

Imposto de competência da União (art. 153, IV, CF e art. 46 do CTN), tem como função primordial a extrafiscal, sendo um imposto seletivo em função a essencialidade do produto, não cumulativo, devendo-se compensar o que for devido em cada operação os valores pagos nas anteriores, não incidindo sobre produtos destinados ao exterior e terá reduzido seu impacto sobre aquisições de bens de capital pelo contribuinte do imposto na forma da legislação.

Segundo Machado (2010):

Parece, assim, incontestável a predominância, no IPI, da função fiscal, não obstante deva ser ele um importo seletivo, em função da essencialidade dos produtos. Aliás, também aqui se pode notar que o legislador não tem levado em conta o preceito constitucional. A diversificação das alíquotas do IPI está, na prática, muito longe de fazer dele um imposto seletivo em função da essencialidade do produto. (pág. 347).

Mister destacar que o IPI, além de sua função extrafiscal, tem papel de suma importância no orçamento da União, bem como, no orçamento dos Estados e Municípios, em razão dos repasses de parte de seu produto arrecadação para os mesmos.

Há três fatos geradores em potencial para o IPI, definidos no art. 46 do CTN, quais sejam: “I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51 (estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante), III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão”.

Sua base de cálculo esta prevista no art. 47 do CTN. Nos moldes daquele artigo, quando o fato gerador for o desembaraço aduaneiro, será acrescido ao valor normal acrescido do imposto sobre a importação, taxas exigidas pelo ingresso do produto no País e dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador.

Quando se tratar de saída do produto dos estabelecimentos elencados no art. 51 do CTN, já mencionados em parágrafos anteriores, a base de cálculo será o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria, ou, na falta deste valor, o preço corrente da mercadoria ou similar, no mercado atacadista da praça do remetente.

A Constituição Federal estabelece que o IPI será seletivo em função da essencialidade do produto (art. 153, §3º, inc. I, da CF). Em outras palavras, ele deve ter alíquotas diferentes em razão da essencialidade do produto sobre qual incide.

Como ressalta Duarte (2015):

A alíquota, submetida ao regime de reserva legal no direito brasileiro, integra a estrutura da regra padrão de incidência, ficando localizada no consequente da norma de incidência. Na seara do IPI, a alíquota tem especial relevância, vez que foi o instrumento eleito para a realização do principio constitucional da seletividade, muito embora pudesse ter sido escolhido outro (a variabilidade da base de cálculo, mantendo-se a alíquota fixa, por exemplo). (pág. 833)

Restou facultado ao Poder Executivo, atendendo as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas alguns impostos, entre eles o IPI (art. 153, §1º da CF). Sendo que a norma que regulamenta a prerrogativa do Poder Executivo em modificar as alíquotas desse imposto é o Decreto-Lei nº 1.199/1971.

O Decreto supramencionado, em seu art. 4º, como já mencionado anteriormente, outorga ao Poder Executivo a possibilidade de reduzir alíquotas a 0 (zero); majorar em até 30 (trinta) unidades ao percentual; e alterar a base de cálculo em relação a determinados produtos, desde que, tais ações atinjam uma finalidade política econômica governamental, mantendo-se a seletividade em função da essencialidade do produto, ou ainda, corrigir distorções.

Tecidas algumas palavras sobre o Imposto sobre produtos Industrializados - IPI, explanando sobre sua historicidade, seus fatos geradores, suas bases de cálculos, as formas de aplicação de suas alíquotas, e apresentada sua importância para os entes da Federação Brasileira, cumpre demonstrar os prejuízos causados pela função extrafiscal do tributo, no que diz respeito a modificação de suas alíquotas por meio de Decretos do Executivo.

Resta preocupação nesta seara, vez quê, as modificações dessas alíquotas influenciam diretamente aos entes federados que recebem recursos dos Fundos de Participação, principalmente os Municípios. Ocorre que a União utiliza-se de métodos de incentivos fiscais, modificando a alíquota de tal modo que sua arrecadação diminua radicalmente, corroborando com prejuízo nos repasses aos Fundos de Participação.


3. PACTO FEDERATIVO NACIONAL

Podemos afirmar que o Brasil, auto proclamado na Constituição Federal de 1988 como República Federativa do Brasil, tem como característica marcante, a desigualdade entre os níveis de arrecadações e desenvolvimentos alcançados pelas regiões. Ciente de tal realidade, o constituinte de 1988 inseriu no art. 3º da Constituição Federal, objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, visando garantir “o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza” e “reduzir a desigualdades sociais e regionais”, inclusive, vinculou a redução das desigualdades regionais e sociais ao princípio da atividade econômica, como podemos observar no art. 170 da Constituição Federal.

Como se pode observar, a própria Constituição Federal, visa o equilíbrio entre os entes federados, a fim de se estabelecer uma fórmula equânime entre as diversas regiões do País. Assim, no momento em que a Constituição Federal consagrou a autonomia político-administrativa dos entes federativos (CF, art. 18, caput), qualquer modificação que objetive desequilibrar a relação harmoniosa entre eles, significa também afrontar ao próprio Estado Democrático de Direito.

Como sabido, a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. Tal formatação foi de tal importância para o constituinte originário, que o mesmo a inseriu no rol das cláusulas pétreas (CF, art. 60, §4º, inciso I), ou seja, a mesma não é passível de modificação, mesmo que ocorra proposta de emenda constitucional (CF, art. 60).

Segundo Machado (2010):

[...] a Constituição de 1988 deu-se um passo significativo rumo ao federalismo, embora a dependência dos Estados e Municípios ainda seja bastante acentuada, posto que a distribuição das quotas destes nos fundos de participação continua a ser administrada pelo Governo central. (pág. 29)

O Pacto Federativo, ou melhor, o Federalismo Fiscal, restou definido na Constituição Federal (arts. 145 a 162), onde são determinadas as competências tributárias de cada ente da Federação, estas, vale ressaltar, instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver.

No que tange as repartições das receitas tributárias, prevista nos artigos 157 a 159 da Constituição de 1988, foram criadas para assegurar certa equivalência econômico-financeira entre os entes federados, objetivo principal do Pacto Federativo Nacional, a fim de atingir a alocação eficiente dos recursos nacionais, fomentando a participação dos entes federados.


4. DAS TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS PARA OS MUNICÍPIOS

As transferências intergovernamentais são transferências de receitas, às várias esferas de governo, estas, consideradas como uma questão basilar do pacto federativo brasileiro, baseados em argumentos econômicos de equidade e eficiência, promovendo por assim dizer uma justiça fiscal e social, com finalidade de alcançar um Sistema Tributário Ideal.

Com base nos ensinamentos de Mendes (2012):

Como se sabe, o modelo brasileiro caracteriza-se por processo de sístoles e diástoles do poder financeiro, ora concentrando receitas no ente central, ora diluindo-as entre entes regionais ou locais, com o cenário político vigente em cada momento histórico. (pág. 1.252)

Podemos dividir as transferências intergovernamentais em três tipos: a) constitucional, b) legal e c) conveniada. A primeira, trata-se daquelas previstas nos artigos 157, 158 e 159 da Constituição Federal de 1988, nela, está prevista a participação dos estados e municípios nas receitas tributadas pela União e a participação dos municípios nas receitas tributárias pelos Estados. A segunda é estabelecida em Lei, porém, não configura-se como partilha de receita. Por último, temos as conveniadas, transferências intergovernamentais instrumentalizadas mediante acordo inter partes, obedecendo critérios pré-estabelecidos.

Com base na premissa de alcançar um “Sistema Tributário Ideal”, corroborando com a tentativa de equilibrar a desigualdade entre os entes federados, a partilha de arrecadação dos impostos federais se dá através de fundos de participação, seguindo os ditames da Carta Magna conduzindo-se da seguinte forma:

Art. 159. A União entregará:

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, 49% (quarenta e nove por cento), na seguinte forma:

a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;

b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;

c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;

d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;

e) 1% (um por cento) ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano; (BRASIL, Constituição da Republica Federativa do Brasil, 5 de outubro de 1988, 1988).

Neste norte, frisa-se a brilhante acepção do doutrinador Duarte (2015), da função redistributiva do tributo esculpido na Constituição Federal, in verbis:

Em um país em que sua Constituição expressa como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, a função distributiva ganha especial relevo. Com efeito, esta função relaciona-se com as políticas de distribuição de renda e por consequência com a busca pela realização daqueles objetivos fundamentais da República. (pág. 98)

Como meio de beneficiar os entes federados menos favorecidos com fontes de recursos próprios, foram instituídos os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, estes, de suma importância para suprir as necessidades cotidianas, em especial para os para os Municípios, uma vez que tal transferência integra a maior parte da receita orçamentária, como poderemos aduzir nas próximas linhas.


4.1. DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS – FPM

Como já asseverado, a distribuição de receitas via FPM é uma obrigação Constitucional (CF, art. 159, inciso I, alínea “b”), na qual a União partilha parte do produto de arrecadação do IR e IPI com os Municípios, cabendo à Lei Complementar determinar os critérios de distribuição do FPM, conforme prevista no inciso II do art. 161 da Constituição Federal, onde, na distribuição dos recursos dos fundos de participação, deverá objetivar a promoção do equilíbrio socioeconômico de Estados e Municípios.

O Fundo de Participação dos Municípios obedece aos critérios de distribuição determinados pela Lei n. 5.172/66, Código Tributário Nacional - CTN, que considera fatores representativos do inverso da renda per capita de cada entidade participante (CTN, art. 90), em outras palavras, o legislador utilizando-se das primícias de prover o equilíbrio socioeconômico, eleva os valores a serem repassados, proporcionalmente, a medida que renda per capita diminui, ou seja, ganha mais, quem menos tem.

O próprio texto Magno prevê que os percentuais individuais de cada Município integrante dos fundos de participação deverão ser calculados anualmente pelo Tribunal de Contas da União (CF, art. 161, Parágrafo Único), até o último dia útil de cada exercício, prevalecendo-se no exercício subsequente (CTN, art. 92).

No que concerne a forma de divisão, os municípios brasileiros são divididos em três grupos constituintes obedecendo aos critérios estabelecidos no art. 91 da Lei 5.172/1966, de que os recursos do fundo são distribuídos para os municípios das capitais 10% (dez por cento) e para os do interior 90% (noventa por cento). Contudo, mister destacar que, deste último percentual, são destinados 3,6% (três inteiros e seis meios) à Reserva do FPM, por força do art. 3º do Decreto-Lei n. 1.881/1981.

Já os municípios que constituem a reserva, antes representados apenas pelos municípios que se enquadravam no coeficiente individual de participação de 4,0 (população superior a 156.216 habitantes), hoje são representados pelos municípios já mencionados, incluindo os que tenham coeficiente 3,8 (população entre 142.633 e 156.216 habitantes).

A determinação dos coeficientes individuais de participação dos municípios no FPM é efetuada com base nas populações de cada município brasileiro – enviadas ao Tribunal de Contas da União, estes, subsidiados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE até o dia 31 de outubro de cada exercício – e na renda per capita de cada estado, que também é informada pelo IBGE.

Para fins de cálculo das quotas referentes aos fundos de participação, o IBGE publica no Diário Oficial da União, até o dia 31 de agosto de cada ano, a relação das populações por estados e municípios. Mediante a apresentação dos dados apresentados pelo IBGE, os interessados, terão um prazo de 20 dias da publicação, para apresentar reclamações devidamente fundamentadas à Fundação a fim de sanear as informações apresentadas.

Para quantificar o percentual que cada Município tem a receber da fatia do FPM, é constituída, como já mencionado anteriormente, por dois fatores: o fator renda e fator população, conforme tabelas demonstrativas abaixo.

Quadro 01: Inverso do índice relativo a renda per capita (%).

Inverso do índice relativo a renda per capita (%)

Fator

Até 0,0045

0,4

Acima de 0,0045 até 0,0055

0,5

Acima de 0,0055 até 0,0065

0,6

Acima de 0,0065 até 0,0075

0,7

Acima de 0,0075 até 0,0085

0,8

Acima de 0,0085 até 0,0095

0,9

Acima de 0,0095 até 0,0110

1,0

Acima de 0,0110 até 0,0130

1,2

Acima de 0,0130 até 0,0150

1,4

Acima de 0,0150 até 0,0170

1,6

Acima de 0,0170 até 0,0190

1,8

Acima de 0,0190 até 0,0220

2,0

Acima de 0,220

2,5

Fonte: LIMA, com base na Lei 5.172/96, art. 90 (2016).

Quadro 02: Categoria do município, segundo seu número de habitantes.

Categoria do município, segundo seu número de habitantes

Coeficiente

Até 16.980

Pelos primeiros 10.188

0,6

Para cada 3.396, ou fração excedente, mais

0,2

Acima de 16.980 até 50.940

Pelos primeiros 16.980

1,0

Para cada 6.792 ou fração excedente, mais

0,2

Acima de 50.940 até 101,880

Pelos primeiros 50.940

2,0

Para cada 10.188 ou fração excedente, mais

0,2

Acima de 101.880 até 156.216

Pelos primeiros 101.880

3,0

Para cada 13.584 ou fração excedente, mais

0,2

Acima de 156.216

4,0

Fonte: LIMA, com base na Lei 5.172/96, art. 90, §2º (2016).

Com base nas informações subsidiadas e aplicando aos fatores apresentados nos quadros acima, ambos insertos ao CTN, o Tribunal de Contas da União consegue determinar a quota parte de cada Ente Federativo beneficiado pelo Fundo de Participação.


5. DA DESONERAÇÃO TRIBUTÁRIA DO IPI

Chegamos ao ponto chave do presente artigo, a “ponta do iceberg”, o ato discricionário do Poder Executivo que desencadeou uma série de problemas para os integrantes do FPM, corroborando com a queda brusca dos valores repassados aos mesmos.

Ocorre que, o Governo Federal, através do Decreto nº 7.660 de 23 de dezembro de 2011, este, prorrogado por vários outros Decretos, iniciou uma onda de incentivos fiscais destinadas a determinadas categorias, desonerando o IPI sobre inúmeros tipos de produtos, entre eles: automóveis, linha branca (geladeiras, fogões, etc.), móveis, dentre outros, prejudicando diretamente os recursos destinados ao Fundo de Participação dos Municípios.

Esta iniciativa teve como fundamento, a fomentação das linhas de produções de inúmeras indústrias, visando o acréscimo no número de geração de empregos, contudo, tais medidas geraram um contraponto negativo nos entes federados que seriam beneficiados pela sua quota parte, advindo do produto de arrecadação do IPI, que, diga-se de passagem, podemos considerar como um “quinhão hereditário constitucional” previsto no art. 159, inciso I, alíneas b e d, da Constituição Federal.

Não desmerecendo a mesma redução de transferência de recursos para o Fundo de Participação dos Estados – FPE (CF, art. 159, inciso I, alínea a), uma vez que advém do mesmo produto de arrecadação que constitui o FPM, vale ressaltar que, sem sombra de dúvidas, os mais prejudicados com a desoneração do IPI foram os entes federados menores, visto que, em grande parte, dependem destes recursos para realizar pagamento da folha de pessoal, e investimentos outros, uma vez que os recursos advindos do Fundo de Participação não tem destinação taxativa.

Em que pese aos atos de políticas públicas praticados pelo Governo Federal, e, embora a arrecadação do tributo seja tecnicamente de competência da União, imperioso ressaltar que apenas 52% (cinquenta e dois por cento) do total arrecadado lhe pertencem de direito, conforme previsto no art. 159 da Constituição Federal, a diferença trata-se de recursos pertencentes aos Estados e Municípios, competindo à União o seu repasse.

O FPM, acima de tudo, opera como meio de justiça social, uma vez que assume uma alta relevância dentro do contexto dos municípios do interior dos Estados. Como já demonstrado, a transferência constitucional em epígrafe tem o caráter redistributivo, ou seja, os municípios menores e pobres recebem proporcionalmente mais recursos que os municípios grandes e ricos.

Conforme estudo trazido pela Confederação Nacional dos Municípios – CNM (2014, pág. 15), todas as desonerações do IPI concedidas no ano de 2012 implicaram numa renúncia de, um pouco mais de R$ 2 bilhões. Logo, o impacto total das desonerações no ano de 2012 chegou a uma queda de quase meio bilhão para o caixa das Prefeituras beneficiadas pelo fundo de participação, e as concessões do ano de 2013 implicaram em uma renúncia de R$ 3.369 bilhões de reais.

Para melhor visualização, vejamos o quadro demonstrativo abaixo, de lavra da Confederação:

Tabela 03: Impacto da Desoneração do IPI (2009-2013).

Ano

Efeito no FPM

Efeito no IPI-Exp

Impacto total no município

2009

1.461.543.104

155.483.309

1.617.026.412

2010

419.616.530

44.640.056

464.256.586

2011

985.663.494

104.857.819

1.090.521.312

2012

2.238.300.992

238.117.127

2.476.418.119

2013

3.045.302.288

323.968.329

3.369.270.617

2014

1.873.671.438

199.326.749

2.072.998.186

Total

10.021.097.845

1.066.393.388

11.090.491.233

Fonte: CNM - Comportamento do FPM nos últimos cinco anos (2009-2013). Vol. 06 (2016).

Como podemos observar, tais incentivos fiscais causaram um enorme impacto nos municípios contemplados com recursos advindos do FPM. Nada obsta a União conceder incentivos fiscais, desde que preservada a parte constitucional destinada aos municípios, uma vez que na Constituição, não há previsão expressa de deduções relativas a incentivos fiscais por meio de legislações infraconstitucionais das referidas quotas.

Diante desta afirmação, com base na própria leitura da Carta Magna, podemos deduzir que tal ato é considerado inconstitucional, prejudicado uma grande parte da receita de diversos municípios que não tem arrecadações volumosas em seus próprios impostos (IPTU, ITBI, ISS, entre outras), restando ao Governo Federal ressarcir os entes federados beneficiados com o Fundo de Participação, a fim de cumprir com a justiça social para qual foi constituído tal transferência de recursos.


6. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA DESONERAÇÃO DO IPI EM DETRIMENTO AOS REFLEXOS NO FPM

Como já apresentado anteriormente, as práticas de políticas públicas que corroboraram com incentivos fiscais de até 100% (cem por cento) de redução das alíquotas IPI para determinados produtos, geraram um impacto enorme nos Fundos de Participação, vez que o imposto em comento representa uma grande parte do valor transferido.

Ocorre que, tais práticas infraconstitucionais exercidas pela União afrontam diretamente ao direito constitucional reservados aos demais entes federativos, desvirtuando os ditames elencados da própria Constituição Federal.

Mister destacar que é de conhecimento geral que a Constituição Federal afasta completamente (CF, art. 151, inciso III) a possibilidade da União conceder isenções de tributo Municipais interferindo na competência tributária do ente municipal, da mesma forma repele implicitamente que a União reduza as participações municipais nas receitas tributarias transferidas pela União e pelos Estados, mitigando a autonomia municipal.

Desta forma, admitir a incidência da referida concessão sobre os valores transferidos aos entes federativos beneficiados pelo FPM e FPE, seria o mesmo que aceitar, na prática, que os Estados e Municípios sofram reduções das receitas tributárias, advindos de incentivos fiscais concedidos pela União. Ou seja, estaria a União em flagrante violação à ratio essendi previsto no art. 151, inciso III da Constituição Federal, in verbis:

Art. 151. É vedado à União:

[...]

III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 5 de outubro de 1988, 1988)

São as palavras do Ilustre Doutrinador Harada (2001):

No imposto de receita partilhada há, necessariamente, mais de um titular, pelo que cabe à entidade contemplada com o poder impositivo restituir e não repassar a parcela pertencente à outra entidade política. O imposto já nasce, por expressa determinação do Texto Magno, com dois titulares no que tange ao produto de sua arrecadação. (pág. 2)

Nesse diapasão, a desoneração do IPI, pelo Governo Federal, não deveria recair sobre os demais entes federativos, que no contexto atual, são os mais necessitados. Como é cediço, as contribuições intuídas pela União não as deixam sentir a ausência da receita do IPI, lesando quase que exclusivamente, os beneficiados dos Fundos de Participação.

Segundo informação contida na Nota Técnica nº 12/2014 de lavra da Confederação Nacional de Municípios – CNM (2014, pág. 01), “a maior parte da receita orçamentária de cerca de 80% dos Municípios brasileiros provém de transferências de recursos da União ou dos respectivos Estados, com especial destaque para o FPM”.

Vale ressaltar que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe de ações planejadas, com intuito de garantir o equilíbrio das contas públicas. Pois bem, suponhamos que um Município faz um planejamento orçamentário seguindo estimativas da Receita e depois, inesperadamente, o valor não é repassador, é notório que o desequilíbrio financeiro será instaurado, prejudicando tanto ao ente federativo, bem como a população que iria usufruir dos investimentos aplicados, seja em atividades sociais, saúde, educação, etc.

Como é sabido, toda redução de receitas correntes por isenções ou renúncias, devem ser compensadas através de recursos indicados pela própria União, conforme se refere o inciso V do §2º do art. 4º da Lei Complementar 101/00, in verbis:

Art. 4º A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2º do art. 165 da Constituição e:

I – [...]

§ 1º Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes.

§ 2º O Anexo conterá, ainda:

[...]

V - demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado. (BRASIL, Lei Complementar nº 101/00, 2000)

De nada servirá aos Estados e Municípios serem contemplados pela Constituição com a partilha de recursos advindos de determinado produto de arrecadação, planejar-se para aplicá-los, e de forma discricionária do Governo Federal, ter os valores reduzidos drasticamente, mediante a aplicação de incentivos fiscais.

Neste prumo, não resta dúvidas quanto a inconstitucionalidade dos incentivos fiscais que abrangeu todo o produto de arrecadação do IPI, durante o período de 2009 a 2014, que consequentemente corroborou com a redução dos valores repassados aos Fundos de Participações.


7. DOS POSICIONAMENTOS DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Apresentada alegações que tipificam como inconstitucional os incentivos fiscais que desoneraram o IPI, acarretando numa redução drástica nos recursos destinados aos Fundos de Participação, contudo, verifica-se que alguns Tribunais Regionais Federais, entendem de modo diverso, onde baseiam-se na própria “letra” Constituição Federal (CF, art. 159), onde dispõe que a transferência constitucional em comento é feita com base no produto de arrecadação, e não na receita bruta.

Vejamos alguns dos julgados exarados pelos Tribunais Regionais Federais - TRF:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. FPM. BASE DE CÁLCULO COM BASE NA ARRECADAÇÃO BRUTA DO IMPOSTO DE RENDA E IMPOSTO DE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. DEDUÇÃO DOS VALORES RELATIVOS A INCENTIVOS FISCAIS. POSSIBILIDADE. 1. Esta Egrégia Terceira Turma já se pronunciou no sentido de que é possível a dedução, da base de cálculo do FPM, dos valores referentes a incentivos fiscais, tendo em vista que as receitas pertinentes a ditos programas não são apropriadas pela União, a qual apenas lhes repassa os mencionados valores, em face da opção feita pelo contribuinte

(AC 502542/RN, Terceira Turma, Des. Geraldo Apoliano, DJe: 21/09/2010 e AGTR 100510/AL, Terceira Turma, Des. Vladimir Carvalho, DJe 23/08/2010) (BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal - RE: 703314 AL, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, 2012)

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. REPARTIÇÃO DE RECEITAS. CALCULADA COM BASE NO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO. ART. 159 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Sentença que julgou improcedente o pedido de fixação do valor da cota parte do FPM do Município, considerando a base de cálculo de 23,5% do produto da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), sem a dedução dos valores de todos os benefícios, incentivos e isenções fiscais de IR e IPI concedidos pelo Governo Federal. 2. Nos termos do art. 159, I, b, da Constituição Federal de 1988, a União entregará do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento, sendo vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, de modo que a transferência constitucional dos valores deve ser feita com base no produto da arrecadação e não na receita bruta como pretende o município, pois deve ser feita a dedução, da base de cálculo do FPM, dos valores referentes a benefícios, incentivos e isenções fiscais de IR e IPI. 3.Precedentes: TRF-4ª R. - Ap-RN 2000.72.03.001910-8/SC - Rel. Marcos Roberto Araujo dos Santos - DJe 03.02.2009 - p. 263; TRF-5ª R. - AGTR 2009.05.00.065878-3 - 4ª T. - Rel. Des. José Baptista - DJe 25.02.2010; AC 2009.83.00.006365-7 - 3ª T. - Rel. Des. Geraldo Apoliano - DJe 21.12.2009. [...]. 5. Apelação improvida.

(BRASIL, Tribunal Regional Federal - 5ª Região - AC: 200984000096720, Relator: Desembargador Federal Walter Nunes da Silva Júnior, 2012)

Por certo, há de ressaltar que o próprio texto Constitucional elegeu a expressão “produto de arrecadação dos impostos”, para servir como base de cálculo para o FPM e não a receita líquida, portanto, como já mencionado preambularmente, tal concepção dos Tribunais encontra guarida sob a leitura ipsis litteris da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca de incentivos fiscais sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS que corroboraram com redução das quotas pertencentes aos municípios, senão vejamos:

CONSTITUCIONAL. ICMS. REPARTIÇÃO DE RENDAS TRIBUTÁRIAS. PRODEC. PROGRAMA DE INCENTIVO FISCAL DE SANTA CATARINA. RETENÇÃO, PELO ESTADO, DE PARTE DA PARCELA PERTENCENTE AOS MUNICÍPIOS. INCONSTITUCIONALIDADE. RE DESPROVIDO. I - A parcela do imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, a que se refere o art. 158, IV, da Carta Magna pertence de pleno direito aos Municípios. II - O repasse da quota constitucionalmente devida aos Municípios não pode sujeitar-se à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual. III - Limitação que configura indevida interferência do Estado no sistema constitucional de repartição de receitas tributárias. IV - Recurso extraordinário desprovido.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 572.762, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2008) (grifei)

No mesmo sentido, apesar dos Tribunais Federais decidirem pela legalidade dos incentivos fiscais concedidos pelo Governo Federal, o Supremo Tribunal Federal, vem mantendo o mesmo entendimento supracitado, revogando as decisões dos TRFs, in verbis:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOSFPM. DIMINUIÇÃO DO REPASSE DE RECEITAS. PROGRAMAS DE INCENTIVO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO RE N. 572.762. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. A concessão de benefícios fiscais por legislação infraconstitucional não pode implicar a diminuição do repasse de receitas tributárias constitucionalmente assegurado aos Municípios. Assim, a dedução das receitas efetivadas pela União à titulo de incentivos fiscais, não poderiam ter como consequência a diminuição do valor a ser recebido pelos Municípios, em consonância com o artigo 159, I, b, da Constituição Federal. (...) 3. A dedução das receitas efetivadas pela União a titulo de incentivos fiscais, não podem ter como consequência a diminuição do valor a ser recebido pelos Municípios, em consonância com o artigo 159, I, b, da Constituição Federal. 4. Recurso extraordinário provido. DECIDO. O recurso merece prosperar. (...) Assim sendo, a dedução das receitas efetivadas pela União a titulo de incentivos fiscais, não poderiam ter como consequência a diminuição do valor a ser recebido pelos Municípios, em consonância com o artigo 159, I, b, da Constituição Federal. Ex positis, DOU PROVIMENTO ao recurso extraordinário (art. 557, § 1ºA, do CPC). Invertidos os ônus, na proporção da sucumbência. Publique-se. Brasília, 31 de agosto de 2012. Ministro Luiz Fux Relator Documento assinado digitalmente.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 706.045 RN, Relator: Min. Luiz Fux, 2012) (grifei)

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS – FPM. REPARTIÇÃO DE RECEITAS. DEDUÇÕES: IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO DISSONANTE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VERBAS INDEVIDAMENTE RETIDAS: DEVOLUÇÃO. SÚMULA N. 279 DESTE SUPREMO TRIBUNAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O acórdão recorrido destoa da jurisprudência deste Supremo Tribunal, que assentou a impossibilidade de os repasses das quotas constitucionalmente destinadas aos Municípios sofrerem deduções decorrentes de incentivos ou benefícios fiscais concedidos pelos Estados ou pela União. 5. Pelo exposto, dou parcial provimento a este recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 656.781 SE, Relatora: Min. Carmem Lucia. 2013) (grifei)

A adoção deste entendimento tem como base a interpretação da Constituição Federal e das razões de existências dos Fundos de Participação, restando claro para o Supremo Tribunal Federal, que os incentivos fiscais concedidos pelo Governo Federal, que provoque uma diminuição no valor repassado ao Fundo de Participação, deverão ser restituídos aos titulares de direito.

Em 2013, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unanimidade, a existência de repercussão geral do tema abordado do Recursos Extraordinário nº 705.423, qual seja, “concessão de benefícios, incentivos e isenções fiscais no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e no Imposto de Renda (IR) pode ou não impactar no valor de parcelas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ”.

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. REPARTIÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS. IR E IPI. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. ART. 159, I, b e d, DA CF. CÁLCULO. EXCLUSÃO DOS BENEFÍCIOS, INCENTIVOS E ISENÇÕES FISCAIS CONCEDIDOS PELA UNIÃO. REPERCUSSÃO ECONÔMICA, JURÍDICA E POLÍTICA. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. A questão constitucional versada neste recurso consiste em definir, sob o prisma constitucional, até que ponto a concessão de benefícios e incentivos fiscais relativos ao Imposto de Renda e ao Imposto Sobre Produtos Industrializados pode impactar nos valores transferidos aos Municípios a título de participação na arrecadação daqueles tributos. O tema em debate apresenta singular relevância por afetar pilares do nosso sistema federativo, a saber, a autonomia financeira dos Municípios e a competência tributária da União. Nessas circunstâncias, a discussão assume tamanha importância do ponto de vista econômico, jurídico e político, a exigir a manifestação desta Corte sob o rito da repercussão geral. Isso posto, manifesto-me pela existência de repercussão geral neste recurso extraordinário, nos termos do art. 543-A, § 1º, do Código de Processo Civil, combinado com o art. 323, § 1º, do RISTF.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal - RE 705423 RG, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2013)

Neste norte, podemos verificar que celeuma que atingiu a legalidade ou não da desoneração do IPI pela União já está amplamente pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, onde vem julgando pela impossibilidade de deduções das quotas constitucionais decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos Estados ou pela União, restando ao Governo Federal, restituir os Entes Federados prejudicados com a redução dos repasses ao FPM.


8. CONCLUSÃO

Como já ostentado no presente artigo, a maioria dos municípios do Brasil dependem dos recursos advindos do Fundo de Participação dos Municípios, este, nutrido com percentual dos principais impostos federais, quais sejam, Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados.

Com vistas a equidade e eficiência econômico-financeira entre os entes federados, a própria Constituição Federal de 1988, prevê repartições de receitas tributárias, visando por assim dizer uma justiça social.

Como já exposto, tais transferências têm caráter redistributivo, ou seja, municípios mais pobres recebem proporcionalmente mais recursos que os municípios mais favorecidos, diante de tal relevância, qualquer modificação que objetive desequilibrar a relação harmoniosa entre eles, significa também afrontar ao próprio Estado Democrático de Direito.

Tais desonerações fiscais, como a do IPI não são ilegais, contudo, o mesmo não deverá prosperar se não houver as compensações, visto que, toda redução de receita proveniente de isenções ou renúncias devem ser compensadas por recursos da própria União, como já assevera o inciso V do §2º do art. 4º da Lei Complementar 101/00.

Acerca de tais incentivos fiscais, a própria Suprema Corte já vem se manifestando sobre a ilegalidade de redução de quotas constitucionais advindas de incentivos fiscais concedidos por ente federado arrecadador do tributo (RE 572.762, RE 656.781 SE e RE 706.045 RN). E por último, reconhecendo a repercussão geral da desoneração do FPM oriundos de incentivos fiscais (RE 705.423).

Neste prumo, com vistas ao pacto federativo, na finalidade insculpida na criação das repartições através de Fundos de Participação, vê-se que as quotas destinadas a cada ente federado beneficiado, deverão ser respeitadas e transferidas na sua forma originária e integral, mesmo quando da existência de incentivos fiscais concedidos unilateralmente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Thyago José de Souza. Da desoneração do IPI e seus reflexos no Fundo de Participação dos Municípios . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7492, 5 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49795. Acesso em: 25 abr. 2024.