Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/5274
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Os limites do poder normativo das agências reguladoras brasileiras

o caso do encargo de capacidade emergencial ("seguro apagão")

Os limites do poder normativo das agências reguladoras brasileiras: o caso do encargo de capacidade emergencial ("seguro apagão")

Publicado em . Elaborado em .

O trabalho analisa os limites do poder normativo das agências reguladoras brasileiras em face do princípio da legalidade. Teria a Agência Nacional de Energia Elétrica competência para regulamentar o encargo de capacidade emergencial?

1. INTRODUÇÃO

Qualquer análise técnica que se pretenda realizar acerca de instituto jurídico deve estar pautada em definições teóricas claras e embasada no direito positivo, o que confere validade jurídica às conclusões alcançadas.

No presente trabalho, buscar-se-á, a partir de uma perspectiva da Ciência do Direito, analisar a questão referente aos limites do poder normativo das agências reguladoras brasileiras à luz do Direito Constitucional vigente, especificamente em face do princípio da legalidade.

Com o objetivo de pôr a discussão em termos práticos, o presente estudo voltará às atenções à figura do encargo de capacidade emergencial, também conhecido como "seguro-apagão", tendo em vista a referida exação ter sido tratada por ato normativo de uma agência reguladora.

Desta maneira, pretende-se, ao longo da exposição, responder à seguinte indagação: teria a Agência Nacional de Energia Elétrica competência para regulamentar o encargo de capacidade emergencial?

Para tanto, parte-se da análise dos limites da competência normativa do Poder Executivo dentro de um Estado Democrático de Direito em que exista a repartição dos poderes, bem como de quais seriam os limites desta faculdade perante o princípio da legalidade.

Em seguida, passar-se-ão em revista os institutos das agências reguladoras e da função reguladora do Estado, especificamente quanto à possibilidade de edição de atos de natureza normativa para a regulação da atividade econômica.

Finalmente, trata-se do caso específico do encargo de capacidade emergencial, vulgarmente conhecido como "seguro-apagão", ocasião em que se verificarão os seus vícios de inconstitucionalidade.


2. DEFINIÇÕES PRELIMINARES

Antes que se adentre à análise detalhada acerca da questão referente aos limites do poder normativo das agências reguladoras, em especial quanto ao encargo de capacidade emergencial, mister que se proceda à fixação de algumas definições teóricas preliminares, as quais se demonstram essenciais à correta compreensão do tema que se pretende estudar.

Dentre o rol de assuntos que o tema deste trabalho permite analisar, entendeu-se necessário, na mesma esteira do que realizou Leila CUÉLLAR, estudar os quais seriam mais relevantes, a saber: 1) o Estado Democrático de Direito e o princípio constitucional da separação dos poderes; 2) o princípio da legalidade e 3) a competência regulamentar.

Evidentemente, a abordagem que se pretende efetuar dos tópicos acima mencionados não será exaustiva. Busca-se, em verdade, definir quais seriam os traços fundamentais dos institutos que servem de base à presente monografia, permitindo que se lhes seja conferida uma consistência teórica suficiente para não tornar a exposição lacunosa, incompleta ou assistemática.

Desta maneira, passa-se a analisar cada um dos itens anteriormente mencionados.

2.1 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

O estudo da questão referente ao Estado Democrático de Direito e do princípio constitucional da separação dos poderes está intimamente ligada à ao exame do princípio constitucional da legalidade, tema de fundamental importância neste trabalho.

Isto porque, apenas em Estados Democráticos de Direito, em que exista a atribuição dos três poderes tradicionalmente concebidos (Executivo, Legislativo e Judiciário) a diferentes órgãos, se é possível falar em submissão da atuação do Estado aos ditames predeterminados pelo ordenamento jurídico, o que é uma das acepções conferidas ao princípio da legalidade.

Explicando melhor: existirá um Estado Democrático de Direito quando, apenas por meio do direito positivo, a Administração Pública possa influir na realidade com o objetivo de atingir os ideais predeterminados na Constituição de uma determinada sociedade.

Dessa maneira, a fim de se coordenar melhor a exposição, primeiramente se abordará o Estado Democrático de Direito, visto que, conforme será denotado, esta espécie de Estado compreende a existência do princípio constitucional da separação dos poderes.

2.1.1 Estado Democrático de Direito

O caput do artigo 1º da Constituição Federal de 1988 prevê que a República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito. No entanto, a doutrina não tem conseguido ser unânime quanto à formulação de uma conceituação única do que venha a ser o referido Estado Democrático de Direito.

A dificuldade na construção deste conceito reside no fato de que a concepção de Direito e do ideal de Justiça, consectário ao primeiro, os quais são apontados como as notas fundamentais do Estado Democrático de Direito, estarem em contínuo processo de mudança.

Contudo, a par deste obstáculo, José Joaquim Gomes CANOTILHO identifica o Estado de Direito como sendo uma forma de organização político-estadual em que toda a atividade é determinada e limitada pelo Direito.

Além disso, entende o referido autor que "o princípio básico do Estado de Direito é o da eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos com a conseqüente garantia de direitos dos indivíduos perante esses poderes".

Portanto, verifica-se, num primeiro momento, que o Estado de Direito seria aquele que, por meio da limitação de toda atividade pública pelo Direito, busca eliminar o arbítrio encontrado no desempenho das funções estatais, visando à garantia das prerrogativas fundamentais dos administrados perante o governo.

No entanto, a subordinação das formas de atuação do Estado ao direito, bem como a garantia de um rol mínimo de direitos ao indivíduo não são suficientes para se verificar a presença de um Estado Democrático de Direito.

Para corroborar esta assertiva, basta lembrar que Estados totalitários, como o Estado Nazista, o Estado Fascista e o Estado-Novo, eram, também, Estados de Direito, ou seja, amparavam-se numa ordem jurídica que lhes conferia legitimidade jurídica e que continham um Estatuto mínimo de direitos, os quais, quase sempre, sequer eram respeitados.

A elucidação necessária para se chegar ao conceito de Estado Democrático de Direito é feita por José Afonso da SILVA, o qual enumera alguns princípios que fincam os parâmetros em que se buscará o seu sentido, são eles:

"(a) princípio da constitucionalidade, que exprime, em primeiro lugar, que o Estado democrático de direito se funda na legitimidade de uma Constituição rígida, emanada da vontade popular, que, dotada de supremacia, vincule todos os poderes e os atos deles provenientes, com as garantias de atuação livre da jurisdição constitucional; (b) princípio democrático que, nos termos da Constituição, há de se constituir uma democracia representativa e participativa, pluralista, e que seja a garantia geral da vigência e eficácia dos direitos fundamentais (art. 1º ); (c) sistema de direitos fundamentais individuais, coletivos, sociais e culturais (Títulos II, VII e VIII); (d) princípio da justiça social, referido no art. 176, caput, no art. 198, como princípio da ordem econômica e da ordem social; como dissemos, a Constituição não prometeu a transição para o socialismo mediante a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa, como o faz a Constituição portuguesa, mas abre-se ela, também, para a realização da democracia social e cultural, embora não avance significativamente rumo à democracia econômica; (e) princípio da igualdade (art. 5º, caput e inciso I); (f) princípio da divisão dos poderes (art. 2º) e da independência do juiz (art. 100); (g) princípio da legalidade (art. 5º, II); (h) princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI a LXXIII)".־

Percebe-se, desta forma, que a adoção do Estado Democrático de Direito no ordenamento jurídico constitucional brasileiro também está atribuída à necessidade de se garantir que a atividade estatal esteja sempre adstrita à observância das normas jurídicas postas pelo próprio Estado, se diferenciando da doutrina de José Joaquim Gomes CANOTILHO, todavia, no que se refere à inclusão da separação dos poderes neste conceito.

Esta inserção se faz necessária, vez que a divisão e a execução das funções estatais, justamente por serem atribuídas a diferentes órgãos ou Poderes, poderão ser submetidas a mecanismos eficazes de controle, tanto em seus âmbitos interno e externo, o que nada mais é do garantir a participação democrática do cidadão na elaboração e aplicação do Direito.

Destaque-se, ainda, o fato de um dos principais objetivos do Estado Democrático de Direito ser a superação das desigualdades sociais e regionais, ou seja, a realização de justiça social, o que vem a complementar o arcabouço teórico que demonstra ser o indivíduo o foco de atenção desta modalidade de Estado.

Assim, percebe-se que o Estado Democrático de Direito é aquele em que as formas de atuação estatais estão submetidas ao Direito resultante da participação popular no processo de sua elaboração, pautado primordialmente na concretização do bem-estar do indivíduo.

Com isto tentou-se demonstrar que o Estado de Democrático de Direito não é uma idéia pronta ou que possa ser resumida num único conceito, posto que os elementos que o compõem em sua essência estarem em contínuo estágio de mutação.

Deveras, a correta compreensão deste conceito há de ser lastreada por idéias fundamentais, tais como, a submissão das formas de atuação do Estado aos ditames fixados no ordenamento, a separação dos poderes em órgãos específicos e independentes entre si, os quais devem estar sujeitos a um amplo controle pela sociedade, observando-se, sempre, a ampla participação popular no processo de elaboração das regras jurídicas.

Desta maneira, uma vez estipulada a concepção de Estado Democrático de Direito, importa efetuar uma análise mais detida de um de seus consectários fundamentais: a separação dos poderes.

2.1.2 Separação dos Poderes

2.1.2.1 Fundamentos e Breve Análise das Teorias da Separação dos Poderes

Dalmo de Abreu DALLARI observa que "embora seja clássica a expressão separação dos poderes, que alguns autores desvirtuam para divisão de poderes, é ponto pacífico que o poder do Estado continua uno e indivisível", bem como indelegável.

Todavia, a par da unidade, indivisibilidade e indelegabilidade do poder estatal, a história demonstrou que o exercício de todas as funções do Estado não poderia estar concentrado nas mãos de uma pessoa ou de um grupo restrito de pessoas.

Desta maneira, alguns pensadores formularam teorias que buscaram, num primeiro momento, definir quais seriam as funções estatais e, noutro, definir a forma pela qual seriam aplicadas estas atribuições.

Ressoa comum atribuir a formulação da doutrina da separação de poderes a MONTESQUIEU, por meio de sua obra denominada "O Espírito das Leis" publicada em 1747. Entretanto, esta associação quase que imediata entre MONTESQUIEU e a teoria da separação de poderes deve ser vista com ressalvas, em função de não ter sido ele o responsável pela elaboração de uma teoria referente à distinção das funções estatais.

Em verdade, encontram-se teorias de separação dos poderes, muito antes de MONTESQUIEU, nas obras "A política" de ARISTÓTELES, "Dois Ensaios Sobre o Governo" de John LOCKE e "Princípios Políticos Constitucionais" de Benjamin CONSTANT, além de terem sido mencionadas em estudos de Jean Jacques ROUSSEAU e de Henry BOLINGBROKE, este último, especificamente, quanto ao sistema de checks and balances ou de freios e contrapesos observado sobretudo na Constituição dos Estados Unidos da América.

Porém, a análise feita pelos precursores do assunto não foi realizada da mesma forma como o foi por MONTESQUIEU. Celso Ribeiro BASTOS assevera que se deve ao autor de "O Espírito das Leis" a necessidade de as três funções por ele propugnadas - legislativa, executiva e judicial, serem desempenhadas por órgãos autônomos e distintos, os quais não guardam entre si qualquer relação de subordinação.

Esclareça-se, todavia, que MONTESQUIEU não sugeriu uma efetiva separação de poderes, mas, sim, realizou uma distinção entre as três funções já referidas, as quais, não obstante suas diferenças, deveriam ser exercidas de maneira harmônica.

Desta forma, MONTESQUIEU foi o primeiro pensador a idealizar uma teoria de separação das funções do Estados em que as funções fossem atribuídas a diferentes órgãos, os quais guardassem plena autonomia, em que se presenciasse a ausência de qualquer preponderância entre si, onde as tarefas eram exercidas de maneira harmônica.

Realizados estes breves esclarecimentos, analisar-se-á as teorias de separação dos poderes de John LOCKE e de MONTESQUIEU, em função de terem sido as maiores contribuições à teoria do desenvolvimento sistemático da organização do poder estatal, razão pela qual, em suas épocas, chegaram a alcançar um significado quase que absoluto.

John LOCKE inicia sua abordagem anotando a existência de quatro poderes distintos: o Poder Legislativo, o Executivo, o Federativo e o Prerrogativo.

Ao Poder Legislativo atribuiu-se a criação das regras jurídicas; para o Poder Executivo, a aplicação e execução destas prescrições nos limites territoriais de cada Estado. Por sua vez, a Função Federativa era concebida como aquela em que se poderia declarar guerra e paz, constituir ligas e alianças, bem como resolver todas as questões que deveriam ser tratadas fora do Estado. Em resumo, o Poder Federativo ligava-se ao desenvolvimento das relações externas e do Direito Internacional.

De outra banda, a Função Prerrogativa consistia na atribuição de se fazer o bem público, sem se subordinar a quaisquer regras predeterminadas. Melhor dizendo: seria aquele Poder, cuja finalidade precípua era a tomada de decisões em situações de exceção, tais como a guerra e o Estado de Emergência, sob o jugo discricionário do detentor desta prerrogativa.

Segundo o aludido autor, estas quatro funções seriam exercidas apenas por dois órgãos do governo: o Parlamento e o Rei. Incumbiria ao Parlamento o exercício do Poder Legislativo; enquanto que ao Rei competiria o exercício da Função Executiva. Durante o desempenho do Poder Executivo, o Rei, de acordo com a situação em que se encontrasse o governo e o Estado, poderia fazer vir à tona os e Poderes Federativo e Prerrogativo. Quanto ao Poder Judiciário, este foi ignorado pela doutrina de John LOCKE.

Resumidamente, a teoria apresentada consistia na separação do poder em quatro funções distintas, cujos respectivos exercícios foram delegados a apenas dois órgãos do governo. Dentre estas quatro funções, percebe-se que duas delas, a Federativa e a Prerrogativa, integravam o Poder Executivo, porquanto suas exteriorizações dependiam de situações atípicas, às quais competia ao Rei apreciar, motivo pelo qual nele estavam concentradas.

Por outro lado, MONTESQUIEU partiu do pressuposto de que para se possuir liberdade política no Estado Moderno, era necessário que o poder político fosse controlado, tendo em vista que todo o homem, quando o possuía, era levado a dele abusar.

Esclareceu que cada Estado possuiria três tipos de poderes distintos: o Legislativo, o Executivo das coisas que dependem do Direito das Gentes, ou Executivo do Estado, e o Executivo daquelas que dependem do Direito Civil, também chamado Poder de Julgar.

A cada um destes poderes corresponderiam funções diversas e específicas. Por meio do Poder Legislativo, o príncipe ou o magistrado criaria as leis, por determinado tempo ou infinitamente, e anularia aquelas anteriormente feitas.

Com o Poder Executivo das coisas que dependem do Direito das Gentes, reputado com aquele que rege as relações que os diferentes povos possuem entre si, o príncipe ou o magistrado faria a guerra ou a paz, enviaria ou receberia embaixadas, instauraria a segurança e preveniria invasões.

Por fim, com o Poder Executivo das coisas que dependem do Direito Civil, entendido como aquele que cuida das relações que todos os cidadãos possuem entre si, castigar-se-iam os crimes ou julgar-se-iam todas as questões atinentes aos conflitos entre os particulares.

Os Poderes Executivo e Legislativo, no entender de MONTESQUIEU, poderiam ser relegados a magistrados ou a corpos permanentes, haja vista que o primeiro seria a execução da vontade geral e, o outro, a própria vontade. No entanto, a Função de Julgar deveria ser conferida a um Tribunal capaz de proferir julgamentos fixos, sob pena de não se viver numa sociedade em que inexista a fixação segura dos compromissos que cada cidadão possui.

Embora estivessem delineadas, satisfatoriamente, as atribuições e a quem competia o exercício de cada "poder", MONTESQUIEU não descartou a hipótese de serem executados abusivamente.

Desta forma, explicou que a maneira pela qual desapareceria ou se extinguiria a liberdade de cada cidadão seria quando houvesse a concentração de dois ou mais poderes numa única pessoa.

Caso o Poder Legislativo e o Executivo estivessem concentrados nas mãos de um único governante, inexistiria liberdade porque o mesmo governante poderia, ao mesmo tempo, criar leis tirânicas e executá-las de idêntica maneira.

Também não haveria liberdade se a Função de Julgar não fosse separada do Poder Legislativo, em razão de a tarefa de dispor sobre a vida e a liberdade dos cidadãos tornar-se arbitrária, já que o juiz acabaria sendo legislador das próprias leis que seriam aplicadas para a resolução dos conflitos que lhe eram submetidos. Logo, na hipótese de o Poder de Julgar estar unido ao Poder Executivo, o juiz teria a mesma força que a de um opressor.

MONTESQUIEU asseverou, por fim, que tudo estaria realmente perdido se o mesmo homem exercesse todas as três funções.

Exposto isso, percebe-se que as teorias de LOCKE e MONTESQUIEU diferenciam-se uma da outra, basicamente, pelo fato de, para a deste, o Poder Judiciário ser função autônoma e, na daquele, os Poderes Federativo e Prerrogativo estarem inseridos no âmbito do Poder Executivo.

À luz do texto constitucional brasileiro, nota-se que a doutrina proposta por MONTESQUIEU foi adotada pelo artigo 2º, porque definiu que os poderes, ou as funções, estatais no Brasil serão o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, os quais são exercidos por órgãos harmônicos e, ao mesmo tempo, independentes entre si.־

Incumbe mencionar, apenas, que a teoria de Benjamin CONSTANT, a qual concebia que os poderes, numa monarquia constitucional, seriam divididos em cinco (poder real, poder executivo, poder representativo da continuidade, poder representativo da opinião e poder de julgar) foi a primeira albergada pelo texto constitucional brasileiro, conforme disposto no artigo 10 da Constituição do Império de 1824.

No entanto, com a recepção da teoria da separação dos poderes de MONTESQUIEU pelo atual constituinte brasileiro, que a erigiu à condição de princípio fundamental da República Federativa do Brasil, é comum se admitir que o monopólio da elaboração das leis seria do Poder Legislativo.

Neste sentido, Agustín GORDILLO ensina que se pode "definir a função legislativa como ‘a edição de normas jurídicas gerais feitas pelo Congresso’. Nesta definição encontramos dois elementos: a) um material, objetivo que conceitua qual é o conteúdo da função (expedição de normas jurídicas gerais); b) outro orgânico ou subjetivo, que esclarece que esta função é unicamente realizada pelo Poder Legislativo".

Contudo, a par deste posicionamento acerca do princípio da separação dos poderes, existem autores, como Eros Roberto GRAU e Anna Cândida Cunha FERRAZ, que propõem a sua revisão, em virtude do decurso de quase duzentos e cinqüenta anos desde a edição da obra de Montesquieu, bem como em função da evolução que o modelo de Estado adotado nos países ocidentais sofre atualmente.

É o que se passa a descrever.

2.1.2.2 Críticas à Teoria de Montesquieu Acerca da Separação dos Poderes

De acordo com o que fora visto anteriormente, o fato de a teoria de Montesquieu ter sido elaborada em pleno século XVIII, época em que se lutava arduamente pela efetivação dos ideais iluministas e liberais, fez com que a mesma, com o decurso do tempo, fosse alvo de críticas severas, as quais apontavam à sua insuficiência para aplicação nos moldes atuais do Estado.

No entanto, o reconhecimento da deficiência da teoria da separação dos poderes de MONTESQUIEU, reputada como a destinação do poder estatal a três órgãos distintos, cujo exercício era feito de maneira estanque e incomunicável, não significa dizer que o fim da própria teoria seja cogitado.

Nelson SALDANHA realça que a permanência da divisão dos poderes de MONTESQUIEU, ainda que em seus termos ideais, seria uma espécie de benesse constitucional que visaria, unicamente, a manter o esquema clássico simétrico, denotado como uma garantia aos cidadãos, já que visaria a limitar o poder político, o que seria inato ao Estado Democrático de Direito.

Todavia, a permanência da teoria em nosso ordenamento jurídico fez com que se fossem realizadas inúmeras revisões com o fito de manter-lhe compatível com as novas realidades social e econômica que surgem, destacando-se, entre os juristas brasileiros que se propuseram ao tema, Anna Cândida Cunha Ferraz e Eros Roberto Grau.

Para os fins deste trabalho, as novas indagações serão apresentadas sob o prisma do Poder Legislativo, vez que a abrangência do tema da reestruturação do princípio da separação dos poderes ensejaria monografias específicas, o que não é o intuito.

2.1.2.3 A Questão das Cláusulas-Parâmetro Identificadas por Anna Cândida da Cunha Ferraz

A primeira re-análise do princípio da separação dos poderes, diz respeito ao modo pelo qual se dá a sua aplicação no texto constitucional brasileiro.

Anna Cândida da Cunha FERRAZ ensina que o princípio da separação dos poderes, ao longo da história do constitucionalismo brasileiro, tem sido operacionalizado por meio de três cláusulas-parâmetros, que serviam como verdadeiros dogmas ao intérprete, a saber: 1) a independência e a harmonia entre os poderes; 2) a indelegabilidade de poderes e 3) a inacumulabilidade de funções de poderes distintos.

Por meio da primeira cláusula-parâmetro, a da independência e harmonia entre os poderes, afirma-se que, durante o desenvolvimento da aplicação da Constituição, sempre se tem garantido a existência de um mínimo e de um máximo de independência a cada órgão que exerce uma determinada função, a fim de que seja evitada a interferência excessiva de um poder no outro e, também, como conseqüência, a sua desfiguração.

Ainda por meio desta primeira cláusula, entende-se que a Constituição Federal garanta meios de resguardo de instrumentos mínimos que facilitem o exercício harmônico dos poderes, sob pena de, inexistindo quaisquer limites, um poder se sobrepor ao outro, ao invés de entre eles se formar uma atuação coerente.

A mesma doutrinadora explica, também, que a delimitação de zonas específicas de independência e harmonia tende, justamente, a manter uma das finalidades precípuas do Estado Democrático de Direito, qual seja, a limitação do poder. Contudo, as interferências de um Poder sobre o outro, para que possam ser admitidas, devem respeitar esta razão de ser estabelecida. Não se pode admitir que a invasão de uma função na esfera de outra não seja para a realização do controle recíproco dos poderes.

José Afonso da SILVA elaborou exemplos bastante elucidativos, no sentido de demonstrar que a ingerência entre os poderes visa, exatamente, a manter o equilíbrio. Ensina o referido doutrinador:

Se ao Legislativo cabe a edição de normas gerais e impessoais, estabelece-se um processo para sua formação em que o Executivo tem participação importante, que pela iniciativa das leis, que pela sanção e pelo veto. Mas a iniciativa legislativa do Executivo é contrabalançada pela possibilidade que o Congresso tem de modificar-lhe o projeto por via de emendas e até rejeitá-lo. Por outro lado, o Presidente da República tem o poder de veto, que pode exercer em relação a projetos de iniciativa dos congressistas como em relação às emendas aprovadas a projetos de sua iniciativa. Em compensação, o Congresso, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, poderá rejeitar o veto, e, pelo Presidente do Senado, promulgar a lei, se o Presidente da República não o fizer no prazo previsto (art. 66). Se o Presidente da República não pode interferir nos trabalhos legislativos, para obter aprovação rápida de seus projetos, é-lhe, porém, facultado marcar prazo para sua apreciação, nos termos dos parágrafos do art. 64. Se os Tribunais não podem influir no Legislativo, são autorizados a declarar a inconstitucionalidade das leis, não as aplicando neste caso. O Presidente da República não interfere na função jurisdicional, em compensação os ministros dos tribunais superiores são por ele nomeados, sob controle do Senado Federal, a que cabe aprovar o nome do escolhido (art. 52, III, a).

No que atine à segunda cláusula-parâmetro, a da indelegabilidade de poderes, Anna Cândida da Cunha FERRAZ elucida que, após a passagem de um longo período de tempo de aceitação abrandada, a sua não aplicação, por razões inúmeras, passou a ser amplamente aceita.

Esta vedação tomou tamanha dimensão que, atualmente, "a regra da não delegação de poderes se curva apenas a dois limites: de um lado, a impossibilidade de abdicação do poder ou competência originária constitucionalmente atribuída a determinado poder; de outro, o estabelecimento de condições e limites claros para a atuação do poder delegado".

De fato, a derrocada desta segunda cláusula-parâmetro veio a se coadunar com o pensamento constitucional brasileiro que, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, já admitia as delegações de funções, em especial a da legislativa, a qual será analisada oportunamente neste trabalho. Importa destacar, no entanto, que a omissão do texto constitucional de 1988 da cláusula da indelegabilidade das funções, evidentemente, não gerou qualquer problema à ordem jurídica.

Um dos impropérios a que deu azo a omissão da cláusula de indelegabilidade foi o atinente à não limitação das chamadas leis-delegadas às hipóteses previstas no artigo 68 da Constituição Federal de 1988.

Todavia, este problema não minora o acerto do constituinte brasileiro pela exclusão da cláusula da indelegabilidade. Isto porque, como pondera José Afonso da SILVA, o fim da aplicação rígida da cláusula-parâmetro é algo decorrente do próprio estudo do texto constitucional vigente, o qual, como já visto anteriormente, prevê várias hipóteses de delegações de poderes a órgãos distintos dos originariamente competentes, como, por exemplo, a atribuição de poderes normativos ao chefe do Poder Executivo, os quais possuem força de lei, o caso das Medidas Provisórias previstas no artigo 59, V e regulamentadas pelo caput do artigo 62, todos da Constituição Federal de 1988.

Sem dúvidas, a exclusão da cláusula da indelegabilidade do texto constitucional de 1988 evitou a existência de uma aparente contradição entre a impossibilidade de se delegar funções e a previsão de o chefe do Poder Executivo da União editar medidas provisórias providas de força de lei.

A única maneira de se privilegiar a lógica interna do ordenamento jurídico brasileiro foi conferir ao princípio da separação dos poderes uma maior flexibilidade, principalmente no que tange à co-participação da elaboração da norma jurídica.

Por fim, a terceira cláusula-parâmetro, a da inacumulabilidade de funções e poderes diferentes, há de ser entendida como uma espécie de cláusula-parâmetro de segundo grau, tendo em vista que sua função precípua é garantir a concretização da primeira cláusula parâmetro, a da independência e da harmonia entre os poderes, a qual pressupõe a não subordinação recíproca entre os exercentes de cada poder.

No entanto, a terceira cláusula-parâmetro também foi suprimida pelo atual constituinte brasileiro, o qual já previu, inclusive, o exercício cumulativo de cargos no artigo 56, I da atual Constituição. Contudo, na opinião da autora, esta supressão não merece elogios, haja vista o fato de a cumulação de funções, ou, como prefere, a confusão de poderes, "ludibria a vontade popular e é porta aberta para composições de interesse puramente pessoal, deixado completamente à margem o interesse público".

Desta forma, pode-se concluir, de tudo o que foi exposto, que o princípio da separação dos poderes não é mais aplicado de forma pura e rígida. Este desvirtuamento pode ser percebido na Constituição Federal de 1988, a qual permitiu que os três Poderes possam ser delegados a outros órgãos aos quais, originariamente, não competia o exercício da nova função atribuída, bem como tolerando o acúmulo de Poderes em pessoas que não estariam habilitadas para o seu exercício, ainda que em detrimento ao interesse público.

Contudo, esta não é a única releitura que a doutrina tem proposto ao princípio da separação dos poderes. Outra formulação diz respeito à extinção do critério orgânico de classificação das funções, a qual passa a ser estudada agora.

2.1.2.4 A Derrocada do Critério Orgânico para Determinação dos Poderes

Como já visto, o princípio da separação dos poderes também tem recebido críticas quanto à maneira pela qual se dá a classificação das três funções constitucionalmente previstas, em face da atual sistemática adotada pela Constituição Federal de 1988.

Eros Roberto GRAU entende que a doutrina da separação de poderes, tal como descrita por MONTESQUIEU, deveria ser reformulada, a partir de um critério denominado material, em detrimento à classificação de SANTI ROMANO, segundo a qual as funções seriam legislativa, executiva e judiciária, conforme as autoridades que as exercessem.

Primeiramente, para sustentar seu posicionamento, o qual foi inspirado na obra de Renato ALESSI, aduziu que o critério orgânico ou institucional havia se demonstrado insuficiente para abarcar todas as realidades conjunturais.

Além disso, a deficiência do critério orgânico decorreria da adoção de um modelo de sistematização organizacional, ou seja, pelo fato de se buscar atribuir aos centros ativos das funções as próprias titularidades das mesmas.

Melhor dizendo: a inaptidão do critério orgânico estava evidenciada pelo fato de ter se confundindo o órgão que possui a titularidade do exercício do poder, com o poder em si.

Desta forma, a partir de uma noção de função estatal sob o aspecto material, o qual releva a essência jurídica do poder, Eros Roberto GRAU propõe a classificação das funções estatais em função normativa, administrativa e jurisdicional.

À função normativa corresponderia o dever-poder de emanar estatuições primárias (impostas com força própria), em decorrência do exercício de um poder originário ou de um poder derivado (atribuição, por meio da Constituição explícita ou implicitamente ou por meio de lei formal de poder normativo a um órgão que ordinariamente não o detinha), contendo preceitos abstratos e genéricos.

Contrapõe-se à função normativa a noção de função legislativa, a qual pode ser definida como aquela de emanação de prescrições primárias, geralmente, mas não necessariamente, com conteúdo normativo, sob a forma da lei.

Portanto, distingue-se a função normativa da legislativa pelo grau de abstração e generalidade que as suas prescrições possuem, bem como pela forma, pelo nomen juris que surgem no ordenamento jurídico.

Ilustrando a correção de seu pensamento, Eros Roberto GRAU explica que "o fundamento do poder regulamentar, pois, está nesta atribuição de poder normativo – e não no poder discricionário da Administração (como, equivocadissimamente, apregoam nossos publicistas). Assim, o fundamento da potestade regulamentar decorre de uma atribuição de potestade normativa material, de parte do Legislativo, ao Executivo".

Por outro lado, as funções administrativa e jurisdicional, segundo, ainda, o mesmo autor, seriam, respectivamente, a de execução das normas jurídicas e a de aplicação das normas jurídicas.

Saliente-se que, com a releitura do princípio da separação dos poderes, nos moldes propostos, Eros Roberto GRAU almejou, também, conferir uma nova roupagem ao princípio da legalidade.

Conforme o entendimento do aludido autor, o princípio da reserva da legal, esculpido nos artigos 5º, II e 68, §1º da Constituição Federal de 1988, ao restringir as matérias que somente devam ser tratadas por meio de lei, conseqüentemente, possibilita a exclusão das sobressalentes, as quais poderiam ser versadas por regulamentos.

Nesta ótica, os regulamentos, em razão de decorrerem do exercício do poder normativo de um órgão que o possua como função típica, imporiam obrigações e deveres reputados como surgidos por meio de lei.

Assevera, ainda, o mesmo autor que, em razão de o texto constitucional ter atribuído implicitamente o poder regulamentar ao Poder Executivo, a expedição dos regulamentos autônomos estaria devidamente autorizada, pois "a sua emanação seria indispensável à efetiva atuação do Executivo em relação a determinadas matérias, definidas como de sua competência".

Logo, percebe-se que Eros Roberto GRAU almejou, em verdade, ampliar o significado do princípio da legalidade, por meio da hostilização do princípio da separação dos poderes, nos moldes que havia sido proposto por MONTESQUIEU e que vem sendo recepcionado pelas constituições brasileiras.

No entanto, a aceitação irrestrita aos propósitos de Eros Roberto GRAU dá margem à instauração de problemas que, embora menosprezados pelo autor, não podem ser aceitos por juristas comprometidos com a Constituição, como é o caso da possibilidade de edição de regulamentos autônomos.

Evidentemente, conforme será visto adiante, os regulamentos autônomos não passam de uma deturpação do poder regulamentar, conferido ao Chefe do Poder Executivo pelo artigo 84, IV da Constituição Federal, razão pela qual, por meio da aplicação do princípio da separação dos poderes, especificamente da cláusula-parâmetro da independência e harmonia entre os poderes, os referidos regulamentos devem ser reputados inconstitucionais.

Contudo, pode-se considerar útil a análise de Eros Roberto GRAU no que atine à possibilidade do Poder Executivo exercer poder normativo, desde que o seja com limitações quanto ao seu conteúdo e ao seu exercício desvinculado, tal qual se verifica nos casos das agências reguladoras brasileiras, consoante será visto oportunamente.

Feitas estas considerações, passa-se, agora, efetivamente, ao estudo efetivo do princípio da legalidade.

2.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

2.2.1 Notas Introdutórias

Assim como boa parte dos assuntos jurídicos, o princípio da legalidade possibilita inúmeras formas de abordagem. Isto se deve tanto em razão da própria dificuldade de se conceituar o que venha a ser um princípio, como pela amplitude que o princípio da legalidade possui no ordenamento jurídico brasileiro.

Acerca das dificuldades de se estudar determinado princípio jurídico, Margarita Beladiez ROJO adverte que:

A definição do que há de se entender por princípio jurídico ou princípio geral de Direito é uma das mais difíceis questões que se apresentam aos juristas. A razão desta dificuldade pode ser entendida apenas com a verificação de seu significado gramatical. É claro que, se por princípio se entende o elemento fundamental de alguma coisa, os princípios jurídicos apenas podem ser os fundamentos do Direito e, neste ponto, reside, precisamente, a complexidade de sua definição. Averiguar quais são as idéias essenciais sobre as quais se constrói um ordenamento constitui uma tarefa mais apropriada aos filósofos do que aos juristas, o que pode ser comprovado pelo fato de a determinação do fundamento do Direito sempre ter resultado do pensamento filosófico de cada momento. Não obstante, os juristas não podem abdicar do conhecimento destes princípios, não por um ímpeto meramente intelectual de se aprofundar nos alicerces sobre os quais se constrói a ciência a que se dedicam, mas, sim, porque constitui um problema jurídico de primeira ordem do qual derivam importantes efeitos práticos que todo profissional do Direito está obrigado a conhecer..

De outro lado, Paulo de Barros CARVALHO ressalta a importância do princípio da legalidade no Direito brasileiro, ao lecionar que a referida norma fundante do ordenamento jurídico espraia toda a sua influência pelos demais ramos do Direito positivo, razão pela qual não seria lógico se pensar no surgimento de direitos subjetivos e dos deveres correlatos, sem que estejam previstos em lei. O mesmo doutrinador elucida, ainda, que "como o objetivo primordial do Direito é normar a conduta, e ele o faz criando direitos e deveres correlativos, a relevância desse cânone transcende qualquer argumentação que pretenda enaltecê-lo".

Estas advertências são bastante relevantes porque demonstram, de antemão, que a tarefa daquele que se propõe a estudar o princípio da legalidade será quase sempre infrutífera, já que incompleta.

A fim de que se tenha um exemplo nítido da dificuldade de se abordar o tema, cumpre destacar um primeiro conflito doutrinário surgido já no que diz respeito à sua denominação.

Sustentando uma primeira opinião, Carmem Lucia Antunes ROCHA prefere usar a expressão princípio da juridicidade, em função da salutar importância que a autora atribui aos preceitos constitucionais.

Justificando sua posição, assim discorre a referida doutrinadora:

A preferência que se confere à expressão deste princípio da juridicidade, e não apenas ao da legalidade como antes era afirmado, é que, ainda que se entenda esta em sua generalidade (e não na especificidade da lei formal), não se tem a inteireza do Direito e a grandeza da Democracia em seu conteúdo, como se pode e se tem naquele. Se a legalidade continua a participar da juridicidade a que se vincula a Administração Pública – e é certo que assim é – esta vai muito além da legalidade, pois afirma-se em sua autoridade pela legitimidade do seu comportamento, que não se contém apenas na formalidade das normas jurídicas, ainda que consideradas na integralidade do ordenamento de Direito. A transformação não é apenas do nome do princípio, mas do seu significado e, em especial, do seu conteúdo.

De outro lado, André Ramos TAVARES ensina que "antes de falar em legalidade, deve-se ter em mente a constitucionalidade entendendo-se por esta que toda lei ou ato normativo de um Estado seja praticado em consonância com a Constituição e, pois, que perante esta seja controlável".

Em que pesem as diferentes nomenclaturas, o certo é que esta aparente discrepância não interfere de modo vital na compreensão do sentido do princípio da legalidade, porque todas as leis são presumidas conformes à Constituição até que as suas constitucionalidades sejam impugnadas judicialmente.

Portanto, toda lei supõe-se constitucional até o trânsito em julgado da ação pertinente que vise à declaração do vício de inconstitucionalidade, razão pela qual se demonstra inútil qualquer tergiversação acerca da denominação que seja dado ao princípio da legalidade, mas, ao revés, já apresenta as dificuldades que o tema comporta.

Feito esta breve apresentação, mister que se passe ao estudo do sentido da expressão lei, bem como, posteriormente, do princípio da legalidade.

2.2.2 A Lei

A compreensão do que é o princípio da legalidade está ligada à idéia que se tenha do vocábulo lei. Poder-se-ia dizer grosso modo que a lei é o ato resultante do exercício da atividade legislativa por qualquer um dos órgãos do Poder Legislativo, independentemente do conteúdo do referido ato. Todavia, esta resposta simples não é suficiente para esclarecer a questão.

Carlos Ari SUNDFELD ensina que a lei é o resultado da atividade estatal de legislar, à qual cumpre inovar originariamente a ordem jurídica, pois, apenas ao produto desta função, seria atribuída a faculdade de definir e limitar o desempenho dos direitos individuais, em conformidade com o texto constitucional.

No mesmo sentido, aduz Clèmerson Merlin CLÈVE que a lei traduzir-se-ia num ato, em geral normativo, capaz de inovar, originariamente, a ordem jurídica (ato legislativo).

O vocábulo lei, no entanto, não guarda um único sentido. Além da forma de abordagem genérica acima referida, a definição de lei alberga outra sistemática que é a da classificação de lei em sentido material e lei em sentido formal.

A lei em sentido material é a regra de direito ou a norma jurídica, melhor dizendo, é o conteúdo do ato normativo produzido. Manuel Afonso VAZ explica que a lei material "é a regra jurídica abstracta e geral, sendo que a abstracção se refere ao suposto fáctico-situacional a regular e a generalidade ao grupo-categorial de pessoas a que vá dirigida. É a exigência da generalidade que lhe permite ser regra, norma, premissa maior apta para o silogismo judicial."

De outra banda, lei em sentido formal, conforme lição de Hans KELSEN, pode ser "toda e qualquer norma jurídica geral surgida em forma de lei, isto é, emitida pelo parlamento e – de conformidade com as determinações típicas da maioria das Constituições – publicada por determinada maneira, quer, em geral, todo o conteúdo que surja nesta forma".

Miguel Seabra FAGUNDES defende interessante posicionamento ao dizer que "a lei (no sentido formal) é o ato do órgão investido, constitucionalmente, na função legislativa. Todo ato emanado das entidades às quais a Constituição atribua função legislativa, se praticado no uso da competência outorgada, é lei no ponto de vista formal".

Impende notar que o entendimento do autor acima mencionado vai ao encontro da tese defendida por Eros Roberto GRAU no que atine à equiparação dos atos normativos expedidos pelo Poder Executivo àqueles do Poder Legislativo, desde que previstos no rol do artigo 59 da Constituição Federal de 1988.

No entanto, a par desta posição doutrinária, crê-se que a distinção entre lei em sentido formal e lei em sentido material deve permanecer rigidamente estabelecida. Isto porque as referidas noções retratam realidades distintas e promovem rico debate técnico jurídico acerca, por exemplo, dos limites da atividade normativa do Poder Executivo quando o mesmo invade matéria de reserva legal.

Dada a relevância da discussão nos limites deste trabalho, insta realizar rápidos comentários acerca da reserva legal.

Conforme Vezio CRISAFULLI, "tem-se pois, reserva de lei quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou à atos equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquela subordinadas".

Sobremaneira no âmbito da legalidade tributária, a qual é fundamental para a compreensão deste estudo, defende-se a reserva de lei, pois, como leciona Alberto XAVIER, "sempre se entendeu ser de tal modo intensa a intervenção na propriedade dos particulares, em que os tributos se traduzem, que se reputou indispensável rodear tal intervenção das garantias da lei formal".

Portanto, vislumbra-se que a reserva legal deve ser entendida como uma garantia que se apresenta ao cidadão, segundo a qual determinadas matérias, escolhidas pelo texto constitucional, devem ser obrigatoriamente veiculadas por meio de lei, em sentido formal, pois isso assegura um amplo controle de seu conteúdo, pelos órgãos competentes.

Fixadas estas noções preliminares, passa-se agora, ao exame do princípio da legalidade, haja vista estar o referido princípio circunscrito à idéia de lei.

2.2.3 Princípio da Legalidade

De acordo com a doutrina de André Ramos TAVARES, o princípio da legalidade significa que "apenas nos termos das leis, editadas conforme as regras do processo legislativo constitucional, é que se pode validamente conceder direito ou impor obrigação ao indivíduo".

Esclarece o mesmo autor que se verifica o respeito ao princípio da legalidade quando os enunciados das normas inferiores à lei, em sentido formal, não possuem o condão de inovar na ordem jurídica, seja impondo deveres ou criando direitos não previstos em lei anterior.

Não sem razão Geraldo ATALIBA afirma que nenhuma expressão da vontade estatal será compulsória se não amparada em lei, já que, partindo se do pressuposto que só a lei obriga, tudo o que não seja lei não obriga, salvo exceções expressas, as quais devem ser interpretadas restritivamente.

Demais disso, vale lembrar que a lei representa a vontade geral dos cidadãos, uma vez que o Poder Legislativo, que é quem possui a incumbência constitucional de elaborá-la, é a casa que abriga os representantes da nação.

No entanto, estas concepções não traduzem, de fato, a dimensão que o princípio da legalidade tomou no texto constitucional brasileiro. Hoje, não se fala mais numa única legalidade e, sim, em várias, já que para cada ramo do Direito que se lhe queira aplicar, existirá um sentido diverso.

Ratificando a assertiva, basta verificar que, no âmbito do Direito Penal, o princípio da legalidade está previsto no artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal de 1988 e, representa as idéias de proibir a retroatividade da lei penal, de vedar a criação de crimes e penas pelo costume, de proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas, bem como de proibir incriminações vagas e indeterminadas.

Já na seara do Direito Tributário, o princípio da legalidade vem contido no artigo 150, I da Lei Fundamental brasileira e exprime a necessidade de que, no Brasil, "ninguém possa ser obrigado a pagar um tributo ou a cumprir um dever instrumental tributário que não tenham sido criados por meio de lei da pessoa política competente".

Existe, também, a legalidade verificada no campo do Direito Administrativo, a qual é trazida pelo caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988. A noção deste princípio nos é oferecida nas palavras sintéticas de Celso Antônio Bandeira de MELLO, segundo o qual "o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis".

Caio TÁCITO aprimora o conceito de legalidade no âmbito da Administração Pública, esclarecendo que "ao contrário da pessoa de Direito Privado, que, como regra, tem a liberdade de fazer aquilo que a lei não proíbe, o administrador público somente pode fazer aquilo que a lei autoriza expressa ou implicitamente".

No entanto, Celso Antônio Bandeira de MELLO entende, ainda em se tratando do princípio da legalidade no Direito Administrativo, que:

Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei editada, pois, pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral.

Desta forma, se percebe que o princípio da legalidade comporta inúmeras tratativas, vez que se aplica a todos os ramos do Direito positivo brasileiro. Contudo, não podemos perder de vista que a viga-mestra do princípio em análise está no artigo 5º, II, da Constituição Federal de 1988. Este dispositivo é reputado como o fundamento de direitos individuais e, assim, por ser o natural desdobramento de direitos políticos da representação popular na constituição dos poderes, reprime o absolutismo do poder estatal e condiciona a atividade da Administração Pública.

Num apanhado geral do que foi exposto, tem-se que:

O princípio da legalidade garante o particular contra os possíveis desmandos do Executivo e do próprio Judiciário. Instaura-se, em conseqüência, uma mecânica entre os Poderes do Estado, da qual resultar ser lícito apenas a um deles, qual seja o Legislativo, obrigar aos particulares. Os demais atuam as suas competências dentro dos parâmetros fixados pela lei. A obediência suprema dos particulares, pois, é para com o Legislativo. Os outros, o Executivo e o Judiciário, só compelem na medida em que atuam a vontade da lei. Não podem, contudo, impor ao indivíduo deveres ou obrigações ex novo, é dizer, calcados na sua exclusiva autoridade.

Destarte, deflui-se do exposto que o princípio da legalidade garante às pessoas que suas liberdades e o seu patrimônio não serão perturbados senão em decorrência de mandamento advindo do Poder Legislativo, órgão representativo dos cidadãos.

2.3 COMPETÊNCIA REGULAMENTAR

2.3.1 Panorama Geral da Competência Regulamentar e Conceito de Regulamento

O artigo 84, IV da Constituição Federal de 1988 prescreve que ao chefe do Poder Executivo compete expedir decretos e regulamentos para fiel execução das leis que tiver sancionado, publicado e promulgado.

Esta competência se domina competência regulamentar e se caracteriza, primeiramente, por ser uma função típica, ou seja, intrínseca ao Poder Executivo, já que, dentre a idéia de execução das leis, está incluída a regulamentação dos referidos ditames normativos.

Deve-se ressalvar, todavia, que não se trata de uma competência cujo exercício, por parte do órgão do Poder Executivo, seja facultativo. Como bem salienta Cármen Lucia Antunes ROCHA "a Administração Pública não expede regulamentos porque quer ou pode, mas porque deve, tem que, quando a lei o exigir expressa ou implicitamente, bem como quando a efetividade da lei dele dependa".

A importância da competência regulamentar é bem explicitada por Vanessa Vieira de MELLO, ao aduzir que a imprescindibilidade da função está diretamente voltada à condição da máquina administrativa. "O bom andamento da função administrativa pressupõe a tomada de decisões, por parte do Executivo, conducentes à concretude das normas jurídicas, dando-lhes plena executoriedade". Portanto, percebe-se que a competência regulamentar é algo instrumental, acessório à lei e que visa a lhe dar maior efetividade e alcance.

Por outra senda, José Afonso da SILVA ressalta que a idéia dominante, quando se trata de função regulamentar, é a de que o poder regulamentar consiste num poder administrativo no exercício de função normativa subordinada, qualquer que seja seu objeto. Trata-se de poder limitado que se distingue do poder legislativo pelo fato de não poder inovar na ordem jurídica e que encontra seus limites naturais no âmbito da competência executiva e administrativa onde se insere.

Assim, verifica-se que a competência regulamentar é um dever-poder conferido ao Poder Executivo para que este complemente o sentido da lei para lhe dar fiel cumprimento, visando a maior celeridade das decisões administrativas, sendo, no entanto, vedado à Administração Pública, quando de seu exercício, inovar na ordem jurídica.

Uma questão bastante polêmica acerca da competência regulamentar é a de sua titularidade. Por meio da interpretação do artigo 84, IV da Constituição Federal de 1988, tem-se a impressão que a função regulamentar somente poderá ser exercida pelo Presidente da República, já que o artigo citado se refere às suas competências privativas. Celso Antônio Bandeira de MELLO, ao conceituar o regulamento, a exteriorização da função regulamentar, preceitua que a sua titularidade é exclusiva dos chefes dos Poderes Executivos.

Aderindo à opinião do autor mencionado, Clèmerson Merlin CLÈVE afirma que "apenas ao Chefe do Executivo é conferido o exercício regulamentar e esta atribuição é indelegável, segundo se depreende da leitura do art. 84, parágrafo único, da CF."

De outro lado, defende-se que, em razão de a Administração Pública pautar o seu agir com base na lei, ela não pode ser furtada de exercer competência normativa, a qual está compreendida na idéia de função executiva, já que ficará impedida de concretizar as estatuições advindas do Poder Legislativo.

Neste sentido, Oswaldo Aranha Bandeira de MELLO ensina que a atribuição regulamentar também é exercida pelas entidades político-administrativas menores e as autarquias de serviços ou estabelecimentos públicos para o efeito de aplicação das leis que regulam a sua organização e ação determinar.

Destarte, é inegável o fato de todo o Poder Executivo exercer função regulamentar, tendo em vista que o próprio escopo da Administração Pública é, justamente, concretizar o mandamento legal e, para tanto, deverá se valer dos instrumentos que lhe é dispensado, sendo que o principal deles é o exercício de poder regulamentar, a teor do que prevê o artigo 2º da Constituição Federal de 1988 quando determina que o exercício dos poderes seja realizado de maneira harmônica.

Visto o que é a competência regulamentar, cumpre analisar o que venha a ser o regulamento e as diferentes formas de sua exteriorização.

Clèmerson Merlin CLÈVE aponta duas acepções para o conceito de regulamento. Num sentido lato, o regulamento "pode ser definido como qualquer ato normativo (geral e abstrato) emanado dos órgãos da Administração Pública. Em sentido estrito (que importa para o Direito Constitucional), regulamento será o ato normativo editado, privativamente, pelo Chefe do Poder Executivo".

Desta maneira, em consonância com o posicionamento afirmado acima, segundo o qual se adota o conceito de regulamento em sentido amplo, cabe mencionar o conceito elaborado por Jorge Manuel Coutinho de ABREU, para quem o regulamento administrativo é "norma escrita, geral e abstracta por via de regra, subordinada à lei, emanada por uma autoridade administrativa, ou por uma entidade provada no desempenho de uma função público-normativa". Celso Antônio Bandeira de MELLO esclarece que os regulamentos são normas requeridas "para que se disponha sobre o modo de agir dos órgãos administrativos, tanto no que concerne aos aspectos procedimentais de seu comportamento quanto no que respeita aos critérios que devem obedecer em questões de fundo, como condição para cumprir os objetivos da lei".

Vitor Nunes LEAL acentua que o regulamento se distingue da lei no que se refere à subordinação do primeiro ao último, mas elucida que "o regulamento não é mera reprodução da lei. É um texto mais minucioso, mais detalhado, que completa a lei, a fim garantir a sua exata e fiel execução. É fundamental, entretanto, que nesta sua função de complementar a lei, não a infrinja".

Além disso, Marcello CAETANO afirma que "a lei formal, unicamente sujeita à Constituição, pode ser inovadora, criando e restringindo direitos, introduzindo modificações na Ordem jurídica. Ao passo que o regulamento tem de respeitar as leis, não pode conter preceitos que contrariem disposições constantes de leis formais".

Portanto, já é possível ter-se em mente qual é o traço característico dos regulamentos no Direito Brasileiro, qual seja: o de complementação dos ditames prefixados em lei, em seus sentidos formal e material, sendo vedada a inovação da ordem jurídica por meio de seus preceitos abstratos e gerais, por carecerem de legitimidade para tanto.

Visto o que são os regulamentos, incumbe realizar breves apontamentos sobre a sua classificação, tendo em vista que o tema é de fundamental importância para o presente estudo, em razão de as várias teorias, que justificam o poder normativo conferido às agências reguladoras, partirem das idéias que passarão a ser expostas.

2.3.2 Espécies de Regulamentos

A doutrina tem identificado, basicamente, três modalidades de regulamentos, a saber: 1) regulamento de execução; 2) regulamento autônomo e 3) regulamento delegado.

Para fins didáticos, estudar-se-á cada uma das espécies de regulamento detidamente.

2.3.2.1 Regulamento de Execução

Chama-se regulamento de execução aquele tradicionalmente conferido ao chefe do Poder Executivo destinado a dar fiel execução às leis aprovadas pelo Legislativo, tal qual disposto no artigo 84, IV da Constituição Federal de 1988.

O regulamento de execução tem por objetivo principal a instrumentalização da execução da lei, "detalhando e explicitando seus comandos, interpretando seus conceitos e dispondo sobre os órgãos e procedimentos necessários para a sua aplicação pelo Executivo".

Noutras palavras, os regulamentos executivos são atos administrativos que visam a efetivar a exeqüibilidade da lei, notadamente quando seja esta de caráter genérico, de modo a facilitar os seus entendimento e desejo, detalhando-a de modo a torná-la praticável, muito embora não seja esta a sua única finalidade.

Ainda na mesma esteira, Hely Lopes MEIRELLES sinteticamente define que o regulamento de execução é aquele cujo fim é explicar o modo e a forma de execução da lei.

Desta forma, verifica-se que esta primeira espécie de regulamento presta-se a precisar o conteúdo dos conceitos que, de modo sintético ou de modo impreciso, foram referidos pela lei e determinar o modo de agir da Administração nas relações que, necessariamente, travará com os particulares na oportunidade da execução da lei.

Por fim, melhor dizendo, nas palavras de Eduardo GARCÍA DE ENTERRÍA e Tomás-Ramon FERNÁNDEZ, a necessidade de expedição de regulamentos de execução surge da composição de duas razões: "por uma parte, os tecnicismos da atuação administrativa não são conhecidos pelo órgão legislativo e por isso se remetem à determinação da Administração". De outro lado, "o concurso das normas paralelas pode permitir a mais solene de ambas, a lei, uma concentração de princípios mais imune ao passar do tempo, em tanto que o casuísmo regulamentário pode ser objeto de adaptações constantes. Deste modo se dota o conjunto normativo de uma maior flexibilidade".

2.3.2.2 Regulamento Autônomo

Geraldo ATALIBA, ao tratar dos regulamentos autônomos, adverte que seria "ridículo que um brasileiro, tratando da faculdade regulamentar, à luz do nosso direito, abra um tópico sob tal designação. Tão ridículo como seria criar um capítulo sobre a inspiração de Alah na ação dos seus delegados-governantes. Nos dois casos, a finalidade de menção seria afirmar o não cabimento do próprio estudo, pela inexistência de reconhecimento constitucional a esses institutos".

Clèmerson Merlin CLÈVE esclarece que "são autônomos os regulamentos criados pelo Executivo em virtude de competência outorgada diretamente pelo texto constitucional ou, no caso das antigas monarquias européias, pelo costume".

Para Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO "tais regulamentos flagrantemente criam regras jurídicas novas. Estabelecem limitações à liberdade individual, impõem obrigações, que a lei não previu. Assim, por aplicação estrita do princípio da legalidade, deveriam ser rejeitados por inconstitucionais". Ademais, "essas formas apenas abriam caminho para a transformação do Executivo, na ordem constitucional, em poder também legislativo".

No entanto, faz-se necessário realizar uma distinção entre os regulamentos autônomos e os chamados independentes, os quais são, com certa freqüência, reputados como sinônimos.

A diferença existente entre os referidos regulamentos é a de que, no independente, não há previsão constitucional a seu respeito, discrepando-se, ainda, no que atine à necessidade de haver indicação do ato legislativo que reclama o ato regulamentar, sendo que neste particular inexiste determinação do conteúdo a ser regulamentado.

Sérgio Varella BRUNA ensina que "os regulamentos autônomos são atos normativos editados pelo Poder Executivo com base em competências normativas próprias, estabelecidas na Constituição, para as quais não se prevê a interferência do Poder Legislativo".

Logo, percebe-se, facilmente, que a razão pela qual os referidos regulamentos são veementemente combatidos pela doutrina brasileira é a frontal violência ao princípio da legalidade e da separação dos poderes, visto que os atos normativos provindos da competência regulamentar são formalmente diferentes de lei, razão pela qual não podem inovar o ordenamento jurídico.

Demais disso, o fato de o Poder Executivo exercer função normativa sem qualquer espécie de controle pelo Poder Legislativo fere o princípio constitucional da separação dos poderes, na medida em que o exercício autônomo e desmesurado da função regulamentar implica a inobservância da cláusula-parâmetro da independência e harmonia entre os Poderes.

2.3.2.3 Regulamento Delegado

No âmbito da Administração Pública, é bastante que a lei indevidamente confira ao administrador o poder de dispor sobre o exercício dos direitos pelos particulares. Melhor dizendo: a lei apenas fixa a regra de competência (em seu sentido mais restrito, ligado à determinação do aspecto subjetivo), deixando ao alvedrio do administrador o poder de normatizar determinada matéria.

A este fenômeno tem-se dado o nome de delegação legislativa, espécie do gênero delegações de funções, que nada mais é do que o repasse, por um dos Poderes estatais, de uma função que lhe é típica aos demais.

Luis Roberto BARROSO esclarece que a delegação legislativa é o meio pelo "qual se opera uma transferência da função normativa, constitucionalmente deferida ao Poder Legislativo, a outros órgãos, notadamente os do Poder Executivo".

No âmbito do Poder Executivo, a delegação de poderes se manifesta notadamente por meio das leis-delegadas e dos regulamentos delegados.

Oswaldo Aranha Bandeira de MELLO explica que "os regulamentos autorizados ou delegados são aqueles emanados pelo Executivo, em razão de habilitação legislativa que lhe é conferida pelo Legislativo, porém nos termos dessa determinação de competência, para desenvolver os preceitos constantes da lei de habilitação, que delimita o seu âmbito a respeito".

A questão referente à delegação de funções nunca foi pacífica no Direito. De um lado, existem doutrinadores, como Vitor Nunes LEAL, que entendem inexistir inconstitucionalidade na delegação legislativa, desde que:

Se considerarmos que o próprio texto constitucional poderia traçar limitações às delegações legislativas, impedindo que fossem dadas as autorizações em branco e exigindo sempre que a lei de delegação contivesse os princípios básicos da regulamentação autorizada, os possíveis receios ficam reduzidos a proporções bem menores. Mesmo na ausência de limitações constitucionais, se o congresso resiste em conceder delegações genéricas, se não se curva servilmente diante do executivo, se considera a si mesmo emanação da vontade soberana do povo, nada terá que temer.

Sob a perspectiva inversa, há autores que não têm aceitado a possibilidade de delegações legislativas, em virtude de a "regra da indelegabilidade ter por escopo a proteção do sistema constitucional contra a hipertrofia de um dos poderes da Soberania e a intromissão indevida na esfera dos demais, e não a cura da fidelidade do mandato".

No entanto, como já visto anteriormente, percebe-se que a possibilidade de delegação de poderes, em face do direito brasileiro, é perfeitamente viável, já que houve a supressão da cláusula da indelegabilidade dos poderes do texto constitucional brasileiro de 1988.

Com efeito, a regra da não delegação de poderes deve obediência apenas à impossibilidade de abdicação da competência originária e constitucionalmente atribuída a determinado poder; bem como ao estabelecimento de condições e limites claros para a atuação do poder delegado.

Para que se possa realizar uma delegação de poderes, Luis Roberto BARROSO aponta a existência de duas linhas fundamentais advindas do ordenamento jurídico norte-americano e que foram importadas pelo Brasil, quais sejam:

Pela primeira, a teoria do filling up details (preenchimento de detalhes), seriam legítimas as delegações de competência legislativa ao Executivo quando a esse coubesse tão-somente minudenciar a aplicação da norma geral já editada. Algo, assim, em tudo e por tudo, análogo ao nosso poder regulamentar. A segunda teoria fundava-se em que a delegação legislativa não era vedada, desde que o ato emanado do órgão legislativo transferindo atribuições fixasse parâmetros, standards adequados e satisfatórios para pautarem a atuação legiferante do órgão delegado, limitando-a. A teoria do delegation with standards fez carreira na jurisprudência da Suprema Corte americana, que no entanto, vez por outra, coibiu abusos.

Por importação de tais noções, também a doutrina brasileira passou a encarar com certa atenuação a questão das delegações legislativas, para admiti-las, com reservas, sempre que o legislador oferecesse standards adequados, isto é, quando houvesse início de legislação apta a confinar dentro em limites determinados a normalização secundária do órgão delegado. Inversamente, quando o órgão legislativo abdicasse de seu dever de legislar, transferindo a outros a responsabilidade pela definição das alternativas políticas e das diretrizes a seguir, a invalidade seria patente.

Além disso, eventuais normas que proviessem do Poder Executivo devem estar circunscritas, sempre, ao espaço que é conferido ao poder regulamentar, o qual se conterá dentro das balizas enunciadas na lei, sob pena de estarem eivadas de flagrante inconstitucionalidade.

Atente-se ao que ensina Pedro Carlos Bacelar de VASCONCELOS:

O exercício pela Administração dos poderes que lhe forem delegados pelo Congresso há de ser aferível por princípios claramente definidos na lei delegante. A referência ao Princípio da Separação dos Poderes já não significará tanto preservar uma dada compartimentação de funções, como garantir a efetividade de um vínculo. A partir de agora, na expressão delegação legislativa é permitido subentender uma autorização para legislar, embora apenas no quadro programático que o legislador primário estabeleceu. Contudo a deferência judiciária pela geometria constitucional, tal como protelou uma distinção dogmática entre Executivo e Administração, preferiu também perpetuar o primitivo esquema conceptual da delegação para cobrir práticas tão díspares como actos administrativos, regulamentos das "agencies", actos normativos do Executivo e actos políticos do Presidente.

Assim, percebe-se que o fenômeno da delegação dos poderes deu origem aos regulamentos delegados, os quais são aceitos no Brasil, sob outra nomenclatura, em razão da eliminação da cláusula-parâmetro da indelegabilidade de poderes, bem como em razão de não ter havido abdicação da competência originária, tampouco face à estipulação de limitações ao conteúdo dos atos normativos transferidos.


3. AGÊNCIAS REGULADORAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Dando continuidade à busca pela resposta do questionamento, mister que se passe a estudar, agora, as características gerais das agências reguladoras no Direito Brasileiro, a fim de que se perquira acerca da sua legitimidade para estatuir normas jurídicas, bem como sobre o alcance que estas estatuições poderiam ter em relação ao poder regulamentar conferido ao chefe Poder Executivo.

Outrossim, é necessário que se analise a questão referente à função reguladora no Direito Brasileiro, objetivando determinar quais as competências que podem ser desenvolvidas pelos entes encarregados de seu desempenho.

3.1 EXEGESE DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO DIREITO BRASILEIRO

As agências reguladoras são resultado de processos de reformas administrativa e econômica, cuja origem está nas últimas décadas do século XX, e que visaram à diminuição da atuação do Estado brasileiro, bem como à abertura de certos setores da economia à iniciativa privada e ao capital estrangeiro. Sendo que estas reformas foram implementadas por emendas constitucionais e diversas leis infraconstitucionais.

O referido processo teve início, especificamente, com a edição do Decreto nº 83.740/1979, o qual adotou o Programa Nacional de Desburocratização, cuja instalação se deu no ano seguinte.

A partir de 1981, foi definida uma política restritiva à criação de novas entidades paraestatais e também se estabeleceram as primeiras diretrizes de transferência de empresas públicas ao setor privado.

No ano de 1985, com a publicação do Decreto nº 91.991/1985, aprimorou-se o Programa Nacional de Desburocratização ao se prever a criação do Conselho Interministerial de Privatização, o qual, com a entrada em vigor do Decreto nº 95.886/1988, foi sucedido pelo Conselho Federal de Desestatização.

Com o início da década de 90, iniciou-se outra fase do processo de redução do papel do Estado na seara econômica, que foi as das privatizações. O advento da Medida Provisória nº 155/1990, posteriormente convertida na Lei nº 8.031/1990, trouxe-se a lume o Programa Nacional de Desestatização.

Segundo apregoa o artigo 2º, §1º da Lei nº 8.031/1990, a privatização seria o processo de alienação, instaurado pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras entidades controladas, a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade.

As formas pela quais ocorreria a privatização, segundo determinado pelo artigo 4º da Lei nº 8.031/1990, seriam: 1) a transformação, a incorporação, a fusão ou a cisão da empresa estatal; 2) a alienação de participação societária do Estado; 3) a abertura ou aumento de capital social à iniciativa privada; 4) a dissolução de empresas ou desativação parcial de empreendimentos; 5) a alienação, o arrendamento, a locação, o comodato ou a cessão de bens e instalações.

Devidamente estabelecido o Programa Nacional de Privatização, foi dado início, no âmbito do Poder Legislativo, à edição de emendas constitucionais tendentes à adequação do texto constitucional à nova realidade econômica brasileira.

Luís Roberto BARROSO indica duas fases distintas destas alterações na Constituição Federal de 1988. A primeira foi a extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro que residiam em nosso texto constitucional. Conforme se verifica da redação da Emenda Constitucional nº 06/1995, o artigo 171 da Constituição Federal de 1988, o qual conceituava empresa brasileira de capital nacional e admitia a outorga ás mesmas de proteção, de benefícios especiais e de preferências, foi suprimido. A referida Emenda Constitucional alterou, também, o teor do artigo 176 caput da Constituição Federal de 1988, ao permitir que a pesquisa, a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia elétrica pudessem ser concedidos ou autorizados para empresas constituídas sob as leis brasileiras, dispensada a exigência anterior do controle do capital nacional.

Na mesma senda, a Emenda Constitucional nº 07/1995 modificou o artigo 178 da Constituição Federal de 1988, ao não mais exigir que a navegação de cabotagem e interior fosse realizada privativamente por embarcações nacionais, bem como ao dispensar a nacionalidade brasileira dos armadores, proprietários e comandantes e de, no mínimo, dois terços dos tripulantes.

Por fim, a primeira época das privatizações ocorreu com a promulgação da Emenda Constitucional nº 36/2002, por meio da qual ficou autorizada a participação de estrangeiros em até trinta por cento do capital social das empresas jornalísticas e de radiodifusão, quando da alteração do artigo 222 da Constituição Federal.

De outro viés, a segunda linha de reformas, que modificaram a feição da ordem econômica brasileira, foi a denominada flexibilização dos monopólios estatais.

Pela Emenda Constitucional nº 5 de 15 de agosto de 1995, modificou-se o parágrafo 2º do artigo 25 da Constituição Federal de 1988 e foi aberta a possibilidade de os Estados-membros concederem às empresas privadas a exploração dos serviço público de distribuição de gás canalizado, o qual, anteriormente, era, apenas, delegado à empresa sob controle acionário estatal.

A mesma situação ocorreu com os serviços de telecomunicações e de radiodifusão sonora de sons e imagens. A Emenda Constitucional nº 8, de 15 de agosto de 1995, transmudou os incisos XI e XII do artigo 21 da Constituição Federal de 1988, que só admitiam as concessões à empresa estatal, bem como previu a criação, na forma da lei, de um órgão regulador no âmbito do serviço de telecomunicações.

Com a Emenda Constitucional nº 9, de 09 de novembro de 1995, se pôs fim ao monopólio estatal na área petrolífera, de modo a facultar à União Federal a contratação com empresas privadas de atividades relativas à pesquisa e lavra de jazidas de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação, exportação e transporte dos produtos e derivados básicos de petróleo.

Outrossim, a referida Emenda Constitucional nº 9 instituiu a criação de um órgão regulador para o setor petrolífero, conforme se verifica da nova redação conferida ao artigo 177, § 2º, III, da Constituição Federal de 1988.

Ainda no ano de 1995, foi elaborado o Plano Diretor da Reforma do Estado elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado, atual Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Coube ao Plano Diretor da Reforma do Estado, datado de setembro de 1995, relevar a função reguladora estatal, ao indicar que "a reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser responsável pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento".

Nesta perspectiva, "o Estado reduz seu papel de executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se entretanto no papel de regulador e provedor ou promotor destes".

Posteriormente, no âmbito do extinto Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado, o Conselho de Reforma do Estado, criado pelo Decreto nº 1.738/1996, se reuniu e, por meio da Recomendação de 31 de maio de 1996, sugeriu à Câmara de Reforma do Estado da Presidência da República, a construção de um marco legal dos entes reguladores.

Segundo o teor do referido documento, o aparato regulatório existente à época de sua

elaboração era enorme, obsoleto, burocrático e, em essência, demasiado intervencionista, motivo pelo qual seria necessário, num primeiro momento, desregular alguns setores da economia para, a seguir, regulá-los por meio de novos critérios e formatos mais democráticos, menos intervencionistas e burocratizados.

Para a instituição dos entes reguladores, recomendou-se, ainda, a observância de algumas diretrizes básicas, quais sejam, 1) autonomia e independência decisória do ente regulador; 2) ampla publicidade das normas pertinentes ao ente regulador, de seus procedimentos e decisões e de seus relatórios de atividade, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei; 3) celeridade processual e simplificação das relações mantidas entre o ente regulador e os consumidores, usuários e investidores; 4) participação de usuários, consumidores e investidores no processo de elaboração de normas regulamentares, em audiências públicas, na forma que vier a ser regulada em lei; 5) limitação da intervenção do Estado, na prestação de serviços públicos, aos níveis indispensáveis à sua execução.

O Conselho de Reforma do Estado também considerou indispensável que fossem arrogados aos entes reguladores uma autonomia gerencial, financeira, operacional e que sua organização fosse realizada sob a forma de autarquia.

Ademais, propôs-se a independência decisória do ente regulador, a qual seria assegurada mediante: 1) nomeação dos seus dirigentes pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal, consoante o disposto no art. 52, III, f, da Constituição, com mandato fixo não superior a quatro anos; 2) processo decisório colegiado; 3) dedicação exclusiva dos ocupantes dos cargos de Presidente e membros do colegiado, não se admitindo qualquer acumulação de funções, salvo as constitucionalmente permitidas; 4) recrutamento dos dirigentes da autarquia mediante critérios que atendam exclusivamente ao mérito e à competência profissional, vedada a representação corporativa; 5) perda de mandato do Presidente ou de membros do colegiado somente em virtude da decisão do Senado Federal, atuando por provocação do Presidente da República; 6) perda automática de mandato de membro do colegiado que faltar a determinado número de reuniões ordinárias consecutivas ou a percentual de reuniões intercaladas, resguardados os casos de afastamentos temporários autorizados pelo colegiado.

Noutro momento, por fim, foi publicada a Lei nº 9.491/1997, que revogou totalmente a Lei nº 8.031/1990 e introduziu um conceito mais restrito ao vocábulo privatização, abrangendo, agora, tão-somente, a transferência de ativos ou de ações de empresas estatais para o setor privado.

Sintetizando todas estas informações, Maria Sylvia Zanella di Pietro enumera que a política de redução estatal no Brasil foi levada a cabo das seguintes maneiras: 1) a desregulação, entendida como a diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico; 2) a desmonopolização de atividades econômicas; 3) a venda de ações de empresas estatais ao setor privado; 4) a concessão de serviços públicos, com a devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas estatais, consoante vinha ocorrendo; 5) os contracting out, entendida como a forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios e os contratos de obras e prestação de serviços.

Percebe-se, portanto, que o processo de privatização brasileiro e a reestruturação das estratégias de intervenção estatal no domínio econômico foram acompanhadas de uma política econômica que privilegiou a abertura comercial, a sobrevalorização da moeda nacional, como forma de refreamento ao crescimento da inflação, e a desregulamentação do mercado financeiro brasileiro, com vistas a atrair o capital estrangeiro e, também, de desconstituição de monopólios.

Tem-se claro, ainda, que a conseqüência natural do amplo processo de remodelação do Estado brasileiro, o que é reflexo de uma política econômica, foi a diminuição da sua atuação no domínio econômico, enquanto "Estado-empresário", passando a exercer mais fortemente a regulação de atividades econômicas do que a sua prestação direta.

Neste cenário, surgem as agências reguladoras como opção do Estado para cumprir os mandamentos do artigo 174 da Constituição Federal de 1988. Ao criar as agências reguladoras, o Estado delegá-lhes a missão de serem agentes reguladores e normativos da atividade econômica.

3.2 A FUNÇÃO REGULADORA NO DIREITO BRASILEIRO

A compreensão exata do papel exercido pelas agências reguladoras está vinculada à definição da denominada função reguladora. Entretanto, as dificuldades que surgem para a identificação desta função estatal são enormes, em razão de poderem ser analisados pela Ciência do Direito e da Ciência da Economia. Obviamente, para os fins deste trabalho, importa estudar a função reguladora sob o prisma jurídico.

O fundamento jurídico da função reguladora, no ordenamento jurídico brasileiro, se encontra no artigo 174 da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe que o Estado é agente normativo e regulador da atividade econômica. Contudo, o texto constitucional, por si só, não permite elaborar qualquer definição do que é a função reguladora.

Para melhor esclarecer o assunto, indispensável se valer das diversas lições doutrinárias. Sem dúvida, o autor que melhor analisou o tema da regulação foi Vital MOREIRA. Conforme ensina o referido doutrinador, o termo regulação abarca três acepções jurídicas distintas.

Num primeiro sentido, mais amplo, a regulação seria toda forma de intervenção do Estado no domínio econômico, independentemente dos instrumentos usados, bem como dos fins perseguidos. Ou seja, "cobriria todas as atividades do Estado em relação com a economia, incluindo o exercício de actividades empresariais (empresas públicas em sentido genérico) e as tarefas de condicionamento e disciplina da actividade privada".

Noutro momento, a regulação, numa acepção menos abrangente, seria a intervenção estatal na economia por outros meios que não a participação direta na atividade econômica. Equivaleria à coordenação, ao condicionamento e à disciplinação da atividade econômica privada pelo Estado. Melhor dizendo: indica toda e qualquer intervenção do Estado na atividade econômica exercida sobre os entes privados, excluindo-se a participação direta estatal.

Pelo terceiro significado, mais restrito, a regulação é apenas o condicionamento normativo da atividade econômica privada, por meio de lei ou de outro instrumento normativo. A regulação estaria reduzida à estatuição de normas de conduta da atividade econômica, deixando-se de lado as tarefas de implementação administrativa ou técnica dessas regras.

Sem dúvidas, o parâmetro mais utilizado pela literatura jurídica para delinear o que seria a regulação, é o segundo daqueles propostos por Vital MOREIRA.

De outro lado, para Alexandre Santos de ARAGÃO, a regulação estatal seria o "conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis".

Ainda demonstrando a riqueza de conceitos que permeia o tema, expõe-se o entendimento de Fernando Herren AGUILLAR, para quem a atividade regulatória do Estado pode ser normativa ou operacional, conforme se verifique a maior ou menor responsabilidade estatal na imposição de normas jurídicas aos particulares para o desempenho de atividades econômicas.

Do exposto, resta incontroverso o fato de que a regulação estatal se dá por instrumentos normativos, em razão dos princípios constitucionais da legalidade e do devido processo legal.

No entanto, no Direito Brasileiro, coube preferencialmente às agências de regulação o exercício de função reguladora, sendo ainda tarefa da Constituição Federal e das leis de criação destes órgãos delinear as funções que permitem construir um conceito da referida competência estatal.

Desta forma, realizada uma análise detida do texto constitucional e das normas infraconstitucionais pertinentes, as quais serão especificadas abaixo, percebe-se que, à luz do Direito brasileiro, a competência regulatória compreende cinco ações estatais distintas, a saber: 1) a normatização do comportamento dos agentes econômicos, 2) a fiscalização da conduta dos mesmos, 3) o poder de sancionar atos contrários aos princípios constitucionais da ordem econômica e aos ditames legais, 4) o arbitramento de conflitos entre os prestadores de serviços regulados e 5) o fomento da atividade econômica.

A normatização possui expressa previsão no artigo 174 da Constituição Federal de 1988 e significa a edição de normas jurídicas tendentes ao regramento da conduta dos agentes econômicos participantes de um setor da economia que esteja regulado. No plano legal, um exemplo de deferimento de competência normativa, como nota caracterizadora da função reguladora, pode ser percebido nos artigos 3º, I da Lei nº 9.427/1996 e 19, X da Lei nº 9.472/1997.

Por sua vez, a fiscalização é o controle exercido sobre os entes exploradores de atividade econômica, com o objetivo de se manter a observância aos preceitos constitucionais fundantes da ordem jurídica brasileira, sejam princípios fundamentais como os do âmbito econômico, ou seja, é um verdadeiro poder de polícia exercido sobre o mercado regulado.

Também pode ser entendida como uma permissão conferida ao agente econômico pelo órgão regulador de explorar determinada atividade, desde que presentes condições constitucionais e legais indispensáveis ao ingresso no setor regulado.

A fiscalização é evidenciada como um dos fatores essenciais à caracterização da competência reguladora por meio do caput do artigo 174 da Constituição Federal. Além disso, os artigos 8º, VII da Lei nº 9.478/1996 e 4º, XXIII da Lei nº 9.961/2000, dentre outros dispositivos das outras leis, disciplinam algumas das hipóteses em que será exercido o poder de fiscalização pelos entes reguladores.

De outro viés, entende-se que o poder de impor sanções é uma verdadeira complementação à função fiscalizadora, pois de nada adiantaria atribuir às agências, ou aos outros entes que exerçam a competência reguladora, o poder de fiscalização se não pudessem reprimir as atitudes lesivas aos preceitos normativos.

Um dos fundamentos legais da possibilidade de imposição de sanções encontra-se, no âmbito das agências reguladoras, nos artigos 19, XI da Lei nº 9.472/1997 e 3º, X da Lei nº 9.427/1996.

O arbitramento de conflitos é uma faculdade conferida aos entes reguladores para que, em função de serem os órgãos técnicos específicos do setor, dirimam as desavenças surgidas entre as partes que integram a área regulada.

Tendo em vista o fato de não possuir fundamento constitucional, expresso ou implícito, como é o caso do poder sancionador, a aceitação do poder de dirimir conflitos poderia ser obstaculizada por entendimentos que nele vislumbrariam afrontas ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, contido no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988.

No entanto, de acordo com o que faz Maria Sylvia Zanella di PIETRO, a resolução deste aparente conflito não guarda maiores percalços, tendo em vista que a independência, uma das características das agências reguladoras, não deve ser interpretada de tal modo que afaste os assuntos submetidos à esfera administrativa à futura apreciação jurisdicional, em face do aludido princípio da inafastabilidade da jurisdição. O poder de dirimir contendas está contido, exemplificativamente, nos artigos 19, XVII da Lei nº 9.472/1997 e 15, VII da Lei nº 9.782/1999.

Por fim, o poder de fomento também possui seu fundamento no artigo 174 da Lei Maior. Nas palavras de Celso Ribeiro BASTOS, fomentar é o incentivo dado pelo Estado a determinados ramos da atividade econômica, por meio da concessão de isenções tributárias, incentivos de ordem fiscal e creditício, tudo objetivando a redução das desigualdades sociais e à busca pelo pleno emprego. Na legislação infraconstitucional, por amostragem, o fomento está previsto no artigo 7º, II da Lei nº 9.782/1999

Realizadas estas ponderações acerca da função reguladora, é necessário que se estude as agências reguladoras no Direito brasileiro, com o intuito de verificar alguns de seus aspectos fundamentais, os quais vêm causando polêmicas dentre os juristas pátrios.

3.3. AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO DIREITO BRASILEIRO

3.3.1 Agências Reguladoras Existentes no Direito Brasileiro

A par da discussão doutrinária, segundo a qual as agências reguladoras não seriam novidade no direito brasileiro, tendo em vista a existência de outras entidades que também exerceriam competências reguladoras, pode-se afirmar que somente no ano de 1996 surgiu a primeira agência reguladora brasileira: a Agência Nacional de Energia Elétrica, instituída pela Lei nº 9.427 de 26 de dezembro de 1996 e regulamentada pelo Decreto nº 2.235/1997.

Em seguida, surge a Agência Nacional de Telecomunicações, cuja criação se deu pela Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 e que foi objeto de regramento do Decreto nº 2.338/1997. Posteriormente, foi publicada a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, completada pelo Decreto nº 2.455/1998, por meio da qual adveio a Agência Nacional do Petróleo.

Com a Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, instalou-se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, objeto de regulamentação pelo Decreto nº 3.029/1999. Por meio da Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, concebeu-se a Agência Nacional de Saúde Suplementar, cuja regulamentação se deu pelo Decreto nº 3.327/2000.

Por sua vez, com a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, objeto de tratamento do Decreto nº 3.692/2000, nasceu a Agência Nacional das Águas. Com a Lei nº 10.233/2001, de 5 de junho de 2001, despontaram no direito brasileiro a Agência Nacional de Transportes Terrestres e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários.

Por fim, completando a relação das agências reguladoras brasileiras, foi instituída, por meio da Medida Provisória nº 2.281-1, de 06 de setembro de 2001, a Agência Nacional do Cinema.

Expostas quais são as agências existentes no ordenamento jurídico brasileiro, cumpre, agora, estudar qual seria a sua natureza jurídica.

3.3.2 Natureza Jurídica, Características e o Conceito de Agências Reguladoras à Luz do Direito Positivo Brasileiro

O Direito positivo brasileiro não contemplou qualquer definição do que venham a ser as agências reguladoras, legando a integração desta lacuna normativa pela interpretação dos operadores do Direito. Ressalte-se que a conceituação do sejam as agências reguladoras no Direito brasileiro não é desprovida de significações práticas, tendo em vista que, somente de posse dela, é que se poderá enquadrar as entidades que estarão submetidas aos regramentos da Lei nº 9.986 de 18 de julho de 2000, a qual dispõe, dentre outros assuntos, acerca da gestão dos recursos humanos na esfera das agências reguladoras.

Deste modo, o caminho escolhido para se atingir o desiderato acima apontado, será o da análise dos textos normativos, extraindo-se os traços comuns às agências.

É o que se propõe a fazer agora.

3.3.2.1 Natureza Jurídica

Num primeiro momento, vislumbra-se que todas as agências reguladoras criadas no direito brasileiro são qualificadas como autarquias especiais.

Hely Lopes MEIRELLES ensina que será autarquia especial "aquela a que a lei instituidora conferir privilégios específicos e aumentar sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns, sem infringir preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de personalidade pública".

Todavia, mister que se proceda à uma investigação do que seria o aludido regime especial a que estão submetidas autarquias sob regime especial denominadas agências reguladoras.

Conforme observado por Celso Antônio Bandeira de MELLO, o regime especial das agências reguladoras está definido em quatro de todos os diplomas normativos que as instituíram.

Segundo o artigo 8º, § 2º, da Lei nº 9.472/1997, a especialidade do regime dos entes reguladores brasileiros estaria garantida pelas suas independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, estabilidade e determinabilidade dos mandatos de seus dirigentes, bem como sua autonomia financeira.

De outro lado, o artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.961/2000, prescreve que o regime especial se caracteriza pela autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos das autoridades reguladoras, pela autonomia nas suas decisões técnicas e pelo mandato fixo de seus dirigentes.

Já a Lei nº 9.782/1999, em seu artigo 3º, parágrafo único, estabelece que o regime em exame está vislumbrado pela independência administrativa, pela estabilidade de seus dirigentes e pela autonomia financeira.

Por último, a Lei nº 10.233/2001, no artigo 21, § 2º, apregoa que o regime especial das autarquias é determinado pelas independências administrativa, financeira e funcional, bem como pela atribuição de mandato fixo aos seus dirigentes.

Percebe-se, desta maneira, num apanhado destas estatuições, que o regime especial das agências reguladoras estaria configurado pela atribuição de independência administrativa e financeira aos referidos entes; a concessão, aos seus dirigentes, de mandatos fixos e estáveis, além da definitividade administrativa das decisões técnicas exaradas.

Caso se almejasse, apenas, identificar qual a natureza jurídica e as características das agências reguladoras, esta conclusão parcial seria suficiente.

Todavia, como o que se apresentou não é suficiente para se destacar, completamente, as agências reguladoras das demais autarquias, é necessário, ainda, se verificar qual o conceito tradicional de autarquia.

Nos termos do artigo 5º, I do Decreto-Lei nº 200/67, autarquia é o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

Doutrinariamente, a mesma autarquia é "uma entidade estatal da administração indireta, criada por lei, com personalidade de direito público, descentralizada funcionalmente, para desempenhar competências administrativas próprias e específicas, com autonomia patrimonial, administrativa e financeira".

Assim, ante o cotejo dos traços característicos das autarquias tradicionalmente concebidas e daquelas ditas especiais, percebe-se que a diferença existente entre elas está na investidura de mandato fixo e estável aos dirigentes, bem assim pela falta de ingerência hierárquica da Administração Central sobre os atos decisórios, ambas no que atine às agências reguladoras.

Visto que a natureza a natureza jurídica das agências reguladoras é a de autarquia sob regime especial, bem como quais seriam as características que o configura, mister, agora, que se proceda a um detalhamento dos traços dos entes reguladores brasileiros, ainda que alguns deles em consonância com as características apresentadas pelas autarquias.

3.3.3 Características Gerais das Agências Reguladoras

Relembre-se, antes de tudo, o rol das características das agências reguladoras, a saber: 1) independência administrativa; 2) independência financeira, 3) mandatos fixos e estáveis aos dirigentes e 4) definitividade administrativa das suas decisões.

Como é cediço, para se evitarem quaisquer problemas, as leis, no Brasil, em razão da composição plúrima das Casas Legislativas, nem sempre são dotadas das melhores técnicas jurídicas.

Tanto isto é verdade que a principal tarefa do jurista contemporâneo é saber interpretar, ou seja, conhecer os métodos para buscar o sentido das expressões equivocadamente utilizadas nos textos normativos, adequando-as, sistematicamente, conforme a Constituição Federal.

Diferentemente não ocorreu com as leis que criaram as agências reguladoras, pois, conforme ensina Carlos Ari SUNDFELD, a autonomia administrativa dos entes reguladores é verificada, justamente, pela ausência de exoneração ad nutum dos dirigentes e, também, pelo fato de as suas decisões gozarem de definitividade no âmbito administrativo.

Desta forma, percebe-se que as quatro características apontadas pelas leis instituidoras de agências reguladoras como formadoras do regime especial, resumem-se a duas, sob o ponto de vista da dogmática jurídica: autonomia administrativa e financeira, encontrando-se na primeira delas as duas notas que destoam as agências reguladoras das demais autarquias, quais sejam a impossibilidade de exoneração desmotivada dos dirigentes e a definitividade das decisões administrativas.

Assim, para melhor sistematizar a exposição, passar-se-á, primeiramente a estudar a autonomia administrativa das agências reguladoras, ponto este que gera maiores discussões acerca do tema. Num segundo momento, verificar-se-á a autonomia financeira, a qual, apesar de não demandar muitas discussões, é fundamental para a garantia de independência aos entes reguladores, principalmente no que atine ao exercício da função reguladora que lhes foram atribuídas.

3.3.3.1 Autonomia Administrativa

A autonomia administrativa é, estreme de dúvidas, um dos pontos que suscita maior polêmica na atividade diuturna das agências reguladoras, pois, de acordo com o que esclarece Carlos Ari SUNDFELD, "a opção por um sistema de entes com independência em relação ao Executivo para desempenhar as diversas missões regulatórias é uma espécie de medida cautelar contra a concentração de poderes nas mãos do Estado". No entanto, a aludida opção pode ser aceita ou rechaçada, consoante o perfil ideológico do grupo que se encontra no governo, tal qual demonstra o passado recente do Brasil.

Como referido dantes, o surgimento das agências reguladoras se deu na metade final da década de 90, quando o Presidente da República era Fernando Henrique Cardoso, cuja aspiração ideológica, durante os mandatos, foi tachada de neoliberal, ou seja, favorável à redução do papel do Estado no desempenho de atividades econômicas.

De outro lado, o atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, logo em seu segundo mês de mandato, pôs o tema da independência das agências reguladoras em voga, em contraposição ao modelo instaurado, dizendo que: "o Brasil foi terceirizado. As agências mandam no Brasil, pois as decisões que afetam o dia-a-dia da população não passam pelo governo".

É importante salientar que esta declaração teve repercussão bastante forte no cenário político-econômico brasileiro, a ponto de ser montado um grupo de trabalho, coordenado pela Casa Civil, cuja atribuição foi a de estudar a atuação das agências reguladoras e, com base dos resultados, sugerir um novo modelo regulatório para o país, no qual o poder decisório não fosse tão descentralizado como no modelo atual.

Conforme se observou do conteúdo do relatório, uma das conclusões e sugestões do grupo foi a de condicionar a estabilidade dos dirigentes das agências reguladoras aos casos de cumprimento de um contrato de gestão a ser firmado com o Ministério respectivo.

Vale dizer: pretendeu-se terminar com uma prerrogativa conferida, dentre outros dispositivos, pelo artigo 9º da Lei nº 9.986/2000 aos ocupantes dos cargos de direção das agências reguladoras, que, para tanto, foram sabatinados conforme prescrição do artigo 52, III, "f" da Constituição Federal de 1988, em detrimento ao cumprimento de um plano de metas pactuado entre o órgão regulador e a pasta governamental correspondente, numa perigosa equiparação entre as agências reguladoras e as agências executivas.

No entanto, conforme recentemente se observou, o governo brasileiro realizou uma espécie de mea culpa em relação às agências reguladoras. Após uma série de críticas, o governo atenuou o discurso e decidiu não mais modificar a estrutura administrativa das agências reguladoras.

Do que se depreende do novo relatório feito pelo governo, pretende-se, apenas, incrementar os instrumentos de controle social das agências, com a criação de ouvidorias em cada um dos entes reguladores.

A par da pertinência ou não das críticas feitas pelo atual governo, incumbe ressaltar que a independência das agências reguladoras em relação ao Poder Executivo não é algo tão puro quanto afirmado.

Sob o prisma constitucional, de acordo com os artigos 84, II, e 87, parágrafo único, I, da Lei Fundamental brasileira de 1988, estão postos à disposição do Presidente da República e dos Ministros de Estados todos os mecanismos de controle passíveis de serem lançados em face das referidas autarquias especiais para que se efetive o poder de controle imanente ao cargo que ocupam.

Obviamente, a restrição à liberdade de atuação das agências reguladoras não poderá afetar as garantias especiais da destituição imotivada dos seus dirigentes e da irrecorribilidade administrativa das decisões tomadas pelas referidas autarquias.

Deve-se compreender a impossibilidade de exoneração ad nutum dos dirigentes como sendo uma garantia que lhes foi conferida pela legislação específica, com o objetivo de assegurar a continuidade de orientação e a independência de ação das entidades que encabeçam, não obstante as injunções políticas sofridas, tudo com o intuito primordial de conferir maior especialidade técnica aos setores regulados.

Importa mencionar que Celso Antônio Bandeira de MELLO crê que os mandatos dos dirigentes não poderiam ultrapassar o período governamental, sob a pecha de inconstitucional, por ser uma forma indireta do antigo governante prolongar a sua administração, ferindo o princípio republicano, que pressupõe a temporalidade dos mandatos.

Ademais, destaque-se que a questão já foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.949-0, por meio da qual o Supremo Tribunal Federal julgou, em caráter liminar, constitucional o novo sistema instituído com relação à estabilidade dos dirigentes de autarquias especiais, a qual estaria em xeque, apenas, em casos de justa causa, de exoneração mediante o prévio procedimento administrativo, onde se assegurem o contraditório e a ampla defesa, ou caso a legislação das agências reguladoras sejam alteradas.

De outro lado, a definitividade, no âmbito administrativo, das decisões proferidas pelas agências reguladoras também se demonstra como uma das manifestações de sua autonomia administrativa.

No geral, as legislações das agências reguladoras não são específicas ao determinar o não cabimento do denominado recurso hierárquico impróprio das decisões proferidas pela Diretoria Colegiada ao Ministério vinculado à sua atuação.

Contudo, os artigos 19, XXV da Lei nº 9.472/1997, 15, VII e §2º da Lei nº 9.782/1999 e 27, §4º da Lei nº 10.233/2001 dispõem que a Agência Nacional de Telecomunicações, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários se constituem nas últimas instâncias administrativas de julgamento, sob a esfera da atividade regulada.

Ademais, a par do silêncio normativo quanto os recursos hierárquicos impróprios, outra não poderia ser a conclusão senão a da autonomia administrativa. Conforme a doutrina de Alexandre Santos de ARAGÃO, "não é a sua (recurso hierárquico impróprio) que deve ser expressa, mas sim a sua admissão". Outrossim, ressalte-se que este posicionamento doutrinário está em consonância com o princípio da taxatividade dos recursos, observado no âmbito da Ciência Processual, segundo o qual somente são considerados recursos aqueles numerus clausus definidos em lei federal.

Em suma, somente por meio da impossibilidade de revisão das questões definidas pelas agências reguladoras pelos órgãos da Administração Central, estar-se-ia garantindo a vedação de proferimento de decisões políticas em assuntos que, por opção legislativa, devem ser avaliados sob juízos técnicos.

3.3.3.2 Autonomia Financeira

Consoante as lúcidas advertências de Edmir Netto de ARAÚJO, a autonomia orçamentária "não pode significar que a entidade possa realizar despesas não previstas para a autarquia na lei geral orçamentária do Estado, que terá como apêndice justamente o orçamento da autarquia. O mesmo se diga da autonomia financeira, pois a execução financeira do orçamento tem regras próprias de controle no orçamento, inclusive para as autarquias".

Com efeito, como autarquias especiais que são, as agências reguladoras possuem seu orçamento regido pelo artigo 165, § 5º, I, da Constituição Federal de 1988, ou seja, o orçamento de cada agência reguladora estará compreendido na lei orçamentária anual.

De outro lado, o patrimônio das agências é reputado como patrimônio público, o qual é destinado a cada órgão regulador, conforme disposto na legislação específica dos entes.

Para que se tenha um exemplo, o qual é fornecido por Paulo Roberto Ferreira MOTTA, as rendas da Agência Nacional de Energia Elétrica são constituídas por recursos que surgem da cobrança de taxas de fiscalização sobre os serviços de energia elétrica, a teor do que prevêem os artigos 11, I e 12 da Lei nº 9.427/1996; recursos ordinários provindos do Tesouro Nacional, os quais estão assinalados no Orçamento Fiscal da União e em seus créditos adicionais, transferências e repasses que lhe forem conferidos, de acordo com o artigo 11, II da mesma lei federal.

Além disso, a referida Agência obtém recursos do produto da venda de publicações, material técnico, dados e informações, inclusive para fins de licitação pública, de emolumentos administrativos e de taxas de inscrição em concurso público, em consonância com o disposto no artigo 11, III da Lei nº 9.427/1996.

A Agência Nacional de Energia Elétrica também angaria recursos por meio de rendimentos de operações financeiras que realizar; recursos provenientes de convênios, acordos ou contratos celebrados com entidades, organismos ou empresas, públicas ou privadas, nacionais ou internacionais, conforme os incisos IV e V do aludido artigo 11 da Lei nº 9.427/1996.

Ainda recebe recursos de doações, legados subvenções e outros recursos que lhe forem destinados; valores apurados na venda ou no aluguel de bens móveis e imóveis de propriedade da própria Agência, de acordo com o disposto no artigo 11, VI e VII da lei federal instituidora da referida autarquia especial.

Por fim, a Agência Nacional de Energia Elétrica poderá arrecadar valores relativos à compensação financeira pela exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e os valores relativos aos royalties devidos pela Itaipu Binacional e de outros aproveitamentos binacionais.

3.3.4. Conceito

Os conceitos doutrinários acerca do que venha a ser agência reguladora são os mais diversos e levam em conta elementos distintos, conforme a abordagem dada ao assunto.

Exemplo desta multiplicidade de definições pode ser encontrada no seguinte inventário de lições doutrinárias.

Marçal JUSTEN FILHO, o qual realiza uma ampla abordagem do tema sob o prisma de direito comparado e direito positivo brasileiro, propõe que agência reguladora independente é uma "autarquia especial, criada por lei para intervenção estatal no domínio econômico, dotada de competência para regulação de setor específico, inclusive com poderes de natureza regulamentar e para arbitramento de conflito entre particulares, e sujeita a regime jurídico que assegure a sua autonomia em face da Administração direta".

Alexandre Santos de ARAGÃO, de outro lado, com base em alguns elementos trazidos pelas normas jurídicas brasileiras, as define como "autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias e dirigidas por colegiado cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República, após prévia aprovação pelo Senado Federal, vedada a exoneração ad nutum".

Em sentido semelhante, Marcos Juruena Villela SOUTO entende que as agências reguladoras são:

Entidades que integram a Administração Pública indireta, criadas por lei para o exercício da autoridade inerente à função de intervir na liberdade privada por meio de ponderação entre interesses em tensão, tendo, assim, personalidade de direito público, caracterizando-se como autarquia, por exigir autonomia em relação ao poder central, da espécie de autarquia especial, por ser dotada de independência, que se manifesta, principalmente, pela atribuição de mandatos fixos a uma direção colegiada.

Finalmente, Paulo Roberto Ferreira MOTTA ensina que:

Uma agência reguladora deve ser conceituada como um ente administrativo dotado de autonomia, sendo que a sua criação deve ser realizada por lei específica, com personalidade jurídica de direito público interno, patrimônio próprio e competências perfeitamente especificadas no texto legal criador daquela. A lei de criação, por sua vez, deve limitar, detalhadamente, toda a competência, delegada pelo legislador à agência reguladora. Os limites da delegação devem encontrar na lei criadora o locus de sua intensidade e dimensão, a fim de que possa o intérprete, com presteza e correção, verificar, no futuro, o campo normativo que continua no âmbito de competência do Parlamento e do Executivo.

No entanto, do que foi exposto, percebe-se que, à luz do direito positivo brasileiro e das lições doutrinárias colacionadas, as agências reguladoras são autarquias sob regime especial voltadas ao exercício de função reguladora estatal sobre o domínio econômico, as quais estão estruturadas com estabilidade funcional dos seus dirigentes, definitividade administrativa de suas decisões e receitas financeiras próprias.


4. DETERMINAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

4.1. A COMPETÊNCIA NORMATIVA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Conforme o conceito adotado de função reguladora, percebe-se que a existência do poder normativo é imanente à própria definição da referida atividade desempenhada pelo Estado, conforme atribuição do artigo 174 da Constituição Federal de 1988.

Entretanto, em que pese a necessidade do exercício de função normativa pelas agências reguladoras, como forma de desenvolvimento de função reguladora, o tema da atribuição da competência normativa aos referidos entes suscita inúmeras discussões face ao regime jurídico brasileiro e à sua pretensa inadequação ao modelo regulatório.

Vislumbram-se, de um lado, opiniões de doutrinadoras, como Maria Sylvia Zanella di PIETRO, Lúcia Valle FIGUEIREDO e Arianne Brito Rodrigues CAL, segundo as quais somente as agências reguladoras com previsão constitucional exerceriam poderes regulamentares.

Desta maneira, somente a Agência Nacional de Telecomunicações e a Agência Nacional de Petróleo regulariam a atividade econômica por meio de atos de cunho normativo, vez que originadas nos artigos 21, XI e 177, §2º, III da Constituição Federal de 1988.

Este posicionamento, no entanto, não está isento de críticas. Marçal JUSTEN FILHO ensina que esta solução não pode ser admitida porque a previsão constitucional de exercício de poderes normativos pelas agências reguladoras, pelo simples fato de estarem contidas no texto constitucional, o que, supostamente, lhes daria uma roupagem especial, retira a competência do Poder Legislativo. "Ou seja, a Constituição teria transferido do Legislativo para o Poder Executivo determinadas competências legiferantes".

De toda maneira, como bem observa Renata Porto Adri de ROSA, o problema da atribuição de competência normativa aos entes reguladores envereda a busca de novas formas de interpretação do ordenamento jurídico vigente que compatibilizem esta função normativa com os princípios constitucionais e os postulados de outros ramos do Direito, de maneira a possibilitar que exerçam plenamente a função reguladora que lhes foi atribuída.

Assim, ao invés de simplesmente negar a atribuição de poderes normativos às agências reguladoras, o que acabaria por lhes retirar a própria essência, deve-se buscar os instrumentos legitimadores que expliquem a natureza jurídica desta função.

Na doutrina, além do posicionamento há pouco mencionado, observa-se a existência de, pelo menos, três teorias mais destacadas.

A primeira delas, representada por Leila CUÉLLAR, explica que o poder normativo conferido às agências reguladoras brasileiras resultaria de uma legitimação pela função. Melhor dizendo: em razão da própria função reguladora a que visam dar cumprimento, as referidas autarquias estariam autorizadas a expedir atos administrativos de cunho normativo, os quais estariam equiparados aos regulamentos autônomos.

Numa segunda perspectiva, a função normativa das agências reguladoras adviria do fenômeno chamado deslegalização ou delegificação. Esta teoria, cujo maior defensor no Brasil é Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO, seria uma subespécie da delegação legislativa, dentro de um modelo classificatório aperfeiçoado por Eduardo GARCÍA DE ENTERRÍA, o qual surgiu no direito francês.

O terceiro entendimento acerca da atribuição de capacidade normativa aos entes reguladores independentes brasileiros é o proposto por Marçal JUSTEN FILHO, para quem a concessão de poderes normativos às agências reguladoras decorreria da manifestação do poder discricionário conferido aos agentes públicos resultantes de uma delegação normativa imprópria ou de cunho secundário.

Vistas, ainda que de maneira panorâmica, quais são as fundamentações teóricas legitimadoras da atribuição de poderes normativos às agências reguladoras, importa, agora, investigá-las, com um pouco mais de vagar, indicando, também, quando necessárias, as devidas críticas.

4.1.1 Teoria dos Atos Normativos das Agências Reguladoras Enquanto Regulamentos Autônomos

Aqueles que se afiliam a essa corrente de pensamento, entendem que o poder normativo das agências reguladoras advém de uma capacidade regulamentar diferente daquela tradicionalmente concebida no Direito Brasileiro.

Seria diferente, em princípio, porque admitiria a expedição de regulamentos autônomos, os quais, para a maioria dos doutrinadores, seria vedado pela sistemática instituída pela Constituição Federal de 1988, especificamente no que tange ao princípio da separação dos poderes, contido em seu artigo 2º.

O poder regulamentar autônomo surgiria de um primeiro fato que é o reconhecimento da não exclusividade da titularidade do Poder Regulamentar ao Chefe do Poder Executivo e aos Ministros de Estado, tal como estatuído nos artigos 84, IV e 87, parágrafo único, II, ambos da Constituição Federal de 1988. Para eles, outras entidades da Administração Pública também expedem decretos, regulamentos e instruções para fiel execução das leis, tal qual o caso das agências reguladoras, figuras da Administração Pública indireta, sem que isso denotasse qualquer inconstitucionalidade.

Noutro momento, esta nova competência regulamentar não estaria cingida, somente, ao fiel cumprimento da lei, como estatuído na parte final do artigo 84, IV da Constituição Federal de 1988. Em virtude da realidade político-econômica, passaria o Estado a ser regulador da atividade econômica, justificando, assim, a realização das finalidades estatais a que se propõem os novos entes. Em outros termos: os fins estatais justificariam a legitimidade dos instrumentos utilizados para a sua consecução.

A revisão dos paradigmas constitucionais, em verdade, seria uma condição imprescindível para o embasamento do poder normativo das agências reguladoras e, conseqüentemente, das suas próprias razões de ser, vez que, sem a autonomia para expedir normas jurídicas, não seria possível se cogitar em regulação da atividade econômica.

Além disso, conforme salienta Egon Bockmann MOREIRA, outro defensor desta corrente de pensamento, a capacidade para a expedição de normas conferida aos entes reguladores brasileiros não lesionaria o texto constitucional porque limitado pela própria lei instituidora da autarquia especial.

Neste sentido, ainda, a leitura crítica feita por Eros Roberto GRAU da teoria da separação de poderes de MONTESQUIEU, quanto à utilização do critério material, e não do orgânico, para classificação das atividades estatais, validaria também a expedição de regulamentos autônomos no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que esta competência decorreria de uma outorga constitucional implícita ao Poder Executivo para o desempenho de função normativa que objetivasse a execução de normas jurídicas.

Portanto, ao atribuir o poder normativo aos entes administrativos, segundo a classificação sugerida por Eros Roberto GRAU, explicar-se-ia a denominada capacidade normativa de conjuntura, entendida como aquela disponibilizada ao Poder Executivo para normatizar situações momentâneas que emergem das alterações da realidade econômica.

Em verdade, nota-se que a maior preocupação existente é a construção de um conjunto hermenêutico que vise, não somente a dar respaldo jurídico à constitucionalidade dos regulamentos autônomos no direito brasileiro, mas, sim, a desenvolver um cabedal de instrumentos controladores destes atos administrativos.

Desta forma, percebe-se das palavras de Leila CUÉLLAR: "assim, e mesmo que se admita que as agências reguladoras brasileiras possuam competência regulamentar, inclusive para editar regulamentos autônomos, cumpre assinalar que o exercício do poder regulamentar no direito brasileiro jamais seria ilimitado, sendo impostas restrições ao seu exercício".

Portanto, dentro do modelo de limites propostos pela referida autora, a primeira regra limitadora dos poderes normativos das agências reguladoras é a de que os regulamentos não podem desrespeitar as normas e os princípios de direito que lhe são superiores, tendo em vista que "ainda que autônomos, os regulamentos são atos administrativos, hierarquicamente subordinados à lei e à constituição – cujo conteúdo devem atender, formal e substancialmente".

O segundo preceito disciplinador diz respeito à impossibilidade de o regulamento autônomo inovar de forma absoluta na ordem jurídica, seja criando direitos, deveres ou obrigações às pessoas privadas, sem respaldo de lei; bem como ampliando ou restringindo direitos ou obrigações. Para que os regulamentos possam gerar deveres, direitos e obrigações, a lei há de dar azo a esta possibilidade.

Outro limite é o de não ser autorizada à autoridade administrativa a criação de normas cuja edição pressupõe processo legislativo certo e específico, de modo a se viabilizar a observância do princípio da tipicidade no âmbito do Direito Administrativo.

Neste ínterim, não cabe ao regulamento, por si só, criar crimes, instituir penas, sanções, prescrever tributos ou encargos de qualquer natureza. Outrossim, veda-se ao regulamento a restrição da igualdade, da liberdade e da propriedade ou de determinar alterações no estado das pessoas.

Outra barreira a ser observada é a de que o regulamento não possui efeito ex tunc, exceto quando o regulamento se destinar a beneficiar pessoas privadas, observando-se, obrigatoriamente, o princípio da isonomia de forma a "evitar que não seja ele – regulamento – um benefício específico a determinado grupo de pessoas, em detrimento de outro que esteja submetido a mesma situação fático-jurídica".

Imprescindível que a expedição do regulamento seja fundamentada, haja vista que é um ato administrativo e, por esta razão, deve apresentar sua motivação pública de fato e de direito.

Por fim, o regulamento há de ser objeto de análise do Poder Judiciário, no que se refere à sua emanação e quanto ao seu conteúdo. Nas palavras da autora:

Há de se preservar a essência do sistema de ‘checks and balances’, de modo a possibilitar o controle do título competencial detido pela entidade que emana o provimento regulamentar, assim como quanto ao seu conteúdo. Esse controle, na medida que se impõe a atos administrativos com a natureza jurídica normativa de provimentos gerais e abstratos, pode ser exercitado da forma concentrada – controle objetivo e - difusa – controle subjetivo. Assim, um regulamento emanado por uma agência reguladora federal, cujas normas espalham-se pelo território nacional, pode tanto ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade quanto a ser atacado em mandado de segurança, pela pessoa que se vir prejudicada concretamente pelo provimento.

Em suma, seria possível, na opinião de Leila CUÉLLAR, estabelecer uma teoria acerca dos regulamentos autônomos brasileiros, levando-se em conta a existência de certas limitações ao exercício do poder regulamentar.

Afirma-se, aliás, que inexiste oposição entre o princípio da legalidade e a possibilidade de emanação de regulamentos autônomos, pois se considera legítima a atuação normativa das agências em razão da relevância das atividades desempenhadas e dos objetivos traçados para a sua instalação.

Neste sentido, a competência normativa conferida a essas autarquias sob regime especial, além de inerente à própria atividade de regulação, demonstra-se imprescindível para que tais entes possam desempenhar de maneira eficiente suas atribuições.

Contudo, esta teoria foi alvo de críticas, as quais foram desferidas por Marçal JUSTEN FILHO e Arianne Brito Rodrigues CAL. Para o primeiro autor, o fato de a Constituição Federal atribuir a responsabilidade de a Administração Pública promover o interesse público não justifica a concessão de qualquer competência normativa determinada e autônoma. Com efeito, "nunca se poderia extrair uma competência normativa autônoma para a Administração Pública a partir de simples argumentação de que a Constituição impõe a ela o dever de realizar o bem-comum. Cada situação concreta comportaria diversas respostas".

O referido autor argumenta que o modelo proposto por Leila CUÉLLAR é parcialmente válido porque, embora esteja correto quanto à criação de instrumentos de controle da atividade normativa das agências reguladoras, defendeu idéia contrária ao sistema constitucional brasileiro, que é a possibilidade de existência de regulamentos autônomos.

De outro lado, Arianne Brito Rodrigues CAL entende inconcebível a possibilidade de serem veiculados regulamentos autônomos no Brasil, sob pena de violação do princípio da legalidade contido no artigo 5º, II, da Constituição Federal de 1988, porque o regulamento não é lei formal e, portanto, não estaria legitimado a criar direitos e impor obrigações. Além disso, a função precípua da competência regulamentar é complementar a lei e não inovar na ordem jurídica.

Analisada, ainda que perfunctoriamente, a primeira teoria justificadora da atribuição do poder normativo às agências reguladoras, passa-se ao estudo do segundo trabalho mencionado anteriormente.

4.1.2 Teoria da Delegificação ou Deslegalização

Tratando da questão atinente ao poder normativo conferido às agências reguladoras, Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO considera-o como a técnica de delegação normativa definida como deslegalização ou delegificação, cuja origem remonta à doutrina francesa da délégation de matières e que foi desenvolvida, no âmbito doutrinário ainda, sobremaneira, por Eduardo GARCIA DE ENTERRÍA.

Segundo esta doutrina, a transferência de competência pela qual ela se caracteriza tem fulcro na retirada, pelo legislador, de determinadas matérias da seara legal (domaine de la loi) com a sua conseqüente colocação no domínio do regulamento (domaine de l´ordonnance). Não há necessidade de a lei delegante discorrer detalhadamente a respeito do assunto a ser normado, bastaria, apenas, viabilizar a sua regulamentação por atos próprios de outras fontes normativas, independentemente de estas serem estatais.

No entanto, a única ressalva que deve ser feita é sobre estas normas se deve exercer continuamente um controle político, com o escopo de evitar e/ou aniquilar eventuais excessos.

Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO defende a idéia de que a deslegalização, enquanto utilizada na função regulatória, aproxima as disposições jurídicas dos setores que dela carecem, retirando-as das imposições diretas promovidas pelo Estado, por meio de leis formais editadas pelos seus órgãos legislativos.

Além disso, acredita que a competência normativa atribuída às agências reguladoras é o meio ideal para uma atuação célere e flexível para a solução, em abstrato e em concreto, de questões em que haja predominância de escolhas técnicas, distanciadas e isoladas de opções político-administrativas, que são típicas da ação dos parlamentos, e que depois se prolongam nas escolhas administrativas discricionárias, concretas e abstratas, que prevalecem na ação dos órgãos burocráticos da Administração direta.

Assim, reproduz em sua obra o conceito de deslegalização formulado por Gianmario DEMURO, para quem, o referido instituto, trata da "transferência da função normativa (sobre matérias determinadas) da sede legislativa estatal a outra sede normativa".

Cumpre enfatizar, ademais, que as normas produzidas em decorrência do mencionado fenômeno não se confundem com as normas regulamentares expedidas pelo Poder Executivo, tampouco pelo Legislativo.

Para Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO, a regulação derivada da deslegalização materializa as reservas constitucionais impostas relativamente ao controle de toda sorte de atividades econômicas potencialmente ofensivas ao equilíbrio e à harmonia sociais.

Isto porque a regulação trata minuciosamente das disposições diretas definidas pelo legislador que contêm apenas finalidades e, destarte, dependem de ulterior tratamento e regulamentação para poderem, efetivamente, serem aplicadas.

Todavia, ainda o mesmo doutrinador ensina que toda delegação de função reguladora encontra dois limites: os de ordem externa à transferência e os de ordem interna. Os primeiros são representados pelas limitações que sofre qualquer ato normativo em decorrência do sistema jurídico em que se inserem, quais sejam, serem compatíveis com as demais disposições legais, sejam elas hierarquicamente superiores ou estejam no mesmo nível, sob pena de invalidade da norma reguladora. Referentemente ao segundo grupo de restrições, sublinha-se que é composto pelos limites procedimentais e temporais a serem observados pelas normas reguladoras (parâmetros formais) e pelo seu conteúdo (parâmetro material).

Desse modo, como já salientado, o poder normativo das agências reguladoras prima pelo atendimento à exigência de normatização essencialmente técnica, com reduzida interferência político-administrativa estatal em determinados campos de prestação de serviços e bens, públicos ou não.

Da mesma opinião apresentada comungam Marília de Ávila e Silva SAMPAIO e Alexandre Santos de ARAGÃO, este com algumas nuanças conceituais no que atine à fixação de standards pela lei delegante, mas que, de todo modo, não rejeitam o seu posicionamento.

O entender da função normativa das agências reguladoras como uma forma de delegificação também foi criticada por Marçal JUSTEN FILHO, em função de, no pensar deste autor, "não há cabimento de produzir a transferência de competência normativa reservada constitucionalmente ao Legislativo para o Executivo. E tal deriva de algumas características da ordem jurídica brasileira".

4.1.3 O Poder Normativo das Agências Reguladoras Enquanto Manifestação de Poderes Discricionários

Esta terceira corrente é encabeçada por Marçal JUSTEN FILHO que entende que o problema da definição da natureza jurídica do poder normativo conferido às agências reguladoras deve ser solvido com base num método constitucional sistêmico.

A questão referente à natureza dos atos normativos dos entes reguladores seria resolvida da seguinte maneira: deve-se partir do pressuposto de que as leis podem ser exaustivas ou não quanto a uma determinada matéria. Existiriam lacunas caso nem todos os pressupostos do comando normativo estivessem em lei, previstos de maneira abstrata.

Quando a lei disciplinadora de determinada matéria deixa margem para maior autonomia do aplicador, há discricionariedade técnica complementar ou acessória. No entanto, deve-se relembrar, que a prévia existência de lei é algo imanente à idéia de discricionariedade, ou seja, esta não existe sem aquela.

O ato administrativo discricionário, desta maneira, há de ser compatível com a norma legal em seu conteúdo, espírito e finalidade, assim como a atuação do legislador em relação à Constituição Federal.

Desta maneira, por óbvio, escolhas fundamentais jamais poderiam ser feitas por ato administrativo discricionário porque a sua finalidade, como já visto, é a de dar seguimento ao espírito da lei, e não inovar a ordem jurídica ou complementá-la em desconformidade aos seus preceitos.

No entanto, isto não significa dizer que não se possa submeter ao comando de um ato administrativo discricionário, de cunho normativo, pois, se é certo que ninguém poderá fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, também não deixa de ser verdade que nem tudo este alguém deva fazer esteja, obrigatoriamente, previsto em lei.

O referido autor ressalta, todavia, que a discricionariedade não consiste necessariamente numa simples escolha de uma dentre várias que estão previamente determinadas em sede legislativa. Ao configurar a discricionariedade, a lei pode fazê-lo pela impossibilidade de selecionar abstrata e antecipadamente todas as alternativas disponíveis para resolver um certo problema.

Também pode haver discricionariedade quando se constatar a intenção do legislador de relegar a disciplina de uma determinada relação jurídica ou de um setor da realidade social a critérios técnico-científicos, variando as soluções de acordo com o progresso futuro.

Assim, Marçal JUSTEN FILHO define o seu posicionamento, no sentido de que a competência normativa abstrata das agências reguladoras é enquadrada como uma manifestação do poder discricionário.

Entende, o referido autor, que a discricionariedade pode ser o fundamento para edição de normas gerais, tal como se passa no tocante ao regulamento, já que não pode haver delegação de poder legislativo às agências reguladoras.

Logo, a atribuição de poder regulamentar de caráter secundário às agências reguladoras, já que o primário é de titularidade do chefe do Poder Executivo, seria manifestada por meio de atos discricionários, cuja função precípua é a de complementação das normas legislativas, que lhes conferem esta competência, de modo a desenvolver os princípios, o espírito e o conteúdo dos referidos regramentos de origem legislativa.

Indica, como limites à competência normativa discricionária, a falta de lei que confira competências normativas às agências, o que constituiria violação ao princípio da legalidade, ou, ainda, em respeito ao mesmo princípio, que a normatização subsidiária seja realizada em desobediência às balizas, denominadas de standards, delineadas na regra que outorga da competência e que devem ter suas constitucionalidades e legalidades facilmente aferíveis.

Acerca do segundo limite, elucida Marçal JUSTEN FILHO que, no direito brasileiro, o princípio da legalidade significa a necessidade do ato legislativo disciplinar extensamente a matéria, sendo que "os dados fundamentais da hipótese de incidência e do mandamento normativo apenas podem ser veiculados por meio de lei. Não se admite que a lei estabeleça um padrão abstrato, preenchível pelos mais variados conteúdos, e remeta à agência seu desenvolvimento autônomo".

Portanto, percebe-se que, em respeito ao princípio da legalidade, às agências reguladoras é vedado o preenchimento autônomo das balizas legais. De outro lado, indica, como a melhor maneira de complementação destes espaços normativos, a chamada discricionariedade técnica, entendida como a faculdade de o administrador agir em complementação à prescrição legal por meio de juízos técnicos, sem a influência de fatores políticos.

Neste ponto específico, é necessário trazer à baila o entendimento de Paulo Roberto Ferreira MOTTA, segundo o qual, a par da identificação de inconstitucionalidade na questão da outorga de competências legiferantes, é conferido ao aplicador do direito uma alternativa, por ele chamada de exegese responsável, em que a atuação normativa das agências reguladoras estaria cingida exclusivamente a critérios técnicos, desde que observados os seguintes limites:

a) sempre que a questão técnica implique na inovação da ordem jurídica, criando ou fazendo desaparecer direitos e obrigações, possa a norma, antes de sua vigência, permitir o contraditório (quer por audiências públicas, que pela notificação pessoal dos interessados) por parte da cidadania, que é, sempre, mediata ou imediatamente, atingida pela estatuição primária havida no ordenamento jurídico; b) para tanto, é indispensável a imediata elaboração de um Código de Procedimento Administrativo para, no âmbito das agências reguladoras, permitir a materialização do explicitado no item anterior; c) que, a fundamentação técnica apresentada (discricionariedade técnica) pela agência reguladora, seja, sempre, passível de apreciação judicial, inclusive com a suspensão liminar dos seus efeitos, se for o caso; d) que, neste caso, o Poder Judiciário relativize o princípio da presunção de constitucionalidade do ato normativo atacado.

Desta maneira, a utilização da discricionariedade técnica para a complementação dos valores contidos na norma seria a maneira ideal de se permitir a não interferência de fatores políticos nas decisões tomadas pelos entes reguladores.

No entanto, o próprio Marçal JUSTEN FILHO não aceita totalmente esta assertiva, na medida em que dado o grau de evolução do raciocínio técnico, raras serão as oportunidades em que o aplicador da lei não disporá de qualquer margem de liberdade para realizar uma escolha, a qual, nem sempre, será isenta de ideologismos.

Assim, dificilmente será vislumbrada a existência de uma discricionariedade técnica pura, razão pela qual os meios de controle da atuação do aplicador da lei deverão ser incrementados com o objetivo de propiciar a maior averiguação da finalidade precípua de toda a Administração Pública: a consecução do interesse público.

4.2 CONCLUSÃO

Vê-se, desta maneira, que a questão referente à outorga de poderes normativos às agências reguladoras, pelo fato de ainda não ser algo pacificado no âmbito doutrinário, tampouco jurisprudencial, está longe de possuir uma resposta única, quanto à sua natureza jurídica.

No entanto, nota-se que a elaboração teórica existente permite a exclusão da opinião que admite que o poder normativo das agências se exterioriza por regulamentos autônomos, ante à sua flagrante inconstitucionalidade.

Também se vislumbra que a importação de experiências estrangeiras, tal qual o caso da doutrina da delegificação, não atende, no mais das vezes, às expectativas do ordenamento jurídico brasileiro. De fato, não se admite no direito brasileiro a chamada reserva do regulamento ou domaine de l´ordonnance, tal qual ocorre no direito francês.

Em verdade, verifica-se que o posicionamento mais adequado à realidade do ordenamento jurídico brasileiro é aquela apresentada por Marçal JUSTEN FILHO, segundo a qual o poder normativo das agências reguladoras seria a manifestação do poder discricionário conferido à Administração Pública, o qual possui seus limites predeterminados na própria lei instituidora dos entes reguladores, bem como no fato de somente poder ser exercida sob o seu amparo, não podendo inovar em matérias abstrata e insuficientemente tratadas nos referidos diplomas legais e, ainda, invadindo matérias de reserva absoluta de lei, como as matérias tributária e penal.

Além disso, devem ser objeto de pleno controle judicial, conforme determina o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988, de maneira a viabilizar a própria existência do Estado Democrático de Direito.

Feitas estas considerações, passa-se a estudar o encargo de capacidade emergencial, o também denominado "seguro-apagão", caso emblemático dos limites do poder normativo das agências reguladoras.


5. LIMITES DO PODER NORMATIVO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS BRASILEIRAS: O CASO DO ENCARGO DE CAPACIDADE EMERGENCIAL

5.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

De tudo o que já foi visto ao longo do presente trabalho, pode-se destacar que a República Federativa do Brasil se constitui num Estado Democrático de Direito, por força do artigo 1º caput da Constituição Federal de 1988, devendo ser entendido como aquele no qual existe ampla participação popular no processo de elaboração das normas jurídicas que regem os comportamentos sociais.

Estudou-se, também, que o princípio da separação dos poderes é uma das idéias fundamentais à concretização de um Estado Democrático de Direito. Isto porque, apenas em ordenamentos jurídicos que garantam a atuação independente e harmônica das três funções tradicionalmente concebidas, Executiva, Legislativa e Judiciária, seria viável a subserviência da Administração Pública aos preceitos normativos advindos do Poder Legislativo.

Além disso, foram vistas as questões atinentes ao princípio da legalidade e da competência regulamentar. Almejou-se, com tal medida, se destacar, primeiramente, que o princípio da legalidade é uma garantia consagrada pelo texto constitucional por meio da qual somente a lei em sentido formal, ou seja, o produto do processo legislativo previsto na Constituição, poderá ser o instrumento legítimo de imposição de deveres e obrigações aos cidadãos.

Com a análise do poder regulamentar, buscou-se evidenciar que a capacidade de veiculação de estatuições normativas não é exclusiva do Poder Legislativo, porquanto a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 84, IV, atribuiu ao chefe do Poder Executivo tal prerrogativa. No entanto, conforme visto, esta atuação deve ser efetivada para a mera complementação da lei. Noutras palavras: a atividade normativa do Poder Executivo deve ter como fito esmiuçar o alcance do ato legal em que guarda fundamento, sem, contudo, deturpar-lhe o sentido ou inovar o ordenamento jurídico, motivo pelo qual, no Direito Brasileiro, a figura dos regulamentos autônomos estaria proibida.

Posteriormente, estudou-se a função reguladora praticada pelo Estado no âmbito de alguns setores da Economia. Viu-se que o fundamento constitucional desta missão está no artigo 174 da Carta de 1988, bem como que, no Direito Brasileiro, ela se exterioriza de cinco maneiras, a saber: 1) estatuição de normas jurídicas; 2) arbitramento de conflitos; 3) fiscalização; 4) imposição de sanções aos infratores das disposições normativas e 5) fomento da atividade econômica regulada.

Contemplou-se, também, que a atividade reguladora, no Brasil, foi atribuída preferencialmente às agências reguladoras, razão pela qual foi imperiosa uma investigação mais detalhada acerca destas entidades. Naquela oportunidade, percebeu-se, sempre sob o manto do ordenamento jurídico brasileiro, que, de acordo com os vários diplomas normativos que instituíram as agências regularas, as mesmas se revestem da roupagem de autarquias sob regime especial, integrando, assim, a administração pública indireta e, conseqüentemente, o Poder Executivo.

Da leitura mais acurada dos textos criadores das autarquias especiais, se vislumbrou que as diferenças primordiais entre as agências reguladoras brasileiras, autarquias sob regime especial, e as autarquias concebidas pelo artigo 5º do Decreto-Lei nº 200/1967 são duas, quais sejam, a atribuição de mandatos fixos aos dirigentes daquelas e a inexistência de subordinação hierárquica entre os referidos entes reguladores e o Ministério ao qual deveriam estar vinculadas, notadamente com a impossibilidade de interposição de recurso hierárquico das decisões tomadas em sua última instância administrativa.

Adiante, pretendeu-se determinar a natureza jurídica dos atos normativos oriundos das autarquias especiais em comento, os quais se constituem numa das mais comezinhas manifestações da função reguladora no Brasil. Para tanto, foi necessária a realização de uma exposição das três teorias mais difundidas acerca da configuração jurídica dos atos normativos das agências reguladoras.

Verificando-se a primeira delas, vê-se, em síntese, que as referidas estatuições normativas teriam a natureza de regulamentos autônomos, os quais, por sua vez, guardariam legitimidade em parâmetros hermenêuticos que limitassem o conteúdo a ser veiculados nos referidos atos.

Por meio da segunda teoria, vislumbra-se a defesa da idéia de que os aludidos atos normativos proviessem de uma criação doutrinária chamada delegificação ou deslegalização. Para os adeptos deste posicionamento, a delegificação se operaria da seguinte maneira: uma lei em sentido formal, portanto, um ato do Poder Legislativo, delegaria ao Poder Executivo a competência para expedição de normas jurídicas acerca de um determinado assunto, sem que, neste caso, houvesse usurpação de competências, tampouco desrespeito ao princípio da separação dos poderes.

De outro lado, a terceira teoria explica a capacidade normativa das agências reguladoras como sendo o resultado da manifestação da competência discricionária conferida aos entes públicos, no caso, os agentes públicos das agências reguladoras, os quais, mediante critérios de conveniência e oportunidade, sempre nos limites traçados pela norma, de modo a dar-lhe a complementação necessária.

Concluiu-se, portanto, que os atos normativos das agências reguladoras não podem ser ilimitados, pois, como manifestação de competência normativa do Poder Executivo que são, não poderão inovar na ordem, impondo responsabilidades e gravames por meio de suas estatuições, bem como que esta competência não pode ser mais ampla do que aquela atribuída ao próprio chefe do Poder Executivo.

Posto isto, mister se passar, agora, à abordagem da problemática central deste trabalho, que é a de saber se os atos de conotação normativa das agências reguladoras, sob o ponto de visto do Direito Constitucional brasileiro, poderiam ou não impor deveres e obrigações aos cidadãos, tal ocorre na hipótese do encargo de capacidade emergencial, vulgarmente conhecido como seguro-apagão.

É o que se buscará realizar a partir deste momento.

5.2 BREVE PANORAMA NORMATIVO DA CRIAÇÃO DO ENCARGO DE CAPACIDADE EMERGENCIAL

No ano de 2001, o Brasil sofreu uma das maiores crises energéticas de sua história, resultado da falta de planejamento e escassez de investimentos no setor de energia elétrica. Com o objetivo de solucionar a crise, o governo federal há época, por meio da Medida Provisória nº 2.198-5, de 24 de agosto de 2001, a qual criou e instalou a Câmara de Gestão da Crise da Energia Elétrica, cuja atribuição era, de acordo com o artigo 1º da referida Medida Provisória, propor e implementar medidas de natureza emergencial para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, evitando interrupções do suprimento de energia elétrica.

A justificativa do governo federal para a implantação de tal órgão foi que crise energética era resultado de um grave problema de estiagem que acabou por afetar a reserva hídrica dos reservatórios, de maneira tal que a geração de energia elétrica não seria suficiente para atender à demanda.

No entanto, com a bem sucedida passagem pela crise energética, o que levou à ulterior extinção do programa de superação, o governo federal houve por bem implantar um outro programa para o aumento da oferta de energia elétrica no Brasil.

Para tanto, seria necessário custear a aquisição de energia elétrica, caso surgissem novos problemas, de modo a evitar a imposição de novos sacrifícios à população brasileira das regiões mais atingidas pela primeira crise.

Assim, com o intuito de melhor gerir os meios pelos quais seria efetuada a compra de energia elétrica, adveio, por intermédio da Medida Provisória nº 2.209, de 29 de agosto de 2001, a Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial, a quem, conforme o artigo 1º, §1º, II da aludida norma, competia, dentre outras coisas, a prática de atos tendentes à superação da crise de energia elétrica e ao reequilíbrio de sua oferta e demanda.

Desta maneira, cumprindo as missões a que se destina o novo programa de aquisição de energia elétrica, o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 14, de 21 de dezembro de 2001, posteriormente convertida na Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, a qual estabeleceu que os custos de compra e de contratação de capacidade de geração de energia deveriam ser repartidos entre todos os consumidores do Sistema Elétrico Nacional Interligado, por meio de adicional tarifário, a ser regulamentado por ato da Agência Nacional de Energia Elétrica.

Por sua vez, a Agência Nacional de Energia Elétrica, dando cumprimento aos preceitos contidos na Medida Provisória nº 14/2001, editou a Resolução nº 71/2002, a qual, em virtude da conversão da mencionada Medida Provisória na Lei nº 10.438/2002, foi revogada pela Resolução nº 249/2002.

Assim, a Resolução nº 71/2002 da Agência Nacional de Energia Elétrica, repetida pela Resolução nº 249/2002, em seus artigos 2º, 4º e 8º, criou, respectivamente, o encargo de capacidade emergencial, encargo de aquisição de energia elétrica e o encargo de energia livre adquirida no mercado atacadista de energia, cujas naturezas jurídicas, conforme já aludido, seriam de adicionais tarifários.

Entretanto, os valores dos encargos de aquisição de energia elétrica e de energia livre adquirida no mercado atacadista de energia e a data de início de suas respectivas cobranças não foram, ainda, definidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica, motivos pelos quais os seus estudos restam prejudicados.

Portanto, concentrar-se-á a análise do presente trabalho apenas no encargo de capacidade emergencial, especificamente no que tange à sua natureza jurídico-tributária, bem como quanto à questão de suas possíveis inconstitucionalidades.

5.3 NATUREZA JURÍDICO-TRIBUTÁRIA DO ENCARGO DE CAPACIDADE EMERGENCIAL

Antes que sejam argüidas eventuais inconstitucionalidades acerca do encargo de capacidade emergencial, é necessário que determine, num primeiro momento, se o referido gravame possui ou não natureza jurídica de tributo e, caso se chegue a uma resposta afirmativa, à qual espécie tributária pertenceria.

Somente de posse destes dados é que será viável uma correta análise acerca dos limites do poder normativo conferido às agências reguladoras brasileiras, neste particular, especificamente, à Agência Nacional de Energia Elétrica.

5.3.1 O Encargo de Capacidade Emergencial Enquanto Tributo

O conceito legal de tributo é encontrado no artigo 3º do Código Tributário Nacional. Dispõe o referido dispositivo que "tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor possa nela se exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

No caso em apreço, percebe-se que o encargo de capacidade emergencial, a teor do que prevê a sua lei instituidora, é rotulado de adicional tarifário. Contudo, esta denominação legal não confere à exação sob exame a natureza jurídica de tarifa ou preço público.

Isto porque, conforme disposto no artigo 4º, I, do Código Tributário Nacional, somente por meio da análise do fato gerador da obrigação é que será possível se estabelecer a sua natureza jurídica tributária, independentemente do nomen juris que se lhe dê.

Na específica hipótese do encargo adicional emergencial, é evidente que não se trata de uma tarifa, pois, nas palavras de Marcos Rogério Lyrio PIMENTA:

O seguro-apagão não tem a mesma destinação da tarifa de energia elétrica, isto é, não remunera o serviço de fornecimento de energia elétrica prestado pelas concessionárias. Não é receita de quem presta o serviço, no caso as concessionárias. O seguro-apagão, nos termos do art. 1º da Lei nº 10.438/02, é destinado a financiar os custos de natureza operacional, tributária e administrativa, relativos à aquisição de energia elétrica e à contratação de capacidade de geração ou potencia pela Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial – CBEE. Remunera, pois, serviço diverso do fornecimento de energia elétrica, e tem como destinatário outro sujeito, e não a concessionária prestadora de serviços. Portanto, podemos afirmar que o seguro-apagão jamais poderá ser considerado como um adicional tarifário nos termos em que fora criado, uma vez que não tem a mesma natureza jurídica da tarifa, nem apresenta a mesma destinação, reafirma-se.

Neste mesmo sentido se posiciona Alexandre Macedo TAVARES, para quem:

Somente com suporte num sacrificium intellectus irracional e ilógico é que se pode conceber o seguro-apagão como um adicional tarifário, mormente porque não se faz presente duas das principais notas de uma tarifa, a saber: a) a relação não-compulsória, isto é, ao beneficiário do serviço é facultada a utilização dos serviços disponibilizados, e; b) preço como contraprestação, ou seja, o preço público consubstancia típica remuneração pela utilização do serviço ou aquisição do bem pelo interessado.

Por fim, insta fazer menção ao entendimento de Eduardo Fortunato BIM segundo o qual, partindo do pressuposto de que o preço público ou tarifa é a remuneração obtida e destinada ao concessionário do serviço público, que não está afeta ao regime jurídico tributário, "os encargos cobrados pela Aneel claramente não são preços públicos porque a receita será destinada à Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial, em até três dias e não à própria concessionária".

Adiante, conclui que "como preço público que eventualmente seriam, somente poderiam ser cobrados e destinados às concessionárias de energia, e não cobradas por estas, na conta de luz, e destinadas à CBEE".

Efetivamente, não há como se negar a correção do raciocínio apresentado pelos mencionados autores.

Primeiramente, pelo fato de as tarifas, por sua natureza jurídica, se vincularem à remuneração direta das empresas concessionárias do serviço público e não à Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial ou entidade que não concessionárias.

Noutro momento, em razão de, pela análise do texto normativo que o instituiu, ficar evidente sua subsunção ao conceito legal de tributo. Ora, o mencionado encargo se constitui numa prestação pecuniária, pagamento de R$ 0,0085 kWh, conforme o artigo 1º da Resolução nº 496, de 26 de setembro de 2003; instituída em lei, no caso, a Lei nº 10.438/2002; não decorrente de ato ilícito, o qual é cobrado mediante uma atividade administrativa plenamente vinculada, que é desempenhada pela Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial.

Visto que o encargo de capacidade emergencial se amolda ao conceito legal de tributo, mister que se proceda ao cotejo de suas características principais com a das outras espécies tributárias existentes no Direito Constitucional vigente.

5.3.2 A Tipificação do Encargo de Capacidade Emergencial

A identificação do encargo de capacidade emergencial numa das categorias tributárias é uma das questões mais polêmicas envolvendo o tema e divide opiniões dos autores que, até agora, sobre ele se debruçaram.

Não obstante esta aparente dificuldade, as opiniões têm convergindo para três sentidos. O primeiro deles é o de que o encargo de capacidade emergencial possui natureza jurídica tributária, sem, contudo, se adequar a nenhuma das cinco espécies de tributos admitidas no ordenamento jurídico constitucional brasileiro. Outro entendimento é aquele segundo o qual o encargo em debate configuraria uma contribuição de intervenção sobre o domínio econômico, a qual é majoritária. Por fim, a terceira corrente é de que se trata de um empréstimo compulsório sui generis.

Passa-se, agora, a realizar brevíssimas considerações acerca de cada uma das opiniões para que, ao final se proceda, em tópico especifico, à análise da inconstitucionalidade do encargo de capacidade emergencial.

5.3.2.1 Encargo de Capacidade Emergencial Tido Como Um Tributo Sem Enquadramento Constitucional

O primeiro entendimento coletado acerca do encargo de capacidade emergencial é o de que ele não se amoldaria à nenhuma das categorias de tributo veiculadas pela Constituição Federal de 1988. Esta constatação surgiu das lições de Eduardo Fortunato BIM, o qual, para chegar à conclusão apresentada, realizou uma refutação individualizada de cada espécie tributária.

Não seria imposto porque deixaria de atender à exigência constitucional da não-afetação das receitas, contido no artigo 167, IV da Constituição Federal de 1988, segundo o qual é proibida a destinação de qualquer verba proveniente de recolhimento de impostos a um determinado órgão, fundo ou despesa, já que, conforme visto, o produto do recolhimento do encargo de capacidade emergencial é remetido, por força de lei, à Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial.

De outro lado, ao conceito de taxa não poderia estar circunscrito porque não existe prestação de serviço específico e divisível por parte do Estado, requisito este que se demonstra essencial à taxa, conforme o artigo 145, II da Constituição Federal de 1988.

Não há se falar em contribuição de melhoria, uma vez que inexiste qualquer valorização imobiliária decorrente de uma obra pública, ponto nodal estabelecido no artigo 81 do Código Tributário Nacional.

Por sua vez, falar em empréstimo compulsório seria desmedido porque o artigo 148 da Constituição Federal prevê que os mesmos sejam criados somente por lei complementar, o que não é o caso do encargo de capacidade emergencial.

Das contribuições sociais e de interesse de categorias profissionais também não há se falar em sua classificação, porquanto resta evidente inexistir qualquer elemento que possibilite a ligação entre o encargo de capacidade emergencial e os fatos geradores destes tributos.

Por fim, sempre conforme Eduardo Fortunato BIM neste item, não se trataria de contribuição sobre o domínio econômico, pois não há causa relevante para a intervenção estatal sobre o setor de energia elétrica, já que a arrecadação de dinheiro para seria, tão-somente, a formação de um fundo emergencial. Além disso, não teria havido observância da lei complementar quanto à sua implementação no ordenamento jurídico, bem ainda o fato de os beneficiários de tais verbas deveriam ser os concessionários da exploração da atividade de energia elétrica e não à Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial.

Desta maneira, conforme anota o aludido Eduardo Fortunato BIM, "embora tenham natureza jurídica tributária, os encargos também não preenchem nenhum dos requisitos exigidos pelo sistema constitucional tributário para ser uma CIDE" ou qualquer outra espécie tributária.

5.3.2.2 Encargo de Capacidade Emergencial Como Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

Até o presente momento, esta é a posição majoritária acerca da natureza jurídica do encargo de capacidade emergencial.

Dentre seus defensores se encontram Marcos Rogério Lyrio PIMENTA e Nelson MONTEIRO NETO, os quais apregoam que o Estado somente lançou mão da figura em comento porque teria como finalidade precípua de financiar os custos relativos à aquisição de energia e à contratação de capacidade de geração ou potência pela Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial, conforme preceituam os artigos 1º da Lei nº 10.438/2002 e 2º da Resolução nº 249/2002 da Agência Nacional de Energia Elétrica.

Neste diapasão, ou seja, para que se caracterize uma contribuição sobre a intervenção no domínio econômico, é necessário, além dos requisitos do artigo 149 da Constituição Federal de 1988, que este tributo esteja vinculado à uma finalidade específica, que a intervenção numa atividade econômica, tal qual é o caso da energia elétrica.

Desta maneira, esta segunda corrente doutrinária entende que o encargo de capacidade emergencial possui a natureza jurídica de contribuição de intervenção no domínio econômico porque a sua finalidade precípua é a formação de uma espécie de poupança contra eventuais infortúnios advindos de uma nova crise energética.

5.3.2.3 Encargo de Capacidade Emergencial Como Empréstimo Compulsório Especial

O terceiro viés doutrinário conferido à questão é encabeçado por Alexandre Macedo TAVARES, para quem o encargo de capacidade emergencial seria uma espécie anômala de empréstimo compulsório.

No entanto, deve-se justificar que o referido doutrinador somente assim procede em razão de ter tentado incluir o mencionado tributo em todas as cinco espécies tributárias sem sucesso.

Lastreia seu entendimento de que o tributo em questão seria um empréstimo compulsório no fato de custear despesas emergenciais relativas à aquisição de energia (causa determinante do seguro-apagão), bem como pelo tempo de sobrevida determinada à sua cobrança.

Contudo, insta mencionar que o próprio autor reconhece que a anomalia da classificação do encargo de capacidade emergencial em empréstimo compulsório, já que nele vislumbra inconstitucionalidades no que atine ao modo de veiculação, ausência de lei, bem como pela circunstância de não haver previsão legal para a restituição, por parte da Administração Pública, de toda a verba arrecada com o referido encargo.

5.4 INCONSTITUCIONALIDADES DO ENCARGO DE CAPACIDADE EMERGENCIAL

5.4.1 Inconstitucionalidade Pela Não Subsunção às Espécies Tributárias Previstas na Constituição Federal

De tudo o que foi visto, percebeu-se que o encargo de capacidade emergencial se amolda ao conceito legal de tributo, mas que, no entanto, existem divergências no que se refere à determinação da espécie tributária a que pertenceria.

Efetivamente, somente se poderia considerar que o encargo de capacidade emergencial se subsumiria a uma das espécies tributárias previstas no ordenamento jurídico brasileiro, caso todas as irregularidades formais que o permeiam fossem sanadas, tais como a afetação de suas receitas a uma entidade da Administração Pública Indireta, a não restituição dos valores pagos, em não havendo novo colapso energético.

No entanto, como tal medida ainda não ocorreu, trata-se de um tributo natimorto, ou seja, uma exação que não possui respaldo constitucional para sua cobrança, o que significa defender a sua inexistência perante o Direito Brasileiro.

É intuitivo de se concluir que o encargo de capacidade emergencial, em razão de não estar enquadrado em nenhuma das cinco espécies de tributos que existem no ordenamento jurídico brasileiro, é inconstitucional.

A par da subsunção do encargo de capacidade emergencial ao conceito legal de tributo, contido no artigo 3º do Código Tributário Nacional, não se deve esquecer de uma regra basilar de hermenêutica, segundo a qual a Constituição Federal é o fundamento de validade de todas as demais normas jurídicas.

Desta maneira, se o encargo em questão se reveste das características exigidas pela lei, mas não se coaduna com o regime constitucional tributário brasileiro, não há dúvidas de que a cobrança da aludida exação é inconstitucional.

5.4.2 Inconstitucionalidade do Encargo de Capacidade Emergencial Pela Veiculação de Alíquota por Ato Normativo da Agência Nacional de Energia Elétrica

No entanto, o primeiro vício apontado não é totalmente aceito na doutrina e na jurisprudência. De fato, percebe-se a que grande maioria entende que o encargo de capacidade emergencial possui natureza jurídica de tributo.

Todavia, mesmo se admitindo a correção deste raciocínio, a inconstitucionalidade do referido encargo persiste, especificamente no que diz respeito à desobediência do princípio da legalidade tributária, visto que, exceto a previsão de sua criação, toda a sua regulamentação foi realizada por ato normativo de uma agência reguladora brasileira, a Agência Nacional de Energia Elétrica.

Desta forma, acatando-se a natureza tributária do encargo de capacidade emergencial, é mister que se proponha novamente a questão lançada na introdução deste trabalho: pode uma agência reguladora, no exercício de sua função reguladora, expedir normas que imponham obrigações e deveres, no presente caso, aos destinatários finais de energia elétrica?

Conforme pôde ser observado, vige no direito brasileiro o princípio da legalidade tributária, previsto nos artigos 150, I e 154, I da Constituição Federal de 1988.

No entanto, na seara do Direito Tributário, o princípio da legalidade recebe tratamento mais severo do que o normalmente dispensado ao princípio da legalidade dos demais ramos do Direito. Com efeito, conforme ensina Alberto XAVIER, vislumbra-se no referido ramo do Direito que:

O princípio da legalidade revestiu sempre um conteúdo bem mais restrito. Com vista a proteger a esfera de direitos subjetivos dos particulares do arbítrio e do subjetivismo do órgão de aplicação do direito – juiz ou administrador – e, portanto, a prevenir a aplicação de tributos arbitrários, optou-se neste ramo do Direito por uma formulação mais restritiva do princípio da legalidade, convertendo-o numa reserva absoluta de lei, no sentido de que a lei, mesmo em sentido material, deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério da decisão no caso concreto.

Efetivamente, o fato de se exigir, por força constitucional, que apenas lei em sentido formal institua obrigação de cunho tributário é garantir a necessária segurança jurídica a cada contribuinte, no sentido de que somente um ato advindo do Poder Legislativo será o meio hábil de se trazer à lume uma obrigação tributária.

Neste sentido, ainda, o princípio da legalidade tem o seu real significado na exigência de "que todos os elementos necessários à determinação da relação jurídica tributária, ou mais exatamente, todos os elementos da obrigação tributária principal, residam na lei".

Assim, como observa Roque Antônio CARRAZZA, "o tributo, pois, deve nascer da lei (editada, por óbvio, pela pessoa política competente). Tal lei deve conter todos os elementos e supostos da norma jurídica tributária (hipótese de incidência do tributo, seus sujeitos ativo e passivo e suas bases de cálculo e alíquota), não se discutindo, de forma alguma, a delegação, ao Poder Executivo, da faculdade de definí-lo, ainda que em parte". Ou seja, a lei que cria o tributo há de ser a mais completa possível, de modo a não deixar ao jugo do administrador a incumbência de integrá-la quanto a aspectos fundamentais para se definir a relação jurídica tributária.

Nas palavras de Hugo de Brito MACHADO, um dos maiores problemas que envolvem o princípio da legalidade é saber se, ao instituir um tributo, mediante simples menção em lei, pode ser deixado a cargo da Administração a tarefa de definir o núcleo da hipótese de incidência da norma tributária, a base de cálculo e a alíquota do tributo, bem como indicar os elementos necessários à identificação dos sujeitos passivos da obrigação tributária.

A resposta a este questionamento evidentemente há de ser negativa. Conforme muito bem salientado por José Eduardo Soares de MELO, "considerando que a lei (emanada do Poder Legislativo) contém os elementos básicos da norma de tributação, atribui-se ao Executivo a faculdade de expedir regras apenas para possibilitar sua operacionalidade, fixando deveres meramente administrativos".

Desta maneira, deve-se estar ciente que ao administrador público não será permitido a edição de quaisquer atos de cunho normativo tendentes à instituição de novos caracteres ao tributo previamente definido em lei formal.

No caso em apreço, percebe-se que a Resolução nº 249/2002, posteriormente alterada pela nº 496/2003, todas da Agência Nacional de Energia Elétrica, a par de designarem o encargo de capacidade emergencial de adicional tarifário, veicularam a alíquota da referida exação.

Tal modo de agir, estreme de dúvidas, fere o princípio da legalidade tributária, pois, de acordo com as lições trazidas à baila, somente a norma advinda do Poder Legislativo será apta a estabelecer quaisquer obrigações de natureza tributária.

Paulo de Barros CARVALHO leciona, categoricamente, que "no direito brasileiro, a alíquota é matéria submetida ao regime da reserva legal, integrando a estrutura da regra-modelo de incidência".

Tanto é assim que o artigo 97, IV do Código Tributário Nacional determina que somente lei poderá dispor acerca da fixação de alíquota dos tributos, ressalvadas as exceções previstas no próprio artigo e que em nada se aplicam à hipótese em análise.

Portanto, vislumbra-se incontestável, sob qualquer ângulo de análise, a inconstitucionalidade do encargo de capacidade emergencial, vez que, caso se admita sua natureza jurídica de tributo, tem sua alíquota veiculada por meio de Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica, ato este que, conforme já visto, se atém à complementação discricionária das matérias previamente elencadas em lei, cujo dever de respeito ao princípio da legalidade ou da reserva legal é intuitivo, posto que todo ato discricionário deve guardar seus limites na própria lei que o possibilitou.

5.5 TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL CONFERIDO À QUESTÃO

Efetivamente, conforme anteriormente visto, a inconstitucionalidade do encargo de capacidade emergencial é evidente, em razão da veiculação, por norma de caráter infralegal, especificamente Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica, de matéria delegada ao crivo da lei.

Felizmente, esta realidade não tem sido obliterada no âmbito do Poder Judiciário. De fato, conforme será visto adiante, está sendo sedimentado o entendimento de que o aludido encargo de capacidade emergencial, em razão de possuir natureza tributária, deve estar subsumido ao regime jurídico próprio de obrigações desta estirpe.

Uma das primeiras manifestações jurisdicionais que se tem notícia é a decisão proferida nos autos de ação civil pública de nº 2002.61.12.002598-8, em trâmite perante a 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Presidente Prudente, no Estado de São Paulo, na qual o Ministério Público Federal discutia a cobrança do encargo de capacidade emergencial, bem como a cobrança da recomposição tarifária extraordinária. Ocupavam o pólo passivo da ação as empresas Caiuá Serviços de Eletricidade S/A, Elektro Eletricidade e Serviços, Empresa Vale do Rio Paranapanema, além da União Federal, da Agência Nacional de Energia Elétrica e da Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial.

Por meio da mencionada decisão, foi estipulado que todos os usuários de energia elétrica que estivessem albergados pela jurisdição estariam livres do pagamento do encargo até futura decisão em contrário.

A maior contribuição deste julgado, no entanto, se refere à contribuição ao debate acerca da determinação da classificação da espécie tributária do encargo em debate. Depreende-se do corpo da decisão:

"(...) não pode o Poder Público impor sobretarifa sem qualquer relação com a efetiva prestação do serviço. Trata-se de verdadeiro adicional, que tem por destinação financiar investimentos futuros a serem realizados no setor de energia elétrica, ou compensar as concessionárias por um suposto prejuízo em razão do racionamento, não provocado pelo usuário, traduzindo-se em autêntico empréstimo compulsório, cujo regime tributário encontra-se disciplinado no art. 148 da Constituição Federal, que está a exigir, entre outros requisitos, a lei complementar."

Evidentemente, à luz de todas as argumentações já expendidas, o referido julgado errou ao definir o encargo de capacidade emergencial como um empréstimo compulsório. Em verdade, se trata de uma obrigação sem cunho tributário, posto que não se amolda às espécies tributárias previstas no texto constitucional.

Nesta senda, foi proferida uma decisão pelo Juiz Federal Herlon Schveitezer Tristão, nos autos nº 2002.72.06.000625-3, de Mandado de Segurança, em trâmite perante a Vara Federal de Lages-SC, confira-se alguns trechos do acórdão:

"Destarte, para a caracterização da tarifa, em suma, é necessária a presença de dois requisitos: a) relação não-compulsória: ao benefício do serviço é facultada a utilização dos serviços disponibilizados. No caso de energia elétrica, nada impede a utilização de geradores próprios, sendo, portanto, contratual a relação com as concessionárias; b) preço como contraprestação: o preço público é a remuneração pela utilização do serviço ou aquisição do bem pelo interessado. Nesse contexto, os ‘adicionais tarifários’ previstos na Medida Provisória nº 14/01 e regulamentados pela Resolução nº 71/02 da ANEEL, não podem ser considerados tarifas, em razão de não preencherem as características referidas. Desta forma, os adicionais tarifários cobrados dos consumidores de energia elétrica não podem ser considerados como contraprestação, pagamento pelos serviços prestados pela concessionária de energia, à vista de que são destinados à CBEE para em última análise, aumentar a capacidade de geração e oferta de energia elétrica, registre-se em razão da omissão do Poder Público. (...) Desta forma, afastada a caracterização dos adicionais tarifários como preço público, não restam dúvidas quanto a sua natureza tributária, eis que preenche todos os requisitos do art. 3º do Código Tributário Nacional. Nessa linha, vislumbra-se, em uma primeira análise, que, no mínimo, não foi respeitado o princípio da legalidade tributária, vez que, ao dar tratamento de preço público aos adicionais tarifários, previu a Medida Provisória nº 14/01 a regulamentação pela ANEEL, não estabelecendo todos os elementos essenciais do tributo".

Registre-se, também, a decisão interlocutória proferida nos autos nº 2002.70.00.037781-7, de Mandado de Segurança, em trâmite perante a 8ª Vara Federal de Curitiba, na qual se discute a inexigibilidade do pagamento do encargo de capacidade emergencial. Na oportunidade se decidiu:

"Analisando-se os dispositivos questionados, depreende-se que a exigência tem natureza jurídica de imposto, pois o fato jurídico eleito como suficiente para a cobrança do chamado ‘encargo’, bem como sua base de cálculo e a destinação demonstram, em princípio, que não se está a tratar de preço público ou tarifa, uma vez que tais valores cobrados não têm por finalidade remunerar o serviço prestado. Tais valores destinam-se a uma empresa pública: Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE e não à prestadora de serviço. Dessa forma, o adicional tarifário criado revela-se como espécie de tributo, enquadrando-se na definição do artigo 3º, do CTN. Tratando-se de tributo, deve submeter-se aos princípios constitucionais aplicáveis à espécie. (...) Portanto, infere-se que a exigência está maculada de inconstitucionalidade, não podendo ser cobrada do impetrante. (...) Diante do exposto, concedo a liminar requerida, para o fim de suspender a exigibilidade do ‘adicional tarifário’ denominado ‘encargo de capacidade emergencial’(...)"

Outrossim, é necessário que se faça menção à recente decisão da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, o qual, em decisão relatada pelo Desembargador Federal Wellington de Almeida no Agravo de Instrumento nº 2002.04.01.034685-2, assim se pronunciou acerca da questão:

Agravo de instrumento. Encargos emergenciais criados pelo artigo 1º e 2º da lei nº 10.438/2002. Ilegalidade. Regime jurídico das exações. Preço público x tributo. 1. Não há vislumbrar nas exigências em análise o caráter de preço público, porquanto não se destinam a remunerar a concessionária pelos serviços de geração e distribuição da energia elétrica, já que não se direcionam à prestadora de serviço público, o que afasta definitivamente a natureza jurídica de preço público do "adicional tarifário" sob modalidade de "encargo de capacidade emergencial". Nesse andar, de se lembrar que preço (tarifa) é a contrapartida necessária pela prestação dos serviços utilizados, sendo impensável destinar valores, ou sobrevalores, supostamente envoltos pela pecha de "tarifários", para quaisquer outras finalidades estranhas ao contrato de concessão ou ainda à equalização do seu equilíbrio econômico e financeiro. 2. Natureza tributária que se afasta ante o cotejo do caso concreto com a principiologia inerente ao direito tributário. 3. Nessa senda, as exigências firmadas na Lei nº 10.438/2002, fossem elas entendidas como de natureza tributária, ou fossem elas vislumbradas do ângulo administrativo, à primeira vista, não se revestiriam das mínimas condições à sua convalidação perante o ordenamento jurídico, não podendo, portanto, serem opostas aos destinatários dos serviços em comento.

Desta maneira, percebe-se inexistir dúvidas acerca da natureza jurídica de tributo que o encargo de capacidade emergencial possui. Contudo, espera-se provimentos jurisdicionais definitivos acerca da inconstitucionalidade do mesmo, no que atine à falta de veiculação da alíquota por meio do instrumento normativo adequado, que é a lei.


6. CONCLUSÃO

De tudo o que foi visto, percebeu-se que o Poder Executivo pode, dentro de um Estado Democrático de Direito, expedir normas jurídicas, desde que observados os limites ínsitos a tal prerrogativa, notadamente, a vedação de inovação da ordem jurídica, sob pena de ferimento do princípio da separação dos poderes.

Por outro lado, vislumbrou-se que as agências reguladoras brasileiras foram instituídas com a finalidade de exercer a função reguladora estatal, a qual é externada de cinco maneiras distintas, a saber: 1) expedição de normas jurídicas; 2) fomento à atividade econômica; 3) fiscalização do setor regulado; 4) imposição de sanções aos infratores dos comandos normativos e 5) arbitramento de conflitos entre os agentes econômicos.

No Brasil, esta função é hoje desempenhada, em grande parte, pelas agências reguladoras, cuja natureza jurídica é a de autarquias sob regime especial, onde os dirigentes são dotados de mandato fixo, não sendo, portanto, exoneráveis ad nutum pelo chefe do Poder Executivo, bem como pela circunstância de serem as últimas instâncias decisórias em seu âmbito de atuação.

Desta maneira, em razão de à idéia regulação ser vinculada a noção de estatuição de normas jurídicas tendentes a regrar o comportamento dos agentes econômicos e, ainda, em função de as agências reguladoras pertencerem à Administração Pública Indireta, fez-se imperioso realizar um estudo acerca da natureza e dos limites dos poderes normativos conferidos às referidas autarquias especiais para o desempenho da função reguladora a que estão atribuídas.

Nesta oportunidade percebeu-se que as normas estatuídas pelos entes reguladores possuem natureza jurídica de atos discricionários e, como tal, buscam seus fundamentos de validade e seus próprios limites na lei que instituiu as agências, sendo totalmente vedado às referidas autarquias veicular qualquer inovação dos conteúdos legais, bem como a deturpação de sentido da norma legal, sob pena de serem reputadas como antijurídicas.

No caso específico do encargo de capacidade emergencial, verificou-se que o seu regramento é conferido, atualmente, pelas Resoluções nº 249/2002 e 496/2003 da Agência Nacional de Energia Elétrica, embora tenha sido criado pela Lei nº 10.438/2002, resultante da conversão da Medida Provisória nº 14/2001.

Mencionados atos normativos infralegais classificam o encargo de capacidade emergencial como um adicional tarifário. Contudo, com fundamento na regra do artigo 4º, I do Código Tributário Nacional, percebe-se que o nomen juris que seja dado a uma exação não possui o condão de definir sua natureza jurídica tributária.

Deveras, o que realmente interessa analisar é o fato gerador da referida obrigação e se se amolda a uma das cinco espécies tributárias constantes no texto constitucional, quais sejam, impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.

No caso em discussão, percebe-se que o encargo de capacidade emergencial, embora se revista das características exigidas pelo Código Tributário Nacional, não possui correlação com nenhuma das espécies tributárias aludidas pela Constituição Federal, razão pela qual se reputaria inconstitucional.

No entanto, a posição pacífica da doutrina e da jurisprudência, é a de que o mencionado encargo possui natureza tributária, sendo controvertido, todavia, a sua classificação dentro de uma das espécies tributárias.

Contudo, em que pese a dúvida existente na doutrina e jurisprudência majoritárias, é certo que, mesmo sob esta ótica, o encargo de capacidade emergencial é inconstitucional, em razão de ferir o princípio da legalidade tributária.

Isto porque, estudou-se que no Direito Tributário Brasileiro somente por meio de lei formal é que se podem definir todos os lineamentos que a norma tributária irá possuir para surtir efeito no mundo dos fatos, por força do artigo 150, I da Constituição Federal de 1988.

Portanto, ao se realizar o cotejo do modo pelo qual o encargo de capacidade emergencial foi regrado no Direito Brasileiro, ou seja, em total desencontro com a Constituição Federal, já que sua alíquota foi definida por ato normativo da Agência Nacional de Energia Elétrica e não pelo meio legítimo, ou seja, a lei, concluiu-se que a referida exação não pode ser considerada conforme ao Direito, razão pela qual a figura se apresenta inconstitucional.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, J. M. C. de. Sobre os regulamentos administrativos e o princípio da legalidade. Coimbra: Almedina, 1987.

AGUILLAR, F. H. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999.

ALENCAR, K. "Lula vê país terceirizado e ataca agências da era FHC". Folha de São Paulo, São Paulo, 20 fev. 2003, A 4.

________. "Governo decide manter papel de agências". Folha de São Paulo, São Paulo, 8 set. 2003, B 14.

ARAGÃO, A. S. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

ARAÚJO, E. N. de. "A aparente autonomia das agências reguladoras", in MORAES, A. de (coordenador). Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 39-57.

ATALIBA, G. "Poder regulamentar do Executivo". Revista de direito público, nº 57-58. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jan.-jun. 1981, p. 184-208.

__________. República e constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

BARROSO, L. R. "Disposições constitucionais transitórias (natureza, eficácia e espécies); delegações legislativas (validade e extensão); poder regulamentar (conteúdo e limites)". Revista de direito público, nº 96. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, out./dez. 1990, p. 69-80.

_________. "Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática". Revista de direito administrativo, nº 229. Rio de Janeiro: Renovar, jul./set. 2002, p 285-311.

BATISTA, N. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

__________.Direito econômico brasileiro. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000.

BIM, E. F. "Inconstitucionalidades dos encargos energéticos: ‘seguro-apagão’ (lei nº 10.438/02 e resolução 71/02, da aneel)". Revista Dialética de Direito Tributário, nº 82. São Paulo: Dialética, jul. 2002, p. 16-23.

BRUNA, S. V. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública, revisão judicial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

CAETANO, M. Princípios fundamentais do direito administrativo. Reimpressão da edição brasileira de 1977. Coimbra: Livraria Almedina, 1996.

CAL, A. R. B. As agências reguladoras no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

CANOTILHO, J.J.G. Estado de direito. Lisboa: Gradiva, sem data.

CARRAZZA, R. A. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

CARVALHO, P. de B. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

CARVALHO, V. M. de. "Regulação dos serviços públicos e intervenção estatal na economia". in FARIA, J. O. de (organizador). Regulação, direito e democracia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002, p. 13-25.

CLÈVE, C.M. Atividade legislativa do poder executivo. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

CONSTANT, B. Princípios políticos constitucionais: princípios políticos aplicáveis a todos os governos representativos e particularmente à Constituição atual da França (1814). Tradução de Maria do Céu Carvalho. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1989.

CUÉLLAR, L. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001.

DALLARI, D. de A. Elementos de teoria geral do estado. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

DI PIETRO, M. S. Z. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

FAGUNDES, M. S. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1984.

FERRAZ, A. C. da C. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

FIGUEIREDO, L. V. Curso de direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

GARCÍA DE ENTERRÍA, E.; FERNÁNDEZ, T.-R. Curso de direito administrativo. Tradução de Arnaldo Setti e colaboração de Almudena Marin López e Elaine Alves Rodrigues. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991.

GASPARINI, D. Poder regulamentar. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982.

GONÇALVES FILHO, M. F. O processo legislativo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

GORDILLO, A. Princípios gerais de direito público. Tradução de Marco Aurélio Greco; revisão de Reilda Meira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

GRAU, E.R. O direito posto e o direito pressuposto. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

JUSTEN FILHO, M. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.

KELSEN, H. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes.

LEAL, V. N. "Delegações legislativas". Problemas de direito público. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 92-108.

LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MACHADO, H. de B. Princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.

MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 18.ed. atualizada por Enrico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1993.

MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

____________. "Poder regulamentar ante o princípio da legalidade". Revista trimestral de direito público, nº 4. São Paulo:Malheiros, 1993, p. 71-78.

MELLO, O. A. B. de. Princípios gerais de direito administrativo. 2. ed., vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1979.

MELLO, V. V. de. Regime jurídico da competência regulamentar. São Paulo: Dialética, 2001.

MELO, J. E. S. de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997.

MENEZES, R. F. de M. "As agências reguladoras no direito brasileiro". Revista de direito administrativo, nº 227. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar. 2002, p. 47-68.

MONTEIRO NETO, N. "Sobre o adicional tarifário em relação aos serviços públicos de energia elétrica". Revista dialética de direito tributário, nº 84. São Paulo: Dialética, set. 2002, p. 94-100.

MONTESQUIEU, C. O espírito das leis. 1.ed., 2ª tiragem. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MOREIRA, E. B. "Agências administrativas, poder regulamentar e o sistema financeiro nacional". Revista de direito administrativo, nº 218. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 1999, p. 93-112.

MOREIRA, V. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Livraria Almedina, 1997.

MOREIRA NETO, D. de F. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

____________. Direito regulatório: a alternativa participativa e flexível para a administração pública de relações setoriais complexas no estado democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

____________. Mutações do direito administrativo. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

MOTTA, P. R. F. Agências reguladoras. Barueri: Manole, 2003.

PIMENTA, P. R. L. "Perfil constitucional das contribuições de intervenção no domínio econômico", in GRECO, M. A (coordenação). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. São Paulo: Dialética, 2001, p.155-184.

PIMENTA, M. R. L. "O seguro-apagão e suas inconstitucionalidades". Revista dialética de direito tributário, nº 84. São Paulo: Dialética, set. 2002, p. 88-96.

ROCHA, C. L. A. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

ROJO, M. B. Los principios jurídicos. 1ª reimp. de la 1ª ed. Madrid: Tecnos, 1997.

ROSA, R. P. A. de. "Reflexões sobre a função reguladora das agências estatais". Revista de direito administrativo, nº 226. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 2001, p. 243-250.

SALDANHA, N. O Estado moderno e a separação dos poderes. São Paulo: Saraiva, 1987.

SAMPAIO, M. de A. e S. "O poder normativo das agências reguladoras". Revista de direito administrativo, nº 227. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar., 2002, p. 339-347.

SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

_________."O estado democrático de direito". Revista de direito administrativo, nº 173. Rio de Janeiro: Renovar, jul./set.1988, p. 15-34.

SOUTO, M. J. V. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

SOUZA, A. de B. G. "O estado contemporâneo frente ao princípio da indelegabilidade legislativa". Revista trimestral de direito público, nº 13. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 193-202.

SUNDFELD, C. A. "Introdução às agências reguladoras" in SUNDFELD, C. A. (coordenador) Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17-38.

_________. Direito administrativo ordenador. 1.ed., 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997.

TÁCITO, C. "Princípio da legalidade: ponto e contraponto". Revista de direito administrativo, nº 206. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 1996, p. 1-8.

_________. "Agências reguladoras da administração". Revista de direito administrativo, nº 221. Rio de Janeiro: Renovar, jul./set. 2000, p 1-5.

TAVARES, A. M. "A falsa tipologia de adicional tarifário do ‘seguro-apagão’ e as reflexas injuridicidades de sua cobrança". Revista dialética de direito tributário, nº 87. São Paulo:Dialética, dez. 2002, p. 07-13.

TAVARES, A. R. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.

VASCONCELOS, P. C. B. de. A separação dos poderes na constituição americana: do veto legislativo ao executivo unitário – a crise regulatória. Coimbra: Coimbra Editora, 1994.

VAZ, M. A. Lei e reserva da lei: a causa da lei na constituição portuguesa de 1976. Porto: dissertação de doutoramento em ciências jurídico-políticas na faculdade de direito da universidade católica portuguesa, 1996.

XAVIER, A. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1978.

ZIPPELIUS, R. Teoria geral do estado. Tradução de Antonio Cabral de Moncada. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MUSSI, Guilherme. Os limites do poder normativo das agências reguladoras brasileiras: o caso do encargo de capacidade emergencial ("seguro apagão"). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 316, 19 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5274. Acesso em: 4 maio 2024.