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Tutela antecipatória

um estudo à luz da nova reforma do Código de Processo Civil

Tutela antecipatória: um estudo à luz da nova reforma do Código de Processo Civil

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A tutela antecipatória propicia a distribuição do ônus do tempo no processo, sendo instrumento de concretização do equilíbrio abstrato entre os princípios da segurança jurídica e da inafastabilidade da tutela jurisdicional.

Resumo

            A tutela antecipatória propicia a distribuição do ônus do tempo no processo, sendo instrumento de concretização do equilíbrio abstrato entre os princípios da segurança jurídica e da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Generalizada no âmbito do processo de conhecimento em 1994, a experiência mostrou as falhas do modelo legal, que veio a ser alterado recentemente por meio da Lei no 10.444, de 7 de maio de 2002.

            Neste trabalho, pretende-se, no âmbito de um exame geral do instituto, analisar as inovações legais aludidas, verificando-se em que medida elas vieram incorporar avanços ao processo civil positivado e registrando-se as diversas posições dos processualistas que já se manifestaram sobre o tema.


Conceito e fundamentos

            A tutela antecipatória (1) consiste, basicamente, na entrega da prestação jurisdicional em momento anterior à formação da convicção definitiva do julgador, pela qual se autoriza ou determina a prática ou a abstenção de atos que têm como resultado a efetiva fruição de um direito provisoriamente reconhecido (2).

            Desta breve definição destacam-se dois elementos de impossível dissociação: a sumariedade e a provisoriedade do provimento que concede a antecipação. A sumariedade se identifica no fato de a respectiva decisão ser tomada antes daquele amadurecimento que habilita o magistrado a emitir juízo definitivo sobre a causa, o que normalmente estará ligado ao fato de, no momento de sua prolação, não terem sido produzidas todas as provas relevantes para o deslinde do litígio. E a provisoriedade diz respeito a que a antecipação destina-se inevitavelmente a ser integrada ou substituída por uma outra decisão, esta fundada em cognição exauriente, que poderá confirmar ou negar as conclusões a que antes se chegara, sendo a provisoriedade, portanto, verdadeiro corolário da sumariedade.

            Vê-se desde logo que a tutela antecipatória, para merecer este qualificativo, manterá sempre referibilidade com esta outra decisão, veiculadora de tutela definitiva, que é o objetivo do processo de conhecimento, alcançável após o transcurso das suas fases postulatória e instrutória, durante as quais, com esteio nos princípios da ampla defesa e do contraditório, as partes envolvidas travam amplo debate acerca do bem jurídico disputado, carreando ao processo os argumentos e as provas que entendem fundamentar as suas pretensões, tudo nos limites previstos pela lei, ou seja, com a observância do devido processo legal.

            A tutela jurisdicional definitiva é, com efeito, a meta do processo e, sendo assim, é a ela que primacialmente se refere a proteção prometida pela Constituição da República quando consagra o princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5o, XXXV), legitimador do monopólio estatal da jurisdição. E diz mais a Constituição: a tutela somente será concedida depois de percorrido o iter do devido processo legal (art. 5o, LIV), donde se conclui que, antes disso, o autor não terá direito ao bem jurídico perseguido, que permanecerá na esfera jurídica do réu.

            Ora, se é da tutela definitiva que trata prevalentemente a Constituição, já perceberam os mais atentos que o mecanismo da tutela antecipatória enseja profundos questionamentos. Como é possível, afinal, admitir-se provimento judicial que a tenha por conteúdo em face dos princípios constitucionais do processo, os quais se refletem no sobreprincípio da segurança jurídica? Como é possível, antes do exame aprofundado dos fatos e do direito, ingressar no patrimônio jurídico de uma pessoa para retirar-lhe um bem e entregá-lo a outrem? Não haveria aqui uma marca indelével de inconstitucionalidade? A seguir, vamos tentar responder a tais questões.

            Inicialmente, é preciso lembrar que o instituto da tutela antecipatória não é novo em nosso Direito. Próximas a ele estão as medidas cautelares, que sempre foram admitidas. E, há muito, contam com provimentos de natureza propriamente antecipatória vários procedimentos especiais, previstos no próprio CPC ou em legislação extravagante, como, entre outros, o das ações possessórias, o do habeas corpus, o da ação de alimentos, o da ação de despejo e o do mandado de segurança.

            Foi somente em 1994, entretanto, por obra da Lei no 8.952, de 13 de dezembro daquele ano, que se generalizou esse instrumento técnico-jurídico, que passou a ser aplicável a todo o processso de conhecimento pátrio. Referida lei alterou os arts. 273 e 461 do CPC (3), os quais, mais recentemente sofreram nova alteração com a edição da Lei no 10.444/02 – no que ficou conhecido como a "reforma da reforma" ou "contra-reforma".

            A generalização da tutela antecipatória veio a provocar uma verdadeira revolução porque se inseriu em um sistema de processo civil que sempre valorizou ao extremo a segurança jurídica, a ponto de, como regra, negar eficácia imediata a um vasto conjunto de decisões prolatadas em sede de cognição exauriente, quais sejam as sentenças de primeiro grau de jurisdição, contra as quais o recurso cabível é geralmente dotado de efeito suspensivo, bem como exigir o longo rito do binômio condenação-execução para a satisfação das pretensões relativas a deveres de dar, fazer e não-fazer, com valorização excessiva da idéia de nulla executio sine titulo.

            Daí porque Humberto Teodoro Júnior identifica na tutela antecipatória "a quebra do dicotomismo rígido, concebido pelo direito processual clássico, entre o processo de conhecimento e o processo de execução" (4). Explica o autor:

            "Permitindo a tomada de medidas de natureza prática dentro do âmbito do processo de conhecimento, a tutela antecipada entra logo no plano da execução e pode, em alguns casos, até mesmo dispensar o uso da futura actio iudicati, já que o efeito prático provisoriamente alcançado se tornaria definitivo, após a sentença e, conforme sua extensão, esvaziaria por completo a execução forçada. (...)

            Isso quer dizer que a natureza do processo de conhecimento, após a concepção geral da tutela antecipada, já não é mais a tradicional que via nele uma atividade puramente ideal de definição de direitos subjetivos e de sanções correspondentes a suas infrações. Agora, o juiz da cognição, além de acertamentos sobre a situação jurídica dos litigantes, exercita, desde logo, também, atos práticos de satisfação de pretensões materiais deduzidas no processo. (...)" (5)

            Além disso, a tutela antecipatória representa possibilidade de proteção efetiva de vários direitos de natureza não patrimonial que, antes da edição da Lei no 8.952/94, careciam de instrumentos de tutela – o que se explica pela forte ligação do CPC à tradição liberal-patrimonialista.

            Nessa revolução, a tutela antecipatória vem valorizar a posição do autor, daquele que pede em juízo a proteção do seu direito, sem descurar da situação do réu, daquele em face de quem se pede. O que importa verificar é que, agora, com base no princípio da igualdade real, tanto um quanto outro poderão ter que suportar as conseqüências materiais mais gravosas da inevitável demora do processo – em oposição ao sistema anterior em que, a priori, esse papel cabia exclusivamente ao autor. E isso faz surgir a necessidade de repensar vários institutos do Direito Processual para amoldá-los à nova orientação, como bem observa Teori Albino Zavascki ao tecer considerações sobre a lei instituidora da tutela antecipatória:

            "Mais do que uma simples alteração de um dispositivo do Código, a nova lei produziu em verdade uma notável mudança de concepção do próprio sistema processual. As medidas antecipatórias, até então previstas apenas para determinados procedimentos especiais, passaram a constituir providência alcançável, generalizadamente, em qualquer processo. A profundidade da mudança – que, como se disse, é, mais que da lei, do próprio sistema – se faz sentir pelas implicações que as medidas antecipatórias acarretam, não só no processo de conhecimento, mas também no processo de execução, no cautelar e até nos procedimentos especiais." (6)

            Não se deixe de observar, porém, que a alteração legislativa é fruto de uma evolução gradual do processo civil, vindo a responder aos anseios da comunidade jurídica por meios de conferir maior efetividade à jurisdição, o que, até a edição da Lei no 8.952/94, dependia em alto grau da criatividade de nossos juristas e da boa vontade de alguns magistrados para aceitar verdadeiras subversões como a medida cautelar satisfativa, por exemplo (7). Tal efetividade, por sua vez, é exigida pela sociedade moderna, sob pena de, ao não se comprometer com ela, o processo transformar-se em instrumento ultrapassado, inútil aos fins que se propõe.

            Em relação aos seus fundamentos, a tutela antecipatória representa um compromisso entre os princípios da efetividade da juridição e da segurança jurídica, representando, desta forma, verdadeiro instrumento de harmonização de valores colidentes. Aquele, decorrente do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, previsto no artigo 5o, XXXV, da Constituição, exigindo celeridade do Estado na apreciação das demandas judiciais de modo que não pereçam os direitos do autor, e este, fundado nos princípios da ampla defesa e do contraditório e do devido processo legal, dando ao processo o seu próprio tempo para que o réu somente venha a ser sacrificado na exata medida em que autoriza o direito.

            Assim, em verdade, a matéria se insere no tema da colisão de princípios e direitos fundamentais, sobre o qual se debruçam os constitucionalistas para concluir que a constituição deve ser entendida como um todo incindível, cada princípio e direito representando um limite imanente aos demais, o que, no âmbito da sua aplicação, exige ponderação que maximize cada um deles (princípio da proporcionalidade). Sobre o assunto vale a transcrição dos ensinamentos de Edilson Pereira de Farias, analisando as lições de Konrad Hesse:

            "O princípio da unidade da constituição requer a contemplação da constituição como um todo, a compreensão do texto constitucional como um sistema que necessita compatibilizar preceitos discrepantes. Esta a formulação de Konrad Hesse para o aludido princípio:

            La relación e interdependencia existentes entre los distintos elementos de la Constitución.. . obligan a no contemplar em ningún caso sólo la norma aislada sino siempre además en el conjunto en el que debe ser situada; todas las normas constitucionales han de ser interpretadas de tal manera que se evitem contradicciones con otras normas constitucionales. La única solución del problema coherente com este principio es la que encuentre en consonancia com las decisiones básicas de la Constitución e evite su limitación unilateal a aspectos parciales.

            O princípio da concordância prática ou da harmonização – "um canon of constitucional construction da jurisprudência americana" seria o consectário lógico do princípio da unidade constitucional. De acordo com o princípio da concordância prática, os direitos fundamentais e valores constitucionais deverão ser harmonizados, no caso sub examine, por meio de juízo de ponderação que vise preservar e concretizar ao máximo os direitos e bens constitucionalmente protegidos. "Allí donde se produzcam colisiones no se debe, a través de una precipitada ‘ponderación de bienes’ o incluso abstracta ‘ponderación de valores’, realizar el uno a costa del otro".

            Por seu turno, a máxima da proporcionalidade (...) é a realização do princípio da concordância prática no caso concreto. Isto é, significa aquela distribuição necessária e adequada dos custos de forma a salvaguardar direitos fundamentais e/ou valores constitucionalmente colidentes." (8) [itálico original]

            É por este raciocínio que se afasta qualquer eiva de inconstitucionalidade da tutela antecipatória. Antes, estou convicta de que ela é inegável instrumento de proteção dos direitos fundamentais, sendo forma de concretizar aquela idéia que – impossível deixar de fazer a referência – Chiovenda tão sabiamente colocou em palavras ao dizer que o processo "deve dar a quem tem um direito, na medida do que for possível na prática, tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter" (9). E mais: qualquer lei que a proíba, esta sim será inconstitucional – tal aspecto é de vital importância para o tema específico de nosso estudo.

            A garantia constitucional da tutela jurisdicional não pode ser puramente formal. Ela compreende a tutela jurisdicional efetiva, com a qual não se coaduna um processo em que a entrega do bem da vida a quem tem razão ocorra tardiamente, quando este bem perdeu total ou parcialmente a sua utilidade. Tampouco se compatibiliza a efetividade com um processo em que a parte em prol da qual apontam todas as evidências de vitória na ação judicial, cujo objeto não raramente é direito fundamental, tenha que aguardar o trânsito em julgado – ao qual antecede um grande número de recursos e incidentes processuais inseridos em uma estrutura de prestação de serviço deficiente – para fruir do bem da vida perseguido.

            Realizar a efetividade da tutela jurisdicional é, concomitantemente:

            - Dispor de meios adequados para resolver os problemas do plano material;

            Para cada tipo de direito material devem existir instrumentos processuais adequados à sua proteção. Daí falar-se em tutela jurisdicional diferenciada, entendida esta, segundo a lição de José Roberto dos Santos Bedaque, "de duas maneiras diversas: a existência de procedimentos específicos, de cognição plena e exauriente, cada qual elaborado em função de especificidades da relação material; ou a regulamentação de tutelas sumárias típicas precedidas de cognição não exauriente, visando a evitar que o tempo possa comprometer o resultado do processo" (10).

            - Assegurar a plena realização do direito em favor de seu titular;

            O objetivo do processo é possibilitar ao titular do direito fruir-lhe do modo mais parecido possível com aquele que decorreria do cumprimento espontâneo das normas de direito material.

            - Entregar tutela jurisdicional tempestiva;

            Já se disse, com toda razão, que jurtiça tardia não é justiça. Não é por outra razão que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro 1969, da qual o Brasil é signatário (11), consigna, em seu art. 8o, 1, como direito de toda pessoa o "de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial (...)" [ negritei] (12).

            - E garantir, no processo, a observância do princípio da igualdade.

            O processo, pelo simples fato da sua instauração e desenvolvimento, não deve favorecer uma das partes, sob pena de seu uso ser subvertido. O processo deve servir como meio de incentivar o cumprimento espontâneo dos deveres jurídicos. Essa função não deve ser atribuída somente à sanção prevista no direito material. Daí a necessidade de minimização do chamando dano marginal (13) do processo, que é aquele dano causado pela simples espera pela satisfação do direito perseguido em juízo (14).

            Tais objetivos somente são alcançáveis pelo manejo das tutelas cautelares e antecipatórias, donde se conclui que estas também integram a garantia constitucional da tutela jurisdicional, isto é, têm as tutelas provisórias, tanto quanto a tutela definitiva, dignidade constitucional. É a conclusão a que também chega autorizada doutrina:

            "A garantia constitucional da ação não está limitada às tutelas definitivas e satisfativas. A tutela cautelar de urgência deve ser incluída, portanto, no âmbito da proteção que a Constituição Federal confere ao direito de ação, que, em última análise, é direito de acesso às garantias do devido processo legal ou devido processo constitucional." (15)

            Revelados os seus fundamentos, cumpre-nos perquirir quais são as situações que autorizam a concessão da tutela antecipatória, devendo-se sempre ter em mente que ela é medida excepcional. O ideal mesmo é que a tutela definitiva seja entregue aos jurisdicionados sem delongas, de forma a propiciar ao autor que tem razão a fruição integral do bem jurídico pleiteado, tal qual o faria não tivesse encontrado a resistência do réu, e a este, a garantia de que sua esfera jurídica somente será atingida após o Estado ter certeza (aquela certeza relativa que permeia toda decisão judicial, bem entendido) de que aquele bem não lhe pertence. Não por outro motivo, concluiu Ovídio Araújo Baptista da Silva:

            "As formas de tutela urgente, seja cautelar ou não, devem ser postas no sistema jurídico como remédios extraordinários, para situações especiais, quando os meios jurisdicionais comuns se mostrem incapazes de tutelar adequadamente o direito eventual. Sua generalização, além de não solucionar os problemas institucionais, criados pela morosidade excessiva da prestação jurisdicional ordinária, em verdade correria o risco de uma duplicação desnecessária dos litígios, o que, evidentemente, só poderia estar justitficado em casos excepcionais." (16)


Natureza jurídica

            Sobre a natureza jurídica do instituto, estabeleceu-se um consenso na doutrina de que a tutela antecipatória tem natureza satisfativa, isto é, volta-se à realização da pretensão de direito material do litigante, não se confundindo com a tutela meramente cautelar. Esta teria por escopo impedir o perecimento do direito ou assegurar o seu exercício no futuro, não se confundindo com a entrega ao demandante, ainda que provisoriamente, do próprio direito finalisticamente buscado, típica da tutela antecipatória.

            Tomando-se por base a classificação da tutela provisória feita por Galeno Lacerda (17), a tutela genuinamente cautelar corresponde às medidas destinadas à antecipação de provas suscetíveis de perderem-se com o decurso do tempo (segurança quanto à prova) e às medidas que buscam garantir o objeto da lide ou a solvência do demandado, assegurando a eficácia prática da sentença (segurança para execução). E a tutela antecipatória está presente nas medidas que antecipam o objeto do pedido (execução para segurança).

            A distinção tem (ou teve) a sua importância já que, ao lado da tutela antecipatória, continua em vigor o processo cautelar, com seus vários procedimentos, impondo-se determinar quando seria aplicável um ou outro instrumento técnico-jurídico. Hoje, entretanto, não há como negar que, em face do novo §7o do artigo 273 do CPC, acrescentado pela Lei no 10.444/02, não há mais espaço para muitas das questões que se colocavam em torno do tema – determina a nova redação que "se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado" (18).

            De fato, antes mesmo da nova lei, a distinção não estava isenta de críticas. Primeiro porque ela é relativa, dependendo da extensão que se dê à idéia de cautelaridade. Humberto Teodoro Júnior, por exemplo, na esteira de vários doutrinadores, entendendo por cautelaridade a proteção da efetividade do provimento definitivo, fala em medidas cautelares conservativas ou antecipatórias (19). Se, entretanto, entendermos que antecipatória é só a decisão que confere ao autor o mesmo resultado da sentença de mérito, então raríssimos seriam os provimentos com esse caráter, visto que o direito reconhecido pela decisão proferida com base em cognição sumária jamais terá o atributo da certeza. Nesta perspectiva, antecipatórios seriam somente aqueles provimentos irreversíveis, cujos efeitos não poderiam ser desfeitos em razão de decisão posterior em contrário (20).

            Por outro lado, a distinção causou alguns problemas no âmbito da aplicação do direito (que a lei nova veio coibir), como denuncia Renato Luís Benucci:

            "Observa-se, amiúde, que entendimentos divergentes entre os jurisdicionados e os órgãos jurisdicionais, ou mesmo entre órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição, quanto ao tipo de provimento solicitado – se o mesmo se caracterizaria como antecipação de tutela ou tutela cautelar – têm ocasionado rejeição de pedidos de antecipação de tutela, ou mesmo a reforma pelos tribunais de decisões antecipatórias em primeiro grau de jurisdição, unicamente por critérios formais originados da distinção mencionada, em evidente prejuízo ao jurisdicionado." (21)

            Atualmente, há mesmo uma inversão do pensamento dominante, chegando alguns a negar veementemente qualquer utilidade prática da distinção. Assim, José Roberto dos Santos Bedaque:

            "(...) Mas, se ambas têm a mesma função no sistema e são estruturalmente provisórias, por que distingui-las? Inexiste razão histórica ou sistemática para não incluir as antecipatórias no rol das cautelares. A discussão acaba sendo meramente terminológica, pois temos duas categorias de tutelas não definitivas, destinadas ambas a evitar que o tempo necessário à segurança jurídica acabe tornando inútil o resultado do processo, com denominações diversas. (...)

            Ora, se possuem tantos aspectos que as aproximam, será melhor tratá-las em conjunto e submetê-las ao mesmo regime jurídico. Esse parece ser o real interesse no estudo comparativo das espécies de tutelas provisórias, as de caráter meramente conservativo e as que possuem conteúdo antecipatório. Dada a similitude existente entre elas, aconselhável recebam o mesmo tratamento jurídico. Irrelevante considerá-las modalidades de cautelar ou considerar essas denominações apenas às conservativas e não antecipatórias. Importante, sim, é determinar sua substância e demonstrar que ambas existem com a mesma finalidade e possuem características particamente iguais." (22)

            Realmente as tutelas de que se trata são funcionalmente (servem à celeridade do processo) e estruturalmente (quanto às características da provisoriedade, reversibilidade, possibilidade de revogação ou modificação etc) similares, mas, ainda assim, merecem ser diferenciadas. Primeiro porque, apesar de o CPC hoje permitir a concessão de tutela cautelar em caráter incidental, que seguirá o mesmo procedimento da tutela antecipatória, a recíproca não é verdadeira, ou seja, não é possível a instauração de processo preparatório que tenha por objetivo a obtenção de tutela antecipatória (23).

            Em segundo lugar, conquanto o CPC caminhe cada vez mais no sentido de unificar os dois tipos de tutela, vigora em relação à antecipatória, em toda a sua plenitude, o princípio dispositivo, sendo este, ao contrário, mitigado no âmbito da tutela cautelar stricto sensu. É o que se dessume do caput do artigo 273 do CPC, que autoriza o juiz a antecipar a tutela a "requerimento da parte", em contraste com o que prevêem os artigos 798 e 799, segundo os quais, além dos procedimentos cautelares especiais previsto no Código, "poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação", inclusive "autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução", o que normalmente é interpretado como possibilidade de o juiz conceder de ofício a tutela cautelar (supondo, é claro, um processo pendente).


Tipos e requisitos

            Antes de adentrarmos propriamente o exame do direito positivo, uma advertência: a análise que faremos aqui terá por base a idéia de que a tutela antecipatória genérica regulada pelo art. 273 do CPC e aquela relativa às obrigações de fazer e não fazer e, mais recentemente, à de entrega de coisa, dos arts. 461, §3o, e 461-A, §3o, do mesmo Código, não são dois institutos diversos, os dispositivos citados, ao contrário, integram a regulação legal de um mesmo fenômeno. Tendo isto em mente, passemos ao seu exame.

            Existem três tipos de tutela antecipatória que se diferenciam por seus requisitos ou pressupostos. A primeira e mais estudada é a tutela antecipatória fundada no "receio de dano irreparável ou de difícil reparação", conforme art. 273, I, ou no "justificado receio de ineficácia do provimento final", nos termos do art. 461, §3o; a segunda é a do art. 273, II, cabível em casos abuso de direito de defesa e de manifesto propósito protelatório do réu; e a terceira é do "pedido incontroverso", prevista no art. 273, §6o, acrescentado pela Lei no 10.444/02. Nos dois primeiros casos, há que se fazer presente também o requisito que o art. 273, caput, chama de "prova inequívoca" combinada com a "verossimilhança da alegação" e o art. 461, §3o, de relevância do fundamento da demanda, requisito este não diretamente aplicável ao terceiro tipo de antecipatória (porque aqui o que se quer é a incontrovérsia).

            Chamaremos os tipos de tutela antecipatória citados de antecipação assecuratória, antecipação por comportamento abusivo e antecipação do pedido incontroverso (24).

            Da prova inequívoca e da verossimilhança da alegação

            A redação do CPC para exprimir os requisitos da tutela antecipatória merece várias críticas. No art. 273, o legislador diz que o juiz poderá conceder a tutela antecipatória pleiteada "desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação". A contradição aqui é, a meu ver, manifesta: a prova inequívoca leva à certeza da alegação e não à sua verossimilhança, que, ao contrário, diz com a aparência da verdade ou com a probabilidade desta – os dicionários nos ensinam que verossimilhança é a qualidade ou caráter de verossímel, adjetivo que significa semelhante à verdade, que parece verdadeiro, provável.

            A doutrina procura soluções que dêem ao enunciado legal um sentido lógico aceitável. Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco:

            "a dar peso ao sentido literal do texto, seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque ‘prova inequívoca’ é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do juiz o sentimento de certeza e não de verossimilhança (...) aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no art. 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança que a verossimilhança." (25)

            Contestando o entendimento anterior, José Carlos Barbosa Moreira tenta "salvar" o texto legal, explicando que o raciocínio da doutrina majoritária parte da premissa de que prova inequívoca é a prova com força persuasiva absoluta (a prova incontestável) ou relativa (que produz juízo de probabilidade), mas que, na verdade, há outra acepção para a expressão, que corresponderia simplesmente a entender que inequívoca é a prova cujo conteúdo autoriza apenas um entendimento. Sugere, então, o seguinte:

            "Se nos colocarmos no ponto de vista acima indicado, cessa toda e qualquer dificuldade para compatibilizar, na interpretação do art. 273, a qualidade de "inequívoca", exigível na prova, e o patamar de simples "verossimilhança" – ou de "probablidade", se se preferir – que a alegação precisa alcançar, na mente do juiz, para justificar a antecipação da tutela. Em duas etapas se desdobrará a perquirição do magistrado, diante da prova produzida. Primeira: é ela "inequívoca", no sentido de que só comporta um entendimento? Segunda: com esse entendimento, tem ela suficiente força persuasiva para fazer verossímil (ou provável) a alegação do requerente? Quer-nos parecer que a solução aqui proposta elimina os rangidos que inevitavelmente se ouvem na articulação, tal como habitualmente feita, das duas peças do art. 273, caput. Cada uma delas concerne a um aspecto do problema, e ambas se conjugam em perfeita harmonia na armação do mecanismo legal." (26)

            Não podemos concordar, entretanto, com tal conclusão. É que, ainda que "prova inequívoca" possa ter o significado que Barbosa Moreira nela percebeu, esse significado estaria contido na idéia de verossimilhança, o que não nos levaria a conclusão diferente daquela idéia de probabilidade. E isso porque não se pode conceber uma prova equívoca (nos termos em que concebe tal expressão o processualista citado, isto é, que "tem mais de um sentido ou se presta a mais de uma interpretação") que seja, ao mesmo tempo, persuasiva.

            Da mesma forma, falar-se em fundamento relevante da demanda também não é maneira feliz de colocar as coisas. O fundamento do pedido do autor pode ser relevante sem, contudo, convencer, situação em que não estará autorizada a concessão da tutela antecipatória

            Na verdade, o que cumpre investigar é se o requisito anterior, comum às duas formas de tutela antecipatória previstas nos incisos do art. 273, caput, se diferencia em alguma medida do clássico fumus boni iuris exigido para a tutela cautelar, bem como de outras fórmulas legais autorizadoras de medidas antecipatórias – "quando for relevante o fundamento" (art. 7o, II, da Lei no 1.533/51); "relevante fundamentação do recurso" (art. 588 do CPC).

            Em prol de uma distinção de grau posicionam-se Cândido Rangel Dinamarco, para quem a verossimilhança remete a uma prova mais robusta que o fumus boni iuris exigido para a tutela cautelar (27), e Teori Albino Zavascki, que argumenta que, para a concessão da tutela antecipatória, "o fumus boni iuris deverá estar (...) especialmente qualificado" (28).

            Com a devida vênia dos ilustres processualistas, preferimos nos posicionar junto à Eduardo Talamini (29), para dizer que a verossimilhança da alegação ou o fundamento relevante da demanda em nada se distingue do fumus boni iuris do processo cautelar ou do mandado de segurança. Ou, de outra forma, tanto uns quanto outro possuem graus de exigência que variarão de acordo com os efeitos nocivos que o provimento, antecipatório ou cautelar, poderá provocar no caso de o exame definitivo da causa chegar a conclusão que contraria a tutela provisória.

            De modo que, falar-se em forte probabilidade para diferenciar a tutela antecipatória da tutela cautelar é construção artificial. Então, perguntamos, a probabilidade poderá ser "fraca" para fins de concessão de tutela cautelar? Tudo dependerá, repetimos, dos efeitos que vier a provocar na esfera jurídica do réu...

            Da antecipação assecuratória

            Quanto aos requisitos alternativos (os dos incisos do caput do art. 273), temos que o primeiro corresponde ao periculum in mora, que a doutrina identifica com o requisito do artigo 798 do CPC.

            Será imperiosa a antecipação da tutela, portanto, naquelas situações em que a manutenção do bem disputado na esfera jurídica do réu puder causar ao autor que tem razão um dano tal que a sentença definitiva, desacompanhada daquela providência prévia, será incapaz de dar-lhe tudo aquilo a que tem direito.

            O periculum in mora, como se vê, envolve o risco de ineficácia prática do provimento final, risco esse que, se concretizado, equivaleria a verdaderia negativa de prestação da tutela jurisdicional.

            Outrossim, o risco a que nos referimos deve ser concreto e atual, não correspondendo, por exemplo, ao mero dano marginal causado pelo tempo do processo (30).

            Da antecipação por comportamento abusivo

            O abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu podem ensejar a concessão de tutela antecipatória, independentemente da existência de perigo de dano irreparável, com o quê se busca proteger o autor do dano marginal do processo, nesse caso potencializado pelo comportamento da parte adversa. Com base nisso, há quem conteste a natureza cautelar lato sensu da tutela antecipatória (31).

            A doutrina dominante entende que o manifesto propósito protelatório do réu deverá ser aferido no curso do processo, após a regular triangularização da relação processual, motivo pelo qual tal conduta se confunde com o abuso do direito de defesa, sendo, na verdade, uma de suas formas de expressão. Assim sendo, não seria cabível pleitear-se a tutela antecipatória com fundamento, por exemplo, na alegação de que, antes da instauração do processo, o réu-devedor vinha opondo obstáculos sucessivos ao cumprimento de sua obrigação.

            Não concordo com tal orientação. É claro que quando se fala em "abuso de direito de defesa" pressupõe-se o exercício da defesa, daí se concluindo que a aferição deste requisito só é possível com base em atos praticados no âmbito do processo (no seu curso e nos seus autos). O manifesto propósito protelatório do réu, diferentemente, é expressão muito mais ampla, que pode muito bem abranger – e deve fazê-lo em homenagem ao princípio da efetividade da jurisdição – atos prévios ao processo, demonstrativos de tentativas de retardar o cumprimento do dever jurídico correspondente ao direito buscado pelo autor.

            Este requisito alternativo é, sem dúvida, um dos aspectos de maiores controvérsias doutrinárias da tutela antecipatória. Ao contrário do requisito do periculum in mora, autores de nomeada têm, aqui, posicionamentos absolutamente divergentes. E, sem dúvida, aquele que identifica o maior número de situações abrigadas pelo art. 273, II, do CPC, é Luiz Guilherme Marinoni.

            Para o citado jurista, podem ser objeto de antecipação de tutela fundada no abuso do direito as seguintes situações (32):

            - Casos em que concorrem a evidência do direito do autor e a fragilidade da resistência do réu;

            - Casos em que o réu, sem contestar os fatos constitutivos narrados pelo autor, apresenta exceção substancial indireta infundada;

            - Casos em que o autor apresenta prova dos fatos constitutivos do pretenso direito e o réu contesta por meio de defesa provavelmente infundada que exija instrução probatória (é o que Marinoni chama de tutela antecipatória através da técnica monitória);

            - Casos de não-contestação parcial ou de reconhecimento parcial do pedido;

            - Casos em que é possível o julgamento antecipado de um ou mais de um dos pedidos cumulados;

            - Casos de julgamento antecipado de parcela do pedido;

            - Casos de abuso do direito de recorrer;

            - Casos que tratam de matéria já sumulada pelos tribunais.

            Em extremo oposto, posiciona-se Teori Albino Zavascki, para quem, "evidenciam-se escassas, na prática, as hipóteses de concessão de tutela antecipada por abuso do direito de defesa" (33).

            O entendimento de Marinoni, outrossim, ao lado do qual me posiciono, decorre de uma concepção sistêmica do instituto da tutela antecipatória, que, como ele deixa claro nas primeiras páginas de sua multicitada obra, A antecipação da tutela, é "uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo" (34), que poderá inclusive, em algumas das situações anteriores, fundar-se em cognição exauriente e produzir coisa julgada material (35). Nessa perspectiva, a tutela antecipatória, como meio de harmonizar os princípios da segurança jurídica e da efetividade da jurisdição, tem por escopo também a concretização do princípio da igualdade material (36).

            O certo é que algumas das propostas de Marinoni foram recepcionadas pela Lei no 10.444/02, deslocadas, porém, para uma terceira hipótese de antecipação de tutela. Isto evidencia que o instituto deve ser mais uma vez repensado.

            Da antecipação do pedido incontroverso

            O novo §6o do art. 273 do CPC diz que "a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

            A lei fala em incontrovérsia quanto a um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles. Mas, na verdade, o que poderá estar incontroverso no processo são os fatos e a interpretação do direito na qual se apóia o autor para pleitear em juízo. E esta incontrovérsia decorre ou da ausência de contestação, total ou parcial, ou do reconhecimento expresso do pedido por parte do réu. A qual destas situações refere-se a lei? (37)

            Acredito – com base na diretriz que adotei, de conferir ao texto legal o significado que empreste ao processo a máxima efetividade – que tanto a ausência de contestação, total ou parcial, como o reconhecimento do pedido estão contemplados no §6o do artigo 273. Assim sendo, tratando-se, em regra, de direito disponível, e estando presente, no primeiro caso (ausência de contestação), no mínimo a plausibilidade do direito invocado, é de ser antecipada a tutela.

            Veja-se, então, que, apesar de o CPC ser omisso a respeito, pelo menos no caso de ausência de contestação, não se dispensa, na hipótese de que ora se trata, o exame da verossimilhança da alegação. Este somente não será exigível no caso de reconhecimento total ou parcial de pedido relativo a direito disponível. É que a ausência de contestação, total (que equivale à revelia) ou parcial (ausência de impugnação específica), apenas induz, quanto aos fatos alegados pelo autor e não contestados, a presunção de veracidade, enquanto que o reconhecimento jurídico do pedido, total ou parcial, "não tem por objeto um ou mais fatos, mas o próprio pedido do autor" (38).

            A não-contestação, na verdade, traduz uma situação de especial qualificação da plausibilidade da alegação do autor, chamando-se a atenção para o fato de que, em tal hipótese, não se podem reputar verdadeiros os fatos naquelas mesmas hipóteses em que o art. 320 do CPC diz que a revelia não produz seu efeito material, bem como nos casos do art. 302 do mesmo Código.

            Parece evidente também que, apesar da letra da lei, o dispositivo sob exame se aplica aos casos em que haja um único pedido que venha a ser parcialmente reconhecido ou não contestado (ou seja, casos em que não haja cumulação de pedidos).

            Este tipo de antecipação de tutela traz vários questionamentos. Como vimos acima, antes da "reforma da reforma", Marinoni já propugnava que a antecipação poderia ser concedida em casos que tais com fundamento em abuso de direito de defesa. E alertava para o fato de que, nesses casos, a tutela antecipatória estaria baseada em cognição exauriente, a decisão que a veicula sendo apta a fazer coisa julgada material (como já registrei na Nota , acima). Vejamos o que diz o doutrinador:

            "A tutela antecipatória, através das técnicas da não-contestação e do reconhecimento jurídico (parcial) do pedido, é uma tutela anterior à sentença, mas não é uma tutela fundada em probabilidade ou verossimilhança. A tutela antecipatória, nas hipóteses ora estudadas, não é fundada em cognição sumária, compreendida como a coginição que se contrapõe à cognição exauriente. Portanto, a tutela antecipatória, nesses casos, não apresenta risco ao direito de defesa ou ao princípio do contraditório." (39)

            E, adiante, quando trata da "tutela antecipatória através do julgamento antecipado de um (ou mais de um) dos pedidos cumulados":

            "A tutela antecipatória, neste caso estará antecipando o momento do julgamento do pedido. A tutela não é fundada em cognição sumária, mas sim em cognição exauriente, produzindo coisa julgada material." (40)

            Sobre tal posicionamento, comentou Athos Gusmão Carneiro, ainda antes da última alteração legislativa:

            "O alvitre, conquanto realmente muito valioso "lege ferenda", até mesmo porque a ausência de controvérsia equivale, ontologicamente, a um "reconhecimento parcial do pedido", (servindo a AT como "meio processual" para alcançar o bem da vida, embora provisoriamente – Nelson Nery Jr., in Aspectos Polêmicos..., pp. 388-389), parece-nos de difícil aceitação em face do direito legislado.

            A hipótese configuraria caso de parcial julgamento antecipado da lide, regido pelo art. 330 do CPC. Teríamos, então, um provimento judicial versando sobre apenas uma parte do mérito, mas sem a potencialidade de por termo ao processo: decisão interlocutória e, portanto, impugnável mediante agravo.

            Conclusão: parte do mérito seria sujeito ao crivo da segunda instância mediante recurso de agravo, sob prazo de 10 dias e privado de efeito suspensivo, com julgamento sem revisor e sem sustentação oral; e o restante do mérito seria ao final objeto da sentença, com apreciação pelo colegiado de segundo grau através de apelação com prazo de 15 dias e sob as garantias de um contraditório mais acentuado.

            Além disso, é de sublinhar que nem sempre a questão relativa à "amplitude" da contestação se ostenta com suficiente nitidez, e podem surgir controvérsias sobre se (ou qual) determinada parcela do pedido realmente não mereceu contradita, ou se talvez teria sido impugnada implicitamente.

            Diante de tais percalços, a melhor solução, pelo menos na aguarda de novidades legislativas, será admitir a AT das parcelas ou do(s) pedido(s) não contestados, em decisão que será confirmada, ou não, na sentença a ser prolatada após o contraditório pleno." (41) [itálico original]

            Minha opinião, nesse ponto, está a meio caminho dos dois posicionamentos anteriores. Entendo, com efeito, que a tutela antecipatória prevista no §6o do art. 273 pode ou não ser concedida com base em cognição exauriente. A tutela antecipatória será concedida com base em cognição sumária no caso de, configurada a ausência total ou parcial de contestação e, conseqüentemente, a admissão dos fatos afirmados pelo autor como verdadeiros (ou de parcela deles), o juiz, após examiná-los, concluir pela verossimilhança do direito invocado, entendendo que ainda há prova a ser produzida no processo que possa alterar tal conclusão. Se, entretanto, não houver mais qualquer possibilidade de produção de provas que possam influir na convicção do magistrado sobre quem tem a razão, ele estará pronto para proferir uma sentença parcial – deverá, então, proceder ao julgamento antecipado e fracionado da lide (42), devendo, concomitantemente, antecipar a tutela, a qual, nesse caso, se fundará em cognição exauriente.

            O mesmo raciocínio vale para o caso de haver expresso reconhecimento parcial ou total de um ou mais dos pedidos pelo réu. Apenas que, nessa hipótese, o magistrado não examinará o direito, mas limitar-se-á a averiguar se ele é daqueles disponíveis, caso em que proferirá, desde logo, o julgamento antecipado e fracionado da lide, acompanhado da tutela antecipatória (43).

            Registre-se que Luiz Guilherme Marinoni, na última edição de sua belíssima obra Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, que ganhou novo título, Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda, alterou seu entendimento sobre a possibilidade de a decisão que antecipa a tutela tornar-se imutável por força da coisa julgada. É o que se depreende da leitura do seguinte trecho:

            "A tutela antecipatória, nos casos de não-contestação ou de reconhecimento jurídico (parcial) do pedido, deve ser requerida com base no § 6o dp art. 273.

            A decisão que dela trata configura decisão interlocutória, uma vez que não põe termo ao processo, e desta forma pode ser atacada por meio de agravo, quando poderá ser postulada ao relator a suspensão dos efeitos da decisão impugnada ou a imediata concessão da tutela antecipatória negada (art. 527, III, CPC).

            Não há dúvida de que a decisão que toma em consideração a não-contestação ou o reconhecimento jurídico parcial funda-se em cognição exauriente e, portanto, poderia em tese produzir coisa julgada material. Contudo, sabe-se que a coisa julgada material constitui questão de política legislativa, e o legislador da 2a etapa da reforma do Código de Processo Civil preferiu tratar desta tutela como sujeita á confirmação ou revogação da sentença. Note-se que o art. 273 não ganhou alteração no que tange à possibilidade de revogação ou modificação da tutela, prevista em seu § 4o.

            Perceba-se, porém, que o fato de a tutela não produzir coisa julgada material, e assim estar sujeita a confirmação, não tem o condão de alterar a cognição que lhe é inerente. Melhor explicando: não é pela razão de que o art. 273 afirma que a tutela deve ser confirmada na sentença que ela terá que ser admitida como tutela baseada em cognição sumária. Ao contrário, se esta tutela é deferida nos casos de não-contestação ou de reconhecimento parcial do pedido, é pouco mais do que evidente que ela é gerada por uma decisão baseada em cognição exauriente." (44) [itálico original]

            Acompanho o ilustre autor nas suas conclusões sobre a coisa julgada, não comungando, entretanto, pelas razões antes expostas, do entendimento de que a tutela fundada no pedido incontroverso necessariamente decorra de cognição exauriente.

            Da irreversibilidadde

            Além dos requisitos positivos vistos até aqui, pode-se acrescentar um requisito negativo, consubstanciado no texto do art. 273, §2o, segundo o qual "não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado".

            Trata-se de outro aspecto sensível da tutela antecipatória. O que se discute, aqui, é a questão da inafastabilidade relativa deste requisito negativo, ou, em outras palavras, a possibilidade de ser concedida a tutela antecipatória ainda quando presente o risco (ou a certeza) de irreversibilidade. A doutrina aponta no sentido de temperar a letra da lei com o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, o que somente será possível por meio de uma ponderação de valores ou de uma "valoração comparativa de riscos", como sugere José Carlos Barbosa Moreira (45).

            Athos Gusmão Carneiro sistematizou bem o assunto, concluindo que o requisito é inaplicável nos casos de "recíproca irreversibilidade":

            "Com certa freqüência, o pressuposto da irreversibilidade ficará "superado" ante a constatação da "recíproca irreversibilidade". Concedida a AT, e efetivada, cria-se situação irreversível em favor do autor; denegada, a situação será irreversível em prol do demandado.

            Assim, v.g., duas associações automobilísticas pretendem cada qual disputar a sua competição em um mesmo autódromo e na mesma data; contra a associação desfavorecida pela decisão, quer a autora como a ré, surgirá situação irreversível no plano dos fatos (ressalvadas eventuais compensações por perdas e danos). Teori Zavascki lembra o caso de mercadoria perecível retida na alfândega para exame sanitário, estando os fiscais em greve: se não liberada, irá a mercadoria tornar-se imprestável; se liberada independentemente de exame sanitário, será comercializada sem esta precaução – ambas as situações irreversíveis (art. In A Reforma do CPC, Ed. Saraiva, 1996, p. 163).

            Cabe ao juiz, escreveu Alexandre de Freitas Câmara, "proteger o interesse preponderante, aplicando o princípio da proporcionalidade, ainda que isto implique conceder a antecipação de tutela em situações em que esta produza efeitos irreversíveis" (Lineamenteos do Novo Processo Civil, 2a ed., Ed. Del Rey, p. 75). O princípio da proporcionalidade, no magistério de Karl Larenz, definirá os limites em que é lícito satisfazer um interesse, mesmo à custa de outro interesse igualmente merecedor de tutela." (46) [itálico original]

            Nesta perspectiva, a conclusão não poderia mesmo ser outra. No caso de perigo de irreversibilidade, a solução não está pronta na lei (no sentido da negativa da concessão da tutela antecipatória). O art. 273, §2o, do CPC, deve ser entendido sempre como um princípio geral que rege a matéria, a ser mitigado diante do caso concreto, se necessário.

            Em ponto de vista diverso, merecem destaque, mais uma vez, as lições de Luiz Guilherme Marinoni que, após diferenciar a irreversibilidade do provimento da irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento e criticar a confusão que reina na doutrina a respeito, explica que:

            "O que o artigo 273 veda, quando fala que a tutela não poderá ser concedida quando houver perigo de "irreversibilidade do provimento antecipado" – que nada tem a ver, repita-se, com irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento – são determinadas declarações e constituições provisórias. (...).

            Quanto o artigo 273 afirma que a tutela não poderá ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade do provimento, ele está proibindo, por exemplo, a antecipação da constituição de uma relação de filiação ou a antecipação da desconstituição de um casamento.

            (...) Não há dúvida que é impossível admitir, de forma generalizada, a antecipação da declaração e da constituição, já que é inconcebível a tutela antecipatória nas ações relativas ao estado ou à capacidade das pessoas." (47) [itálico original]

            De modo que, segundo o ilustre jurista, não se pode retirar do art. 273, §2o, do CPC a vedação à tutela antecipatória no caso de haver risco de irreversibilidade dos efeitos do provimento – o dispositivo legal diz respeito a coisa diversa (48). Quanto àquela, conclui, com a maior parte da doutrina, não poder prevalecer, devendo o juiz aplicar ao caso concreto o princípio da proporcionalidade.


Eficácia do provimento

            Uma questão importante, de grande relevância prática, refere-se à eficácia do provimento antecipatório da tutela. Teria ele a mesma eficácia do provimento final fundado em cognição exauriente, isto é, da sentença? E mais: a tutela antecipatória é compatível com todas as cinco espécies de ação de conhecimento, segundo a tradicional classificação com base em sua eficácia – declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva lato sensu?

            Comecemos pela análise da segunda pergunta. De início, lembramos que nunca houve dúvida sobre a possibilidade de antecipação de tutela mandamental e executiva lato sensu. Estão aí, para comprová-lo, as liminares em mandado de segurança (eficácia mandamental, em regra) e em ações possessórias (eficácia executiva lato sensu).

            A doutrina debate, entretanto, sobre o cabimento de antecipação da tutela em sede de ação declaratória e de ação constitutiva, predominando o entendimento de haver entre o instituto e tais tipos de ação um certo grau de incompatibilidade. Quanto à ação declaratória, argumentam que uma decisão provisória não pode antecipar a declaração de existência ou inexistência de uma relação jurídica porque a esta declaração são ínsitas a certeza e definitividade, que só podem fundar-se em cognição exauriente. Da mesma forma, uma decisão provisória não poderia constituir ou desconstituir uma situação jurídica. Mais ainda, argumentam que tais tipos de provimento nunca se sujeitariam a risco de lesão irreparável, porque a declaração de certeza e a constituição de situação jurídica sempre seriam possíveis.

            Ocorre que antecipar a tutela não corresponde exatamente à antecipação do provimento final. Objeto da antecipação são os efeitos práticos deste provimento, identificáveis tanto na tutela declaratória quanto na constitutiva – o fato de estas serem chamadas de tutelas meramente ideais, porque não atuam sobre a vontade do réu, não significa que elas não produzam efeitos, sob pena de revelarem-se sem nenhuma utilidade para o autor.

            A sentença constitutiva, que constitui ou desconstitui uma relação jurídica, terá por efeito prático impedir que se negue ao autor, com fundamento, respectivamente, na inexistência ou existência dessa relação jurídica, qualquer pretensão. É comum, por exemplo, a fixação de aluguel provisório nas ações de revisão de aluguel decorrente de contrato de locação.

            O mesmo vale para a ação declaratória. Um bom exemplo, neste campo, é o da possibilidade de antecipação de tutela para fins de reconhecimento provisório da autenticidade de um documento contestado na fase de habilitação de uma licitação aberta pelo Poder Público (49).

            E, em qualquer caso, não seria preciso, a rigor, que o autor pedisse expressamente o reconhecimento daqueles efeitos específicos. É que, como bem notou Luiz Guilherme Marinoni "não há motivo que possa impedir, na perspectiva técnico-processual, uma constituição ou declaração fundada em cognição sumária" (50). O que ocorre é que, para justificar a utilidade da antecipação, o autor terá que fazer referência, na sua narrativa dos fatos, àqueles efeitos desejados.

            Pode-se dizer que, hoje, existe uma aceitação geral pela doutrina da antecipação da tutela em ações declaratórias e constitutivas. Humberto Teodoro Júnior resume bem a questão:

            "Qualquer sentença, mesmo as declaratórias e constitutivas, contém um preceito básico, que se dirige ao vencido e que se traduz na necessidade de não adotar um comportamento que seja contrário ao direito subjetivo reconhecido e declarado ou constituído em favor do vencedor. É a sujeição do réu a esse comportamento negativo ou omissivo em face do direito do autor que pode ser imposto por antecipação de tutela, não só nas ações condenatórias, como também nas meramente declaratórias e nas constitutivas. Reconhece-se, provisoriamente, o direito subjetivo do autor e impõe-se ao réu a proibição de agir de maneira contrária ou incompatível com a facultas agendi tutelada." (51)

            Nem se diga que, nesses casos, os efeitos antecipados teriam natureza puramente cautelar. Isto não é correto porque a medida cautelar, lembremo-nos, apenas visa resguardar a utilidade do processo, a evitar o perecimento daqueles resultados que decorrerão da sentença favorável, não conferindo ao autor o que ele só poderia obter após a prolação da sentença de mérito favorável.

            Quanto à tutela condenatória, não há nenhum óbice à antecipação do principal efeito da sentença condenatória, isto é, a sua força para promover a execução forçada, para autorizar a instauração do processo de execução (52). Execução provisória, nesse caso, porque fundada em decisão não definitiva (título executivo provisório). Ocorre que tal solução não atende aos fins da antecipação porque, como bem observa Luiz Guilherme Marinoni, "não faz parte do espírito da execução de título a necessidade de atuação célere do comando judicial" (53).

            A decisão antecipatória, mesmo que tenha por objeto algum tipo de "condenação", deve ter eficácia preponderantemente mandamental ou executiva lato sensu, conforme o caso. Tem que ser efetivada (e não "executada") por meio de ordens dirigidas ao réu, ou diretamente pela determinação de medidas subrogatórias no próprio processo de conhecimento. A desobediência por parte do réu ou a oposição de óbices ao cumprimento da decisão caracterizará infração do dever previsto no art. 14, V, do CPC, com as alterações da Lei no 10.358/01 (54), bem como, no caso de provimento mandamental, o crime do art. 330 do Código Penal (55).

            Assim sendo, no caso da tutela que antecipa os efeitos de sentença condenatória, não há que se falar em instauração de novo processo – e isso vale, inclusive, para a tutela antecipatória que determina o pagamento de quantia certa. No próprio processo de conhecimento serão observadas as regras do processo de execução que se mostrarem úteis e adequadas, como a possibilidade de exigência de medidas de contracautela, não sendo cabíveis embargos do executado, qualquer defesa do réu devendo ser apresentada por simples petição. Este o sentido que grande parte da doutrina, com alguma variação, já emprestava ao art. 273, § 3o, do CPC (56), e que, segundo penso, veio a ser confirmado pela redação dada pela Lei no 10.444/02 (com destaque para a substituição do termo "execução" por "efetivação").

            De registrar-se que a possibilidade de ser proferida ordem para pagamento de quantia certa é reconhecida expressamente pelo Projeto de Lei no 7.506/02, apresentado à Câmara dos Deputados pelo Poder Executivo, no qual pretende-se limitar a antecipação de tutela nesses casos, condicionando-a à ouvida prévia do réu, sob a justificativa de evitar abusos em pleitos liminares (57).

            A resposta à primeira pergunta que fizemos ao iniciar o capítulo é, então, por tudo o que foi visto, negativa – a tutela antecipatória não tem necessariamente a mesma eficácia preponderante do provimento final fundado em cognição exauriente (58).


Conclusões

            1.A tutela antecipatória consiste, basicamente, na entrega da prestação jurisdicional em momento anterior à formação da convicção definitiva do julgador, pela qual se autoriza ou determina a prática ou a abstenção de atos que têm como resultado a efetiva fruição de um direito provisoriamente reconhecido.

            2.A tutela antecipatória representa um instrumento de harmonização, diante do caso concreto, dos princípios da efetividade da juridição e da segurança jurídica, aquele decorrente do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional e este, dos princípios da ampla defesa e do contraditório e do devido processo legal.

            3.As tutelas provisórias, antecipatórias ou puramente cautelares, tanto quanto a tutela definitiva, têm dignidade constitucional.

            4.A tutela antecipatória tem natureza satisfativa, isto é, volta-se à realização provisória do próprio direito finalisticamente buscado, não se confundindo com a tutela puramente cautelar, embora ambas tenham regime jurídico similar.

            5.As tutelas antecipatória e cautelar pura são funcionalmente e estruturalmente similares, mas, ainda assim, merecem ser diferenciadas. Primeiro porque, apesar de o CPC hoje permitir a concessão de tutela cautelar em caráter incidental, que seguirá o mesmo procedimento da tutela antecipatória (novo §7o do artigo 273 do CPC, acrescentado pela Lei no 10.444/02), a recíproca não é verdadeira, ou seja, com regra, não é possível a instauração de processo preparatório que tenha por objetivo a obtenção de tutela antecipatória.

            6.Conquanto o CPC caminhe cada vez mais no sentido de unificar os dois tipos de tutela, vigora em relação à antecipatória, em toda a sua plenitude, o princípio dispositivo, sendo este, ao contrário, mitigado no âmbito da tutela cautelar stricto sensu, conforme artigo 273, caput, do CPC, em contraste com o que prevêem os artigos 798 e 799 do mesmo Código.

            7.A tutela antecipatória genérica regulada pelo art. 273 do CPC e aquela relativa às obrigações de fazer e não fazer e, mais recentemente, à de entrega de coisa, dos arts. 461, §3o, e 461-A, §3o, do mesmo Código, integram a regulação legal de um mesmo instituto jurídico.

            8.O direito positivo brasileiro expressamente prevê os seguintes tipos de tutela antecipatória: antecipação assecuratória, antecipação por comportamento abusivo e antecipação do pedido incontroverso, cada um com requisitos e características próprias.

            9.A exigência de verossimilhança da alegação ou de fundamento relevante da demanda em nada se distingue do fumus boni iuris do processo cautelar ou do mandado de segurança – tanto uns quanto outro possuem graus de exigência que variarão de acordo com os efeitos nocivos que o provimento, antecipatório ou cautelar, poderá provocar no caso de o exame definitivo da causa chegar a conclusão que contraria a tutela provisória.

            10.Na antecipação assecuratória, além do fumus boni iuris, exige-se o periculum in mora, que está presente nas situações em que a manutenção do bem disputado na esfera jurídica do réu puder causar ao autor que tem razão um dano tal que a sentença definitiva, desacompanhada daquela providência prévia, será incapaz de dar-lhe tudo aquilo a que tem direito. Tal dano, outrossim, deve decorrer de um risco concreto e atual, não correspondendo ao mero dano marginal causado pelo tempo do processo.

            11.Na antecipação por comportamento abusivo, exige-se, além do fumus boni iuris, a configuração de abuso de direito de defesa ou do manifesto propósito protelatório do réu, independentemente da existência de perigo de dano irreparável, com o quê se busca proteger o autor do dano marginal do processo, nesse caso potencializado pelo comportamento da parte adversa.

            12.A antecipação por comportamento abusivo é, sem dúvida, um dos aspectos de maiores controvérsias doutrinárias da tutela antecipatória, sendo certo que algumas das propostas de Luiz Guilherme Marinoni sobre o tema foram recepcionadas pela Lei no 10.444/02, deslocadas, porém, para uma terceira hipótese de antecipação de tutela.

            13.A antecipação do pedido incontroverso está prevista no novo §6o do art. 273 do CPC. A lei fala em incontrovérsia quanto a um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles. Mas, na verdade, o que poderá estar incontroverso no processo são os fatos e a interpretação do direito na qual se apóia o autor para pleitear em juízo. E esta incontrovérsia decorre ou da ausência de contestação, total ou parcial, ou do reconhecimento expresso do pedido por parte do réu. Cabe à doutrina dizer a qual destas situações se refere a lei, havendo posicionamentos discordantes sobre o assunto.

            14.Acredito que tanto a ausência de contestação, total ou parcial, como o reconhecimento do pedido estão contemplados no §6o do artigo 273. Assim sendo, tratando-se, em regra, de direito disponível, e estando presente, no primeiro caso (ausência de contestação), no mínimo a plausibilidade do direito invocado, é de ser antecipada a tutela.

            15.A tutela antecipatória prevista no §6o do art. 273 pode ou não ser concedida com base em cognição exauriente. A tutela antecipatória será concedida com base em cognição sumária no caso de, configurada a ausência total ou parcial de contestação e, conseqüentemente, a admissão dos fatos afirmados pelo autor como verdadeiros (ou de parcela deles), o juiz, após examiná-los, concluir pela verossimilhança do direito invocado, entendendo que ainda há prova a ser produzida no processo que possa alterar tal conclusão. Se, entretanto, não houver mais qualquer possibilidade de produção de provas que possam influir na convicção do magistrado sobre quem tem a razão, ele estará pronto para proferir uma sentença parcial – deverá, então, proceder ao julgamento antecipado e fracionado da lide, devendo, concomitantemente, antecipar a tutela, a qual, nesse caso, se fundará em cognição exauriente.

            16.O mesmo raciocínio vale para o caso de haver expresso reconhecimento parcial ou total de um ou mais dos pedidos pelo réu. Apenas que, nessa hipótese, o magistrado não examinará o direito, mas limitar-se-á a averiguar se ele é daqueles disponíveis, caso em que proferirá, desde logo, o julgamento antecipado e fracionado da lide, acompanhado da tutela antecipatória.

            17.Mesmo quando baseada em cognição exauriente, a tutela antecipatória do pedido incontroverso não se torna imutável por força coisa julgada, dependendo, para isso, de confirmação na sentença, tendo em vista a possibilidade conferida ao juiz de revogar ou modificá-la a qualquer tempo (§4o do art. 273).

            18.O requisito negativo da tutela antecipatória, relativo ao "perigo de irreversibilidade do provimento antecipado" (art. 273, §2o) deve ser temperado com o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, o que implica a necessidade de uma "valoração comparativa de riscos", sendo a vedação, nestes termos, inaplicável nos casos de "recíproca irreversibilidade".

            19.A tutela antecipatória é compatível com todas as cinco espécies de ação de conhecimento, classificada esta segundo a sua eficácia – declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva lato sensu.

            20.Nunca houve dúvida sobre a possibilidade de antecipação de tutela mandamental e executiva lato sensu, como o comprovam as liminares em mandado de segurança (eficácia mandamental, em regra) e em ações possessórias (eficácia executiva lato sensu).

            21.A doutrina debate, entretanto, sobre o cabimento de antecipação da tutela em sede de ação declaratória e de ação constitutiva, predominando a conclusão de que é possível antecipar os efeitos práticos da sentença de procedência proferida nestes tipos de ação.

            22.Quanto à tutela condenatória, não há nenhum óbice à sua antecipação, inclusive no caso de pagamento de quantia certa, mas esta (a antecipação) não corresponde à mera autorização para a instalação da execução forçada. A decisão antecipatória, mesmo que tenha por objeto algum tipo de "condenação", deve ter eficácia preponderantemente mandamental ou executiva lato sensu, conforme o caso, a ser cumprida no próprio processo de conhecimento. Este o sentido que grande parte da doutrina, com alguma variação, já emprestava ao art. 273, § 3o, do CPC, e que veio a ser confirmado pela redação dada pela Lei no 10.444/02 (com destaque para a substituição do termo "execução" por "efetivação").

            23.Assim sendo, a tutela antecipatória não tem necessariamente a mesma eficácia preponderante do provimento final fundado em cognição exauriente. Em qualquer caso, prevalecem, no provimento antecipatório, as eficácias mandamental e executiva lato sensu.


Referências bibliográficas

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Anexo I

            PROJETO DE LEI no 7.506/02

            Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, relativos à antecipação dos efeitos de tutela e aos pedidos de liminar em ação cautelar

            O CONGRESSO NACIONAL decreta:

            Art. 1o A Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar com os seguintes acréscimos:

            "Art. 273..................................

            .......................................

            § 8o A decisão sobre o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, formulado antes de citado o réu, que implicar pagamento de valores em montante total superior a 60 salários mínimos ou entrega imediata de bens móveis, mesmo se oferecida caução, dependerá da intimação pessoal do demandado, com prazo de dez dias." (NR)

            "Art. 804-A Quando o pedido de liminar em ação cautelar implicar disponibilidade de valores em espécie ou de bens móveis, o cumprimento da decisão concessiva, mesmo se oferecida caução, dependerá da intimação pessoal do requerido, com o prazo de dez dias." (NR)

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

            Brasília,

Anexo II

            EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS nO 00371 – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

            Brasília, 11 de dezembro de 2002.

            Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

            Submeto à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que "Altera dispositivos do Código de Processo Civil relativos à antecipação dos efeitos de tutela e a liminares em medida cautelar".

            2.Dadas as garantias fundamentais do devido processo legal e do contraditório, a regra no direito brasileiro é que a intervenção do Estado sobre o patrimônio da parte vencida em processo judicial somente ocorra depois de percorrida a trajetória do procedimento, com observância de ampla e livre discussão e produção de prova. Como é sabido, o juiz deve tomar cuidados especiais para que medidas excepcionais, como a tutela antecipada e a medida cautelar, não se tornem regra geral.

            3.O Projeto de Lei objetiva aprimorar o procedimento do pedido de antecipação dos efeitos da tutela e das medidas cautelares, com vista a prover de maior segurança as relações jurídicas. Após anos de aplicação, esses institutos têm necessidade de ajustes normativos quanto a seus limites.

            4.A prática tem demonstrado o acerto da maioria das decisões de caráter urgente, mas há relevante volume de casos de abuso em pleitos liminares (inaudita altera parte), principalmente quando o demandante pleiteia, indevidamente, a disponibilidade de determinado bem da vida, então integrado ao patrimônio do demandado, antes da oportunidade de qualquer manifestação ou defesa.

            5.Situações de abuso têm se verificado nos últimos anos, inclusive com destaque na imprensa escrita. Houve levantamentos de valores milionários em diversas comarcas de vários Estados, principalmente no interior, a partir tanto de documentação apta a gerar mera presunção de crédito como de supostas garantias de duvidoso valor econômico e de baixa liquidez, tais como pedras preciosas em estado bruto, imóveis em áreas rurais com matrículas desatualizadas, entre outras.

            6.Se, por um lado, foram criados instrumentos garantidores de maior celeridade na identificação, bloqueio e transferência de valores em instituições bancárias, como no caso do Convênio entre o Superior Tribunal de Justiça e o Banco Central do Brasil, que entrou em vigor em 8 de maio de 2001, dando aos magistrados acesso à identificação de contas bancárias e respectivos saldos, por outro lado, o sistema jurídico carece de instrumento apto a coibir levantamentos imediatos sem a oitiva da parte contrária e sem o oferecimento de garantia que respalde efetivamente os valores em espécie levantados.

            7. Do ponto de vista sistemático, a criação de um parágrafo complementar ao texto do atual artigo 273 do Código de Processo Civil aproveita os dispositivos constantes daquele artigo. De acordo com o art. 272, do CPC, a limitação prevista se aplica tanto à tutela antecipatória no rito ordinário, quanto ao eventual uso de tal tutela nos ritos especiais e sumário (art. 273, do CPC).

            8.A segunda modificação diz respeito à aplicabilidade da limitação na concessão de ordens que impliquem disponibilidade de valores em espécie ou de bens móveis no processo cautelar. Considerando a separação sistemática das tutelas antecipatórias e cautelares pelo legislador brasileiro, e considerando as discussões doutrinárias a respeito da fungibilidade de conteúdo entre essas duas modalidades de tutela, é possível desdobrar-se a limitação pretendida às liminares antecipatórias que impliquem disponibilidade de valores e bens também para o processo cautelar.

            9. Nesse sentido, foi acrescido o art. 804-A para determinar que "quando o pedido de liminar em ação cautelar implicar disponibilidade de valores em espécie ou de bens móveis, o cumprimento da decisão concessiva, mesmo se oferecida caução, dependerá da intimação pessoal do requerido, com o prazo de dez dias".

            10.As novas determinações não vedam, em absoluto, o acesso ao Poder Judiciário, mas, antes, o regulam, assegurando que as decisões judiciais provisórias não sejam utilizadas para criar desequilíbrios e distorções entre as partes.

            11.Assim, Senhor Presidente, submeto ao levado descortino de Vossa Excelência o anexo projeto de lei, acreditando que, se aceito, estará o Poder Executivo contribuindo um pouco mais para a reformulação do Direito Processual Civil, assegurando uma prestação jurisdicional mais eficaz e justa.

            Respeitosamente,

            PAULO DE TARSO RAMOS RIBEIRO

            Ministro de Estado da Justiça


Notas

            1 A expressão tutela antecipada, utilizada pelo artigo 273, §§3o e 4o do CPC, não é aceita unanimemente pela doutrina. O CPC fala ainda em antecipação dos efeitos da tutela, no caput do artigo citado, e, nos seus §§2o e 5o, antecipação da tutela. Prefiro a expressão tutela antecipatória, a qual, ao contrário, não é aprovada por José Carlos Barbosa Moreira, para quem a tutela, entendida como proteção jurídica, é objeto da antecipação e não seu sujeito, podendo-se chamar de antecipatório apenas o provimento que antecipa a tutela (Antecipação da tutela: algumas questões controvertidas, p. 102). Ocorre que a própria decisão antecipatória é ela mesma uma forma de tutela e quando se fala em tutela antecipatória está-se apenas mudando o enfoque da matéria, exatamente para se concentrar naquilo que será o verdadeiro motivo de nosso exame, qual seja a decisão que antecipa.

            2 A definição proposta é apenas uma abordagem inicial da matéria. Isto porque, por uma questão de lógica, se a antecipação da tutela está autorizada em situações de reconhecimento provisório do direito, fundado em cognição sumária, nada impede que, presentes os demais requisitos legais, ela acompanhe as decisões proferidas com base em cognição exauriente.

            3 É digno de nota o fato de que, adiantando-se à reforma de 1994, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/90), no seu art. 84, §3o, já previa a ampla possibilidade de antecipação da tutela relativa às obrigações de fazer e não fazer em ações envolvendo a defesa dos direitos e interesses vinculados às relações de consumo. O dispositivo citado serviu de inspiração ao legislador de 1994, que adotou, no art. 461 do CPC, redação muito similar à daquele.

            4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Antecipação de tutela em ações declaratórias e constitutivas, p. 26.

            5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Antecipação de tutela em ações declaratórias e constitutivas, p. 26.

            6 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela, p. 70.

            7 Sobre o assunto, vale a observação de Luiz Guilherme Marinoni (A reforma do CPC e a efetividade do processo..., p. 85):

            "A inefetividade do procedimento ordinário transformou o artigo 798 do Código de Processo Civil em autêntica válvula de escape para a busca da tutela jurisdicional adequada. A tutela cautelar transformou-se em técnica de sumarização e, em última análise, em remédio contra a ineficiência do procedimento ordinário. A utilização indiscriminada da tutela cautelar surgiu como uma conseqüência da superação da ordinariedade, e da tendência, daí decorrente, à busca de tutelas sumárias, entendidas estas como aptas à obtenção de uma sentença rápida e capaz de tornar efetivo o direito material." [negrito original]

            8 FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação., pp. 98-99.

            9 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, p. 46.

            10 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada...., p. 26.

            11 A Convenção foi promulgada no Brasil pelo Decreto no 678/92.

            12 Que dizer de um processo que durou 27 anos para chegar à Corte Especial, onde foi dado provimento ao recurso "para determinar que os autos retornem ao Juízo Federal de origem e que o mesmo prossiga no julgamento da lide com o aproveitamento de todos os atos processuais úteis e compatíveis à finalização do pleito"? Foi o que aconteceu no REsp. 439062, interposto em ação possessória cumulada com indenizatória – após cujo desfecho, lembremo-nos, se vitorioso, o autor terá que propor processo de execução para receber a indenização devida, com possibilidade de embargos e, por se tratar o réu de ente público, pagamento por precatório. Trata-se de caso patológico (confira-se a notícia veiculada a respeito em http://www.stj.gov.br – Notícias do Superior Tribunal de Justiça, 27/08/2002 – STJ decide disputa judicial de 27 anos), mas que ilustra a morosidade da Justiça e corresponde a situação mais comum do que à primeira vista pode parecer.

            13 Tratando do assunto, Luiz Guilherme Marinoni, o autor que mais estudou a questão do dano marginal do processo e do manejo da tutela antecipatória como forma de aplicação do princípio da igualdade material, comenta:

            "Se o processo é um instrumento ético, que não pode impor um dano à parte que tem razão, beneficiando a parte que não a tem, é inevitável que ele seja dotado de um mecanismo de antecipação da tutela, que nada mais é do que uma técnica que permite a distribuição racional do tempo do processo.

            A tutela antecipatória (ou mesmo a execução imediata da sentença), contudo, justamente porque o juiz não é mágico, e não pode, assim, deixar de prejudicar o autor a não ser correndo o risco de prejudicar o réu, pode gerar danos. Tal possibilidade, contudo, pode ser aceita com naturalidade por aqueles que percebem que o autor que tem razão é sempre prejudicado pela demora da justiça e que o risco é algo absolutamente inerente à necessidade de distribuição do tempo processual e de construção de um processo mais justo e isonômico." (Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, p. 21).

            14 Creio que esta orientação pode fortalecer o direito de defesa. Nesta perspectiva, poderia ser repensada a idéia geral que se tem, por exemplo, sobre o número excessivo de recursos do sistema processual civil pátrio. Porque, na medida em que os litigantes se aperceberem de que o processo não é um palco que protege o retardamento no cumprimento das obrigações, o manejo dos recursos, em um efeito pedagógico, sofrerá esta influência, diminuindo, por exemplo, o volume de recursos infundados ou meramente procrastinatórios.

            Penso, portanto, que a correta distribuição do dano marginal do processo é uma importante iniciativa no sentido de abrandar os problemas do sistema recursal civil brasileiro, tendo em vista o pequeno espaço que se tem para a simples supressão de recursos. Em relação a esta última questão, vale transcrever a análise prudente do Mestre Manoel Caetano Ferreira Filho:

            "As tendências evidenciadas pelas últimas ondas reformistas apontam para, se não o fim, pelo menos à sensível redução do cabimento dos embargos infrigentes e para a limitação do agravo de instrumento à impugnação de decisões interlocutórias suscetíveis de causar, desde logo, à parte dano de difícil reparação, sujeitando-se os demais pronunciamentos que não põem termo ao processo ao agravo retido, como já ocorre em determinadas hipóteses. Não se imagina, no estágio atual, qualquer mitigação no cabimento da apelação, que, ao lado do agravo – de instrumento ou retido -, funciona como meio de efetivação do duplo grau de jurisdição. Dos embargos de declaração, com ou sem natureza de recurso, ou seja, ainda que reduzidos "a procedimento incidente, destinado ao aperfeiçoamento da fórmula pela qual a decisão se materializou" [BERMUDES, Sérgio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, vol. VII, p. 42], não se pode abrir mão. O recurso ordinário nada mais é do que uma espécie de apelação, servindo ao duplo grau de jurisdição nos casos de competência originária dos tribunais, previstos nos arts. 102, II, e 105, II, da Constituição Federal. De qualquer sorte, tendo em vista as estreitas hipóteses de cabimento, não se pode atribuir a ele qualquer participação nas causas da exagerada demora na prestação jurisdicional. Sobraram os recursos excepcionais, aqueles que não têm por vocação o aperfeiçoamento da justiça da decisão do caso concreto, mas sim a preservação da inteireza do ordenamento jurídico federal (constitucional e infraconstitucional). Deles, inclusive dos embargos de divergência, estes de raríssimo cabimento, não se pode prescindir, sem embargo da necessidade de se definir com maior clareza o seu objetivo e o seu cabimento, pondo fim ao complexo emaranhado em que se tornou, neste particular, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, (...)". (Comentários ao Código de Processo Civil, pp. 26-27)

            15 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada..., p. 82. O autor, ao falar em "tutela cautelar de urgência", refere-se tanto às cautelares puras como às antecipatórias.

            16 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do processo cautelar, p. 89.

            17 LACERDA, Galeno. Comentários ao CPC, p. 15. O autor identifica em todas as medidas citadas a natureza cautelar, que, portanto, para ele, tem um sentido mais amplo do que o aqui adotado.

            18 Fredier Didier Júnior. faz as seguintes considerações sobre a alteração legislativa:

            "Ao admitir a fungibilidade de pedidos, "no sentido de que nominalmente postulada uma daquelas medidas, ao juiz é lícito conceder a tutela a outro título", o legislador passou a admitir, por conseqüência, a possibilidade de concessão de provimento cautelar fora do âmbito do processo cautelar. É possível agora, sem mais qualquer objeção doutrinária, a concessão de provimentos cautelares no bojo de demandas de conhecimento. Não há mais necessidade de instauração de um processo com objetivo exclusivo de obtenção de um provimento acautelatório: a medida cautelar pode ser concedida no processo de conhecimento, incidentalmente, como menciona o texto legal.

            (...)

            O processo de conhecimento, que com a reforma de 1994 já havia recebido grandes doses de efetivação e asseguração (a própria antecipação da tutela, que possui funções executivas e de segurança), com essa nova mudança atingiu a quase plenitude do sincretismo das funções jurisdicionais: na própria relação jurídica processual com função cognitiva, podem ser alcançadas a tutela cautelar e a tutela executiva (via tutela específica ou antecipada).

            A possibilidade de requerimento, agora com base legal expressa, de medida cautelar no próprio processo de conhecimento enfraqueceu o já desprestigiado e combalido processo cautelar. Ora, qual é a utilidade de a parte dar ensejo a um processo cautelar autônomo preparatório, se o pedido cautelar pode ser formulado no processo de conhecimento, que ademais seria necessariamente ajuizado (art. 806, CPC)? Realmente, nenhuma.

            Pelo que ora visualizamos, restarão ao processo cautelar autônomo duas únicas utilidades: a) como ação cautelar incidental (art. 800, CPC), tendo em vista a necessária estabilização da demanda acautelada (arts. 264 e 294, CPC), que já fora ajuizada, e também como forma de não tumultuar o processo com o novo requerimento; b) nas hipóteses em que a ação cautelar é daquelas que dispensa o ajuizamento da ação principal, exatamente porque não se trata de medida cautelar (exibição — arts. 844/845, CPC, caução — arts. 826/838, CPC), ou porque não se trata de medida cautelar constritiva (produção antecipada de provas, arts. 846/851, CPC)." (Processo cautelar: ainda é útil?)

            19 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Antecipação de tutela em ações declaratórias e constitutivas, p. 33.

            20 É importante chamar a atenção para o fato de que, nestes casos, a decisão definitiva não é dispensável, não cabendo sequer a declaração de perda de objeto da ação. Se, concedida a tutela antecipatória, seus efeitos revelarem-se irreversíveis, ainda assim, deverá o juiz proferir a decisão definitiva seja para confirmar o direito reconhecido provisoriamente, seja para declarar improcedente a demanda – e, neste último caso, resultará para o autor a obrigação de indenizar o réu.

            21 BENUCCI, Renato Luís. Antecipação da tutela em face da Fazenda Pública, p. 23.

            22 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada..., pp. 284-285.

            No mesmo sentido, Cândido Rangel Dinamarco chama a atenção para o fato de que os dois tipos de tutela, cautelar e antecipatória, são mais parecidas do que diferentes, merecendo tratamento similar:

            "A antecipação da tutela jurisdicional, como conceito relativamente distinto da tutela cautelar, chegou ao direito brasileiro com a Reforma de 1994 e não foi ainda perfeitamente compreendida pelos operadores do direito e nem adequadamente assimilada pela doutrina. Talvez a primeira e mais grave causa de incompreensão consista na falsa crença de que esses sejam dois conceitos absolutamente distintos e não, como convém, duas categorias de um gênero só, o das medidas urgentes. O bom exemplo do art. 700 do Código de Processo Civil italiano e do muitíssimo que a respeito já se escreveu ainda não foi capaz de infundir no pensamento brasileiro a idéia de que, sendo mais forte o que há de comum entre as medidas urgentes em geral (lutar contra o tempo), devem ficar reduzidas as preocupações em separar muito precisamente as duas espécies, dando-lhes tratamentos diferentes como se fossem dois estranhos e não, como realmente são, dois irmãos gêmeos (ou dois gêmeos quase univitelinos)." (A reforma da reforma, p. 90) [itálico original]

            23 Eduardo Talamini chama a atenção, contudo, para situação de extrema urgência na concessão da providência para afastar dano grave, em que o pedido de tutela antecipatória deve ser examinado ainda que pleiteado em ação autônoma, providenciando-se, porteriormente a correção procedimental. Exemplifica a hipótese com uma "ação cautelar" em que o autor pleitea a antecipação do dever de o plano de saúde realizar cirurgia grave e de emergência (Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, p. 368).

            24 Aqui, seguimos, em parte, a sugestão de Teori Albino Zavascki, que, analisando o Código antes das alterações promovidas pela Lei no 10.444/02, fala em antecipação assecuratória e antecipação punitiva (Antecipação da tutela, p. 74). Não adotamos a expressão antecipação punitiva porque entendemos que ela passa uma impressão errônea de seu verdadeiro conteúdo. O próprio Zavascki afirma que adota a nomenclatura "embora não se trate propriamente de uma punição, dado que sua finalidade tem um sentido positivo (de prestar jurisdição sem protelações indevidas)" (op. cit.).

            25 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, p. 143.

            26 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Antecipação da tutela: algumas questões controvertidas, p. 105.

            27 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, p. 143.

            28 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela, p. 76. Explica o autor, na sequência:

            "Em outras palavras, diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe versossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos." [itálico original]

            29 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, pp. 351-354.

            30 O dano marginal, atente-se, é tratado pelo legislador no âmbito das outras espécies de tutela antecipatória, a da antecipação por comportamento abusivo e a da antecipação do pedido incontroverso.

            31 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Tutela antecipada, pp. 365-367. O equívoco em que incorre o autor está em desconsiderar o dano marginal. A função cautelar lato sensu da antecipação por comportamento abusivo não se volta para o dano irreparável ou de difícil reparação, é verdade, mas nem por isso ela deixa de estar presente – seu objeto é o dano marginal reforçado pelo comportamento do réu.

            32 MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela, pp. 143 et seq..

            33 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela, p. 77.

            34 A antecipação da tutela, p. 17.

            35 A antecipação da tutela, p. 154.

            36 As lições de Marinoni realmente me parece as mais acertadas diante dos requisitos legais da tutela antecipatória, principalmente após a novidade legislativa relativa à antecipação do pedido incontroverso. É que o ilustre jurista percebe como ninguém, estudando o Código antes da edição da Lei no 10.444/02, que, no caso de abuso de direito de defesa e/ou manifesto propósito protelatório do réu, o que a concessão da tutela antecipatória tem em vista é a aplicação do princípio da igualdade material para a minimização do dano marginal. Vários autores, ao contrário, concentram seus estudos na tutela antecipatória baseada em dano irreparável ou de difícil reparação, dedicando poucas linhas ao abuso do direito de defesa, hipótese que associam a mera técnica punitiva, olvidando o fato de que, para tal fim, o Código já possui diversos outros institutos – os quais, registre-se, foram ampliados pela Lei no 10.358/01, que incluiu o inciso V e parágrafo único ao artigo 14 do CPC. Como conseqüência, não conseguem identificar claramente quais seriam os casos abrangidos pelo art. 273, II, do CPC, além de comprometerem toda a justificação da tutela antecipatória como instituto genérico, baseada em argumentos que não se aplicam a todas as suas hipóteses de cabimento.

            37 Cândido Rangel Dinamarco, ao examinar o novo dispositivo, não faz referência expressa ao reconhecimento do pedido pelo réu, explicando que "a incontrovérsia, tomada pelo novo parágrafo como fundamento para antecipar a tutela, consiste na ausência de confronto de afirmações em torno de um fato alegado pelo autor" (A reforma da reforma, p. 95).

            Luiz Rodrigues Wambier e Tereza Arruda Alvim Wambier excluem o reconhecimento do pedido da abrangência do art. 273, §6o, do CPC:

            "Foi acrescentado o §6o, em que se deixou claro o que antes, em nosso entender, já se podia fazer. Sendo o pedido cindível, pode o juiz, se considerar ser o caso, não sendo uma das partes do pedido objeto de controvérsia entre autor e réu, antecipar desde logo os efeitos da tutela com relação a esta.

            Pensamos que, se isto pode ocorrer quando o pedido é cindível (por exemplo, quando se pede de volta certa quantia emprestada e não devolvida, e a discussão que se instala, entre autor e réu, diz respeito exclusivamente a uma parte do quantum devido, estando de acordo, autor e réu, quanto à existência da dívida e quanto a um determinado valor), maior razão haverá para admitir que possa haver antecipação de tutela quando houver mais de um pedido e, quanto a um deles, não estiverem em desacordo autor e réu – sem que haja, evidentemente, manifestação de vontade das partes (transação) ou de uma das partes (reconhecimento jurídico do pedido – réu; ou renúncia à pretensão – autor)." (Breves comentários à 2a fase da reforma do Código de Processo Civil. pp. 56-57) [negritei]

            Diversamente pensa Joel Dias Figueira Júnior:

            "Esses casos de reconhecimento parcial do pedido ou de não contestação, que representam as circunstâncias hábeis à consecução do delineamento da parcela incontroversa da lide e, conseqüentemente, da pretensão não mais resistida, independem do requisito emergencial insculpido no brocadro periculum in mora. Basta para a obtenção da tutela antecipada que se verifique qualquer das circunstâncias apontadas, porquanto recepcionadas no §6o do art. 273 do CPC." (Comentários à novíssima reforma do CPC, p. 94)

            Diversamente pensa Joel Dias Figueira Júnior:

            E, para José Rogério Cruz e Tucci:

            "Acolhendo-se sugestão formulada por Luiz Guilherme Marinoni, pelo disposto no novo §6o, havendo cumulação simples ou sucessiva de pedidos, a antecipação pode ser deferida nos limites da matéria incontroversa, resultante, por certo, da prova inequívoca produzida com a petição inicial, ou, ainda, admitida pelo réu após a contestação." (Lineamentos da nova reforma do CPC, p. 43)

            38 Conforme José Carlos Barbosa Moreira, em O novo processo civil brasileiro, p. 56.

            39 A antecipação da tutela, p. 152.

            Acompanhando Marinoni, Joel Dias Figueira Júnior sustenta:

            "Se a antecipação da tutela tomou como fundamento o reconhecimento parcial do pedido, ou, no caso de cumulação de ações, o reconhecimento integral de uma das demandas, a decisão judicial concessiva dos efeitos fáticos, nada obstante interlocutória (de mérito), não será provisional, mas satisfativa definitiva, sendo impossível, por conseguinte, o juiz modificar o conteúdo decisório, quando da prolação da sentença de mérito. Nesse caso, estamos diante, na realidade, não de tutela antecipada, mas de verdadeiro julgamento antecipado e fracionado da lide, com execução imediata da decisão em sua parte incontroversa, decorrente do reconhecimento do pedido (parcial) ou integral de uma das ações cumuladas." (Comentários à novíssima reforma do CPC, p. 94).

            40 A antecipação da tutela, p. 154.

            41 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil, p. 54.

            No mesmo sentido, antes da edição da Lei no 10.444/02, após defender a possibilidade de antecipação da tutela no caso de contestação parcial, com base no art. 273, II, do CPC, conclui Paulo Henrique dos Santos Lucon:

            "Deixando de ser interposto recurso de agravo pela parte sucumbente, resta saber se a execução da tutela antecipada poderá ser considerada definitiva, já que aparentemente não haveria mais cognição a ser feita em torno da aplicabilidade ou não da presunção de veracidade dos fatos incontroversos. Por óbvio, entendendo-se que, em tais casos, a tutela antecipada já não pode ser reexaminada pelo juiz de primeiro grau, é necessário reconhecer verdadeira preclusão pro iudicato em favor do demandante, por força de decisão interlocutória não recorrida proferida no curso do processo de conhecimento. (...)

            No entanto, tal orientação, embora muito boa como solução em termos de dinâmica processual, depende de lei específica, já que a decisão que concede a tutela antecipada não tem o atributo da definitividade, devendo ser confirmada, modificada ou revogada até o julgamento de mérito. (...)." (Eficácia das decisões e execução provisória, pp. 249-250)

            Mais adiante, ao tratar do tema tutela antecipada e julgamento (antecipado) parcial do mérito, ratifica suas conclusões:

            "Dessa forma, se parte do pedido (ou alguns deles, no caso de eventual cumulação) estiver em condições de ser desde logo julgado diante das provas constantes dos autos e havendo o pedido de tutela antecipada por parte do demandante, não há como negar que houve de fato um julgamento parcial do pedido passível de ulteriormente tornar-se definitivo por força de um simples ato confirmador constante da sentença. Esse ato ulterior teria o condão apenas de transformar o provimento antecipado em verdadeira sentença de mérito. Todavia, fica aqui o grave inconveniente de possibilitar à parte sucumbente novo recurso, contra decisões com o mesmíssimo teor." (op. cit., p. 255)

            Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier. Analisando o novo §6o do artigo 273 do CPC, concluem que ele se aplica quando o pedido é cindível e quando houver pedidos cumulativos, não se instaurando controvérsica sobre parte daquele ou um destes, sem que, entretanto, haja transação ou reconhecimento do pedido (ver Nota ). Nestes últimos casos:

            "(...) deverá haver homologação da manifestação da parte ou das partes, mas exclusivamente, no momento em que o juiz tiver condições de decidir o outro pedido.

            O nosso sistema não admite, em casos assim, que haja duas sentenças. Explicamos: de fato, a circunstância de o processo estar maduro com relação a uma parte do pedido ou a um dos pedidos não sensibilizou o legislador a ponto de este permitir que haja julgamento definitivo quanto àquela parte do objeto posto sob sua apreciação, em primeiro lugar." (Breves comentários à 2a fase da reforma do Código de Processo Civil, p. 57)

            A não aceitação de tutela antecipatória com força de sentença parcial parece ser mesmo a opinição predominante na doutrina. Cândido Rangel Dinamarco também segue esta linha:

            "(...) ficando incontroverso apenas um ou alguns dos fatos constitutivos descritos na causa petendi e restando outros a provar, o sistema processual repele o parcial julgamento do mérito ainda quando os fatos incontroversos (ou mesmo comprovados por documentos) sejam suficientes para fundamental esse julgamento parcial. È para essa situação que o novo dispositivo autoriza a parcial antecipação da tutela jurisdicional – forte na premissa de que sendo incontroverso o fato, configura-se uma superlativa probabilidade de sua ocorrência, muito mais vigorosa que a exigida pelo art. 273, caput." (A reforma da reforma, pp. 95-96)

            42 Expressão emprestada de Joel Dias Fiqueira Júnior (ver Nota )

            43 É preciso lembrar que a discussão sobre a possibilidade de julgamento fracionado da lide não é nova, tendo sido apenas, por força do atual §6o do art. 273, reavivada. É que a doutrina já debateu sobre essa matéria por ocasião da entrada em vigor do atual CPC, em razão da então nova disciplina relativa à fase de saneamento do processo, que substituiu o "despacho saneador" do Código de 1939. Com efeito, tratando do tema e após apresentar as diversas posições doutrinárias a respeito, Eduardo Talamini responde positivamente à pergunta ‘é possível "extinção parcial" do processo, com ou sem julgamento do mérito?’ (Saneamento do processo, p. 94), justificando-se da seguinte forma:

            "(...) o objetivo da fase saneadora é precisamente diminuir a matéria objeto da cognição do juiz, na continuidade do processo, estritamente àquilo que ainda não se está em condições de decidir (...)." (op. cit., p. 95)

            Mas adverte o autor citado:

            "A eficácia da decisão parcial de mérito no curso do processo ficará condicionada à da sentença final: até lá é possível o exame de questões de ordem pública pertinentes inclusive a essa parte do objeto do processo.

            (...) Haverá apenas preclusão – e, ainda assim, limitada (v. adiante): não mais será possível reexame do tema (salvo em recurso), a não ser que tenha sido desconsiderada questão conhecível de ofício. Depois, com a sentença, desde que não abalada a anterior decisão parcial do mérito, advirá a coisa julgada: nesse caso, o comando da sentença automaticamente incorpora o anterior decisum parcial sobre o mérito." (op. cit., pp. 95-96)

            Mais adiante explica que a decisão que julga parcialmente o mérito é impugnável por meio de agravo, mas que:

            "(...) a falta de eficácia suspensiva do recurso de agravo tampouco significa a possibilidade de imediata execução da decisão. Como se expôs, sua eficácia fica condicionada à da sentença final. Agora, o que não se descarta é que nesse momento se conceda antecipação de tutela, se presentes os requisitos (lembre-se que um deles – o da grande plausibilidade do direito – já estará mais do que satisfeito): daí sim e dentro dos limites desse instituto vai-se poder falar em eficácia imediata." (op. cit., p. 96)

            Arriscamo-nos a dizer, então, que, para Eduardo Talamini e aqueles que seguem a orientação expressa nas considerações anteriores, a previsão do §6o do art. 273 não traz novidades ao nosso ordenamento processual.

            44 Tutela antecipatória e julgamento antecipado, pp. 136-137.

            45 Antecipação da tutela: algumas questões controvertidas, p. 106. O ilustre jurista exemplifica a hipótese com as situações (1) em que um menor deva ser submetido a uma transfusão de sangue, pena de morte, opondo-se um dos pais ao ato por motivos de fundo religiosos, e (2) em que se pretende a apreensão de um jornal que contém matéria injuriosa, a fim de impedir sua circulação. Nestes casos, como explica, também o mal causado pelo indeferimento da tutela antecipatória terá caráter irreversível – o menor poderá morrer e o jornal circular, o que inviabilizará posterior recolhimento dos exemplares vendidos, o qual, outrossim, não apagaria a má impressão causada aos leitores sobre a pessoa injuriada.

            Nelson Nery Junior não tem outra opinião: "essa irreversibilidade não é óbice intransponível à concessão do adiantamento, pois caso o autor seja vencido na demanda, deve indenizar a parte contrária pelos prejuízos que ela sofreu com a execução da medida" (Código de Processo Civil Comentado, p. 684).

            46 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil, p. 66.

            47 A antecipação da tutela, pp. 173-174.

            48 A orientação é contestada por José Carlos Barbosa Moreira, que diz que "a exegese não parece sustentável" porque "o provimento antecipatório, em si, é sempre essencialmente reversível, conforme ressalta do disposto no §4o [do art. 273, do CPC], que autoriza o juiz a revogar a medida, a qualquer tempo" (Antecipação da tutela: algumas questões controvertidas, p. 105).

            49 Exemplo lembrado por Sérgio Sahione Fadel (Antecipação da tutela no processo civil, Rio de Janeiro: Dialética, 1998, p. 43, apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Antecipação de tutela em ações declaratórias e constitutivas, p. 31).

            50 A antecipação da tutela, p. 44.

            51 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Antecipação de tutela em ações declaratórias e constitutivas, p. 28.

            Nelson Nery Júnior, na linha da admissibilidade da antecipação dos efeitos da tutela declaratória, dá como exemplo aquela concedida em ação declaratória de inexistência de relação jurídica para fins de sustação de protesto de cambial já paga (Procedimentos e tutela antecipatória, p. 395).

            Carlos Alberto Álvaro de Oliveira também ilustra hipótese de antecipação em ação constitutiva com o caso de "constituição sentencial de servidão de passagem, que, embora não possa ser antecipada, não impede o órgão judicial de ordenar a passagem ou desfazimento da obstrução à luz, para prevenir o dano" (Alcance e natureza da tutela antecipatória, p. 113).

            Teori Albino Zavascki traz, como exemplo de satisfação antecipada da eficácia negativa da tutela declaratória, a medida cautelar, concedida em ação direta de inconstitucionalidade, para sustar a aplicação da norma impugnada (A antecipação da tutela, pp. 85-86).

            52 Teori Albino Zavascki, apontando os desacertos da doutrina tradicional sobre os efeitos da tutela condenatória, explica:

            "É equívoco, portanto, afirmar que a sentença condenatória, ou outra sentença qualquer, é constitutiva da sanção ou do estado de sujeição aos atos de execução forçada. Não é esta, conseqüentemente, a justificação para a força executiva dessa espécie de sentença. Sua executividade decorre, isto sim, da circunstância de se tratar de sentença que traz identificação completa de uma norma jurídica individualizada, que, por sua vez, tem em si, conforme se viu, a força de autorizar a pretensão à tutela jurisdicional. Se há "identificação completa" da norma individualizada é porque a fase cognitiva está integralmente atendida, de modo que a tutela jurisdicional autorizada para a situação é a executiva." (Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados, p. 5)

            53 A antecipação da tutela, p. 186.

            54 Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

            V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

            55 Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

            Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.

            56 Luiz Guilherme Marinoni explica que "o provimento antecipatório tem executividade intrínseca; ele não possui natureza condenatória e, assim, não exige a propositura de uma ação de execução" (A antecipação da tutela, p. 188). E, adiante:

            "No caso de tutela antecipatória de soma em dinheiro fundada em cognição sumária aplicam-se as normas do processo de execução como "parâmetro operativo", porém prescindindo-se da necessidade de citação. Ordena-se o pagamento." (op. cit., p. 190)

            Teori Albino Zavascki, diversamente, propõe uma distinção para a "medida antecipatória de efeitos condenatórios". Segundo a solução por ele sugerida, a a tutela antecipatória concedida com fundamento no art. 273, I, do CPC, se efetivaria por meio de ordens e mandados emtidos no próprio processo de conhecimento, enquanto que a efetivação da tutela antecipatória do art. 273, II, dependeria de ação autônoma de execução provisória, nos moldes do art. 588, do CPC, também aplicável quando a efetivação da tutela concedida com base no art. 273, I, fosse frustrada pela desobediência do destinatário das ordens judiciais. No primeiro caso, eventuais embargos não teriam efeito suspensivo (A antecipação da tutela, pp. 92-96).

            Penso que a razão, entretanto, está com aqueles que, como o autor primeiramente citado, não diferenciam a forma de efetivação da antecipação pelos fundamentos desta. Luiz Fux – que classifica as espécies de tutela antecipatória em "tutela de segurança", que corresponde à tutela sumária de direitos, e "tutela da evidência", esta presente em casos em que o direito da parte se apresenta evidente, em que há mais do que o fumus boni iuris (Tutela de segurança e tutela da evidência..., pp. 56 e 305) – explica:

            "O §3o do art. 273 do Código de Processo Civil determina a aplicação, no que couber, das regras da execução provisória. Na verdade não se trata de processo de execução autônomo. É execução sem intervalo, na mesma relação processual, assimilando-o o vocábulo execução por efetivação, implementação do provimento no mesmo processo. Ressoa evidente que não teria sentido que o legislador instituísse uma antecipação no curso do processo de conhecimento visando à agilização da tutela e a submetesse às delongas da execução.

            A lei não distinguiu a tutela antecipada da evidência da tutela antecipada nos casos de periclitação. Em ambas a execução deve ser provisória e reversível. Entretanto, de nada adiantaria a previsão de tutela antecipada se o cumprimento da medida fosse postergado, tornando letra morta o instrumento de agilização jurisdicional." (Tutela de segurança e tutela da evidência..., pp. 358-359)

            57 A íntegra do Projeto e da sua Exposição de Motivos consta dos Anexos I e II deste trabalho.

            58 É por isso – pela diferentes eficácias da decisão que antecipa e da sentença de mérito – que a prolação da sentença de procedência, ao contrário do que ocorre com a sentença de improcedência ou daquela que extingue o processo sem julgamento do mérito, nem sempre induz a perda de objeto do agravo de instrumento interposto contra a tutela antecipatória, ao contrário do que consignam várias decisões judiciais. É acertada, assim, a ementa do acórdão proferido no REsp 112.111/PR (Relator Ministro Adhemar Maciel, processo no 96.68763-3; DJ 31-E, 14/2/2000, p. 23):

            "PROCESSO CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. SUBSEQÜENTE SENTENÇA DE MÉRITO. SUBSISTÊNCIA DO AGRAVO QUE ATACA A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. A sentença de mérito superveniente não prejudica o agravo de instrumento interposto contra a tutela antecipada; a aludida tutela não antecipa simplesmente a sentença de mérito – antecipa, sim, a própria execução dessa sentença, que, por si só, não produziria os efeitos que irradiam da tutela antecipada. Recurso especial conhecido e provido."



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Ana Paula Ribeiro. Tutela antecipatória: um estudo à luz da nova reforma do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 358, 30 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5406. Acesso em: 6 maio 2024.