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Repartição de competências no federalismo brasileiro

Repartição de competências no federalismo brasileiro

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Federalismo brasileiro e repartição de competências. Metodologia de revisão de bibliografia. Federalismo consiste em uma forma de governo. É marcada pela descentralização de poder. Origem data de 1787, na Constituição dos Estados Unidos da América. O sistema tem como marcas a presença de Constituição, o não direito a secessão, a inexistência de hierarquia entre os entes, a autonomia dos mesmos e a divisão de funções. No Brasil, a Constituição de 1988 intensifica o caráter de federação. Adição do Município à esfera federal. Divisão de competências administrativas e legislativa entre os entes. As atribuições se dividem segundo o critério de quem pode exercê-la e de que forma fazer isso. Há possibilidade de intervenção entre os entes. Conclui-se que a divisão de competências do federalismo tem avançado, mas existem ressalvas quanto à sobrecarga de funções na União. O processo federativo é uma constante construção.

Palavras-chave: Federalismo. Competências. Divisão. Entes federativos. Constituição brasileira de 1988.

SKILLS DISTRIBUTION IN BRAZILIAN FEDERALISM

ABSTRACT

Brazilian federalism and skills distribution. Bibliography review methodology. Federalism is a way of government. It’s characterized for the power decentralization. Source in 1787, in United States of America’s Constitution. The system has as characteristics the Constitution existence, the no right to secession, the absence hierarchy between the beings, the beings’ autonomy and the skills distribution. In Brazil, the 1988 Constitution intensifies the character of federation. Addiction of county as part of power. Division of administratives and legislatives skills between the beings. Skills division according the criterion of who could exercise it e how could do it. There are possibilities of intervention between the beings. Concludes that the skills distribution is advanced, but there are caveats about overload functions in the Union. The federative process is an incessant build.

Key-words: Federalism. Skills. Division. Federative beings. Brazilian Constitution of 1988.


1 INTRODUÇÃO 

O federalismo é uma forma de governo pautada na descentralização de poder. A soberania é atribuída ao Estado, porém, há uma distribuição de poder entre os entes federativos da nação. É um fenômeno estritamente moderno; sua primeira ocorrência se deu na Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787.

O sistema federalista se diversifica de acordo com país onde está sendo aplicado. No Brasil, o processo federalista passou por avanços e retrocessos, haja vista que durante os governos ditatoriais a centralização de poder era elevada. A Constituição vigente desde 1988 explicitou de forma clara o caráter federalista da nação brasileira, bem como seus entes – União, Estados, Municípios e Distrito Federal –, os bens cada um, e principalmente, a divisão de competências entre os mesmo (característica essencial no federalismo).

Esta pesquisa tem com problemática dissertar a ocorrência da divisão de competências no federalismo brasileiro atual. Seu principal objetivo é elencar e qualificar quais atribuições são destinadas a cada ente. Além disso, empenha-se em conceituar o federalismo, descrever sua atuação como forma de governo no Brasil, apontar as possibilidades de intervenção entre os entes e analisar criticamente a divisão de competências.

A escolha desse tema se justifica por ser voltado para um aspecto fundamental na busca de um Estado democrático: a descentralização de poder. Entender o papel de cada membro da federação implica em reconhecer as responsabilidades dos mesmos em prol do bem-estar nacional. O presente trabalho está dividido em tópicos que comentam sobre a origem e conceito do federalismo, o federalismo no Brasil, a atual divisão de competências em as partes da federação e os apontamentos sobre tal divisão.


2 FEDERALISMO: ORIGEM, CONCEITO E CARACTERÍSTICAS 

Sob o ponto de vista epistemológico, federação provém do latim foedes, que significa aliança. Pode-se então conceituar o Estado federal como uma união de Estados. Tal forma de governo é um fenômeno moderno (DALLARI, 1998), não havendo precedentes na Antiguidade ou na Era Medieval. Segundo Hans Kelsen, “na escala de descentralização, o Estado federal encontra-se entre o Estado unitário e a união internacional de Estados.” (KELSEN, 1998, p. 451). Isso porque a centralização de poder na federação não é tão forte quanto no Estado unitário, nem tão difuso quanto na Confederação (onde coexistem as soberanias de cada Estado-membro).

A primeira ocorrência do federalismo na história se deu na Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787. Após a declaração de independência das treze colônias, em 1776, formaram-se novos Estados independentes. Em 1781, esses Estados constituíram uma Confederação, por meio da assinatura dos Artigos da Confederação; preservando os direitos à soberania, liberdade e independência de cada constituinte da união. Diante da fragilidade e ineficácia da experiência confederalista, os Estados se reuniram para rever os Artigos da Confederação; revisão essa que culminaria na ideia de um Estado federalista. Tal ideia, no entanto, necessitou de forte defesa, pois muitos temiam a perda de soberania e independência e a maior centralização do poder. Nesse sentido, fala Dalmo Dallari:

O melhor documento para a interpretação autêntica da Constituição norte-americana são os artigos escritos por ALEXANDER HAMILTON, JOHN JAY e JAMES MADISON, reunidos em volume sob o título O Federalista. Esses artigos foram publicados na imprensa de Nova York, todos assinados com o mesmo pseudônimo de Publius, visando a explicar ao povo a nova Constituição e obter o seu apoio para a ratificação que deveria ser feita pelo Estado. Trata-se, na realidade, da mais preciosa fonte para conhecimento das idéias e dos objetivos que inspiraram a formação dos Estados Unidos da América. A base jurídica do Estado Federal é uma Constituição, não um tratado. Baseando-se a união numa Constituição, todos os assuntos que possam interessar a qualquer dos componentes da federação devem ser conduzidos de acordo com as normas constitucionais. O tratado é mais limitado, porque só regula os assuntos nele previstos expressamente, além de ser possível sua denúncia por qualquer dos contratantes, o que não acontece com a Constituição. (DALLARI, 1998, p. 92).

De tal afirmação se pode extrair uma das características comuns às formas de federalismo atualmente existentes: a existência de uma Constituição. Mais que isso, tal instrumento é quem garante a ordem e a divisão de funções entre as unidades da federação. O sistema federalista deve ser garantido como cláusula pétrea constitucional. Também é inerente ao federalismo a necessidade dos entes possuírem renda própria. É válido ressaltar ainda, a inexistência de hierarquia entre os mesmo, cada parte federada atua de forma autônoma e coesa, coerente com as definições da Carta Maior. O federalismo não permite a secessão, ou seja, é indissolúvel o vínculo formado na sua origem. Por fim, perante possíveis conflitos entre os componentes da federação, faz-se necessário um órgão neutro para sanar tais divergências.

O federalismo pode ser classificado segundo aspectos de sua configuração e características estruturais. Um Estado federal, por exemplo, pode se formar por desagregação (oriundo de um antigo Estado unitário, que se divide em Estados-membros) ou por agregação (união de Estados que eram até então independentes). O federalismo norte-americano segue uma classificação clássica ou dual, na qual são consideradas duas esferas de poder (União e Estados-membros); característica essa que não se manteve em outros países, como no Brasil, uma federação com três esferas de poder.

Quanto à representação, o federalismo pode ser simétrico, ou seja, havendo homogeneidade cultural e econômica entre os Estados-membros, todos tem o mesmo número de representantes no Senado. A compreensão das desigualdades socioeconômicas e das dimensões territoriais entre os entes federados como um ponto essencial pra a eficácia do sistema (ZIMMERMANN, 1999); o que justifica o federalismo assimétrico, aquele que considera tais aspectos de desnível para a determinação do número de representantes de cada Estado-membro.


3 FEDERALISMO NO BRASIL 

Os ideais federalistas já existiam no Brasil desde a época imperial, chegando a serem discutidos na assembleia constituinte de 1823. Porém, apenas com a implantação da República que os foram efetivados, na Constituição de 1891. Seu artigo 1º diz “A nação brasileira adota como forma de governo, sob regime representativo, a República Federativa [...], e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel de suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil” (BRASIL, 1891, não paginado). A organização dos municípios era submissa aos Estados. Nessa fase primária de federalismo, nota-se um grande controle do Governo federal e o mau uso dos Estados-membros da sua autonomia, o que propiciou o surgimento dos governos oligárquicos.

A Revolução de 1930 levou à nomeação de interventores para os Estados, causando a diminuição da autonomia. A Constituição de 1934 trouxe a centralização do poder no Governo federal, aumentando as competências da União. Em 1937, o regime de intervenção intensificou tal caráter centralizador, não se podendo falar em autonomia dos entes. O federalismo volta com a Constituição de 1946 e é novamente enfraquecido pelo golpe militar em 1964. Diante disto, fala Celso Ribeiro Bastos:

O primeiro ponto que se pode ter por certo é que o Brasil não tem acentuadas tradições federativas, como seria o caso, por exemplo, dos EUA. Tivemos um período monárquico em que vigorava o Estado unitário, e após a independência o grau de autonomia dos Estados-Membros nunca assumiu proporções equiparáveis às existentes nos Estados de federalismo mais desenvolvido. Contudo, é forçoso reconhecer que nada obstante o inegável fortalecimento do poder central em detrimento das autonomias locais, o modelo jurídico vigente no Brasil ainda é o de um Estado federal. (BASTOS, 1990, p. 257).

A Constituição de 1988 define em seu artigo 1º a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal como entes federados, promovendo uma inovação ao incluir a esfera de poder municipal. Esse artigo também reforça o aspecto indissolúvel da federação; assim como o artigo 60, parágrafo 4º assegura como cláusula pétrea a forma federativa de Estado.

Pode-se caracterizar o federalismo brasileiro como de agregação, pois se originou um Estado unitário, além de tricotômico, por possuir três esferas de poder. Apesar de ser oficialmente simétrico, o federalismo no Brasil abre espaço para uma forma mais assimétrica, haja vista que são notórias as desigualdades socioeconômicas existentes. A cooperação mútua por meio de subsídios e transferência de receitas dá ao federalismo brasileiro o caráter de federalismo cooperativo, que visa o melhor cumprimento das funções de cada ente.

3.1 Os entes federativos 

Segundo a Constituição de 1988, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal são as partes componentes do Estado federal brasileiro. A todos é vedado constitucionalmente, pelo artigo 19, a declaração de uma religião oficial, a recusa da fé de documentos públicos e a distinção entre os brasileiros.

A União é uma pessoa jurídica de Direito Público interno. Porém, é importante ressaltar a ambiguidade inerente ao termo:

Desde logo, contudo, é preciso alertar para o sentido dúbio do termo. Poder-se-ia imaginar que a União nada mais é do que uma conjunção de Estados, Distrito Federal e Municípios. Ou seja, União no sentido da associação dos referidos entes federativos. Corroboraria esse entendimento a leitura isolada e literal do disposto no art. 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal”. Contudo, no art. 18º, a Constituição esclarece, peremptoriamente, que a República Federativa do Brasil compreende “a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos”. Portanto, a União não se confunde com o Brasil, sendo apenas um dos entes federativos que compõem o Estado Federal brasileiro. (TAVARES, 2008, p. 1009).

A União, apesar de ser pessoa jurídica de Direito Público interno, representa o Estado federal no âmbito internacional. No entanto, mesmo representando a nação internacionalmente, não se pode afirmar que a União exerce a soberania, pois esta pertence apenas ao Estado brasileiro.

Os bens da União estão descritos nos incisos do artigo 20 da Constituição:

Art. 20. São bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;

II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;

V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;

VI - o mar territorial;

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

VIII - os potenciais de energia hidráulica;

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. (BRASIL, 1988, não paginado).

Os Estados-federados (ou Estados-membros) são partes essenciais para a constituição do federalismo. Não se deve confundi-los com o Estado federal, pois este consiste na pessoa jurídica de Direito Público externo e único possuidor de soberania. São constitucionalmente garantidos aos Estados-membros os direitos à auto-organização e normatização própria (caput do artigo 25), ao autogoverno (possuírem Poder Legislativo, Executivo e Judiciário próprios, como versam os artigos 27, 28 e 125, respectivamente, da CF), à autoadministração (existência de órgãos e servidores próprios) e à autonomia tributária e financeira (tributos e orçamento próprios). É assegurada também a possibilidade de mudança na delineação dos Estados, por processos de fusão, cisão ou desdobramentos dos mesmos. Para tal, é necessário que ocorra plebiscito da população diretamente afetada, oitiva da Assembleia Legislativa afetada e Lei Complementar editada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente. O artigo 26 da Constituição enumera os bens dos Estados:

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;

III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;

IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

A Constituição Federal de 1988 acrescentou os Municípios como entes federados, garantindo-lhes, a exemplo dos Estados, o direito à auto-organização, autogoverno, autoadministração e autonomia tributária e financeira. Essas medidas facilitam ainda mais a eficiência da descentralização do poder, bem como aumentam as chances de participação politica dos cidadãos, favorecendo o processo democrático (TAVARES, 2008). O caput do artigo 29 da CF prevê o poder constitucional proveniente do legislativo municipal – a Lei Orgânica Municipal – cuja matéria é referente à auto-organização dos Municípios. Para a formação de Municípios, faz-se necessária lei complementar que dite o período possível para ocorrer a alteração, publicação legal do estudo de viabilidade da alteração, realização de plebiscito e, caso este seja favorável, lei ordinária complementar criando o Município e definindo seus limites.

O Distrito Federal, onde é situada a Capital Federal, é um componente da federação, mas não deve ser confundido com um Estado ou Município, pois é uma “unidade federada com autonomia parcialmente tutelada” (SILVA, 1999, p. 629). Sua auto-organização e autogoverno são, partes, limitados, pois entidade como Defensoria Pública, Ministério Público e Poder Judiciário são competências da União. Já o Executivo e o Legislativo são próprios do Distrito Federal. É vedado a esse ente federado o direito de subdivisão em Municípios.


4 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS 

A repartição de competências é um ponto fundamental na configuração do sistema federalista. A divisão segue o “princípio da predominância do interesse” (SILVA, 1999), segundo o qual competem à União as matérias de caráter mais geral, aos Estados, as de interesse mais regional e por fim, aos Municípios, os assuntos mais restritos, de cunho local. O Brasil adota uma divisão vertical de competências (HOLTHE, 2008), ou seja, a Constituição não determina todas as atribuições de forma exclusiva a um ente, havendo partilha de certas funções entre todos os envolvidos.

4.1 Competências administrativas 

Competências administrativas se referem às matérias sobre as quais certo ente terá força governamental. Podem ser exclusivas de um membro da federação (ou seja, excludente dos demais aos quais não são atribuídas essas funções) ou comuns a todos os entes.

As competências exclusivas da União são assim definidas por não haver a possibilidade de delegação. Estas estão enumeradas no artigo 21 da Lei Maior, podendo-se citar atividades de guerra (declarar guerra, promover a segurança nacional, permitir tropas estrangeiras em solo nacional, declarar estado de sítio, zelar pelo arsenal bélico); emissão de moeda, administração das reservas cambiais, fiscalização das atividades financeiras; promoção da organização territorial e do desenvolvimento socioeconômico; manutenção do serviço postal e do correio aéreo; exploração (e possíveis concessões ou permissões) dos serviços de telecomunicação, geração de energia elétrica e transporte (navegação aérea, aeroespacial, ferrovias, rodovias, marítimo, fluvial e lacustre); organização do Poder Judiciário, do Ministério Público (incluindo o do Distrito Federal e dos Territórios), da Defensoria Pública (incluindo o dos Territórios), das polícias (civil, militar, federal, rodoviária e ferroviária) e corpo de bombeiro do Distrito Federal, dos serviços oficiais de geografia, geologia e cartografia; organização do sistema nacional de empregos; sistemas de poupança, captação, consórcios e sorteios; seguridade social; diretrizes e bases da educação; registros públicos; atividades nucleares; normas de licitação para administração pública; propaganda comercial.

As competências administrativas designadas aos Municípios se encontram descritas em alguns incisos do artigo 30 da CF, tais como:

[...] III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. (BRASIL, 1988, não paginado).

Aos Estados-membros, são destinadas as chamadas competências residuais, ou seja, é atribuído aos Estados, segundo o artigo constitucional 25, § 1º, aquilo que não lhe é vedado pela Constituição; ou seja, aquilo já está estabelecido como função da União ou dos Municípios. Já ao Distrito Federal competem as tarefas tais quais as dos Estados-membros e dos Municípios, com exceção das matérias referentes a esse e determinadas como competências da União, segundo o artigo 21 da CF.

A Constituição ainda dita competências comuns a todos os componentes da federação. Sobre essas matérias, não há concorrências de administração, todos podem atuar de forma simultânea sobre as mesmas, que se encontram elencadas no artigo 23 da CF:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;

IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;

XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;

XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito. (BRASIL, 1988, não paginado).

4.2 Competências legislativas

As competências legislativas são aquelas referentes à produção de leis. Essa divisão, na Constituição, determina quais matérias podem ser alvo da legislação a ser produzida por determinado ente federativo. Primeiramente, o artigo 22 da CF fala das matérias privadas da União, ou seja, as competências não passíveis de delegação: legislar sobre Direito Civil, Comercial, Penal, Processual, Eleitoral, Agrário e do Trabalho, Espacial e Aeronáutico; desapropriação; águas, energia, informática, telecomunicação e radiodifusão; serviço postal; sistemas de medidas e monetário; regime de porto e navegação (lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial); comércio internacional; recursos minerais em geral; nacionalidade, cidadania e naturalização; população indígena; trânsito e transporte; emigração e imigração; sistema nacional de emprego e condições para exercício das profissões; organização do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública (incluindo do Distrito Federal e dos Territórios); sistemas nacionais de cartografia, geologia e estatística; sistema de poupança e captação; normas sobre materiais bélicos, convocação e mobilização de policiais militares de corpo de bombeiros; competências das policiais federal, rodoviária federal e ferroviária federal; seguridade social; diretrizes e bases da educação nacional; atividades nucleares; normas de licitação e contratação (para a administração pública, autarquias e fundações dos entes federativos, além de empresas e sociedades de economia mista); defesa (territorial, aeroespacial, marítima e civil) e mobilização nacional; propaganda comercial. Como visto, grande parte dessas matérias coincidem com aquelas que são submissas à administração da União.

O artigo 24 da Constituição versa sobre as competências legislativas concorrentes entre União, Estados-membros e Distrito Federal: Direito Tributário, Financeiro, Penitenciário, Econômico e Urbanístico; orçamento; juntas comerciais; custas dos serviços forenses; produção e consumo; proteção do meio ambiente e controle da poluição (incluindo caça e pesca); responsabilidade à danos ambientais, ao consumidor, à bens artísticos, estéticos, históricos, turísticos e paisagísticos; educação, cultura, ensino e desportos; juizados especiais; procedimentos em matéria processual; previdência social, proteção à saúde; assistência jurídica e Defensoria Pública; proteção e integração dos portadores de deficiências; proteção à infância e à juventude; organização dos policiais civis. Essas competências consistem em uma repartição vertical, isto é, as normas mais gerais são de responsabilidade da União e as mais particulares cabem aos Estados-membros e ao Distrito Federal. Além desse caráter complementar, a competência dos Estados e do DF também pode ser suplementar, quando for omissa a atuação da União (artigo 24, inciso 2º).

Podem-se detectar ainda competências exclusivas dos Estados-membros: criação, incorporação, fusão e desdobramento de Municípios (artigo 18, § 1º, da CF); exploração de gás; criação de aglomerados urbanos, regiões metropolitanas e microrregiões (§ 2º e 3º do artigo 25, da CF, respectivamente); iniciativa popular no processo legislativo estadual (artigo 27, § 1º, da CF); controle externo das Câmaras Municipais (artigo 31, § 1º, da CF); além de vários pontos do Direito Administrativo, Previdenciário e Tributário. Todas as competências privativas da União (artigo 22 da CF) podem ser delegadas aos Estados-membros, por meio de lei complementar e apenas para questões específicas. Por fim, ainda são atribuídas aos Estados-membros, assim como nas competências administrativas, aquelas competências que não forem por lei destinadas à União e aos Municípios.

Aos Municípios cabem as funções legislativas descritas nos incisos I e II do artigo 30 da Constituição. O inciso I fala que cabe aos Municípios “legislar sobre assuntos de interesse local;” (BRASIL, 1988, não paginado), caracterizando uma atribuição exclusiva a esse ente e coerente com sua função no sistema federalista. Já o inciso II versa da possibilidade dos Municípios em “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;” (BRASIL, 1988, não paginado), configurando uma atribuição de caráter suplementar. O artigo 32, inciso 1º determina ao Distrito Federal legislar sobre as mesmas matérias definidas para os Estados-membros e aos Municípios, com a exceção daquilo que é referente ao DF, mas submisso à responsabilidade da União.

4.3 Intervenção 

A Constituição prevê casos excepcionais de intervenção entre os entes. A intervenção federal é a suspensão temporária, imposta pela União, da autonomia de algum dos demais entes, segundo as hipóteses apontadas no artigo 34 da Lei Maior:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I - manter a integridade nacional;

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;

V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (BRASIL, 1988, não paginado).

A intervenção federal só ocorrerá por meio de decreto presidencial, contendo o prazo de duração e o interventor designado ao membro da federação, caso seja necessário. Já a intervenção do Estado em algum Município seu deve ser feita por decreto do governador, especificando a duração, os limites da medida e a nomeação de um interventor. O decreto deve ainda ser aprovado em vinte quarto horas pela Assembleia Legislativa. As hipóteses de intervenção dos Estados-membros em seus Municípios estão descritas no artigo 35 da Constituição:

Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:

I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;

II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;

III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;

IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. (BRASIL, 1988). 


5 CONSIDERAÇÕES SOBRE A DIVISÃO DE COMPETÊNCIAS 

A Constituição de 1988 representou um marco inovador no federalismo nacional principalmente para inserção dos Municípios entre as esferas de poder. A atuação municipal, segundo Paulo Bonavides (2004), representa uma concretização jurídica e política sem comparações nos sistemas de governo hodiernos.  Os Municípios, por ser a esfera de poder mais próxima do cidadão, torna-se peça essencial na construção de medidas mais eficazes e democráticas.

Ainda é perceptível, no entanto, um excesso de atribuições à União, o que de certo forma, dificulta a descentralização proposta pelo federalismo. Pode-se exemplificar isso pela competência descrita no inciso IX do artigo 21 da Constituição, que determina à União a elaboração e execução de planos nacionais e regionais de organização do território e desenvolvimento social e econômico. O âmbito regional se encontra mais próximo dos demais entes federativos, sendo mais coerente atribuir a eles tal função.

Sobre as competências comuns, que em tese deveriam guarda o estado de igualdade entre os membros da federação, é possível também observar um confronto com as competências destinadas unicamente à União. O inciso IX do artigo 23 define como atribuição comum aos entes a promoção de programas para construção de moradias e melhoria do saneamento básico. Esse dispositivo pode se confrontar com o inciso XX do artigo 21, que define como função administrativa exclusiva da União a definição de diretrizes para o desenvolvimento, incluindo habitação e saneamento básico. Esse e outros conflitos devem ser sanados segundo o texto do paragrafo único do artigo 23, “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” (BRASIL, 1988, não paginado).


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O federalismo consiste em um processo incessável reformulação para atingir a forma mais eficaz e socialmente justa. No Brasil, pode-se dizer que tal processo está em sua melhor forma – porém, não em sua forma mais plena. A Constituição de 1988 trouxe uma inovação, a esfera de poder municipal, atribuindo ao mesmo um papel essencial, voltado para um contato mais próximo com os cidadãos, representante direto de seus anseios.

Ainda é perceptível a concentração de atribuições nas mãos da União. Além disso, algumas funções a serem exercidas por Estados-membros, Municípios e Distrito Federal acabam que perpassando pela autorização ou fiscalização da União. É necessária uma melhor definição do que é função autônoma dos entes e do que precisa ser feito de forma cooperada. Isso também envolve o campo de atuação de cada membro em se tratando de atribuições comuns a todos. Essas são a oportunidade de todo o sistema atuar de forma coordenada e cooperada, mas para isso, é importante a delimitação mais clara do que seriam “medidas mais amplas, gerais” e “medidas mais restritas, regionais”. O artigo 23 da CF, em seu parágrafo único, aponta as leis complementares como forma de se estabelecer normas de cooperação entre os entes, visando o equilíbrio e bem-estar nacional. Tal dispositivo é essencial para a atuação conjunta de União, Estados, Municípios e Distrito Federal, porém não é suficiente, haja vista que essas novas leis não poderão reformular todas as atribuições já constitucionalmente definidas.

Primar por competências concorrentes e comuns é um viés a ser seguido no combate à centralização de poder ainda vista. As atribuições concorrentes já existentes ampliam a possibilidade legislativa dos Estados-membros. Já na questão das funções comuns, ainda é comum a submissão à União. A efetivação cada vez maior do federalismo no Brasil depende, primordialmente, do diálogo entre as partes, para assim se obter uma autonomia de atuação, acoplada com a cooperação – direta ou indireta – objetivando um bem maior: o desenvolvimento de toda a nação.


REFERÊNCIAS

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