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A terceirização precarizante e a (in)capacidade emancipatória das cooperativas de trabalho

A terceirização precarizante e a (in)capacidade emancipatória das cooperativas de trabalho

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O cooperativismo está relacionado às primeiras formas de organização de trabalhadores, e é frequentemente associado aos modelos de resistência do trabalho frente ao capital. Contudo, a experiência brasileira se caracteriza por contradições regulatórias.

1.Uma Introdução

Vem de Boltanski e Chiapello (2009) uma das mais lúcidas e completas descrições do que foi registrado como a “crise e transformação do capitalismo”, que teve como origem a exaustão do modelo taylorista de organização do trabalho. Eles demonstram que sob a perspectiva da centralidade do trabalho, enquanto categoria estruturante da sociedade, da crise do paradigma tayloriano se irradiou uma verdadeira onda de críticas à própria sociedade capitalista.

Situada a partir do final da década de sessenta, a experiência europeia acerca desse período de desestabilização do sistema capitalista atravessou toda a década de setenta, desaguando num processo de renovação do capitalismo que se deu à custa da “desconstrução do mundo do trabalho” (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 239).

A reestruturação do sistema capitalista, baseada no que se convencionou chamar de acumulação flexível, produziu uma série de fenômenos importantes, que desde a gestão dos modelos de produção – toyotismo – passando pela terciarização[1] da atividade industrial, reconfigurou sobremaneira as relações de trabalho, chegando mesmo a solapar as bases principiológicas do próprio Direito do Trabalho.

O liberalismo, como doutrina, reaparece noutros tons: (neo)liberalismo, mais preocupado em dar respostas ao que Boltanski e Chiapello chamam de “crítica estética”, de caráter geracional, e associada às expectativas de autorrealização pessoal não apenas dos operários, já imersos numa sociedade do trabalho que não os atende em suas pretensões de autonomia, mas também dos estudantes, ainda por nela ingressar.

Boltanski e Chiapello enumeram e descrevem as várias facetas da transformação do mundo do trabalho. São mudanças na sua organização interna (duração do trabalho, intensidade do trabalho, divisão do trabalho, individualização salarial etc.), bem como no “tecido produtivo”, com o outsourcing, gênero que tem na terceirização a síntese da produção em rede, cuja versão laboral (externalisation) tornou-se sinônimo de precarização das relações de trabalho.

No Brasil, a “vaga neoliberal” (CARDOSO, 2003) nos atingiu com década de atraso, e ainda hoje sentimos os efeitos de sua inércia. Ao menos no que tange ao sistema de garantias e proteção do emprego, as transformações das relações de trabalho em Terrae Brasilis, nas duas últimas décadas, produziu um cenário menos dramático que na Europa. Nalguma medida, credita-se à ação do Novo Sindicalismo[2] no âmbito do processo de redemocratização, e sua influência na reformulação constitucional dos direitos sociais, nomeadamente os trabalhistas, que pela primeira vez na nossa história republicana, com a Constituição Federal de 1988 (CF/88), deixara de ser um mero apêndice da ordem econômica.

De fato, em que pesem as contradições que volta e meia se mostram no sistema político-jurídico de proteção do trabalhador brasileiro (ASSUMPÇÃO, 2015), causadas pelos embates que se dão na tumultuosa fronteira que separa as garantias individuais trabalhistas e a autonomia negocial das representações categoriais (econômicas e profissionais), o fato é que as novas configurações institucionais que modelam o nosso sistema de relações de trabalho, a despeito de patrocinarem, dentro e fora da ação Estatal, formas de ocupação precarizantes, não se legitimaram a ponto de desqualificar nossa legislação de sustento, mormente a setuagenária CLT.

A sobrevivência do legislado sobre o negociado e, com isso, a preservação da base principiológica do Direito do Trabalho brasileiro inscrita na CLT, contraria, ao menos por ora, a aposta de Jeammaud na desintegração global dos princípios trabalhistas (ASSUMPÇÃO, 2014), que por aqui foram perpetuados por Américo Plá Rodriguez (2005), a começar pelo princípio da alteridade, encarregado de impedir que o trabalhador compartilhasse os riscos do empreendedor capitalista.

Mas é verdade que o período compreendido entre o início da década de noventa, e o final do primeiro triênio da década passada, se caracterizou pelo esforço regulatório do Estado na reprodução e/ou redimensionamento de algumas das novas formas de organização do trabalho vistas na Europa, durante os anos setenta e oitenta, como foi o caso dos contratos a tempo parcial, dos contratos por prazo determinado (Lei 9.601/98), e dos contratos temporários (Lei 6.019/74 e Instrução Normativa nº 03/1997).  

Viu-se, também, a postura absenteísta da Justiça do Trabalho, no âmbito da ação coletiva dos sindicatos de classe, a ponto de comprometer a autonomia desses entes coletivos, e o direito à autotutela dos grupos profissionais (SILVA, 2008).

Mesmo a Inspeção do Trabalho, elevada havia menos de dez anos à mesma estatura republicana das demais inspeções federais, experimentou uma reconfiguração político-institucional que levou à mitigação do seu poder de polícia. Era “O Novo Perfil da Fiscalização do Trabalho”, interpretada por alguns como uma tentativa válida para produzir o “cumprimento sustentado da lei” (PIRES, 2009), e por outros como a evidência de um processo de desqualificação das instituições de proteção do Direito do Trabalho no Brasil (FILGUEIRAS, 2012).

Observou-se, também por aqui, o fenômeno da terciarização do que até então eram atividades industriais, produzindo uma maciça terceirização das ocupações, com o consequente entrelaçamento de vários e distintos estatutos profissionais. Além disso, a rejeição categórica à contratação por interposta pessoa[3], representada pelo texto do Enunciado nº 256 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), teve sua expressão atenuada pela jurisprudência que lhe sucedeu: a Súmula nº 331, que flexibilizou o impedimento à terceirização, introduzindo a distinção entre atividade-fim e atividade-meio[4] como critério supostamente objetivo de separação entre as terceirizações lícitas e ilícitas.

Conquanto a conservação do princípio da primazia da realidade (RODRIGUEZ, 2002) tenha evitado o extremismo de um “civilizamento” generalizado das relações de trabalho (VIANA, 2001), o fato é que as terceirizações no Brasil, ainda que não representassem pura e simplesmente a contratação por interposta pessoa, sempre esteve associada à precarização das condições de trabalho. As evidências vinham tanto do Direito Coletivo do Trabalho, com a fragmentação das representações das categorias profissionais, com a redução da capacidade de barganha dos sindicatos, o esfriamento do ímpeto associativista, e a dificuldade de manutenção de conquistas históricas, como do sistema de proteção individual, cujas facetas mais vulneráveis eram, de fato, a terceirização do risco ocupacional e a ausência de garantias para o crédito salarial (ALEMÃO, 1997).

Mas o tipo ideal de empregador celetista: a empresa, não monopolizou o outsourcing da mão-de-obra no Brasil. Além de modelos contratuais sui generis, como o contrato de estágio e de aprendizagem, e da utilização sem justa medida do empresário individual, que de tão saliente tornou-se vernáculo: pejotização, formas associativas não empresariais passaram a ser utilizadas como elos da cadeia de subcontratações. Destaca-se, dentre todas, as sociedades cooperativas, nomeadamente as de trabalho ou mão-de-obra.

O objetivo deste ensaio é, enfim, examinar os fundamentos de uma relação que se faz amiúde, associando a atuação das cooperativas de trabalho, no particular, ao fenômeno da precarização do emprego no Brasil. Porém, espera-se fazer tal exame sem a exclusividade da perspectiva jurídica – algo com que Carelli (2002) já se ocupara, com sucesso – mas dentro de um contexto histórico e conceptual do próprio movimento cooperativista, do qual se fará menção desde Robert Owen e as experiências em New Lanark, sem prejuízo do seu exame sob o viés de uma ontologia dos mecanismos de defesa social frente à mercadorização dos fatores de produção, apoiado na tese da ficção da sociedade de mercado proposta por Karl Polanyi (1980).

A apreciação jurídica das cooperativas de trabalho será reintroduzida, ao final, para inserir as conclusões dessa análise preliminar ao contexto atual, inovado pela Lei 12.690/2012, a fim de especularmos sobre a presença germinal da parassubordinação no Brasil, e de um estrato ocupacional subalterno representativo da “dualização do salariato”, tal como decreta Supiot (2003).      


2. O Caso do Cooperativismo de Trabalho com a Precarização do Emprego no Brasil

Embora se perceba atualmente uma relativa inflexão na trajetória da crítica ao cooperativismo de trabalho no Brasil, devido, certamente, à intensa expectativa pelo que ainda há de vir, após a publicação da Lei 12.690/2012[5], a literatura juslaboralista e sociológica vem há anos descrevendo os descaminhos das cooperativas de trabalho, como um dos principais fenômenos ilustrativos da precarização do emprego no Brasil.

A trajetória errática e contraditória da regulação do cooperativismo brasileiro, retratada em primeira mão por Luis Amaral (1938), bem que poderia justificar um certo mal de origem (ASSUMPÇÃO; ANDRADE, 2014), e o descompromisso com os princípios que nortearam os “Pioneiros de Rochdale” (HOLYOAKE, 1900) como a grande tônica da nossa experiência cooperativista.

Mas não se pode creditar exclusivamente à regulação geral em vigor (Lei 5.764/71) o grande erro de percurso cometido pelo cooperativismo de trabalho no Brasil, cuja guinada ocorrera ainda na primeira metade da década de noventa. Em verdade, o mérito recai sobre uma lei supostamente bem intencionada: 8.949/94, que criou uma ilha de exclusão no próprio estatuto de proteção do trabalhador brasileiro: a CLT.

O assunto que encabeçava o Projeto de Lei (PL) nº 3.383/92 era assim descrito: “Acrescenta parágrafo ao art. 442 da CLT para declarar a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados”, o que não condizia com a proposta de redação do tal parágrafo (único), que estendia a inexistência de vínculo empregatício também em face dos tomadores de serviço das cooperativas.

A propósito de corrigir um problema de técnica legislativa, foi formulada uma emenda substitutiva restringindo a exceção do vínculo empregatício apenas às cooperativas de trabalho. A alteração parecida fazer sentido, vez que somente as cooperativas de trabalho, ou mão-de-obra teriam como objeto a prestação de serviços. Contudo, limitações regimentais impediram que prevalecesse a emenda, tendo sido restaurada a proposta inicial, excluindo o vínculo empregatício dos cooperados com as sociedades cooperativas e seus tomadores de serviço, seja qual for o ramo de atuação.

Note-se que a exclusão do vínculo empregatício entre os cooperados e as sociedades cooperativas às quais pertençam já era prevista na chamada “lei geral” do cooperativismo brasileiro (Lei 5.764/71, art. 90). A novidade ficou por conta da extensão da “blindagem” também aos tomadores de serviço.

A justificativa do PL nº 3.383/92 declara que o país está imerso numa “crise econômico-social”, que aumenta a sensação de “insegurança dos trabalhadores”. Ele particulariza a situação de desemprego no campo, que contribuiria para o aumento da “legião de boias frias” e do “êxodo rural”.

O projeto também afirma que são muitas as opiniões entre empresários e empregados de que a TERCEIRIZAÇÃO (assim, em caixa alta), reconhecida como uma alternativa de flexibilização, seria sinônimo de “excelência empresarial”, e que a “substituição da mão-de-obra das empresas” seria a solução para a recessão instalada no país.

Mas o PL também reconhece que, “sob o ponto de vista do direito, a terceirização não consegue equacionar a questão da relação empregatícia”, problema cuja solução viria através da alteração proposta na CLT. Não obstante, a argumentação jurídica se limitou a reproduzir a situação de “trabalhador autônomo” dos associados de cooperativas de trabalho, conforme dispunha o Dec. nº 357, de 07/12/1991, que aprovava o Regulamento de Benefícios da Previdência Social.

O argumento jurídico apresentado no PL nº 3.383/92 também se estendeu à jurisprudência. A “extensa lista de julgados dos nossos tribunais”[6], representaria o entendimento dominante da Justiça do Trabalho, e nesse sentido o projeto de lei proporcionaria mais segurança jurídica, na medida em que tal entendimento estaria positivado em lei. O curioso é que nenhum dos excertos jurisprudenciais reunidos no PL se referia à hipótese de reconhecimento do vínculo empregatício entre cooperados e tomadores de serviços (de cooperativas), mas tão-só entre os cooperados e a própria cooperativa a que pertencem.

Não houve apresentação de emendas e, por conseguinte, os “debates” parlamentares foram praticamente inexistentes, limitando-se às comissões temáticas da Câmara dos Deputados, onde o projeto foi aprovado com extrema facilidade.

Decerto que o projeto que redundou na alteração da CLT faz associações importantes entre “terceirização”, “flexibilização” e “crise econômico-social”, além de reproduzir que a terceirização implicaria na “substituição da mão-de-obra interna das empresas”.

Mas apesar de o cenário reproduzido sugerir uma visão global da conjuntura econômica brasileira, o projeto foi proposto como solução para uma situação muito particular no meio rural.

Há um consenso na literatura jurídica de que a motivação política por trás do projeto era, de fato, o fortalecimento das ações em favor da reforma agrária, protagonizadas àquela altura pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Martins (2008) descreve que as cooperativas de produção patrocinadas pelo MST possuíam associados que prestavam serviço, por empreitada, para proprietários de terras vizinhas ao assentamento.  Relata o autor que “após se desligarem da cooperativa, [os cooperados] ajuizavam ação na Justiça do Trabalho”, onde conseguiam lograr êxito na pretensão de terem o vínculo empregatício reconhecido com o MST (MARTINS, 2008, p. 31).

É provável que o cenário descrito por Martins dê conta apenas de parte do problema visualizado pelos propositores do PL nº 3.383/92. Em seus estudos do MST, Borges (2009) esclarece que o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) tornou-se um projeto nacional, com a pretensão de se tornar um modelo de “empresa cooperativista” (BORGES, 2009, p. 6), com uma hierarquização funcional em vários níveis, com elevada especialização na divisão do trabalho, com sofisticada integração vertical, e que abrangeria não só produtores rurais assentados, como também os não assentados. Portanto, várias são as situações que podem ser projetadas a partir dessa perspectiva. Proprietários assentados que desistiam da sua gleba, mas que se mantinham na condição de cooperados, atuando em terras alienadas a outros assentados, ou até a adquirentes de fora do assentamento. Adesão de associados não proprietários, mas que se integravam ao esforço coletivo da produção. Adesão de associados não proprietários, e que atuavam noutras instâncias da cadeia que se estendia da produção ao comércio.

Tais hipóteses parecem consistentes com o mosaico de desvios possíveis, considerando que se trata de um cooperativismo de produção, que assume como pressuposto a propriedade da terra, mas que admite a possibilidade de associar indivíduos que não a possuam. Fazia, pois, todo sentido incluir no projeto de lei os vários tipos de sociedades cooperativas existentes, não se restringindo apenas às de trabalho, pois afinal de contas não era o caso das Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs).

A pergunta que se poderia fazer é a seguinte: por que não se alterou a lei geral do cooperativismo (5.764/71), em vez da CLT?

Porque seria muito mais significativo (e simbólico) criar uma exceção à proteção do emprego no próprio estatuto do empregado brasileiro, como ocorre com os trabalhadores domésticos (CLT, art. 7º), com os trabalhadores que laboram por empreitada para o “dono da obra” (CLT, art. 455 c/c OJ nº 191, TST), e de forma menos abrangente, mas talvez ainda mais significativa, com certos trabalhadores em face do sistema de proteção quanto à duração do trabalho (CLT, art. 62)[7].

Inserir um elemento de exceção justamente no capítulo destinado à contratualização da relação de emprego revela a tentativa de criar um óbice substancial à constituição desse contrato, na expectativa de se poder afastar, ainda que de forma parcial, a teoria especial das nulidades do Direito do Trabalho (GOMES; GOTTSCHALK, 2002).

A medida política, embora endereçada às relações de trabalho no campo, fora acolhida com alegria no meio urbano. A quantidade de cooperativas de trabalho criadas no país cresceu do dia para a noite. Muitas delas tiveram origem a partir da dissolução de sociedades empresárias, como se os empreendedores, “acometidos de uma epifania de solidariedade coletiva”, abrissem mão da ética capitalista individualista (ASSUMPÇÃO; ANDRADE, p. 161).

Não havia, de fato, forma mais barata e maciça de terceirização. As cooperativas se alojaram em todos os espaços em que era possível estabelecer uma relação de trabalho. Elas também se aninharam no setor público, sendo mesmo provável que tenha se tornado o terreno mais fértil em que poderiam se desenvolver. Diga-se isto porque a relação de prestação de serviços para a Administração Pública oferece uma dupla proteção. De um lado, a já mencionada exclusão celetista, de outro, a sólida posição da jurisprudência trabalhista em favor da gestão pública, que não reconhece a formação do vínculo empregatício, sem que a condição do concurso público seja satisfeita (Súmula nº 363 do TST).

Foram criadas cooperativas de trabalho tão variadas quanto é possível à imaginação humana conceber. Multifuncionais, regionais, nacionais e até internacionais. Em Resende, município do interior do Rio de Janeiro, havia uma cooperativa de serviços públicos que prestava serviços para a prefeitura, que no final da década de noventa contava com 1.500 “associados”, número que comparado à estatística de emprego mais recente, de janeiro de 2014, representa quase 5% da massa de trabalhadores formais contratados naquele município[8]. Se empresa fosse, tal cooperativa estaria entre as dez maiores empregadoras de toda região Sul-Fluminense do Rio de Janeiro.

Mesmo hoje, a decretação de ilicitude de um episódio de terceirização, seja no âmbito judicial, ou no campo de atuação da Inspeção do Trabalho, não é tarefa fácil. Mas diante da evidência do abuso que se observou Brasil afora, a reação não tardou a chegar; e ela veio do meio jurídico.

Os fundamentos jurídicos do PL nº 3.383/92 eram, de fato, pífios. O argumento normativo vinha de outra instância do nosso sistema de proteção social: a Previdência, que a despeito da importante interface com a regulação do trabalho, com ela não se confunde. O argumento jurisprudencial, cujo valor reside na tentativa de captar a tendência do sistema de justiça na apreciação, sob condições controladas, dos conflitos que emergem num determinado cenário de interações sócio-jurídicas, não eram compatíveis com a proposta legislativa.

Mas a estratégia fora bem traçada, pois o óbice “formal” ao reconhecimento do vínculo empregatício do trabalhador cooperado não se situava no aparato negocial da prestação de serviços. Era a própria condição de cooperado que excluía a relação de emprego protegida pela CLT.

Diga-se isto, porque as sociedades cooperativas pressupõem uma affectio societatis que é uma expressão superlativa do ânimo associativo presente nas formas empresariais de associação de pessoas. Basta se pensar numa empresa sem empregados, e que por isso os próprios donos, detentores de participações societárias idênticas, prestam serviço, pessoalmente, para uma determinada tomadora.

A condição de cooperado surge como um óbice formal porquanto seu status depende de atos jurídicos formais de volição, tanto individuais, de associação, quanto coletivos, de constituição societária. Mas uma vez superadas essas “formalidades”, seu novo status reconfigura o próprio sujeito-trabalhador, tornando-o substancialmente incapaz de polarizar uma relação de emprego. A condição de cooperado penetra na subjetividade do trabalhador, como a menoridade no jovem de 14 anos, que a despeito de poder dispor de animus e capacidade física para se apresentar laboriosamente para a sociedade, sua condição de trabalhador não pode, por ela, ser assimilada.

O caminho poderia ser o mesmo socorro tecnicista fornecido ao nosso jovem de 14 anos: a aplicação integral do regime geral de nulidades do Direito do Trabalho[9]. Contudo, a constituição da relação de emprego firmada com o associado de cooperativa não é obstada por nulidades, como seria o caso do trabalhador menor, ou do empregado público não concursado, hipóteses nas quais o trabalhador seria empurrado para uma espécie de limbo jurídico. Em vez disso, a idealização do trabalhador cooperado, verdadeiramente livre e capaz de superar os perversos termos de troca do valor-trabalho impostos pela sociedade capitalista, se sobrepõe ao trabalhador oprimido pelo poder empregatício mirado pela CLT. Por que socorrer esse trabalhador, concedendo-lhe o amparo de um estatuto de resistência individual, se ele dispõe do melhor modelo de resistência coletiva até então conhecido?

As perspectivas laborais traçadas por Supiot (2003) refletiam uma tendência preocupante de indeterminação do elo subordinativo, tão valioso para a relação de emprego. Demonstrava-se que a técnica do “feixe de indícios”, utilizada pelo Judiciário para decidir acerca da existência da subordinação, já não dava conta de iluminar com segurança a vasta “zona gris” representada pelas novas formas de trabalho. Supiot apontou para um vetor que representava, na prática, o retorno ao paradigma liberal clássico, na medida em que se reforçava o pressuposto da liberdade contratual como fundamento do seu caráter compromissório.

Previa-se a fragilização de um dos mais importantes princípios informadores do Direito do Trabalho: a primazia da realidade, pois a segurança jurídica, representada pela previsibilidade das decisões judiciais, dependia da preservação dos efeitos jurídicos previstos (e desejados) quando da formalização dos contratos.

Mas a crítica do sistema jurídico brasileiro à precarização do emprego, causada pela “geração espontânea” de cooperativas de trabalho pelo país, demonstrou o quão arraigados estavam os fundamentos do nosso Direito do Trabalho.

O princípio da primazia da realidade foi erguido como o principal fundamento de combate da tendência precarizante impulsionada pela proliferação de cooperativas de trabalho. Expressões como “fraudoperativas” ou “cooperfraudes” passaram a fazer parte do glossário jurídico brasileiro, não só entre os tratadistas, mas também nas decisões judiciais.

 A resposta do meio jurídico foi interessante por duas razões. A primeira é que, numa rara experiência interdisciplinar aplicada, o Direito do Trabalho estendeu o emprego do princípio da primazia da realidade não apenas à dinâmica da relação de trabalho, espaço-tempo adequado ao uso da técnica do “feixe de indícios”, mas ao próprio fenômeno do associativismo. Embora reinterpretado a partir de categorias jurídicas ramificadas, o processo de formação das associações cooperativas precisou ser observado casuisticamente em sua dinâmica histórica. A observação constante do fenômeno permitiu a formação de certas hipóteses que se sustentavam em bases não jurídicas, mas que foram determinantes para a construção de teses que predominaram no âmbito da teoria da prova, no processo judicial trabalhista.

A segunda razão diz respeito à superação, ao menos circunstancial, das contradições epistemológicas do próprio direito. A resistência político-jurídica que surgiu do “tripé institucional de defesa do trabalhador” (PIRES, 2009), representado pela Justiça do Trabalho, Inspeção do Trabalho e Ministério Público do Trabalho, não se estruturou a partir de um “ativismo” de fundo ideológico, o que fundamentaria o conjunto decisório e propositivo em bases decisionistas (SCHMITT, apud AGUILLAR, 2001). De fato, ela veio do exercício de uma pretensão científica que, a despeito dos diversos matizes, surge de uma plataforma comum: a objetivação (e não transformação) de uma dada realidade social.  

Se a precarização do emprego se mantém num gabarito de objetividade, a resistência também deveria se estruturar da mesma forma. Características remuneratórias, expressões do poder diretivo, distribuição do tempo do trabalho, por exemplo, ascenderam de seu status de simples indícios, tornando-se quase termos de uma cadeia de causalidade, requisitos de verossimilhança para a verificação objetiva da relação de trabalho, mediante subordinação direta com o tomador de serviços. Por outro lado, a autenticidade do fenômeno associativo foi submetida ao cumprimento objetivo dos princípios do cooperativismo, à oferta de provas cabais do acesso à informação por parte dos associados e, principalmente, da affectio societatis.

O estado da arte do debate acadêmico sobre os desvios do cooperativismo de Trabalho no Brasil, amplíssimo de trabalhos de boa estrutura, facilitou a criação de um roteiro comum, que balizou a atuação institucional de defesa do emprego. As cartilhas da Inspeção do Trabalho, como o “Manual de Cooperativas”, procurou padronizar a ação fiscalizadora do Estado, papel semelhante atribuído ao sistema de unificação jurisprudencial, da Justiça do Trabalho, e de uniformização das ações do Ministério Público do Trabalho.

O movimento institucional de resistência influenciou a forma pela qual os grupos de interesse empresarial abordavam o tema do cooperativismo. As federações de indústrias preconizavam alguma cautela, enquanto não viesse regulação mais sólida com relação ao tema das terceirizações. O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), no intuito de impulsionar o cooperativismo empreendedor, produziu material com conteúdo teórico de tão boa qualidade, que chegou mesmo a ser usado como referência para treinamento da Auditoria-Fiscal do Trabalho.

Quase concomitantemente, vieram os primeiros indícios de uma mudança de concepção política, na forma de projetos de lei voltados à revogação do parágrafo único do art. 442, da CLT, dentro dos quais se destaca o de nº 142/2003, de autoria do Deputado Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB, partido que se convertera no principal braço político do neoliberalismo no Brasil.

O movimento de resistência freou o ímpeto da precarização do emprego pela via das cooperativas de trabalho, na medida em que a ação institucional do Estado, através da Justiça do Trabalho, Inspeção do Trabalho e Ministério Público do Trabalho, conseguiu formular critérios objetivos tanto para identificar as relações de subordinação, no âmbito da terceirização, quanto para evidenciar o caráter empresarial de boa parte dessas sociedades cooperativas.

Contudo, o processo de criação dessa “frente de batalha” contra a precarização do emprego foi conduzido segundo a tese do desvio de finalidade das cooperativas de trabalho, e não de sua negação ontológica. Até hoje se preserva, no imaginário institucional que circunscreve o mundo do trabalho, a possibilidade – em tese – de haver uma cooperativa de trabalho que atue segundo os princípios do cooperativismo. Reconhece-se, todavia, que se trata de um evento raro, se comparado com outras expressões de organização cooperativista que tendem a ser mais “autênticas”, como seria o caso das cooperativas de crédito, de consumo e de produção.

Em verdade, em se tratando de uma resistência fundada no discurso jurídico, não se poderia negar, a priori, a possibilidade de se constituírem cooperativas de trabalho, até porque tal previsão vem disposta na nossa lei geral do cooperativismo. Por isso mesmo, a validade do discurso jurídico, a despeito de sua influência no âmbito da práxis da experiência cooperativista brasileira, não foi capaz de desconstruir a concepção teórica de que as cooperativas de trabalho representam possibilidades emancipatórias dos trabalhadores, consistindo, elas mesmas, em formas de resistência da classe trabalhadora.

As bases desse ideário também sustentam o discurso político. Da mesma forma que em 1992, um projeto de lei considerou as cooperativas de trabalho a “fórmula mágica” de combate ao desemprego, a tese salvacionista da sociedade do trabalho, a partir do cooperativismo de mão-de-obra poderia ser reintroduzida no futuro, inclusive dissociada de um contexto de crise.

Isto se deu, de fato, em 2012, num momento em que já se tinha a convicção de que as políticas econômicas anticíclicas adotadas pelo Brasil haviam desviado os efeitos da crise econômica mundial, deflagrada em 2008, e de que estávamos sustentando níveis de ocupação que nos aproximavam do pleno emprego. A Lei 12.690/12 veio se somar à lei geral do cooperativismo brasileiro, vindo a regular, com exclusividade, as cooperativas de trabalho, dando-lhes “nova vida”[10].


3.Cooperativas de Trabalho: possibilidade de emancipação da classe trabalhadora?

Por pressuposto, partilho da crítica formulada por Boltanski (2009), que põe em dúvida a tese da diluição das classes sociais (ROSANVALLON, 1995). Considero também que elas se formam como consequência de um processo histórico, dialético e reflexivo, e que as identidades de classe se constituem através de um lento e laborioso processo de construção de equivalências (BOLTANSKI, 2009, p. 238-239). Por conseguinte, que as classes se estruturam a partir de clivagens de natureza socioprofissional, mantendo o trabalho como elemento central da organização social.

Tomando a representação da sociedade como um “conjunto de classes sociais no âmbito de um Estado-nação” (BOLTANSKI, 2009, p. 213), penso que todos os movimentos que constituem a sua dinâmica não poderiam ser adequadamente interpretados como resultado da sinergia entre “incluídos” e “excluídos”. Nesse sentido, ainda parece legítimo se falar em interesses próprios de uma classe trabalhadora, que se antagonizam sistemicamente aos daqueles que se distinguem como “capitalistas” (PIKETTY, 2014, 51-55), em especial, os termos de troca do valor-trabalho, isto é, o salário.

Sendo assim, ao largo da discussão acerca da validade ou utilidade da análise da dinâmica social, a partir da perspectiva da “luta de classes”, o fato é que as transformações sociais que porventura ocorram podem ser examinadas sob a perspectiva dos interesses dos grupos profissionais. Nesse sentido, o objetivo deste tópico é refletir sobre a possibilidade de o movimento cooperativista conspirar, ou não, em favor de tais interesses, a despeito de o discurso político predominante no Brasil endossar o caráter emancipatório do trabalhador, atribuído ao modelo associativo-cooperativista.

O tratado de Luis Amaral (1938) registra que o cooperativismo é o “evangelho em ação”. Tal alegoria parece denotar a influência da doutrina socialista-cristã saintsimoniana, ao menos no âmbito do estatuto moral que balizava a experiência cooperativista dos Pioneiros de Rochdale (HOLYOAKE, 1900). Mas a existência de um suporte moral estruturante está presente noutro importante movimento: o owenismo, que a despeito de sua inclusão na historiografia sindical daqui e alhures, chegando mesmo a ser reconhecido como o “iniciador do movimento sindicalista moderno” (POLANYI, 1980, p. 171), não se constituiu originariamente como uma expressão dos interesses mobilizados pela classe trabalhadora.

O Owenismo, epíteto conferido à doutrina de Robert Owen, cujas bases sustentaram a construção de uma “sociedade utópica” na vila operária de New Lanark, não se distinguia, em seus primeiros anos (1800 a 1812) de outras experiências paternalistas do empresariado industrial inglês dos séculos XVIII e XIX, no que tange aos propósitos de atender aos “anseios do povo comum, esmagado pelo surgimento das fábricas” (POLANYI, 1980, p. 171).

As condições de vida no trabalho na fábrica têxtil de propriedade de Owen não a tornavam tão distinta das demais, inclusive quanto aos baixos salários, longas jornadas de trabalho e emprego de crianças, sobretudo órfãs (ALMEIDA, 2010). O que singularizava a gestão de Owen, além da preocupação acima da média com a segurança e o meio-ambiente da fábrica, era a melhoria das condições de “vida fora do trabalho” (ANTUNES, 2009), isto é, a maneira pela qual os operários viviam e se conduziam em comunidade, criavam seus filhos, sustentavam suas famílias e administravam seus lares. Owen expressava sua preocupação com a degradação moral dos trabalhadores, para o quê concorria de forma determinante o alcoolismo.

O laboratório de Owen em New Lanark é anterior à experiência dos Pioneiros de Rochdale, sendo as Villages of Co-operation e o Labour Exchange owenita havidos como experimentos pioneiros de cooperativismo de produção (agrícola) e de consumo, respectivamente. Há, de fato, uma conexão bastante visível entre os dois episódios: New Lanark e Rochdale, haja vista que parte dos membros integrantes da cooperativa de Lancashire era oriunda da vila operária mantida por Owen.

Além da constatação de que se trata de uma experiência bem sucedida, se comparada com as cooperativas owenitas, a preferência por identificar, na experiência dos Pioneiros de Rochdale, o modelo de ignição do cooperativismo, pode ser explicada, de um lado, pelo caráter paternalista original da proposta owenita. De outro, por uma doutrina que motivou o mote atribuído em 1820 por Engels, de que a experiência de New Lanark se tratava de um socialismo utópico.

No primeiro caso, os Pioneiros de Rochdale se distinguiram por terem constituído seu próprio código moral, objetivado na forma de um estatuto no qual elencavam alguns princípios que, mais adiante, iriam se tornar os fundamentos do cooperativismo moderno. Tal disposição requereu improvável habilidade, inclusive intelectual, além de autoconfiança e notável espírito de solidariedade, o que na opinião de Holyoake não eram características da classe trabalhadora britânica (HOLYOAKE, 1900). A experiência de New Lanark é diferente porque os trabalhadores foram assimilados ao ideário owenita, bem como ao estatuto moral formulado segundo as concepções socialistas e espirituais de Robert Owen.

No segundo, a despeito da melhoria das condições estruturais de habitação, saúde e educação na vila owenita, e da experiência comunitária de autogestão direcionada, precipuamente, para o aumento do poder de compra dos trabalhadores, a condição proletária dos trabalhadores era mantida em evidência, como um traço indelével da sua identidade operária. A crença de Owen, até certo ponto transgressora, mas provavelmente equívoca acerca do capitalismo, era a de que a partir da autogestão das suas vidas fora do trabalho, na conformidade de um código moral, calcado no princípio da cooperação, cada operário poderia resistir à reificação imposta pela fábrica, poderia manter-se íntegro em sua identidade, poderia se tornar o “senhor da máquina” (POLANYI, 1980, p. 171).

Considerando seu fundamento ideológico, é totalmente compreensível, portanto, que o movimento owenita tenha se aproximado muito mais do sindicalismo, que do cooperativismo. É bem verdade que durante os primeiros esforços (the first efforts) dos tecelões operários de lancashire, concentrados em financiar a cooperativa de consumo, eles negociaram com os patrões o adiantamento de salários usando estratégias agressivas, incluindo a ameaça paredista (HOLYOAKE, 1900, p. 4). No entanto, o horizonte almejado pelos probos pioneiros de Rochdale não era outro, senão a melhoria da condição de vida pela via do empreendedorismo, o que deveria implicar, em última análise, na superação da sua condição de assalariados[11]. O cooperativismo fundado nos princípios insculpidos pelos pioneiros de Rochdale é, em essência, um modelo de gestão.

O cooperativismo pressupõe, no entanto, um tipo específico de associativismo: o mutualismo (ALEMÃO, 2009), bem distinto do associativismo classista, que caracteriza o sindicalismo. Ambas as espécies de associativismo foram identificadas como formas de resistência da classe operária europeia, durante o século XIX. Mas entre elas, a coexistência era difícil, “ora de identificação, ora de afastamento” (ALEMÃO, 2009, p. 28).

O mutualismo consiste num associativismo de viés pragmático, funcional, e voltado para os interesses da própria associação. O associativismo classista se opõe com frequência ao mutualismo em razão da ausência da têmpera político-ideológica, fundamental para o desenvolvimento e consolidação da “consciência de classe”. Numa síntese, o associativismo classista se voltava para a melhoria das condições de vida no trabalho, enquanto o que associativismo mutualista se preocupava com as condições de vida fora do trabalho (ALEMÃO, 2009).

De todo modo, ambas as formas de associativismo são consideradas manifestações de autoproteção da sociedade (POLANYI, 1980), fenômeno este absolutamente inexorável, haja vista a impossibilidade de se constituir, no mundo da vida, o tipo de sociedade idealizada pelo capitalismo liberal laissezfaireano.

Para Karl Polanyi, uma economia de mercado (autorregulável), fundamento do sistema capitalista, só é possível se concebermos a existência de uma sociedade de mercado. Ocorre que a sociedade de mercado não poderia ipso facto existir, salvo enquanto ficção, eis que não seria viável que uma sociedade se estruturasse a partir de seu sistema econômico, colonizando a ordem social, como se esta lhe fosse um mero acessório (POLANYI, 1982, p. 87). Uma sociedade constituída desta forma não teria futuro, estando condenada à aniquilação.

Imaginar uma sociedade de mercado implica em considerar que todos os elementos que compreendem o sistema produtivo, entre os quais a terra, o trabalho e o dinheiro, tenham sido concebidos e/ou produzidos para serem postos à venda no mercado. Noutros termos, que a terra, o trabalho e o dinheiro sejam considerados mercadorias.

Todavia, o trabalho, a terra e o dinheiro obviamente não são mercadorias. O postulado de que tudo o que é comprado e vendido tem que ser produzido para a venda é enfaticamente irreal no que diz respeito a eles. Em outras palavras, de acordo com a definição empírica de uma mercadoria, eles não são mercadorias. Trabalho é apenas um outro nome para a atividade humana que acompanha a própria vida que, por sua vez, não é produzida para a venda, mas por razões inteiramente diversas, e essa atividade não pode ser destacada do resto da vida, não pode ser armazenada ou mobilizada. Terra é apenas outro nome para a natureza, que não é produzida pelo homem. Finalmente, o dinheiro é apenas um símbolo do poder de compra e, como regra, não é produzido, mas adquire vida através do mecanismo dos bancos e das finanças estatais. Nenhum deles é produzido para a venda. A descrição do trabalho, da terra e do dinheiro como mercadorias é inteiramente fictícia.

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Ora, em relação ao trabalho, à terra e ao dinheiro não se pode manter um tal postulado [que são mercadorias submetidas a um mercado autorregulado]. Permitir que o mecanismo de mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural, e até mesmo o árbitro da quantidade e do uso do poder de compra, resultaria no desmoronamento da sociedade. (POLANYI, 1980, p. 85).

É verdade que o credo liberal fortalece a ficção, que de fato opera seus efeitos, como se houvesse uma separação institucional entre as esferas econômica e política. O trabalho, a terra e o dinheiro são postos à venda, como se fossem mercadorias produzidas para o mercado, e seus preços: salários, aluguéis (e outras rendas da terra) e juros ou lucros, submetidos à ação da “mão invisível”. Mas como visto:

(...) nenhuma sociedade suportaria os efeitos de um tal sistema de grosseiras ficções [sociedade de mercado, mercantilização da terra, do trabalho e do capital, e laissez faire], mesmo por um período de tempo muito curto, a menos que a sua substância humana e natural, assim como a sua organização de negócios, fosse protegida contra os assaltos desse moinho satânico. (POLANYI, 1980, p. 85-86).

Nesse contexto, todos os tipos de manifestação intervencionista, sejam os que emergem dos movimentos sociais, da ação dos grupos de pressão, atravessados ou não pelo aparato político-administrativo estatal, são reações necessárias de caráter pragmático. Para Polanyi, o próprio laissez faire teria nascido de um ato de intervenção estatal e, portanto, seria historicamente falacioso considerá-lo uma cria do liberalismo.

Frise-se que as várias formas de autoproteção da sociedade – independentemente das aderências aos interesses que, porventura, caracterizem este ou aquele estrato social – são, em verdade, reações à mercadorização da terra, trabalho e dinheiro. Em sendo assim, seria plausível, portanto, identificar para qual dessas mercadorias fictícias o ímpeto de defesa se orienta, determinando o vetor de atuação dessas formas de autoproteção.

Embora protagonizados e/ou mobilizados por trabalhadores assalariados, as experiências cooperativistas de New Lanark e de Rochdale priorizaram os interesses relacionados ao consumo. Durante a trajetória do owenismo noutros cantos, inclusive nos Estados Unidos, viram-se germinar as cooperativas de produção agrícola, que se tornaram viáveis a partir da cotização para a compra coletiva de insumos, o que concorria para a redução dos custos de produção, e o aumento das chances de submeter suas mercadorias à venda a preços mais competitivos.

Em ambos os casos, percebe-se que o esforço cooperativista está voltado imediatamente[12] para a defesa do poder de compra; do dinheiro, e não do trabalho (assalariado).

O cooperativismo de produção agrícola não pressupõe, necessariamente, a propriedade da terra, embora a posse seja condição fundamental. Sendo assim, a cotização é dirigida essencialmente para a redução dos custos da produção, ainda que a escala não seja alterada. O resultado prático imediato é a assunção de uma posição de vantagem no momento em que tais mercadorias são postas à venda, com retorno na forma de lucros maiores e/ou dinheiro mais rápido. Mesmo que a propriedade da terra seja uma realidade, o esforço centrado na aquisição coletiva de insumos não garante, como efeito imediato e necessário, o incremento da produtividade, e com ele o aumento da renda da terra. Isto pode ocorrer, evidentemente, como resultado da acumulação de capital, e do reinvestimento em capacitação, gestão, qualidade dos insumos e tecnologia[13]. Tal mobilização em nada, ou muito pouco, se distancia da atividade empresária como a conhecemos, fazendo com que a ideia de uma “empresa cooperativista”, propósito do Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA/MST), não seja algo que contradiga os princípios do cooperativismo, salvo pelo tratamento eufemístico dado ao lucro[14].

A experiência dos pioneiros de Rochdale se distingue apenas quanto ao ramo de atividade. Num primeiro momento, a cooperativa de consumo se volta para a melhoria do poder de compra dos próprios membros. Adiante, como menciona Holyoake (1900), o “armazém” se torna acessível aos membros da comunidade[15], e vira um negócio. Se o desemprego de alguns dos integrantes ocorreu devido à “falta de diplomacia” junto aos patrões, quando dos esforços iniciais de financiamento do projeto, o sucesso do empreendimento levou ao desemprego voluntário de seus membros, que passaram a ter mais tempo para se dedicarem à cooperativa.

O cooperativismo, como episódio de um associativismo do tipo mutualista, não constitui um exemplo de defesa imediata do trabalho, mas do dinheiro. Como experiência histórica, o cooperativismo de consumo e produção propuseram a negação ou superação do trabalho alienado e, obviamente, do assalariamento. Se os movimentos de defesa do trabalho estão, de fato, centrados nos termos de troca, e na condição de vida “dentro do trabalho”, então o tipo de emancipação proposto pelo associativismo cooperativista não configura uma pretensão exclusiva da classe trabalhadora, tampouco se opõe às regras do jogo capitalista. Isso, aliás, já havia sido mencionado por Luis Amaral (1938), quando afirma que “o cooperativismo não proscreve o capitalismo, apenas o impede de gerir, por seus próprios interesses, a organização do trabalho” (ASSUMPÇÃO; ANDRADE, 2014).

Ivan Alemão registra que alguns líderes da doutrina anarcossindicalista, ainda na virada dos séculos XIX e XX, proclamavam a inaptidão do mutualismo e do cooperativismo como expressões emancipatórias da classe trabalhadora:

O anarquista português Neno Vasco (1984, p.121-2), que viveu no Brasil de 1901 a 1911, em 1920 pregava a rejeição às práticas mutualistas e cooperativistas dos sindicatos, o que acabaria com as indefinições de atribuições existentes entre as associações. Para ele, a mutualidade e as cooperativas valiam bem menos do que a resistência, a ação direta sindical. Vasco considerava mesmo que a mutualidade facilitava a exploração capitalista, pois reduzia os recursos dos trabalhadores à medida que estes, pela associação cooperativa e de socorros mútuos, aprendiam a fazer face às necessidades da vida com o minguado fruto de seu trabalho. O autor destaca que o mutualismo e o cooperativismo, mais do que o corporativismo, incentivavam a burocracia parasitária.  Segundo ele, essa burocracia, quando muito, se prestava a ser usada como obra feita, como organismo de Estado, por algum governo revolucionário, desconfiado da liberdade e das iniciativas populares. Já os sindicatos, de acordo com Vasco, pelo contrário, educavam o proletariado para a luta contra o capitalismo e pela solidariedade. (ALEMÃO, 2009, p. 29-30).

A evolução do associativismo mutualista, segundo a experiência brasileira, parece confirmar as predições de Neno Vasco. As sociedades de socorro mútuo, consideradas uma forma embrionária de previdência, foram posteriormente assimiladas pelo Estado capitalista, fato que concorreu para a atenuação da responsabilidade dos patrões em relação aos seus empregados, quanto aos danos causados em decorrência do trabalho[16] (ALEMÃO, 2009, p. 30).

Quanto ao cooperativismo, reduzido à sua essência de modelo de empresa autogerida, assumiu seu distanciamento teleológico do associativismo classista[17], moldando-se aos mais diversos objetos, a ponto de em 1932, com o Decreto nº 22.239, terem sido elencadas dezesseis espécies de cooperativas, entre elas a de trabalho.   

Tomando como referência a classificação do Bureau Internacional du Travail, publicada nos anos trinta do século passado, o cooperativismo profissional surge como uma das quatro grandes categorias do cooperativismo, ao lado da habitação, consumo e produção agrícola.

Entretanto, se o associativismo cooperativista pode ser compreendido como um mecanismo de defesa em face da mercadorização do dinheiro, cujas consequências se travestem em déficits de moradia, consumo, crédito, saúde etc., como atribuir às cooperativas de trabalho o mesmo papel?

A lei 12.690/12 reúne sob o gênero “trabalho”, tanto as cooperativas de produção, quanto as de serviço. Sabe-se que o trabalho que anima a produção coletiva projeta suas energias para dentro da própria cooperativa. O fruto desse trabalho coletivo, cuja propriedade é da (própria) coletividade, aproveita o conceito empírico de mercadoria, visto que são bens cuja produção foi destinada ao mercado. O resultado financeiro do trabalho realizado não possui natureza de salário, pois o propósito é remunerar todo o processo de realização da mercadoria.

O caso das cooperativas de serviço (art. 4º, II) se distingue ontologicamente das demais experiências cooperativistas, justamente porque o trabalho realizado pelos associados é alienado a terceiros, obedecendo à mesma lógica do trabalho assalariado. O trabalho coletivo se limita à gestão do negócio, cujo objeto – o trabalho – é posto à venda no mercado, reproduzindo a ficção mencionada por Karl Polanyi, que impõe à sociedade a autodefesa, e a criação de modelos de resistência social, dentre as quais... o cooperativismo.

Pode-se objetar, como no argumento do PL 3.383/1992, que o cooperativismo (inclusive o profissional) seria a “fórmula mágica” para o desemprego. A cooperativa de serviço teria a função, portanto, de facilitar a oferta de trabalho no mercado, como que aproximando a mercadoria do consumidor, um dos propósitos do cooperativismo de produção, conforme salienta Luis Amaral (1938).

No entanto, se o cooperativismo deve ser considerado um mecanismo de defesa social do poder de compra – do dinheiro – a que interesses as cooperativas de serviço atendem? Aos dos detentores da força de trabalho, ou daqueles que a tomam?

Um dos desdobramentos do associativismo mutualista foram as chamadas “ordens profissionais” (ALEMÃO, 2009), que agregam as profissões liberais, segundo a definição proposta por Coelho (1999, p. 23-24). Mas obedecendo à mesma dinâmica de aproximação com o Estado, as ordens profissionais conseguiram, pela via da regulação legislativa, circunscrever um território de atuação exclusiva. Entretanto, não delegaram à ação dessa interferência legal no mercado, à guisa de um monopólio da expertise profissional[18], a garantia de melhores termos de troca para o trabalho. Preferiram fazê-lo através do aparato regulatório estatal, pela via da fixação legal de patamares salariais de contratação.

Nos primórdios do sindicalismo, a mobilização classista não era dirigida para o “inimigo” capitalista. A estratégia para a conquista de salários mais dignos era bem mais a coerção voltada aos próprios trabalhadores, impondo-lhes que não aceitassem salários abaixo de determinado patamar (ALEMÃO, 2009). Contudo, tal estratégia teve duração curta, como registra Ivan Alemão:

Com o aumento do exército industrial de reserva e a exploração da mais-valia relativa, a possibilidade de os sindicatos interferirem direta e unilateralmente na lei de oferta e procura ficou extremamente reduzida. O aumento da oferta de trabalhadores, fruto do trajeto do campo–cidade, adicionado às necessidades tecnológicas de fazer com que um único trabalhador produzisse a mesma quantidade que antes dependia de vários para ser obtida, propiciou não só a desvalorização dos salários, mas também o risco da redução de empregos. (ALEMÃO, 2009, p. 28).

Excetuando a “reserva de mercado” das corporações de ofício, cuja natureza nada tem a ver com desvios da livre concorrência, não se conhece qualquer episódio de sucesso, que possa ser atribuído à atuação classista dos trabalhadores, na tentativa de melhorar os termos de troca do trabalho assalariado, através de mecanismos de interferência na relação entre oferta e demanda de mão-de-obra[19].

Ora, se a atuação classista dos trabalhadores através do sindicalismo foi incapaz, ao longo da história, de gerar mecanismos de proteção do salário, manipulando as relações entre oferta e demanda da “mercadoria” trabalho, não há razão para crer que as cooperativas de trabalho possam lograr êxito onde os sindicatos falharam.

O propósito das cooperativas de serviço é facilitar a oferta de mão-de-obra. Mas o efeito sobre a taxa de desemprego, principal argumento político em defesa desse tipo de cooperativa, depende do quão atraente seja essa “mercadoria”, o que não é definido pela exclusividade da expertise (do quê se ocuparam as ordens profissionais), mas do valor pelo qual a mercadoria-trabalho é oferecida no mercado. Quanto menor o seu valor, mais competitiva será a sua oferta.


4.Considerações Finais: a reintrodução da crítica jurídica

O fato de o cooperativismo não atuar em defesa do trabalho, mas do dinheiro, não o desqualifica como mecanismo de resistência social que eventualmente, mas não exclusivamente, atenda às pretensões emancipatórias da classe trabalhadora, embora o faça, como já se viu, pela via da superação do assalariamento[20]. As cooperativas de mão-de-obra, profissionais ou de serviço, ao contrário, não podem nem mesmo ser consideradas como manifestações de autoproteção da sociedade.

Em alguma medida, as conspirações contra o liberalismo miram sempre o desnudamento da ficção mercantil da terra, do trabalho e do dinheiro. No caso das cooperativas de serviço, dá-se justamente o contrário: a confirmação da lógica do trabalho-mercadoria.

Ainda pior é o fato de que, obedecendo aos mecanismos do mercado, a ação do cooperativismo de trabalho, na modalidade de prestação de serviços, isola-se no propósito de facilitar a obtenção de trabalho, pela via da oferta eficiente da mão-de-obra associada. Incapaz de provocar uma “falha de mercado” que favoreça seus cooperados, a posição de vantagem das cooperativas de serviço, no âmbito do mercado de mão-de-obra, só se sustenta à custa do preço atraente do trabalho oferecido a terceiros. Submeter esse trabalho ofertado ao menor preço possível determina, portanto, o desempenho dessas cooperativas.

As cooperativas de trabalho, da espécie “serviços”, enquanto mecanismo de autoproteção social, é uma impossibilidade ontológica. Sua única ligação com os princípios herdados dos pioneiros de Rochdale é, se tanto, a autogestão. A experiência brasileira, no âmbito da práxis do cooperativismo de serviços, caracteriza-se pela inserção de trabalhadores no mercado de trabalho à margem do garantismo constitucional trabalhista (SILVA, 2011). Se por um lado a resistência promovida pelo nosso sistema jurídico freou o ímpeto precarizante do emprego, impulsionado pela alteração da CLT, por outro consolidou os elementos objetivos que serviram de suporte para a ação institucional de defesa dos trabalhadores, mas que passam ao largo de qualquer reflexão sobre a ontologia do cooperativismo de trabalho[21].

A lei 12.690/12 propôs ajustes em sintonia com o discurso jurídico de resistência à precarização do emprego. Tais ajustes visaram satisfazer as exigências impostas pelos princípios do cooperativismo objetivados pelo direito. No particular, o princípio da “retribuição pessoal diferenciada”[22], supostamente uma medida de ascensão social proporcionada pelo cooperativismo.

Mas ao fazê-lo, a lei 12.690/12 consolidou um modelo de inserção do trabalhador no mercado de trabalho à margem da proteção do emprego. Um modelo regido pela lógica do trabalho-mercadoria; a prevalência do direito ao trabalho, em detrimento do direito do trabalho.

É possível que a obrigatoriedade de incorporar certos direitos típicos da relação de emprego às retiradas dos associados (art. 7º da Lei 12.690/12) arrefeça o ímpeto do uso fraudulento das cooperativas, tirando de cena a única falha de mercado provocada por esta espécie de cooperativismo: o dumping “social”. Contudo, a supremacia da retribuição pessoal ofuscou outros princípios, em especial os relacionados à affectio societatis, obnubilando as demonstrações objetivas do animus cooperativista, como o delito de marchandage (Maillard et alli apud Boltanski, 2009). Isto significa que, no âmbito do cooperativismo, apenas a dinâmica da prestação de serviços deve constituir objeto de análise das instituições de controle estatal. Mas nesse aspecto, o nível de exposição das cooperativas de serviços perante o Judiciário, ou a Inspeção do Trabalho, não as diferencia de qualquer empresa de prestação de serviços.

Mas se o “encarecimento” da remuneração dos associados cria um obstáculo à constituição de cooperativas de fachada, o acesso destas aos certames licitatórios, que visam à prestação de serviços à Administração Pública (art. 10, § 2º, da Lei 12.690/12), as coloca em posição de vantagem frente às sociedades empresárias, no que tange aos sempre cobiçados espaços de convivência com os gestores públicos. Contrariou-se a tese bem fundamentada por Carelli (2002), baseada no princípio constitucional da isonomia, não apenas em virtude da exceção do sistema de proteção do emprego, mas do regime fiscal diferenciado.

Se o télos do cooperativismo, em especial o de trabalho (serviços), não condiz com qualquer pretensão emancipatória do trabalhador, a análise jurídica identifica na Lei 12.690/12 a possibilidade de consolidação de um estrato ocupacional a que Supiot chama de “emprego subvencionado” (BOLTANSKI, 2009, p. 255). A título de proteger o trabalhador cooperado, a regulamentação das cooperativas de trabalho incorporou uma série de exigências formais, que incrementam o rendimento do trabalho, além de vedações categóricas, como o uso de cooperativas de trabalho para intermediação de mão de obra, como se tais vedações já não estivessem incorporadas na fundamentação das decisões judiciais e administrativas.

Em verdade, tais ajustes diminuem a importância dada ao exame do animus associativista, e o incremento do custo de “manutenção” dos associados parece ser a contrapartida à inclusão da parassubordinação ao rol positivado das novas e precárias formas de trabalho no Brasil. 


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Notas

[1] A expressão “terciarização”, a despeito da semelhança, distingue-se da “terceirização”. Esta, como se sabe, traduz entre nós as várias facetas do outsourcing, enquanto que aquela remete ao deslocamento de diversas atividades situadas anteriormente no setor secundário (indústria), para o terciário (comércio e prestação de serviços). No âmbito das representações das categorias profissionais no Brasil, verifica-se este fenômeno pela flagrante discrepância, por exemplo, com a nomenclatura “padrão” dos sindicatos de trabalhadores da construção civil, atividade considerada uma subespécie da prestação de serviços, inclusive para efeitos estatísticos (CAGED/MTE), que ainda obedecem à estratificação prevista no quadro a que se refere o art. 577, CLT: “Indústria da Construção e do Mobiliário”.

[2] A denominação é usada para recortar o período situado entre 1978 e 1989 (Schürmann, 1998), considerado um episódio raro de autonomização e espontaneidade na história sindical brasileira, que se caracterizou pela incorporação do discurso político pró-democracia, pela revisão da estrutura sindical herdada do corporativismo estadonovista, pela criação das centrais sindicais, e pela cisão do movimento operário em função das estratégias de luta, distintas em relação ao grau de aproximação com o Estado.

[3] No Brasil, a relação de emprego se configura a partir de uma condição “de fato”, seguindo a lição da Mário de La Cueva. Essa relação sócio-jurídica é considerada um tipo de contrato-realidade, sendo que os polos: empregado e empregador estariam unidos por um liame compromissário denominado subordinação jurídica. O poder empregatício (PORTO, 2009) impresso na subordinação jurídica seria, então, determinante para identificar o que tanto Boltanski, quanto Supiot chamam de “empregador real”, personagem sobre o qual (deve) recair a responsabilidade pelo atendimento dos direitos trabalhistas do empregado. A legislação trabalhista brasileira impõe que o empregador real coincida com o empregador formal do contrato de trabalho. A contratação por interposta pessoa é proibida no Brasil justamente por representar a transferência do poder empregatício para alguém distinto da figura jurídico-formal do empregador. Nesse sentido, o contrato temporário (Lei 6.019/74) seria a única exceção à regra do empregador real, razão pela qual sua utilização ainda é bastante restrita por aqui.

[4] Segundo tal distinção, a terceirização lícita implicaria na transferência, para uma contratada (prestadora de serviços), de atividade ou setor da empresa contratante que não coincidisse com sua “atividade-fim”. Nesse sentido, não se poderia, por exemplo, terceirizar os motoristas de uma empresa de transportes, os médicos de um hospital ou os professores de uma escola.

[5] Trata-se da lei que dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONACOOP; e revoga o parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

[6] Expressão usada pelo Deputado Chico Vigilante, na relatoria do projeto na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público.

[7] A CLT exclui da limitação da jornada de trabalho os trabalhadores que realizam serviços externos, desde que sejam incompatíveis com a fixação da jornada, além dos que exercem cargos de gestão que os assemelhem à própria figura do empregador.

[8] Segundo dados do CAGED. Conferir em: http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php. A comparação feita com número de empregos em 2014 é, de fato, desproporcional, pois é um dado comprovado que a partir da virada do milênio o nível de emprego no município de Resende sofreu um incremento notável, visto que a região contígua ao município de Porto Real se tornou um importante polo automobilístico, assimilando, ainda em 2012, mais de seis mil empregados, segundo dados da FIRJAN.

[9] A jurisprudência construiu o entendimento de que os contratos de trabalho firmados com menores de 16 anos, embora nulos de pleno direito, produziriam reflexos no mundo jurídico, inclusive frente ao sistema previdenciário (DELGADO, 2007).

[10] Conferir artigo publicado por Paul Singer, publicado em 16 de julho de 2012, na Folha de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/54751-vida-nova-para-as-cooperativas-de-trabalho.shtml. Acesso em: 18.12.2012.

[11] Convém aqui fazer um importante registro. A superação do assalariamento diz respeito ao cooperativismo invocado como forma de empreendedorismo coletivo e autogerido, cujo discurso, salvo a experiência das SCAs/MST, não costuma prevalecer entre as representações de trabalhadores, pois foi apropriado pelas representações dos interesses empresariais, com destaque para o microempresariado, cujas ações em seu favor no Brasil são protagonizadas pelo SEBRAE. No caso do cooperativismo de produção, a associação para aquisição de insumos, aperfeiçoamento da oferta e/ou beneficiamento de produtos, por pressupor o domínio da terra, exclui naturalmente o assalariamento.  No caso do cooperativismo de consumo, que com o passar do tempo se especializou enormemente (crédito, habitação, automóveis etc), o traço empreendedor estará condicionado à projeção da oferta de produtos para a comunidade, o que supõe o caráter permanente da affectio societatis, pois a manutenção do negócio dependerá da reintrodução constante dos recursos capitalizados e incrementados das sobras líquidas obtidas.

[12] Em termos teleológicos, o cooperativismo se orienta para a melhoria das condições de vida do indivíduo, independentemente do seu locus na estratificação socioprofissional que define uma sociedade de classes. Um pequeno proprietário de terra e um operário de fábrica podem se inserir no esforço cooperativista, e ainda assim não se poderia afirmar que, imediatamente, tal esforço venha etiquetado como uma forma de defesa da terra ou do trabalho. Isto não significa, contudo, que a coletivização do trabalho não seja, em si mesma, uma forma de negar a sua mercadorização, na medida em que proscreve o trabalho alienado. Mas sob a perspectiva dos modelos de defesa social, a inalienação do trabalho coletivo parece estar mais relacionada à arquitetura do empreendimento cooperativista, do que a um suposto télos calcado no direito de resistência da classe trabalhadora.

[13] O volume desse reinvestimento pode suscitar a diversificação do ramo de atividade, da produção agrícola para a agroindústria, por exemplo.

[14] A lei geral do cooperativismo brasileiro (5.761/71), a despeito de excluir o propósito do lucro (art. 3º) e a distribuição de benefícios às quotas-partes, salvo a correção monetária do capital investido (§ 3º, art. 24), emprega o conceito de “sobras líquidas do exercício” (art. 28) para admitir a constituição de fundos, e a devolução das sobras aos associados (IV, art. 21). Por sua vez, dada a natureza do objeto das cooperativas de serviço, a Lei 12.690/12 se refere expressamente às “retiradas” dos associados (art. 7º, I), hipótese não vedada pela Lei 5.761/71.

[15] De fato, a “preocupação com a comunidade” é o sétimo princípio cooperativista elencado no estatuto da associação de Rochdale.

[16] A esse respeito, vale o registro de que a tese da responsabilidade patronal sobre os danos causados aos trabalhadores, durante o seu tempo de empregado, já se consolidara na Inglaterra desde 1897, com o Workmen’s Compensation Act.

[17] Registre-se que o Decreto nº 1.637/1907, que regulamentava a criação de sindicatos profissionais, também regulava a criação e funcionamento das sociedades cooperativas.

[18] Aqui a referência é com as corporações de ofício, que a despeito de corresponder a um tipo de organização do trabalho pré-capitalista, eram relativamente eficazes em amortecer as flutuações do valor do trabalho tomado por terceiros. Isto era possível por conta dos mecanismos de retenção da expertise profissional dentro das corporações, o que criava nichos de atuação exclusiva, algo que era facilitado, de fato, pela compleição estamental da sociedade feudal.

[19] Não considero que os modelos de sindicalismo que admitem o “estabelecimento fechado” (closed shops), ou outros sistemas que garantem a contratação exclusiva de trabalhadores sindicalizados, se estabeleçam como formas de interferência no mercado de trabalho, produzindo falhas semelhantes as que são identificadas em cenários monopolistas. Primeiramente, porque o estabelecimento fechado não exclui o acordo para fixação dos salários, não sendo, pois, resultado de uma determinação unilateral e irresistível das representações de trabalhadores. Em segundo lugar, porque tais sistemas resultam de formulações positivadas através da legislação estatal, e não propriamente da qualidade das intervenções supostamente provocadas no mercado de trabalho, através da mobilização dos trabalhadores. Em terceiro, consectário lógico da objeção anterior, a contratação compulsória de trabalhadores sindicalizados, a julgar pelas experiências semelhantes no Brasil, está longe de garantir a unidade e fortaleza dos “trabalhadores em ação” (VIANA, 2005).

[20] V. nota nº 10.

[21] Um dos princípios objetivados pelo direito é o “princípio da dupla qualidade”. Em essência, a negação do trabalho alienado impõe ao status de cooperado uma subjetividade de duplo aspecto: individual e coletiva. O trabalho do associado é realizado em favor de si próprio, mas também do seu “alterego coletivo”: a cooperativa (ASSUMPÇÃO; ANDRADE, 2014). Por esta razão, não se poderia conceber que os frutos desse trabalho não sejam apropriados integralmente por esse sujeito complexo. No entanto, o esforço de objetivação do discurso jurídico, certamente inspirado pelos termos do art. 4º da Lei 5.764/71, reduziu o princípio da dupla qualidade a uma relação de clientela. Nesse sentido, o princípio da dupla qualidade estaria atendido se na medida em que o cooperado presta serviço para a cooperativa, a cooperativa também lhe presta serviços.

[22] Também em essência, trata-se dos efeitos, em favor dos associados, da atuação da cooperativa enquanto mecanismo de resistência social. No particular, como defesa à mercadorização do dinheiro. No âmbito do cooperativismo de trabalho, o atendimento ao princípio da retribuição pessoal diferenciada tomou como parâmetro o sistema de garantias da relação de emprego. Na prática, tal medida se limitava a uma comparação entre o retorno financeiro do trabalhador cooperado, e o piso salarial da categoria profissional correspondente, fixado em instrumento normativo.


Autor

  • Felipe Monsores

    Economista e bacharel em Direito. Especialista em Direito do Trabalho e Legislação Social. Mestre e doutorando em Direito e Sociologia. Auditor-Fiscal do Trabalho e professor universitário.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

O texto foi elaborado para apresentação no Congresso Internacional Sociology of Law on the Movie, realizado em Canoas (RS) em 2015. Este texto foi publicado posteriormente na Revista do TST, Vol. 81, nº 3.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONSORES, Felipe. A terceirização precarizante e a (in)capacidade emancipatória das cooperativas de trabalho . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4893, 23 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52563. Acesso em: 27 abr. 2024.