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O acesso ao ensino superior brasileiro e a construção da cidadania frente à globalização

O acesso ao ensino superior brasileiro e a construção da cidadania frente à globalização

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Diante das transformações ocasionadas pela globalização no mundo contemporâneo, houve aumento significativo da procura pela qualificação profissional, principalmente em nível de ensino superior, a fim de atender às exigências do mercado de trabalho.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A globalização trouxe uma série de transformações que ao longo dos anos delinearam as novas configurações da sociedade, trazendo grandes mudanças no mercado de trabalho ao exigir dos profissionais maior acúmulo de conhecimentos e domínio de determinadas ciências e tecnologias, aumentando a complexidade no nível de ensino, tendo em vista a busca cada vez mais evidente por profissionais com o ensino superior.

Embora no Brasil o direito à educação seja um direito social garantido pela Constituição Federal de 1988, o acesso ao ensino superior ainda não tem sido igualitário tendo em vista a insuficiência da oferta de vagas nas universidades públicas, gerando exclusão e vulnerabilidade a condições ínfimas de mobilidade social. Nesse sentido, a busca de alternativas de redução das desigualdades historicamente construídas no Brasil, tem passado pelas políticas públicas que propõem o acesso ao ensino superior privado pelas camadas populares a fim de promover a democratização neste nível de ensino e a amplitude de oportunidades de mobilidade na estrutura social posta.

A educação assume o papel preventivo e paliativo da exclusão a partir da concepção de uma globalização que valorize a dignidade do ser humano na plenitude da vivência de todos os seus direitos e do seu desenvolvimento na vida social. Nesta globalização tem-se a exigência de equidade, onde todos tenham ensino de qualidade, aspecto que evitaria a reprodução do ciclo de exclusão social, no qual as camadas com situação socioeconômica precária estão excluídas da economia formal, fazendo com que tenham poucas oportunidades de superar sua situação reproduzindo o ciclo que a exclui. A inclusão social na educação superior possibilita a redução das discriminações relacionadas às diferenças de renda e socioculturais, diferenças que podem se converter em causas da exclusão (BRASIL, 2007).

Este estudo tem como objetivo analisar o acesso ao ensino superior no Brasil e a construção da cidadania frente ao processo de globalização. Metodologicamente, utilizou-se como técnica de pesquisa a documentação indireta por meio da pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica baseia-se na coleta de publicações diversas acerca de um determinado tema. Constituíram-se em fontes de pesquisa livros, artigos científicos, dissertações e legislação pátria, destacando-se as contribuições teóricas de Santos (2002), Vieira (2001), Sousa Santos (2002), dentre outros.

Além desta primeira seção introdutória este artigo está estruturado em outras cinco seções. Na segunda seção serão abordados aspectos essenciais para a compreensão do direito à educação e o acesso ao ensino superior no Brasil; na terceira seção analisar-se-á o processo de construção da cidadania e sua relação com o ensino superior; a quarta seção tem como foco o fenômeno da globalização compreendendo sua configuração no cenário atual e as possibilidades de construção de uma “outra globalização” considerando a valorização do ser humano; a quinta seção discute acerca das políticas públicas para o acesso ao ensino superior no Brasil e, por fim, a sexta seção apresenta as considerações finais.

As discussões propostas no presente trabalho, sem a pretensão de esgotar o estudo da temática em questão, visam revelar as fragilidades do atual cenário do ensino superior brasileiro e refletir a partir de um novo olhar sobre a globalização de maneira que a inclusão social concretize-se como fundamento maior dos programas implementados pelo poder público.


2. O DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL

O direito à educação é reconhecido tanto na esfera jurídica internacional quanto nacional. Em âmbito internacional, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil, afirma em seu artigo 13:

Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais (ONU, 1976).

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 dedica vários artigos ao direito à educação. Em seu artigo 6º a Constituição Federal indica a educação como direito social, inserido dentre os direitos e garantias fundamentais. O direito à educação, bem como as políticas públicas voltadas a ele são elementos indispensáveis ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e à concreção da própria cidadania (BRASIL, 1988).

O direito à educação constitui-se em um dos componentes do princípio maior do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana, visto que a efetivação de tal princípio garante à pessoa o direito a uma vida digna que só é possível diante de condições mínimas de subsistência, ou seja, através da efetivação de direitos fundamentais como o direito à vida, a saúde, a educação, dentre outros imprescindíveis. Assim, ensina Fiorillo (2000, p. 14): “[...] tem-se a educação como um dos componentes do mínimo existencial ou piso mínimo normativo, como uma das condições de que a pessoa necessita para viver em sociedade, para ter uma vida digna”.

A educação é direito de todos e dever do Estado. De um lado, tem-se a pessoa humana portadora do direito à educação e, do outro, a obrigação estatal de prestá-la. Em favor do indivíduo há um direito subjetivo, em relação ao Estado, um dever jurídico a cumprir. Nesse sentido, o artigo 205 do texto constitucional de 1988 define a educação e seus objetivos, entendendo tal direito com uma concepção ampla:

Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O texto constitucional expressa ainda as garantias que são deveres do Estado diante do direito à educação, nos termos do art. 208:

Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantida de:

I -(...)

II- progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI- oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII- atendimento ao educando,no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º- O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º- O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

Dentre as garantias, deve-se considerar, sobretudo, o inciso V do artigo citado acima, que prevê a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, o que implica dizer que o Estado tem o dever de garantir a todos o acesso ao ensino superior, posto que o direito a educação constitui-se como um direito fundamental social.

A partir da Constituição de 1988 o governo federal brasileiro investiu esforços no setor educativo, gerando aumento de matrículas em todos os níveis do sistema educacional. Em relação ao ensino superior, evidenciou-se a expansão do setor privado e, simultaneamente à consolidação da onda expansionista privada, surgem complexos problemas relacionados à qualidade do ensino e ao ingresso dos estudantes nas instituições públicas e privadas provedoras do direito à educação superior.

A expansão da oferta do ensino superior no Brasil, se por um lado, produziu um processo de democratização ao incorporar parte da população aos sistemas públicos de ensino, por outro, ao não ser acompanhada da abertura da quantidade de vagas necessárias a atender a todos os estudantes aptos a ingressarem no ensino superior, limitou esta democratização, criando um novo tipo de exclusão, pela ausência da oferta de vagas suficientes no ensino público, mas também pelo fato de ainda não haverem políticas públicas que garantissem o ingresso e permanência destes estudantes não incluídos no setor público para o setor privado.

O direito à educação exige do Estado prestações positivas no sentido de garantir a todos o acesso à educação. Este acesso foi ampliando-se aos poucos no cenário educacional brasileiro através da implementação de políticas públicas, as quais se constituem em mecanismos de ação do Estado com o objetivo de garantir a todos os direitos fundamentais consagrados em nossa Constituição Federal , pois é através da implementação de políticas públicas que o direito à educação será assegurado.

A educação é um direito primordial para o exercício dos demais direitos. Segundo Freire (1996) a educação relaciona-se a um processo de libertação que tem seu início naqueles que são oprimidos socialmente. Assim, a educação está ligada à formação da consciência popular para a existência da democracia, impulsionando o cidadão à responsabilidade social e à integração deste no desenvolvimento econômico da nação. O processo de desenvolvimento é resultado da consciência crítica e deve ser alvo de reflexão e ação por parte do homem. Tal consciência pode ser aplicada na medida em que os problemas da sociedade são compreendidos pelo mesmo por meio da educação que recebe.

A escola brasileira é herdeira direta do sistema discriminatório da sociedade escravagista sob dominação imperial. Na sociedade imperial e nas primeiras décadas da República, a educação tinha duas características principais: o ensino superior voltado para a formação das elites e o ensino profissional oferecido nas escolas agrícolas e nas escolas de aprendizes-artífices, destinado à formação da força de trabalho. Nesse contexto a maior parte da população permanecia sem acesso a escolas de qualquer tipo (CUNHA, 2007).

O processo educativo é fundamental para que o ser humano possa obter as condições mínimas de sobrevivência com dignidade em uma sociedade edificada na cultura de exclusão social. O desafio da educação consiste na busca e manutenção de estratégias para uma organização social de convivência mais justa e pacífica, transmitindo conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana.

Desde a consolidação do direito à educação no rol de direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988 a educação vem sendo repensada a partir dos embates político-sociais marcados pela luta em prol da ampliação, laicidade, gratuidade, obrigatoriedade, universalização do acesso, gestão democrática, ampliação da jornada e garantia de padrão de qualidade em todos os níveis.

A Constituição Federal enuncia a educação como direito de todos, dever do Estado e da família, com a tríplice função de garantir a realização plena do ser humano, inseri-lo no contexto do Estado Democrático e qualificá-lo para o mundo do trabalho. A educação representa tanto um mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da própria sociedade em que ele se insere. A atuação do Estado no campo educacional é necessária para a igualdade no acesso à formação, com o compromisso de desenvolver mecanismos para possibilitar este acesso. Nesse contexto, o Estado compromete-se com a educação superior, visando concretizar a isonomia constitucional.

A educação como direito social se contrapõe a ideia de educação como mercadoria, ou seja, aquela que beneficia apenas aos que podem pagar. Se não compreendida como bem público, a educação atenderá a determinados indivíduos e aos seus interesses exclusivos, jamais será compromissada com a sociedade. A qualidade tem uma irrecusável dimensão social e pública. A ideia de educação como bem público e direito social revela o dever do Estado de garantir amplas possibilidades de oferta de educação de qualidade a todas as camadas sociais (DIAS SOBRINHO, 2009).

A despeito dos desafios que ainda devem ser enfrentados, tendo em vista a plena democratização do acesso, permanência e sucesso, o ensino superior brasileiro, a partir dos últimos anos do século XX, passou a experimentar uma ampliação do número de vagas. Saviani (2004) destaca ter havido significativo avanço das matrículas e este fato conduz à necessidade de medidas que venham sanar deficiências dessa expansão, pois não basta abrir as portas das instituições de ensino superior. É preciso que os que conseguem ingresso possam permanecer até concluir os estudos a que aspiram e para os quais têm capacidade.

O acesso é, certamente, a porta inicial para a democratização, mas torna-se necessário, também, garantir que todos os que ingressam na instituição superior tenham condições de nela permanecer, com sucesso. Assim, a democratização da educação faz-se com acesso e permanência de todos no processo educativo, dentro do qual o sucesso é reflexo da qualidade.

Parte-se do pressuposto de que a educação é fundamento de uma sociedade estruturada e determinada historicamente, dessa forma, torna-se imprescindível compreendê-la como foco de políticas públicas, uma vez que:

As políticas públicas [...] são formuladas num processo contraditório e complexo, pois envolvem interesses de vários segmentos que desejam garantir direitos, especialmente aqueles vinculados às necessidades básicas dos cidadãos, como educação, saúde, assistência e previdência social. Dependendo da correlação de forças dos representantes desses segmentos essas políticas podem intensificar seu caráter “público”, isto é, atender as necessidades de quase todos, da coletividade, acima dos interesses privados, de determinados grupos no poder. É o Estado em ação (MOROSINI; BITTAR, 2006, p. 165).

Ao longo da história da educação no Brasil o estado tem efetivamente praticado uma série de medidas de incentivo à educação diante dos grandes desafios a serem enfrentados em termos de quantidade de alunos a serem formados no ensino superior com qualidade. Ademais, um dos desafios a serem superados é a inclusão de todos os estudantes aptos a ingressarem no ensino superior, público, ou, diante da insuficiência de vagas neste, no setor privado por meio de políticas públicas que possibilitem a vivência plena da cidadania por meio do direito social à educação.


3. O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

Ao se falar em direito à educação é comum relacioná-lo ao gozo da cidadania, no entanto, diante da popularização deste termo torna-se necessário refletir acerca de seu significado e sua influência na compreensão do acesso ao ensino superior, para que esse conceito permita significar os valores e objetivos necessários para a sua vivência.

As origens da cidadania estão na sociedade grega, onde cidadania significava viver e participar da vida da cidade por meio da associação em seus pequenos núcleos de vida como a família, a fratria e a tribo. Na sociedade grega, a democracia era direta, não havia representantes do povo, cada cidadão tinha acesso às assembleias onde podia argumentar sobre suas posições. O conceito de cidadania ampliou-se diante da ligação do cidadão ao Estado, trazendo-lhe uma série de direitos e deveres (AHLERT, 2003).

No entanto, foi apenas com os romanos que o termo cidadania adquiriu um significado jurídico. Segundo Libâneo (1995, p.18):

A cidadania (o status civitatis dos romanos) é o vínculo jurídico-político que, traduzindo a pertença de um indivíduo ao Estado, o constitui perante este num particular conjunto de direitos e obrigações [...] A cidadania exprime assim um vínculo de caráter jurídico entre um indivíduo e uma entidade política: o Estado.

A modernidade, inaugurando a nova sociedade da democracia burguesa, vinculou a cidadania com os direitos de liberdade, de pensamento, de religião, de comércio, de produção, de propriedade privada. Individualizando o indivíduo, alienando-o dos outros pares, a burguesia pôde limitar o alcance da cidadania, tendo em vista que os direitos relacionados a esta se referiam apenas aos direitos do homem burguês. Para o liberalismo e o neoliberalismo, a cidadania está centrada no princípio individualista, em que cada qual cuida dos próprios interesses.

A cidadania compõe-se de um conjunto de direitos fundamentais para a existência plena da vida humana: direitos civis, relacionados à livre locomoção, a segurança; direitos sociais, que garantam atendimento às necessidades humanas básicas, como alimentação, habitação, saúde, educação, trabalho e salário dignos; direitos políticos, para que a pessoa possa deliberar sobre sua própria vida; expressar-se com liberdade no campo da cultura, da religião, da política, da sexualidade e, participar livremente de sindicatos, partidos, associações, movimentos sociais, conselhos populares etc. Na mesma medida, a cidadania exige o exercício de deveres para que os próprios direitos se efetivem (AHLERT, 2003).

A educação, como possibilidade de proporcionar a construção da cidadania é aludida por Marshall (1967), que propõe a cidadania constituída por três elementos, a saber: civil, político e social. O primeiro deles, relacionado à liberdade individual, a exemplo do que preconiza o artigo 5º da Magna Carta. Relativamente ao elemento político, como o próprio nome já denuncia, representa a possibilidade de se participar das decisões políticas da comunidade, seja como eleitor ou representante. E o elemento social, por sua vez, recepciona o bem-estar mínimo (seja em termos econômicos ou de segurança) e o direito de participar efetivamente da sociedade. Exatamente nessa dimensão da cidadania, dita social, reside uma das funções construtivas do sistema educacional.

Teixeira e Vale (2001) entendem que a cidadania não pode estar desvinculada das reais condições sociais, políticas e econômicas que constituem a sociedade. Para uma cidadania efetiva, indicam algumas categorias indispensáveis para o exercício da cidadania que implica, em primeiro lugar, a participação organizada para que as pessoas não sejam objetos da ação, mas, sujeitos da prática política da comunidade até do Governo Federal. Por isso, ela é conquista e, como tal, torna-se o próprio processo emancipatório.

Dessa forma, compreende-se a ideia de cidadania para além da concepção de mero complexo de direitos e deveres para fomentar uma busca e construção coletiva dos direitos, o exercício da responsabilidade com a coletividade, o cumprimento de regras e de normas de convivência, a busca efetiva de participação na política para controlar seus governos eleitos dentro de princípios democráticos. Nesse contexto, a educação torna-se o principal instrumento no resgate dos valores humanitários como a solidariedade, a consciência do compromisso para com o bem-estar de todos, a fraternidade e a reciprocidade, a urgência mais fundamental.

A discussão acerca da cidadania não deve estar associada somente à defesa da exclusividade dos direitos universais do ser humano, como também às práticas sociais com vistas a interferir incisivamente em dados da dinâmica social de promoção da justiça social, redução das desigualdades e superação das formas de dominação social, econômica, política e cultural, principalmente no que tange ao ensino superior, onde a mobilização social na defesa das políticas públicas que garantam acesso e permanência dos estudantes não alcançados pelas vagas em instituições públicas tem sido fundamental na consolidação do direito à educação e à cidadania.

O processo de construção da cidadania no Brasil por meio do acesso ao ensino superior ainda está evoluindo diante dos constantes aperfeiçoamentos feitos pelo governo nas políticas públicas existentes neste âmbito a partir das necessidades da população que se evidenciam neste setor do ensino diante da insuficiente oferta de vagas em instituições públicas. A instituição de ensino superior, enquanto espaço inserido em um meio social, político e econômico possui a função de preparar as pessoas com ensino formal, a cultura erudita acumulada historicamente, o conhecimento científico e cultural de sua sociedade e também do mundo, para se tornarem cidadãos críticos, promover a inclusão destes no espaço público como forma de participação política, atuantes na sociedade e preparados para o mundo do trabalho (AHLERT, 2003).

Neste sentido, relacionar o acesso ao ensino superior com a construção da cidadania requer uma reflexão constante acerca da realidade posta no cenário nacional. O direito ao acesso a educação para todos garante o reconhecimento de um valor, pois a instituição educativa é o espaço onde as pessoas dispõem para conhecer leis, direitos, deveres e práticas sociais da cidadania. Compreender a ideia formal de educação superior colabora para uma inserção consciente do aluno na realidade, tornando-o consciente de seu contexto sócio-histórico e das necessidades deste, não apenas por meio da efetivação de direitos e deveres, como também da mobilização em práticas que visem a justiça social.

A instituição de ensino superior como espaço de vivência da cidadania constitui-se também em espaço democrático ao expandir sua finalidade de inserir o indivíduo ao saber erudito, ao conhecimento científico, de forma eficaz e com qualidade, cumprindo com sua função social de preparar o sujeito para o trabalho, o pleno exercício da cidadania e seu desenvolvimento como pessoa. Dessa forma, os espaços educativos trazem a possibilidade de tornarem-se lócus de uma cidadania contra-hegemônica, apoiada em práticas sociais que desafiam a si mesmas, na busca de alternativas viáveis e capazes de superar a dominação social, econômica, política e cultural da imensa maioria da população do Brasil e do mundo. E, ainda, a desagregação política, opondo-se à concepção de cidadania presa às fronteiras do Estado-Nação que, muitas vezes, fortalece ideias antidemocráticas com relação a outras nações (COSTA, 2011).

É uma perspectiva que abre caminhos para práticas sociais que possibilitam espaços de encontro onde as diferentes culturas, subjetividades e identidades particulares possam exprimir-se para encontrar formas de se articular. Pode-se dizer, portanto, que há uma prática educativa em todos os processos contra a globalização hegemônica em curso no planeta. A compreensão de Germano (2007, p. 45), sobre esse entendimento ratifica a nossa ao afirmar que:

Convém ressaltar que, se por um lado, predomina uma globalização hegemônica, organizada do topo para a base e regressiva do ponto de vista dos direitos sociais, por outro lado, cabe assinalar a emergência de outra globalização, contra-hegemônica, alternativa, organizada inversamente da base para o topo. Tal globalização é constituída por redes e alianças transfronteiriças de movimentos sociais que lutam contra os efeitos da globalização neoliberal e em defesa da emancipação social.

Dessa forma, uma outra perspectiva de globalização abre possibilidades para mudanças no contexto educativo, principalmente no que tange ao acesso da população ao ensino superior, garantindo que este, de fato, seja espaço de inclusão social e vivência da cidadania para todos.


4. GLOBALIZAÇÃO E ENSINO SUPERIOR

Tratar de ensino superior e cidadania conduz-nos a uma reflexão acerca da globalização. Cada instituição de ensino superior está inserida em uma determinada sociedade, em um determinado contexto histórico, político e cultural. Sendo assim, estas instituições e suas políticas de acesso não podem ser pensadas sem que sejam levadas em conta as características atuais da globalização e suas relações com a estrutura social posta.

Os problemas do ensino superior não dizem respeito somente às instituições que atuam neste nível do ensino, tendo em vista que são problemas de toda a sociedade. A globalização exerce hoje pesadas pressões, a maioria delas marcada pelos sinais da urgência e das contradições. As universidades sofrem pressões em um cenário de constantes mudanças para o qual não se sentem preparadas a responder, conforme aduz Clark (1996, p. 129):

Como atores principais dentro desses sistemas, as universidades públicas e privadas entraram numa época de turbulências para a qual não se prevê término. A atual encruzilhada tem sua origem num simples fato: as demandas impostas às universidades superam sua capacidade de resposta.

Se esta realidade apresenta-se em instituições de ensino superior de países centrais, que se encontram em estágios mais avançado de consolidação de suas estruturas democráticas, muito mais problemático é para os sistemas educacionais de países periféricos. Estes se defrontam com todos os problemas do presente, desde a construção de adequadas bases materiais até a consolidação dos seus processos democráticos, sem que já tivessem resolvido satisfatoriamente as históricas dívidas sociais, culturais e econômicas.

Predomina o entendimento de que a universidade deve catalisar as transformações exigidas pela nova economia de mercado. Mas também cabe à universidade, como uma bandeira histórica, elaborar uma compreensão ampla e fundamentada relativamente às finalidades e transformações da sociedade, pois muitos dos problemas são comuns tanto à universidade em particular quanto à sociedade em geral. Dessa forma, faz-se necessário refletir acerca das possibilidades de expandir as instituições de ensino superior como espaços que superem a mera dimensão econômica e pragmática, gerando o debate e a efetiva inclusão social por meio das políticas públicas de democratização do ensino superior brasileiro em meio à globalização.

A globalização trata-se de um fenômeno que se expandiu rapidamente pelo mundo, e, ao tempo em que vem influenciando as novas configurações da sociedade, também expande as estruturas de informação, potencializa a mobilidade, imprime novos perfis no mundo do trabalho, impulsiona o acúmulo dos conhecimentos, gera mudanças nos campos das ciências e das tecnologias, produz o declínio das certezas e aumenta a complexidade nas relações humanas e na vida em geral (DIAS SOBRINHO, 2005).

De um lado, é possível defendê-la em razão de todos os avanços obtidos nos conhecimentos, nas técnicas e facilitação das comunicações e das informações. Não há dúvida de que os avanços da globalização carregam as potencialidades de construção de um mundo mais desenvolvido, graças às conquistas nos campos científicos e técnicos. Por outro lado, para os críticos da globalização, é ela a principal responsável pelo aprofundamento das assimetrias entre pobres e ricos, Sul e Norte, excluídos e incluídos. Em todos os continentes, os críticos denunciam os resultados enganosos deste fenômeno e seus efeitos devastadores como a concentração do capital pelas grandes corporações transnacionais, o aumento da miséria, da violência, do desemprego, do endividamento crescente dos países pobres, do enfraquecimento dos estados nacionais e tantas outras consequências.

Santos (2002) chama a atenção para a globalização como uma fábula, a forma de mundo “como nos fazem ver”, incutindo-se a ideia de que o mercado avassalador é capaz de homogeneizar o planeta, quando, na verdade, aprofunda as diferenças locais e estimula o culto ao consumo. A globalização como perversidade é a que identifica “o mundo como é”, trata-se da fábrica de perversidades que a globalização tem imposto: aumento da pobreza, classe média perdendo qualidade de vida, salários diminuídos, fome, mortalidade infantil, etc.

A informação e o dinheiro são pontos marcantes da perversidade trazida pela globalização. A informação por ser utilizada em favor de alguns atores para interesses próprios, com o objetivo de manipular e convencer a população global de seus interesses. Dessa forma, esta informação é uma manipulação de convencimento dos atos perversos mascarados por uma cordialidade do mercado e do sistema financeiro global. A informação que chega para as massas é totalmente manipulada, que em vez de esclarecer, confunde.

O dinheiro torna-se o centro de todas as ações, fazendo com que o homem perca importantes valores de humanidade como a compaixão e a solidariedade. Atualmente, o outro é visto como um inimigo a ser vencido, incentivando-se a competitividade e tornando o consumo um verdadeiro regime totalitário, o que Santos chamou de “globaritarismo”. A tirania do dinheiro é a especulação financeira que move a economia, o dinheiro é o centro do mundo. A globalização perversa gera uma violência estrutural resultante da presença do dinheiro, da competitividade, cuja associação conduz a emergência de novos totalitarismos e a imposição de uma política comandada pelas empresas (SANTOS, 2002).

Diante de tantas consequências, a educação superior é apontada como meio para dar respostas à fragmentação e à aceleração dos conhecimentos, bem como atender mais efetivamente à multiplicidade das demandas externas. As demandas mais visíveis dizem respeito às necessidades de maior escolarização, maior eficiência, produtividade e competitividade, em razão das transformações do estágio atual do capitalismo e das alterações culturais e sociais. Entretanto, diante da baixa qualidade do ensino fundamental e médio no setor público e da insuficiência de vagas no ensino superior público, grande parte dos alunos acabam sendo alijados do direito de acesso ao nível superior de ensino e entrando no ciclo da exclusão diante da impossibilidade de ingresso no ensino superior privado.

Para promover a quebra deste ciclo de exclusão no acesso ao ensino superior, os países latino-americanos, especificamente o Brasil, fez investimentos massivos neste setor do ensino a partir da década de 1990, criando políticas voltadas à oferta de vagas em instituições privadas por meio de programas de financiamento estudantil. O desafio de ordem ética e política advém do direito à educação efetivado pelas instituições de educação superior, sejam elas criadas e mantidas pelo Estado ou pela iniciativa privada. Trata-se de dar sentido de bem comum às suas atividades, em um mundo em transformação e em crise de valores.

A educação superior é um patrimônio público na medida em que exerce funções de caráter político e ético, muito mais que uma simples função instrumental de capacitação técnica e treinamento de profissionais para as empresas. Essa função pública é a sua responsabilidade social. Nesse sentido, é sumamente importante garantir a todos o acesso a esse nível de ensino onde deve se produzir conhecimentos e formação, desenvolvendo capacidade de resposta às demandas e às carências da sociedade.

Dessa forma, evidencia-se a necessidade das constantes mobilizações sociais que incentivam as políticas públicas pela democratização do ensino superior, navegando contra a corrente hegemônica de globalização e reinventando novas formas de democratização e de construção da cidadania dos níveis local e nacional ao global. Resgata-se a partir de então os múltiplos atores da sociedade civil e suas formas de atuação no espaço público como construtores da democracia.

Assim, fala-se na possibilidade de uma “outra globalização”, nos dizeres de Santos (2002), ao referir-se ao “mundo como pode ser” atribuindo-se um caráter mais humano ao processo de globalização. A racionalidade hegemônica se tornou totalitária e abriu espaço para uma outra racionalidade, produzida e pensada pelos pobres, pois, estes últimos tomam consciência que existe uma dicotomia entre o discurso formal da atual globalização e, a realidade vivida no cotidiano. Propõe-se uma outra globalização, uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem e não mais no dinheiro.

A globalização atual não é irreversível porque o homem está descobrindo o sentido de sua presença no planeta e concebendo que esta globalização atualmente utilizada para construir um mundo perverso, pode vir a ser uma condição da construção de um mundo mais humano. Para isso são necessárias duas grandes mudanças: a mudança tecnológica (emergência das técnicas da informação) e a mudança filosófica da espécie humana (capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa e também do planeta) (SANTOS, 2002).

O Brasil, assim como os demais países do sul, possui um papel central na transformação da atual globalização, através da cultura popular. Nesta “outra globalização” todas as ações teriam como centro o homem, deixando este de ser visto como um simples objeto. Diante do modelo de globalização posto na atualidade e os problemas sociais que são consequência deste, esta nova globalização faz-se necessária. Uma globalização para os pobres, globalização da inclusão, com o objetivo da valorização do homem frente ao mundo do dinheiro.

No cenário educacional brasileiro foram desenvolvidas políticas públicas que tem se constituído em oportunidades de disseminação desta outra globalização, expandindo a participação cidadã e promovendo a inclusão social. O estudo das políticas públicas é essencial no que tange à educação, tendo em vista sua relação com as atividades fundamentais do Estado.


5. POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENSINO SUPERIOR: ACESSO E INCLUSÃO SOCIAL

O Ministério da Saúde apresenta um conceito de políticas públicas relevante para a compreensão destas ações:

Políticas públicas configuram decisões de caráter geral que apontam rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população e aos formadores de opinião as intenções do governo no planejamento de programas, projetos e atividades (BRASIL, 2006, p. 09).

A análise das políticas públicas traz importantes contribuições para a compreensão do funcionamento das instituições políticas e de como estas lidam com as complexidades da realidade social na atualidade. Dentre as situações problemáticas vivenciadas ao longo dos anos pela sociedade brasileira destaca-se o acesso à educação. Como direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 o direito à educação tem norteado a formulação de políticas públicas visando a democratização do acesso e a construção da inclusão social por meio da materialização deste direito.

Na atualidade, evidencia-se o objetivo das instituições educativas e das despesas públicas em educação de possibilitar certa mobilidade social. O objetivo reivindicado é que todos possam ter acesso à formação como meio de fomentar a inclusão social.

A inclusão social relaciona-se às iniciativas empreendidas pelo Estado e pela sociedade civil para enfrentar os processos de exclusão nas suas diversas esferas (social, econômica, política e cultural), de modo a tornar possível a todos ou ao maior número os benefícios que a sociedade possibilita apenas a certos segmentos (SCHMIDT, 2008).

Considerando que o principal meio de distribuição de recursos pelo Estado ocorre mediante a implementação das políticas públicas, as quais têm como principal destinatário a sociedade, entende-se imprescindível que os anseios e necessidades desta sejam considerados, desde a etapa da percepção e definição dos problemas que precedem a formulação de uma política pública até a etapa em que é procedida a avaliação. Acrescente-se a isso, o fato de que o resgate dos vínculos sociais e da sociedade civil como um todo, tem sido apontado, nos debates mais recentes, como caminho para minimizar os efeitos decorrentes de práticas setorizadas e excludentes. Dentre os fatores que podem contribuir para uma maior efetividade, eficácia e eficiência da execução das políticas públicas, aponta-se: a formação de capital social; uma efetiva avaliação das políticas públicas, com consequente utilização dos resultados.

No que concerne ao capital social, sua formação requer ações ampliativas por parte do Estado no desenvolvimento educacional dos indivíduos de modo a lhes conferir capacidade de compreensão da conjuntura em que vivem, aliada a uma ampliação dos processos informativos acerca das ações do Estado, principalmente no que diz respeito às políticas públicas, com a ressalva de que tais processos informativos devem ter cunho ético e transparente, para que não representem mero instrumento de manipulação de dados conforme as circunstâncias políticas.

No âmbito educacional ganhou destaque nas últimas décadas as políticas em torno da democratização do acesso ao ensino superior. Tal destaque deve-se à relevância do espaço acadêmico diante das novas necessidades da sociedade capitalista. Como espaço complexo que envolve desde relações sociais ao desenvolvimento técnico-científico, às instituições de ensino superior atribuiu-se a função de formar o homem para o mundo do trabalho e para a própria sociedade. Nesse âmbito, as primeiras políticas públicas de acesso ao ensino superior no Brasil foram implantadas a partir das universidades públicas, como forma de estabelecer igualdade de direitos e oportunidades visando a redução das desigualdades socioeconômicas no país.

Dessa forma, as primeiras iniciativas no contexto do ensino superior constituíam-se em ações reparadoras, uma tentativa para amenizar as desigualdades sofridas por segmentos socialmente e historicamente discriminados. Nesse sentido, estruturaram-se as políticas de cotas, reservando determinada porcentagem de vagas nas instituições a candidatos negros, de baixa renda ou egressos de escolas públicas. Considerando a influência desses fatores na formulação de políticas públicas voltadas para a inclusão social nas universidades, observa-se que o papel das instituições de ensino apresenta-se além da ampliação do acesso, mas, sobretudo, à função de promotoras da democracia, como agente social que contribui para a consolidação de um país mais igualitário.

Historicamente, a sociedade brasileira caracterizou-se pela predominância das camadas sociais mais altas no acesso à educação superior privada, ganhando destaque as políticas públicas desenvolvidas neste contexto com a finalidade de promover a inclusão de grupos até então excluídos deste nível do ensino, tendo em vista que, no plano das políticas públicas, um dos debates centrais é o potencial de inclusão das políticas sociais e sua relação com as políticas intereconômicas adotadas no contexto da globalização.

A igualdade de oportunidades no ensino superior é um desafio central para o Estado social no século XXI. Segundo Schmidt (2008) a pobreza é o maior dos flagelos que a humanidade enfrenta no início do novo milênio. Flagelo de enorme magnitude e complexidade, associada à exclusão e desigualdade social ela se manifesta em todos os continentes, mas com rigor extremo na África, Ásia e América Latina. Essa situação deve-se em grande parte à desigualdade de oportunidades no acesso à educação superior, que possibilitaria a inclusão social.

Os estudantes de classes menos favorecidas foram, durante muitos anos, alijados de instituições superiores privadas onde existe confiança interpessoal entre os “iguais”, em que há múltiplas formas de cooperação e reciprocidade, mas apenas entre os indivíduos “de bem” ou de “mesmo nível”. Nesse contexto, foram implementadas políticas públicas que visam à redução das desigualdades sociais e a busca pela equidade no acesso ao ensino superior brasileiro.

No estabelecimento de políticas públicas que visam a inclusão social na educação superior a partir do capital social, o empoderamento das populações marginalizadas é elemento central. Em razão das múltiplas barreiras sociais que lhes são impostas, os pobres tem extrema dificuldade de ver-se como atores capazes de exercer alguma influência real no seu ambiente social e na esfera política. O empoderamento consiste numa transformação atitudinal de grupos sociais desfavorecidos que os capacita “para a articulação de interesses, a participação comunitária e lhes facilita o acesso e controle de recursos disponíveis, a fim de que possam levar uma vida autodeterminada, auto-responsável e participar do processo político” (BAQUERO, 2005, p.39).

No seu alcance mais amplo, este empoderamento resulta na criação das condições que habilitam os pobres à conquista dos direitos de cidadania. Com isto, expandem-se as possibilidades de ampliação das políticas de equidade na oferta educacional do ensino superior no Brasil.

A partir da promulgação da Contituição Federal de 1988, observou-se o incentivo do governo na expansão das IES privadas e, por outro lado, a incapacidade em ampliar os gastos com o ensino superior e a prioridade de compromisso com a educação básica. Nesse âmbito, o ensino superior de iniciativa privada começou a apresentar indícios de seus limites. Esses indícios sugeriram que o incentivo inicial expressivo ao setor privado poderia comprometer a sustentabilidade da oferta, diante da crescente inadimplência dos estudantes matriculados nas instituições privadas. Ou seja, a simples ampliação da oferta não era condição suficiente para a democratização do acesso ao ensino superior (CORBUCCI, 2004).

Dessa forma, fez-se necessário a elaboração de políticas públicas que promovessem o financiamento de maneira a custear estudantes de baixa renda em IES privadas. Dentre as políticas que têm o foco no acesso ao ensino superior, destacam-se o Programa de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Voltados para a população de baixa renda, estes programas são considerados políticas inclusivas e compensatórias.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O acesso ao ensino superior não deve ser considerado exercício da cidadania apenas pela relação aos direitos e deveres previstos na Constituição Federal, mas como uma prática social cada vez mais expandida diante das necessidades e urgências que se apresentam na própria vida em sociedade. Não basta garantir o acesso, é preciso pensar nas formas de permanência com qualidade no ensino superior de maneira que o direito à educação usufruído não seja uma mera obrigação estatal, mas sim possibilidade de uma educação libertadora e emancipatória. Nesse viés, as instituições de ensino superior deixariam o caráter de mero preparatório para as exigências do mercado de trabalho capitalista, e passariam à concepção de cidadania como sim usufruir de direitos e deveres legalmente previstos, mas também como a participação em práticas sociais com vistas a interferir incisivamente na promoção da justiça social e redução das desigualdades e formas de dominação social.

Dessa forma, o acesso e permanência dos estudantes brasileiros pode ser expandido por meio de melhorias constantes nas políticas públicas destinadas a esta finalidade, de maneira que objetivem a democratização do ensino e a qualidade, envolvendo a sociedade e mantendo valores nacionais, culturais e identitários dos mais variados segmentos sociais.

As universidades públicas, como bens públicos, devem receber políticas e investimentos específicos que possibilitem o aumento crescente no número de vagas, com vistas a acolher o maior número de estudantes. Enquanto estas políticas são desenvolvidas, as instituições privadas exercem papel fundamental como espaço de inclusão social por meio de políticas públicas como o FIES e o ProUni que oportunizam a vivência dos mais diversos grupos sociais em um mesmo espaço. A missão destas instituições deve ser bem explicitada, deixando claro que não se restringem à função de formação para o mercado de trabalho, mas envolve a formação de pessoas que fazem parte da sociedade.

O objetivo das políticas públicas de inclusão social na educação superior deve ser a formação de uma comunidade cívica que une alto grau de tolerância e elevado capital social, onde se respeite o direito à diferença e as robustas formas de interação e cooperação comunitária não se restringem a indivíduos que possuem as mesmas características, mas incluem indivíduos diversos sob o ponto de vista étnico, cultural, religioso, social e político.


REFERÊNCIAS

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Autor

  • João Deusdete de Carvalho

    Advogado, Procurador Público, Professor Assistente H do Departamento de Direito da Universidade Regional do Cariri-URCA, Cursou Especialização em Direito Processual Civil na UFPI, Especialização em Planejamento pela FAO, Mestrado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul-RS

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