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Tutela antecipatória:

um estudo à luz da nova reforma do Código de Processo Civil

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30/06/2004 às 00:00
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A tutela antecipatória propicia a distribuição do ônus do tempo no processo, sendo instrumento de concretização do equilíbrio abstrato entre os princípios da segurança jurídica e da inafastabilidade da tutela jurisdicional.

Resumo

            A tutela antecipatória propicia a distribuição do ônus do tempo no processo, sendo instrumento de concretização do equilíbrio abstrato entre os princípios da segurança jurídica e da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Generalizada no âmbito do processo de conhecimento em 1994, a experiência mostrou as falhas do modelo legal, que veio a ser alterado recentemente por meio da Lei no 10.444, de 7 de maio de 2002.

            Neste trabalho, pretende-se, no âmbito de um exame geral do instituto, analisar as inovações legais aludidas, verificando-se em que medida elas vieram incorporar avanços ao processo civil positivado e registrando-se as diversas posições dos processualistas que já se manifestaram sobre o tema.


Conceito e fundamentos

            A tutela antecipatória (1) consiste, basicamente, na entrega da prestação jurisdicional em momento anterior à formação da convicção definitiva do julgador, pela qual se autoriza ou determina a prática ou a abstenção de atos que têm como resultado a efetiva fruição de um direito provisoriamente reconhecido (2).

            Desta breve definição destacam-se dois elementos de impossível dissociação: a sumariedade e a provisoriedade do provimento que concede a antecipação. A sumariedade se identifica no fato de a respectiva decisão ser tomada antes daquele amadurecimento que habilita o magistrado a emitir juízo definitivo sobre a causa, o que normalmente estará ligado ao fato de, no momento de sua prolação, não terem sido produzidas todas as provas relevantes para o deslinde do litígio. E a provisoriedade diz respeito a que a antecipação destina-se inevitavelmente a ser integrada ou substituída por uma outra decisão, esta fundada em cognição exauriente, que poderá confirmar ou negar as conclusões a que antes se chegara, sendo a provisoriedade, portanto, verdadeiro corolário da sumariedade.

            Vê-se desde logo que a tutela antecipatória, para merecer este qualificativo, manterá sempre referibilidade com esta outra decisão, veiculadora de tutela definitiva, que é o objetivo do processo de conhecimento, alcançável após o transcurso das suas fases postulatória e instrutória, durante as quais, com esteio nos princípios da ampla defesa e do contraditório, as partes envolvidas travam amplo debate acerca do bem jurídico disputado, carreando ao processo os argumentos e as provas que entendem fundamentar as suas pretensões, tudo nos limites previstos pela lei, ou seja, com a observância do devido processo legal.

            A tutela jurisdicional definitiva é, com efeito, a meta do processo e, sendo assim, é a ela que primacialmente se refere a proteção prometida pela Constituição da República quando consagra o princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5o, XXXV), legitimador do monopólio estatal da jurisdição. E diz mais a Constituição: a tutela somente será concedida depois de percorrido o iter do devido processo legal (art. 5o, LIV), donde se conclui que, antes disso, o autor não terá direito ao bem jurídico perseguido, que permanecerá na esfera jurídica do réu.

            Ora, se é da tutela definitiva que trata prevalentemente a Constituição, já perceberam os mais atentos que o mecanismo da tutela antecipatória enseja profundos questionamentos. Como é possível, afinal, admitir-se provimento judicial que a tenha por conteúdo em face dos princípios constitucionais do processo, os quais se refletem no sobreprincípio da segurança jurídica? Como é possível, antes do exame aprofundado dos fatos e do direito, ingressar no patrimônio jurídico de uma pessoa para retirar-lhe um bem e entregá-lo a outrem? Não haveria aqui uma marca indelével de inconstitucionalidade? A seguir, vamos tentar responder a tais questões.

            Inicialmente, é preciso lembrar que o instituto da tutela antecipatória não é novo em nosso Direito. Próximas a ele estão as medidas cautelares, que sempre foram admitidas. E, há muito, contam com provimentos de natureza propriamente antecipatória vários procedimentos especiais, previstos no próprio CPC ou em legislação extravagante, como, entre outros, o das ações possessórias, o do habeas corpus, o da ação de alimentos, o da ação de despejo e o do mandado de segurança.

            Foi somente em 1994, entretanto, por obra da Lei no 8.952, de 13 de dezembro daquele ano, que se generalizou esse instrumento técnico-jurídico, que passou a ser aplicável a todo o processso de conhecimento pátrio. Referida lei alterou os arts. 273 e 461 do CPC (3), os quais, mais recentemente sofreram nova alteração com a edição da Lei no 10.444/02 – no que ficou conhecido como a "reforma da reforma" ou "contra-reforma".

            A generalização da tutela antecipatória veio a provocar uma verdadeira revolução porque se inseriu em um sistema de processo civil que sempre valorizou ao extremo a segurança jurídica, a ponto de, como regra, negar eficácia imediata a um vasto conjunto de decisões prolatadas em sede de cognição exauriente, quais sejam as sentenças de primeiro grau de jurisdição, contra as quais o recurso cabível é geralmente dotado de efeito suspensivo, bem como exigir o longo rito do binômio condenação-execução para a satisfação das pretensões relativas a deveres de dar, fazer e não-fazer, com valorização excessiva da idéia de nulla executio sine titulo.

            Daí porque Humberto Teodoro Júnior identifica na tutela antecipatória "a quebra do dicotomismo rígido, concebido pelo direito processual clássico, entre o processo de conhecimento e o processo de execução" (4). Explica o autor:

            "Permitindo a tomada de medidas de natureza prática dentro do âmbito do processo de conhecimento, a tutela antecipada entra logo no plano da execução e pode, em alguns casos, até mesmo dispensar o uso da futura actio iudicati, já que o efeito prático provisoriamente alcançado se tornaria definitivo, após a sentença e, conforme sua extensão, esvaziaria por completo a execução forçada. (...)

            Isso quer dizer que a natureza do processo de conhecimento, após a concepção geral da tutela antecipada, já não é mais a tradicional que via nele uma atividade puramente ideal de definição de direitos subjetivos e de sanções correspondentes a suas infrações. Agora, o juiz da cognição, além de acertamentos sobre a situação jurídica dos litigantes, exercita, desde logo, também, atos práticos de satisfação de pretensões materiais deduzidas no processo. (...)" (5)

            Além disso, a tutela antecipatória representa possibilidade de proteção efetiva de vários direitos de natureza não patrimonial que, antes da edição da Lei no 8.952/94, careciam de instrumentos de tutela – o que se explica pela forte ligação do CPC à tradição liberal-patrimonialista.

            Nessa revolução, a tutela antecipatória vem valorizar a posição do autor, daquele que pede em juízo a proteção do seu direito, sem descurar da situação do réu, daquele em face de quem se pede. O que importa verificar é que, agora, com base no princípio da igualdade real, tanto um quanto outro poderão ter que suportar as conseqüências materiais mais gravosas da inevitável demora do processo – em oposição ao sistema anterior em que, a priori, esse papel cabia exclusivamente ao autor. E isso faz surgir a necessidade de repensar vários institutos do Direito Processual para amoldá-los à nova orientação, como bem observa Teori Albino Zavascki ao tecer considerações sobre a lei instituidora da tutela antecipatória:

            "Mais do que uma simples alteração de um dispositivo do Código, a nova lei produziu em verdade uma notável mudança de concepção do próprio sistema processual. As medidas antecipatórias, até então previstas apenas para determinados procedimentos especiais, passaram a constituir providência alcançável, generalizadamente, em qualquer processo. A profundidade da mudança – que, como se disse, é, mais que da lei, do próprio sistema – se faz sentir pelas implicações que as medidas antecipatórias acarretam, não só no processo de conhecimento, mas também no processo de execução, no cautelar e até nos procedimentos especiais." (6)

            Não se deixe de observar, porém, que a alteração legislativa é fruto de uma evolução gradual do processo civil, vindo a responder aos anseios da comunidade jurídica por meios de conferir maior efetividade à jurisdição, o que, até a edição da Lei no 8.952/94, dependia em alto grau da criatividade de nossos juristas e da boa vontade de alguns magistrados para aceitar verdadeiras subversões como a medida cautelar satisfativa, por exemplo (7). Tal efetividade, por sua vez, é exigida pela sociedade moderna, sob pena de, ao não se comprometer com ela, o processo transformar-se em instrumento ultrapassado, inútil aos fins que se propõe.

            Em relação aos seus fundamentos, a tutela antecipatória representa um compromisso entre os princípios da efetividade da juridição e da segurança jurídica, representando, desta forma, verdadeiro instrumento de harmonização de valores colidentes. Aquele, decorrente do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, previsto no artigo 5o, XXXV, da Constituição, exigindo celeridade do Estado na apreciação das demandas judiciais de modo que não pereçam os direitos do autor, e este, fundado nos princípios da ampla defesa e do contraditório e do devido processo legal, dando ao processo o seu próprio tempo para que o réu somente venha a ser sacrificado na exata medida em que autoriza o direito.

            Assim, em verdade, a matéria se insere no tema da colisão de princípios e direitos fundamentais, sobre o qual se debruçam os constitucionalistas para concluir que a constituição deve ser entendida como um todo incindível, cada princípio e direito representando um limite imanente aos demais, o que, no âmbito da sua aplicação, exige ponderação que maximize cada um deles (princípio da proporcionalidade). Sobre o assunto vale a transcrição dos ensinamentos de Edilson Pereira de Farias, analisando as lições de Konrad Hesse:

            "O princípio da unidade da constituição requer a contemplação da constituição como um todo, a compreensão do texto constitucional como um sistema que necessita compatibilizar preceitos discrepantes. Esta a formulação de Konrad Hesse para o aludido princípio:

            La relación e interdependencia existentes entre los distintos elementos de la Constitución.. . obligan a no contemplar em ningún caso sólo la norma aislada sino siempre además en el conjunto en el que debe ser situada; todas las normas constitucionales han de ser interpretadas de tal manera que se evitem contradicciones con otras normas constitucionales. La única solución del problema coherente com este principio es la que encuentre en consonancia com las decisiones básicas de la Constitución e evite su limitación unilateal a aspectos parciales.

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            O princípio da concordância prática ou da harmonização – "um canon of constitucional construction da jurisprudência americana" seria o consectário lógico do princípio da unidade constitucional. De acordo com o princípio da concordância prática, os direitos fundamentais e valores constitucionais deverão ser harmonizados, no caso sub examine, por meio de juízo de ponderação que vise preservar e concretizar ao máximo os direitos e bens constitucionalmente protegidos. "Allí donde se produzcam colisiones no se debe, a través de una precipitada ‘ponderación de bienes’ o incluso abstracta ‘ponderación de valores’, realizar el uno a costa del otro".

            Por seu turno, a máxima da proporcionalidade (...) é a realização do princípio da concordância prática no caso concreto. Isto é, significa aquela distribuição necessária e adequada dos custos de forma a salvaguardar direitos fundamentais e/ou valores constitucionalmente colidentes." (8) [itálico original]

            É por este raciocínio que se afasta qualquer eiva de inconstitucionalidade da tutela antecipatória. Antes, estou convicta de que ela é inegável instrumento de proteção dos direitos fundamentais, sendo forma de concretizar aquela idéia que – impossível deixar de fazer a referência – Chiovenda tão sabiamente colocou em palavras ao dizer que o processo "deve dar a quem tem um direito, na medida do que for possível na prática, tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter" (9). E mais: qualquer lei que a proíba, esta sim será inconstitucional – tal aspecto é de vital importância para o tema específico de nosso estudo.

            A garantia constitucional da tutela jurisdicional não pode ser puramente formal. Ela compreende a tutela jurisdicional efetiva, com a qual não se coaduna um processo em que a entrega do bem da vida a quem tem razão ocorra tardiamente, quando este bem perdeu total ou parcialmente a sua utilidade. Tampouco se compatibiliza a efetividade com um processo em que a parte em prol da qual apontam todas as evidências de vitória na ação judicial, cujo objeto não raramente é direito fundamental, tenha que aguardar o trânsito em julgado – ao qual antecede um grande número de recursos e incidentes processuais inseridos em uma estrutura de prestação de serviço deficiente – para fruir do bem da vida perseguido.

            Realizar a efetividade da tutela jurisdicional é, concomitantemente:

            - Dispor de meios adequados para resolver os problemas do plano material;

            Para cada tipo de direito material devem existir instrumentos processuais adequados à sua proteção. Daí falar-se em tutela jurisdicional diferenciada, entendida esta, segundo a lição de José Roberto dos Santos Bedaque, "de duas maneiras diversas: a existência de procedimentos específicos, de cognição plena e exauriente, cada qual elaborado em função de especificidades da relação material; ou a regulamentação de tutelas sumárias típicas precedidas de cognição não exauriente, visando a evitar que o tempo possa comprometer o resultado do processo" (10).

            - Assegurar a plena realização do direito em favor de seu titular;

            O objetivo do processo é possibilitar ao titular do direito fruir-lhe do modo mais parecido possível com aquele que decorreria do cumprimento espontâneo das normas de direito material.

            - Entregar tutela jurisdicional tempestiva;

            Já se disse, com toda razão, que jurtiça tardia não é justiça. Não é por outra razão que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro 1969, da qual o Brasil é signatário (11), consigna, em seu art. 8o, 1, como direito de toda pessoa o "de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial (...)" [ negritei] (12).

            - E garantir, no processo, a observância do princípio da igualdade.

            O processo, pelo simples fato da sua instauração e desenvolvimento, não deve favorecer uma das partes, sob pena de seu uso ser subvertido. O processo deve servir como meio de incentivar o cumprimento espontâneo dos deveres jurídicos. Essa função não deve ser atribuída somente à sanção prevista no direito material. Daí a necessidade de minimização do chamando dano marginal (13) do processo, que é aquele dano causado pela simples espera pela satisfação do direito perseguido em juízo (14).

            Tais objetivos somente são alcançáveis pelo manejo das tutelas cautelares e antecipatórias, donde se conclui que estas também integram a garantia constitucional da tutela jurisdicional, isto é, têm as tutelas provisórias, tanto quanto a tutela definitiva, dignidade constitucional. É a conclusão a que também chega autorizada doutrina:

            "A garantia constitucional da ação não está limitada às tutelas definitivas e satisfativas. A tutela cautelar de urgência deve ser incluída, portanto, no âmbito da proteção que a Constituição Federal confere ao direito de ação, que, em última análise, é direito de acesso às garantias do devido processo legal ou devido processo constitucional." (15)

            Revelados os seus fundamentos, cumpre-nos perquirir quais são as situações que autorizam a concessão da tutela antecipatória, devendo-se sempre ter em mente que ela é medida excepcional. O ideal mesmo é que a tutela definitiva seja entregue aos jurisdicionados sem delongas, de forma a propiciar ao autor que tem razão a fruição integral do bem jurídico pleiteado, tal qual o faria não tivesse encontrado a resistência do réu, e a este, a garantia de que sua esfera jurídica somente será atingida após o Estado ter certeza (aquela certeza relativa que permeia toda decisão judicial, bem entendido) de que aquele bem não lhe pertence. Não por outro motivo, concluiu Ovídio Araújo Baptista da Silva:

            "As formas de tutela urgente, seja cautelar ou não, devem ser postas no sistema jurídico como remédios extraordinários, para situações especiais, quando os meios jurisdicionais comuns se mostrem incapazes de tutelar adequadamente o direito eventual. Sua generalização, além de não solucionar os problemas institucionais, criados pela morosidade excessiva da prestação jurisdicional ordinária, em verdade correria o risco de uma duplicação desnecessária dos litígios, o que, evidentemente, só poderia estar justitficado em casos excepcionais." (16)


Natureza jurídica

            Sobre a natureza jurídica do instituto, estabeleceu-se um consenso na doutrina de que a tutela antecipatória tem natureza satisfativa, isto é, volta-se à realização da pretensão de direito material do litigante, não se confundindo com a tutela meramente cautelar. Esta teria por escopo impedir o perecimento do direito ou assegurar o seu exercício no futuro, não se confundindo com a entrega ao demandante, ainda que provisoriamente, do próprio direito finalisticamente buscado, típica da tutela antecipatória.

            Tomando-se por base a classificação da tutela provisória feita por Galeno Lacerda (17), a tutela genuinamente cautelar corresponde às medidas destinadas à antecipação de provas suscetíveis de perderem-se com o decurso do tempo (segurança quanto à prova) e às medidas que buscam garantir o objeto da lide ou a solvência do demandado, assegurando a eficácia prática da sentença (segurança para execução). E a tutela antecipatória está presente nas medidas que antecipam o objeto do pedido (execução para segurança).

            A distinção tem (ou teve) a sua importância já que, ao lado da tutela antecipatória, continua em vigor o processo cautelar, com seus vários procedimentos, impondo-se determinar quando seria aplicável um ou outro instrumento técnico-jurídico. Hoje, entretanto, não há como negar que, em face do novo §7o do artigo 273 do CPC, acrescentado pela Lei no 10.444/02, não há mais espaço para muitas das questões que se colocavam em torno do tema – determina a nova redação que "se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado" (18).

            De fato, antes mesmo da nova lei, a distinção não estava isenta de críticas. Primeiro porque ela é relativa, dependendo da extensão que se dê à idéia de cautelaridade. Humberto Teodoro Júnior, por exemplo, na esteira de vários doutrinadores, entendendo por cautelaridade a proteção da efetividade do provimento definitivo, fala em medidas cautelares conservativas ou antecipatórias (19). Se, entretanto, entendermos que antecipatória é só a decisão que confere ao autor o mesmo resultado da sentença de mérito, então raríssimos seriam os provimentos com esse caráter, visto que o direito reconhecido pela decisão proferida com base em cognição sumária jamais terá o atributo da certeza. Nesta perspectiva, antecipatórios seriam somente aqueles provimentos irreversíveis, cujos efeitos não poderiam ser desfeitos em razão de decisão posterior em contrário (20).

            Por outro lado, a distinção causou alguns problemas no âmbito da aplicação do direito (que a lei nova veio coibir), como denuncia Renato Luís Benucci:

            "Observa-se, amiúde, que entendimentos divergentes entre os jurisdicionados e os órgãos jurisdicionais, ou mesmo entre órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição, quanto ao tipo de provimento solicitado – se o mesmo se caracterizaria como antecipação de tutela ou tutela cautelar – têm ocasionado rejeição de pedidos de antecipação de tutela, ou mesmo a reforma pelos tribunais de decisões antecipatórias em primeiro grau de jurisdição, unicamente por critérios formais originados da distinção mencionada, em evidente prejuízo ao jurisdicionado." (21)

            Atualmente, há mesmo uma inversão do pensamento dominante, chegando alguns a negar veementemente qualquer utilidade prática da distinção. Assim, José Roberto dos Santos Bedaque:

            "(...) Mas, se ambas têm a mesma função no sistema e são estruturalmente provisórias, por que distingui-las? Inexiste razão histórica ou sistemática para não incluir as antecipatórias no rol das cautelares. A discussão acaba sendo meramente terminológica, pois temos duas categorias de tutelas não definitivas, destinadas ambas a evitar que o tempo necessário à segurança jurídica acabe tornando inútil o resultado do processo, com denominações diversas. (...)

            Ora, se possuem tantos aspectos que as aproximam, será melhor tratá-las em conjunto e submetê-las ao mesmo regime jurídico. Esse parece ser o real interesse no estudo comparativo das espécies de tutelas provisórias, as de caráter meramente conservativo e as que possuem conteúdo antecipatório. Dada a similitude existente entre elas, aconselhável recebam o mesmo tratamento jurídico. Irrelevante considerá-las modalidades de cautelar ou considerar essas denominações apenas às conservativas e não antecipatórias. Importante, sim, é determinar sua substância e demonstrar que ambas existem com a mesma finalidade e possuem características particamente iguais." (22)

            Realmente as tutelas de que se trata são funcionalmente (servem à celeridade do processo) e estruturalmente (quanto às características da provisoriedade, reversibilidade, possibilidade de revogação ou modificação etc) similares, mas, ainda assim, merecem ser diferenciadas. Primeiro porque, apesar de o CPC hoje permitir a concessão de tutela cautelar em caráter incidental, que seguirá o mesmo procedimento da tutela antecipatória, a recíproca não é verdadeira, ou seja, não é possível a instauração de processo preparatório que tenha por objetivo a obtenção de tutela antecipatória (23).

            Em segundo lugar, conquanto o CPC caminhe cada vez mais no sentido de unificar os dois tipos de tutela, vigora em relação à antecipatória, em toda a sua plenitude, o princípio dispositivo, sendo este, ao contrário, mitigado no âmbito da tutela cautelar stricto sensu. É o que se dessume do caput do artigo 273 do CPC, que autoriza o juiz a antecipar a tutela a "requerimento da parte", em contraste com o que prevêem os artigos 798 e 799, segundo os quais, além dos procedimentos cautelares especiais previsto no Código, "poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação", inclusive "autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução", o que normalmente é interpretado como possibilidade de o juiz conceder de ofício a tutela cautelar (supondo, é claro, um processo pendente).

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Sobre a autora
Ana Paula Ribeiro Rodrigues

Bacharel em direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Ana Paula Ribeiro. Tutela antecipatória:: um estudo à luz da nova reforma do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 358, 30 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5406. Acesso em: 26 abr. 2024.

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