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Considerações sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil do Estado

Considerações sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil do Estado

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O presente texto busca explicar quais são os fundamentos jurídicos que justificam a obrigação que tem o Estado de reparar os danos que seus agente, nessa qualidade, causam, sob a ótica dos principios constitucionais da solidariedade e da igualdade

Resumo: O tema escolhido para esta monografia está relacionado com os campos do Direito Constitucional, administrativo e também com reflexos na seara do Direito Civil e do Direito do Consumidor, especificamente da responsabilidade civil do Estado. Como é sabido, a responsabilidade civil do Estado, nos dias de hoje, é bem mais abrangente do que a responsabilidade civil entre os particulares, pois nesta o dever de indenizar só surge quando há a pratica de um ato ilícito por parte de um dos participantes da relação jurídica, vale dizer, contrário ao Direito; por seu turno a responsabilidade estatal pode surgia até mesmo da pratica de um ato licito. O objetivo dessa pesquisa consiste em entender quais são as justificativas jurídicas para fundamentar a responsabilização civil dos entes estatais, na modalidade extracontratual, delimitando qual seja aquela que melhor se enquadra na sistemática adotada pela Constituição Federal, á luz dos princípios da isonomia e da solidariedade, este último estampado o Atr. 3º, inciso I da nossa Lei Maior, relacionando, desta forma a natureza jurídica da obrigação estatal a tais princípios constitucionais. Como o tema é amplo, partiu-se do procedimento analítico, através do método dialético para análise dos dispositivos da Constituição Federal, do Código Civil, da legislação de Direito Administrativo que trata do tema, e de alguns dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, incluindo o estudo de obras de doutrinadores brasileiros, jurisprudência e artigos de publicações especializadas, para chegar às conclusões cabíveis ao tema.

Palavras-chave: Responsabilidade civil do Estado, obrigação de indenizar, natureza jurídica, princípio da solidariedade.

Sumário: 1. Introdução. 2 História da responsabilidade civil do Estado. 2.1 Teoria da irresponsabilidade do Estado. 2.2 Teorias subjetivas. 2.2.1 Teoria da culpa civilista. 2.2.2 Teoria da culpa administrativa. 2.2.3 Teoria da culpa anônima. 2.2.4 Teoria da culpa presumida. 2.2.5 Teoria da falta administrativa. 2.3 Teorias Objetivístas. 2.3.1 Teoria do risco administrativo. 2.3.2 Teoria do risco integral. 2.3.3 Teoria do risco social. 3 Responsabilidade civil do Estado no Brasil – Evolução histórica . 3.1 Período imperial. 3.2Periodo republicano, até a Constituição de 1988. 3.3 A responsabilidade civil do Estado na Constituição de 1988. 4 Possíveis justificativas para a responsabilização civil do Estado. 4.1 Diferença entre responsabilidade contratual e extracontratual (civil) do Estado. 4.2 Responsabilidade civil do Estado como sanção. 4.3 Responsabilidade civil do Estado como reparação. 4.4 Responsabilidade civil do Estado como decorrência dos princípios da solidariedade e da isonomia. 5 Caracterização da Responsabilidade Civil do Estado. 5.1 Pressupostos ao direito à reparação. 5.1.1 A efetividade do dano. 5.1.2 O nexo causal. 5.1.3 Causas que excluem a responsabilidade civil do Estado. 5.1.3.1 A culpa de terceiros. 5.1.3.2 A culpa exclusiva da vítima. Considerações finais. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

O Estado tal como conhecemos, surgiu como uma comunhão de esforços entre indivíduos com o objetivo de atingirem determinados fins em comum. É que no princípio reinava a lei do mais forte, esta anarquia trazia uma enorme insegurança, seja pela possibilidade do mais forte subjugar os mais fracos, seja pela possibilidade de os mais fracos, unidos, imporem a arbitrariedade a um grupo menor de mais fortes.

Além disso, o ser humano tem necessidades que individualmente não consegue suprir, veja, a título de exemplo, o caso de pessoas que precisam se locomover entre duas cidades bem distantes, que no caminho são separadas por um rio muito largo, é inconcebível que um único trabalhador consiga construir uma longa estrada entras aquelas cidades e construir uma enorme ponte sobre o rio citado, por tanto a necessidade da comunhão de tais esforços não esteve relacionado apenas à segurança dos componentes de determinado grupo.

Assim, pode-se dizer que, para além de simplesmente necessidade de segurança, os indivíduos que formaram os primeiros estados o fizeram porque notaram que só com o esforço comum conseguiriam suprir várias outras necessidades coletivas, enfim, pode-se afirmar que o Estado surgiu para prestar serviços (aqui a palavra serviço é utilizada em seu significado mais abrangente atingindo inclusive a mediação de conflitos, o que hoje é feito, com preponderância, pelos órgãos do poder judiciário).

Essa junção de esforços foi chamada pelos teóricos antigos de ‘’ o contrato social ‘’ surgindo por este meio o Estado, um instrumento de pacificação social, de busca pala justiça e de realização de outros objetivos que o indivíduo sozinho não seria capaz de realizar, dessa lógica se pode afirmar que o Estado surge como instrumento destinado a concretizar as necessidades dos indivíduos que o criaram.

Acontece que, na realização de seus objetivos, o ente estatal, não rara as vezes, acaba, digamos, exigindo de determinado cidadão, uma ‘’contribuição’’ maior do que a exigida dos demais ou até mesmo lhe causando um enorme e injusto mal, rompendo desta forma o equilíbrio prestigiado em nosso ordenamento jurídico, por exemplo, pelos princípios da solidariedade e da isonomia.

Este desequilíbrio será tratado neste trabalho como sinônimo de dano, seja patrimonial ou moral, dano este que deve ser desproporcional ao suportado pelo restante da coletividade, pois a vida em sociedade impõe a todos uma gama de limitações, que, neste caso, deve ser encarado como um mal necessário para a efetivação de um bem maior, vez que ao criarem uma organização social complexa como um Estado os Homens estão abrindo mão de parcela de sua liberdade.

Isso acontece, por exemplo, quando se submete ao poder de polícia do Estado e até mesmo, quando paga tributo, dentre inúmeras outras limitações (teoria do risco social, que será melhor trabalhada mais à frente quando se tratar das várias teorias que tentaram explicar a responsabilidade civil do Estado)

É exatamente com a ocorrência desse dano que surge para o particular o direito, frente ao Estado, de se ver indenizado, na proporção do mau sofrido, ou seja, surge a responsabilidade civil do Estado. Eis aí o objeto desse estudo: a responsabilidade do Estado.

Não obstante ser a responsabilidade extracontratual o objeto mais abrangente dessa monografia, o objetivo central dela será delimitar o fundamento legais e constitucionais que embasa o dever de indenizar, como é sabido, quando se fala em indenização existe vários argumentos, que sustentam sua validade, por exemplo: no campo civil é o surgimento de um dano causado por ato ilícito, por tanto tem natureza reparatória, apesar de haver discursos que sustentam que seria sancionatória.

Entendemos que a primeira teoria (reparatória) é a que melhor se encaixa no nosso ordenamento, na ceara civilista, esclareça-se. De forma que apesar de consideramos que a responsabilidade civil do Estado também tem um cunho reparatório, esse trabalho tentará demonstrar que não é só isso, isto é, para além da reparação, quando se trata de responsabilidade do Estado, os fundamentos são outros.

Por ser bastante esclarecedor, transcreve-se aqui os principais artigos que trata do tem da responsabilidade civil entre os particulares, todos do código civil.

Art. 927. aquele que, por ato ilícito (art.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

(...)

Art. 944 a indenização mede-se pela extensão do dano

Já de início cabe adiantar que em nosso atual ordenamento jurídico, esta responsabilidade civil é, em regra, objetiva, conforme se percebe na leitura do § 6º do art. 37 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Município obedecerá aos princípios da legalidade, da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Dispositivo semelhante é encontrado no atual código civil, senão vejamos:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por partes destes, dolo ou culpa.

Como ficou claro, surgindo o dano, e este estando relacionado com a atividade estatal (nexo causal), e desde que não haja nenhuma das causas de exclusão de responsabilidade, é de rigor o reconhecimento do dever de indenizar, aliás é de se anotar que o Supremo Tribunal Federal entende que não é necessário, para caracterizar o dever de indenizar por parte do Estado, que o dano seja suportado por um usuário direto do serviço público, basta que o dano seja causado em virtude da prestação daquele serviço. Por todos, transcreve-se a ementa de um dos julgas da suprema corte nesse sentido.

“CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. II – A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III – Recurso extraordinário desprovido.

(RE 591874 / MS – MATO GROSSO DO SUL – julgamento: 26/08/2009)

Comparando os dois dispositivos legais acima citados, nota-se que o texto constitucional foi mais abrangente do que a norma civilista, uma vez que estende a reponsabilidade às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Contudo, nem sempre foi assim, sendo que historicamente, no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado a doutrina especializada registra posicionamentos que vão desde a irresponsabilidade absoluta até a teoria do risco integral, de forma que a primeira reinou na época do Estado absolutista e a segunda não é muito adotada hodiernamente, a pesar de a doutrina apresentar vários exemplos de sua incidência, inclusive no ordenamento jurídico brasileiro atual, como é o caso de donos causados por acidentes com material de origem nuclear que seja explorados diretamente pelo Estado o por meio de autorização deste.

Esta monográfica tem como objetivo identificar qual a justificativa jurídica e teórica que fundamenta a obrigação do Estado de indenizar pelos danos decorrentes de sua atuação, vale dizer, tentará responder à seguinte pergunta: porque o Estado se ver obrigado a indenizar? Apontando subsequentemente sua natureza jurídica dentre as seguintes: sanção, reparação ou cumprimento do dever de isonomia e solidariedade entre os membros da sociedade, tal objetivo será perseguido usando como guia os princípios constitucionais correlatos ao tema.


2. HISTÓRIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Antes de se iniciar um breve relato sobre as principais teorias que, ao longo do tempo, regeram a responsabilidade civil do Estado, faz-se necessário pontuar que existem duas diferentes formas de o Estado ser responsabilizado por sua atuação, uma delas é a responsabilidade civil extracontratual, que é o objeto desse estudo; a outra é a responsabilidade contratual, onde reina o regime jurídico administrativo, com todas as suas implicâncias.

Não é por outra razão que a consagrada administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tratando sobre o tema, assim si manifesta em sua obra ‘’direito administrativo’’:

A referência a responsabilidade extracontratual é necessária para restringir o tema tratado nesse capitulo a esta modalidade de responsabilidade civil, ficando excluída a responsabilidade contratual, que se rege por princípio, analisados no capitulo referentes a contratos administrativos. (DI PIETRO, 2013, Pg. 715)

Feita a necessária diferenciação, passa-se à análise histórica do tema ora delimitado, primeiramente trata-se-á da evolução histórica de uma forma geral, para só então buscar os caminhos percorridos pelo instituto dentro do direito pátrio e tão somente a partir da Constituição imperial de 1824, uma vez que antes disso o direito que aqui vigorava eram as ordenações portuguesas, temas por demais abrangentes para a natureza do presente estudo.

2.1 Teoria da irresponsabilidade do estado

Quando do surgimento do Estado moderno, não havia a noção de Estado de direito, de forma que os atos estatais não se submetiam a nenhum tipo de controle, exceto do próprio soberano que era quem delimitava todas as regras, sendo ao mesmo tempo julgador, acusador e executor, uma figura quase divina que, segundo o dogma da época, nunca errava e que por isso mesmo jamais poderia ser responsabilizado por qualquer de seus atos, por mais prejudiciais que fossem aos súditos.

Tratando do tema, Matheus carvalho, em seu ‘’ manual de direito Administrativo’’, assevera:

Em primeiro momento o dirigente era que determinava o que era certo ou errado. A premissa de que ‘’ o rei nunca errava ( the king can do not wrong) embasa a primeira fase da responsabilidade civil do Estado que é justamente a fase da irresponsabilidade. As monarquias absolutistas se fundavam numa ideia de soberania, enquanto autoridade, sem abris possibilidade ao súdito de contestação. O Estado não respondia por seus atos, era o sujeito irresponsável. Já que o monarca ditava as leis, o Estado não admitia falhas. Erro o que se costumava chamar de personificação divina do chefe de Estado. No brasil, não tivemos fase da irresponsabilidade. Ainda nessa fase, alguns países já admitiam a responsabilização do Estado, se alguma lei especifica a definisse. (CARVALHO, 2016, Pg.322)

No mesmo sentido nos noticia Di Pietro:

A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutos e repousava fundamentalmente na idéia da soberania: o Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar ( The King can do no wrong; lê roi ne peut mal faire ) e o de que “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem). Qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania. Esta teoria logo começou a ser combatida, por sua evidente injustiça; se o Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar danos a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações. (DI PEITRO, 2013, Pg. 717)

Portanto, longe de uma ideia de Estado de direito, tal como o conhecemos, os estados absolutistas foram marcados pela total irresponsabilidade quanto aos seus atos, tudo isso baseado no mito de um soberano como figura divina, que nunca errava, situação esta que não teve uma mudança tão repentina, pelo contrário percorreu um longo caminho passou por varia fases com suas respectivas teorias justificadoras, fases e teorias estas que se passa a delimitar nos próximos itens.

2.2 Teorias civilistas

As teorias civilistas representaram uma evolução no tema responsabilidade civil do Estado, pois passou-se da ideia de total irresponsabilidade para a possibilidade de aceitar a responsabilização estatal, ainda que condicionada ao requisito da culpa de quem causasse o dano, portanto dependia de elementos subjetivos.

2.2.1 Teoria da culpa civilista

O nome dessa teoria se deve ao fato de que a responsabilização do Estado buscava seu fundamento nas regras do direito privado, mais precisamente em direto civil. Era baseado na ideia de culpa. Essa teoria, segundo os doutrinadores, peca pelo fato de ser muito difícil ao particular provar a culpa do agente estatal.

Portanto, na prática, essa teoria se aproximava muito da primeira, posto que, muito dificilmente um particular conseguiria responsabilizar o Estado, devido a já cita dificuldade de comprovar a culpa de seus agentes.

Ainda sobre o império da teoria da culpa civilista, dificultando ainda mais a possibilidade de se responsabilizar o Estado, existia uma divisão em dois grandes grupos dos atos praticados pelo Estado, quais sejam: os atos de império e os atos de gestão, somente nesses últimos era que se admitia a responsabilidade estatal.

Para melhor entender como essa divisão repercutia no dever de indenizar vale aqui fazer uma breve analise das diferenças entre atos de império e atos de gestão.

Para os efeitos dessa distinção, os atos de império seriam aqueles praticados pela administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular de forma que este não tinha a opção de aceitar ou não o ato; por sua vez os atos de gestão eram aqueles que o Estado praticava em pé de igualdade com o particular, essa divisão, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, surgiu como forma de abrandar a teoria da irresponsabilidade do monarca por prejuízo causados a terceiros.

Caio Mario da Silva Pereira, em suas instituições de direito civil, assim se manifesta sobro a teoria que dividia os atos do Estado em atos de império e ato de gestão:

Esta distinção foi um grande passo, pois que importou em abrir brechas na cidadela do princípio da irresponsabilidade. Seguindo a linha de evolução neste sentido do reconhecimento do dever de reparação, a doutrina foi pouco a pouco marchando para a meta da afirmação da responsabilidade civil do Estado. Abolindo a distinção entre os atos iure imperii e atos iure gestionis, sustentou pura e simplesmente a obrigação a obrigatoriedade da reparação pelos danos causados aos particulares. (PEREIRA, 2012, Pg 562.)

2.2.2 Teoria da culpa administrativa

Como se sabe, pela teoria da imputação, quando o agente público pratica determinado ato tal ato deve ser atribuído ao Estado e não ao seu agente, essa teoria estar em perfeita sintonia com a teoria da culpa administrativa, ou seja, não há que se questionar se o agente do Estado agiu com culpa ou dolo, porque o ato não é considerado seu, mas do Estado representado por ele.

(...) com o surgimento desta teoria, a responsabilidade estatal deixa de ser indireta (teoria da culpa civilística), passando a ser direta. Agora, basta que o particular demonstre o dano, o comportamento do funcionário e o nexo de casualidade, entre ambos, posto que o agente é considerado instrumento do Estado, agindo por conta e em razão deste. Com isto, resta evidente a influência da teoria organicista, pela qual o ato do funcionário passou a ser compreendido como ato da administração (RIBEIRO, 2003, Pg. 24).

É nestes exatos termos que Ana Cecilia Rosário Ribeiro discorre sobre o tema. Em verdade trata-se de uma doutrina intermediaria entre a responsabilidade civil com culpa e a tese objetiva do risco administrativo, aqui já não existe mais a necessidade de se provar o dolo ou culpa do agente prestador do serviço.

2.2.3 Teoria da culpa anônima

Aqui não era a ação do agente que importava na hora de determinar a culpa e sim saber se o serviço foi mal prestado e se em decorrência disso houve o dano-daí o nome culpa anônima-acontece que as mesmas dificuldade para se provar que o agente agiu com culpa, como acontecia na teoria civilista, eram aqui encontradas, só que agora o particular tinha a obrigação de provar que o serviço foi mal prestado, ora, apesar de não exigir a culpa do agente estatal ao realizar um serviço, essa teoria apenas desloca o ônus o particular lesado, pois provar que o serviço foi mal prestado é certamente quase tão oneroso quanto provar que houve culpa em sua má prestação.

Porém é de si reconhecer que com isso surgiu uma preocupação maior por parte do Estado em prestar serviços com um grau maior de qualidade, fragilizando assim a cortina de ferro da total irresponsabilidade, o que pode ser considerado um avanço no que se refere ao tema responsabilidade civil do Estado.

2.2.4 Teoria da culpa presumida

Presumia a culpa do Estado, porém admita prova em contrário por parte deste. É também conhecida como falsa teoria objetiva, exatamente por presumir a culpa do Estado e ao mesmo tempo deixa a esta possibilidade de este provar em contrario, o que mais uma vez deixa o particular em desvantagem, pois este é claramente hipossuficiente em relação ao Estado prestador do serviço, que possui muitos meios á sua disposição para utilizar em uma eventual ação para se eximir da culpa que viesse a lhe ser imputada.

2.2.5 Teoria da falta administrativa

Na verdade, trata-se de teoria que visa responsabilizar o Estado por uma omissão ilegal, isto é, pela não prestação de um serviço quando tinha por obrigação fazê-lo. Portanto uma teoria que não abarcaria todos os donos injustos sofridos pelos administrados, visto que deixa de fora os atos comissivos.

Matheus Carvalho em seu manual de direito administrativo esclarece que a doutrina e a jurisprudência dominantes reconhecem que, em caso de omissão, aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva, desta forma, deve-se comprovar que ouve dolo no caso de não prestação de um serviço.

Muito pertinente essas considerações, pois se se admitir que o Estado responda por qualquer omissão, seria na verdade a aplicação da teoria do risco integral, que apesar de não estar totalmente proscrita do ordenamento pátrio, só é vista entre nós em raras exceções, como será visto mais adiante.

Em verdade o que a doutrina e a jurisprudência brasileiras vem admitindo é a responsabilização por omissão dolosa, invocando-se para tanta o princípio da reserva do possível. O raciocínio é o seguinte: se o Estado já não prestou determinado serviço por insuficiência financeira, por exemplo, não faz sentido responsabilizá-lo, de forma que penalizar alguém por não ter feito aquilo que de fato não poderia ter feito, foge a qualquer instinto de justiça.

Contudo até mesmo por omissão, há determinados casos em que a jurisprudência vem admitindo responsabilização objetiva do Estado. Umas das hipóteses especificas em que os tribunais superiores vem admitindo a responsabilidade civil do Estado de forma objetiva por omissão é aquilo que se convencionou chamar de teoria do risco criado ou risco suscitado. De forma bem sucinta, esta teoria imputa responsabilidade civil ao Estado quando este cria situações de risco que levam à ocorrência de um dano.

Matheus Carvalho nos traz como exemplo ilustrativo situação de fuga de determinado detento que, logo depois de superar os muros do presidio em que se encontrava, assalta a casa ao lado do estabelecimento prisional, gerando grandes prejuízos à família que ali reside, para este autor, em seu exemplo, o Estado criou a situação de risco de risco quando construiu um presidio em uma região residencial e não cuidou da segurança necessária.

Nesse sentido tem-se o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal, realizado em 2008. Trava-se de caso em que presidiário, após sucessivas fugas da prisão acabou cometendo um roubo seguido de morte, entendendo a suprema corte que no caso em analise, pela omissão a responsabilidade do Estado se configura objetiva, nos termos da artigo 37, § 6º , da Constituição do Brasil.

AGRAVO REGIMENTA NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTATO. ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LATROCÍNIO COMETIDO POR FORAGIDO. NEXO DE CAUSALIDADE CONFICURADO. PRECEDENTE. 1. A negligencia estatal na vigilância do criminoso, a inércia das autoridades policiais diante da terceira fuga e o curto espaço de tempo que se seguiu antes do crime são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade. 2 . Ato omissivo do Estado que enseja a responsabilidade objetiva nos termos do disposto no artigo 37, § 6º, da constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento.

(RE 573795 AgR / RS ­­- RIO GRANDE DO SUL. Julgamento : 24/06/2008)

A doutrina mais moderna diz que, todas as vezes que o Estado detém alguém ou alguma coisa sob sua custódia, está-se diante de uma situação de risco diferenciado quanto à pessoa. Isso inclui detento que foge e causa dano logo após a fuga, porque, neste caso, há a extensão da custódia. O risco criado, que também denominamos risco suscitado, gera responsabilidade objetiva do Estado, pelos danos causados ao custodiado e pelo custodiado.

2.3 Teorias Objetivístas

2.3.1 Teoria do risco administrativo

São também conhecidas como teorias publicistas, seu embrião se encontra no direito administrativo francês, encabeçadas pelas decisões do antigo conselho de Estado, que era órgão que julgava os conflitos de interesse envolvendo os particulares o Estado, tendo em vista que aquela nação europeia adota o sistema da dupla jurisdição ou se preferir o famoso contencioso administrativo em que as causas envolvendo o Estado são julgadas por órgão independente do judiciário fazendo, inclusive suas decisões, coisa julgada mateira, portanto não podendo mais ser discutidas no âmbito judicial . Discorrendo sobre o tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro nos noticia:

O primeiro passo no sentido da elaboração de teorias de responsabilidade civil do Estado segundo princípios de direito público foi dado pela jurisprudência francesa, com o famoso caso blanco, ocorrido em 1873. (DI PIETRO, 2013, Pg. 718)

O foco passou do agente prestador para o serviço prestado, sem dúvida mais alinhado com o sentimento de solidariedade, na soma de esforços de uma sociedade para atingir um bem comum, na medida em que possibilita ao lesado ser ressarcido, não em face de uma conduta doloso ou culposa de um agente do Estado, mas ,isso sim, de ser ressarcido pelo puro fato de tem sofrido um desfalque ou um dano, em virtude da prestação de um serviço público, maior em seu patrimônio ou integridade física, do que seus concidadãos.

Em termos práticos, imagine-se o caso hipotético em que o Estado está construindo uma linha de metrô, que certamente beneficiará todos os moradores das regiões situadas próximas à obra, porem, por erro técnico, acaba causando o desabamento de algumas casas mais próximas às escavações, nesses casos embora se possa dizer que os moradores daquelas casas danificadas vão se beneficiar das obras do metrô quando prontas, estes devem ser indenizados independentemente da existência de dolo ou culpa que possa ter acarretado tal erro técnico, pois sofreram danos bem maior do que aqueles suportados pelos outros cidadãos que serão beneficiados pela dita obra.

2.3.2 Teoria do risco integral

Segundo Galiano, esta teoria prega a coletivização dos prejuízos, fazendo surgir a obrigação de indenizar o dano em razão da simples ocorrência do ato lesivo, sem se perquirir a falta do serviço ou da culpa do agente.

Tomando por base as lições do renomado autor acima citado, não é necessário que se adote a teoria do risco integral para se chagar á coletivização da responsabilidade dos prejuízos, a pesar de esta o fazer de forma absoluta, pois a teoria do risco administrativo, desde de que adotada em sua modalidade objetiva, também coletiviza os prejuízos decorrentes da prestação do serviço público.

Adotar a teoria do risco integral, seria a consolidação de situação em que o Estado agiria como garantidor universal, respondendo por todo e qualquer sinistro ocorrido em seu território. Assim, por esta teoria, nas palavras de Venosa:

(...) surge a obrigação de indenizar o dano, como decorrência tão-só do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige falta do serviço, nem culpa dos agentes. Na culpa administrativa exige-se a falta do serviço, enquanto no risco administrativo é suficiente o mero fato do serviço. A demonstração da culpa da vítima exclui a responsabilidade civil da Administração. A culpa concorrente, do agente e do particular, autoriza uma indenização mitigada ou proporcional ao grau de culpa. (VENOSA, 2001, p.275).

Embora não tenha adotado essa teoria, ordenamento jurídico brasileiro não é de todo desprovido da aplicação dessa teoria, existem casos que o Estado atua como ente garantidor universal, apesar do entendimento em sentido contrário de autores consagrado como Hely Lopes Meireles e José dos Santos Carvalho Filho, a doutrina majoritária costuma apontar três exemplos que estariam albergado pela teoria do risco integral, quais sejam: dano decorrido de atividade nuclear exercida pelo Estado ou autorizada pelo mesmo; dano ao meio ambiente e crimes ocorridos a bordo de aeronaves que estejam sobrevoando o espaço aéreo brasileiro e danos decorrentes de ataques terroristas.

Pela importância da autora, há de se pontuar o entendimento de Di Pietro que entende que as expressões risco administrativo e risco integral são sinônimos, porém esse é um posicionamento solitário.

2.3.3 Teoria do risco social

Na verdade, esta teoria não tem como objetivo justificar o dever estatal de indenizar alguém pelos seus atos, na verdade ela apenas deixa evidente que a vida em sociedade, por si só é algo que traz muitos transtornos para os indivíduos que a compõe.

O risco social são todos aqueles sacrifícios que os membros de uma sociedade precisam suportar em nome do bem comum, por isso mesmo é que, desde que o dano não ultrapasse níveis razoáveis, não há que se falar em dever de indenizar. Nesta toada é que se pode afirmar que não há direito à nenhuma indenização àquele que a pretende, por exemplo, alegando que perdeu uma hora de trabalho por ter ficado preso em um grande congestionamento, tão comum no dia-dia da maioria das grandes cidades.


3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO BRASIL- EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Feita uma breve análise de como evoluíram as concepções de responsabilidade civil de uma forma geral, cabe agora uma também breve análise de como este instituto jurídico evoluiu no ordenamento pátrio, com a advertência preliminar de a doutrina nos ensina que a teoria da irresponsabilidade total do Estado nunca foi adotada entre nós, apesar de ter sido adotado outras que quase da mesma forma dificultavam a responsabilização do Estado, sobremaneira no período monárquico.

De forma que para chegar aos moldes de hoje (responsabilidade objetiva), passou-se por vários estágios, que serão expostos a partir de agora. Optou-se por iniciar a partir do brasil império, porque na época do Brasil colônia eram as leis portuguesas, notadamente as ordenações afonsinas, filipinas e manuelinas, que aqui vigoravam, portanto se confundia com o ordenamento português, que foge ao objeto desta monografia.

Além disso, mesmo sendo o período republicano marcado por inúmeras constituições, preferiu-se dividi-lo apenas em dois subgrupos, pois não houveram mudanças muito acentuadas, no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado, de uma constituição para outra, exceto nas cartas de 1946, que passou a adotar a responsabilidade civil objetiva e na de 1988, que será estudada em tópico separado.

3.1 Período imperial

Em termos jurídico, o que marca o início desse período é a entrada em vigor da carta imperial de 1824, que apesar de não ter adotado a teoria da irresponsabilidade do Estado, o fez quanto à pessoa do imperador, que era considerado sagrado e não sujeito a responsabilidade alguma, nos termos do art. 99. Da Constituição imposta, vejamos o que dizia o citado artigo 99 da carta imperial.

Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolável e sagrada; ele não está sujeito a responsabilidade alguma. (www.monarquia.org.br)

Contudo, a mesma carta imperial, trazia dispositivo que possibilitava a responsabilização dos agentes estatais, pelo valor da norma que possibilitava tal responsabilização reproduz-se aqui a literalidade do dispositivo.

Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:

(...)

(29) Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticadas no exercício das suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis os seus subalternos. (www.monarquia.org.br)

Esta separação na constituição do Brasil de 1824, entre a impossibilidade de se responsabilizar o imperador por seus atos e a possibilidade de responsabilizar o funcionários do império, se assemelha muito àquela teoria, já explicado no início deste trabalho, que separava os atos do Estado em atos de império e atos de gestão onde só havia responsabilidade do Estado na ocorrência de dano na pratica dos atos da segunda espécie, para efeito desta comparação os atos do imperado do Brasil seria atos de império; os de seus agentes seria de gestão.

Pelos dispositivos legais acima transcritos, não se pode afirmar com precisão que tipo de teoria da responsabilidade civil do Estado (se das objetivas ou subjetivas) foi adota pelo ordenamento imperial, mas pelo momento histórico é razoável se deduzir que se trava de responsabilidade subjetiva ou civilista, além disso não há qualquer referência a responsabilidade objetiva.

Nesse período, contudo, havia leis ordinárias prevendo a responsabilidade do Estado, acolhida pela jurisprudência como sendo solidária com a dos funcionários; era o caso dos danos causados por servidor de estrada de ferro, previsto no decreto 1.930, de 26 de abril de 1857.

Nestes temos, pode-se concluir que no período imperial adotou-se a teoria da irresponsabilidade tão somente quanto à figura do imperador e que quanto ao mais a responsabilidade era subjetiva, vale dizer, dependia da demonstração de dolo ou culpa por parte do agente causador do dano.

3.2 Período republicano, até a Constituição de 1988

Também a Constituição Federal de 1891 previa apenas a responsabilidade do funcionário em decorrência de abuso ou omissão praticados no exercício de suas funções, porém outras leis ordinárias previam a solidariedade do Estado, por exemplo, no caso de prejuízos decorrentes de colocação de linha telegráfica (Decreto lei 1.663 de 30 de janeiro 1894).

Apesar da dita quase omissão constitucional o código civil de 1916 veio a regulamentar, em seu artigo 15 a responsabilidade civil dos entes estatais, como noticiado por Zulmar Fachin assim se manifesta acerca desse período:

Na vigência da Constituição de 1891, veio a lume o Código Civil brasileiro, que tratava da Responsabilidade Civil das pessoas jurídicas de direito público. Estabeleceu esse código que as pessoas jurídicas de direito público eram civilmente responsáveis por atos de seus representantes, que nesta qualidade causassem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. (FACHIN, 201, Pg. 101)

São estes os termos do referido artigo:

Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causarem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando o dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano (CITADO POR GONÇALVES, 2014, Pg.154)

Pelo teor do artigo supracitado, chega-se à conclusão de que, nesta fase republicana ainda reinava a teoria da culpa civilística, vez que o núcleo central da norma é o agente representante das pessoas jurídicas de direito publica agindo de modo contrário ao direito ou faltando o dever prescrito em lei, são essas as preciosas lições de Carlos Roberto Gonçalves, que aqui se faz necessário transcrever.

O art. 15 do código civil de 1916, pertence à fase civilista da responsabilidade do Estado pelos atos de seus representantes, condicionava-a à prova de que estes houvesse procedido de modo contrário ao direito, nesses termos... (GONÇALVES, 2014, Pg.154)

Merece destaque aqui o fato de que o código só responsabilizava as pessoas jurídicas de direito público, não o fazendo em relação às pessoas jurídicas de direito privado que por ventura prestassem serviços público, mais um indício de que àquela época a culpa era subjetiva, do agente, não do serviço e por isso mesmo não objetiva.

A Constituição Federal de 1934 adotou o princípio da responsabilidade solidária entre o Estado e funcionário ao determinar em seu artigo 171, que os funcionários eram responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos. Tal entendimento se repetiu na Constituição Federal de 1937, conforme prescrito no artigo 158 daquela norma, portanto ainda não se tinha a responsabilização objetiva.

Em 1946, com a chama redemocratização foi editada nova carta constitucional, que de fato, rompendo com o sistema anterior, que ficou conhecido como Estado novo, trouxe inúmeros avanços no que se refere ao tema liberdade e direitos do cidadão, ao menos formalmente. E uma destas alterações que podem ser tidas como avanço é exatamente o artigo 194 da nova constituição que, em fim adotou a teoria da responsabilidade objetiva para os danos causado pelo Estado e seus agentes, veja-se o que rezava o citado artigo:

Art. 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único – Caberlhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.

A responsabilidade objetiva do Estado fica evidente quando o texto legal faz constar que somente quando houver o funcionário público agido com culpa, é que caberá ao Estado ação regressiva contra seus agentes.

Este artigo, na verdade acabou dizendo menos do que queria dizer, pois em seu parágrafo único, só falava em ação regressiva contra aqueles que tivessem agido com culpa, ora a culpa é até menos grave do que o dolo, uma vez que no dolo existe a intenção deliberada de causar o dano, ao passo que na culpa apenas há em desleixe por parte do funcionário, uma inobservância de um dever geral de cautela e diligencia, mas não há intenção de causar dano.

Não obstante a isso, ao garantir o direito de regresso contra aquele funcionário que agia com culpa a Constituição de 1946, fazendo-se sobre ela uma interpretação extensiva, também garantiu o direito de regresso contra aqueles que agissem com dolo, aqui vale lembrar mais uma regra de hermenêutica, segundo a qual quem pode o mais pode o menos, vale dizer, se o Estado podia agir regressivamente contra que agia de forma culposa, também o podia contra aqueles que agiam com dolo.

Sendo assim, ainda que não houvesse dolo ou culpa, por parte do agente causador do dano restaria caracterizada a obrigação de indenizar, em fim tínhamos o dever objetivo de indenizar. A omissão quanto ao termo dolo em sede de texto constitucional foi corrigida com o advento da carta de 1967, que em seu artigo 105 praticamente repete o teor do artigo 194 da Constituição anterior, com o acréscimo do termo dolo, como já foi dito.

3.3 A responsabilidade civil do Estado na Constituição de 1988.

Para Felipe Peixoto Braga Netto, o Brasil ocupa uma posição peculiar na responsabilidade civil do Estado, por já fazer parte de nossa tradição constitucional termos uma norma que imponha ao Estado indenizar, independentemente de culpa, os danos que seus agentes causem (NETTO, 2012). Porém, como já dito em outras passagens desta monográfica a responsabilidade de forma objetiva só veio com o texto constitucional de 1946.

A Constituição federal de 05 de outubro de 1988, por sua vez foi uma das mais festejadas da história do Brasil, muitos a chama de a Constituição cidadã, pois ao menos em teoria é prodiga em direitos e liberdades individuais e coletivas, são vários os princípios que protege o cidadão, podendo se apontar como exemplo o famoso artigo quinto, que trata dos direito e garantias individuais; o igualmente festejado artigo sétimo, que trata dos direitos sociais, dentre tantos outros.

Em relação ao tema da presente monografia-responsabilidade civil do estado- são muito esclarecedoras as normas da Constituição cidadã que hora somos, pela importância para o tema, obrigados a transcrever:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Município obedecerá aos princípios da legalidade, da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiente, e também ao seguinte:

(...)

§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Diógenes Gasparini discorrendo acerca do mencionado paragrafo sexto, artigo 37 da nossa Constituição, assim assevera:

Percebe-se, então, que a responsabilidade civil do Estado instituída no referido preceito constitucional é a objetiva, baseada na teoria do risco administrativo, já que a culpa ou o dolo só foi exigido em relação ao agente causador direto do dano. Quanto às pessoas jurídicas de direito público (União, estados-membros, Distrito Federal, municípios, autarquias e fundações públicas) e às de direito privado prestadoras de serviços públicos (empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações privadas, concessionários, permissionários e autorizatários) nenhuma exigência desse tipo foi feita. Logo, essas pessoas respondem independentemente de terem agido com dolo ou culpa, isto é, objetivamente. (GASPARINI, 2006, p. 983)

De fato, com o advento da carta constitucional de 1988 deu-se a consolidação da teoria do risco administrativo. Tal teoria é o reconhecimento de que a atividade estatal por se só envolve riscos para seus próprios beneficiários, e que por isso o dever de indenizar deve ser objetivo, repartido, desta forma entre todos.

Ora, se assim não fosse, o Estado, que é instrumento de pacificação social, como dito no início deste trabalho, passaria a ser um causador de conflitos, uma vez que aqueles injustiçados não concordariam com o prejuízo sofrido sozinho ou em maior proporção do que os seus concidadãos.

Outro ponto importante da norma constitucional em comento é o fato de ela responsabilizar de forma inquestionável as pessoas jurídicas de direito privadas prestadoras de serviço público, seja sob a forma de concessão, permissão ou autorização. Constituições passadas se limitavam a falar das pessoas jurídicas de direito público.


4. Possíveis justificativas para a responsabilidade civil do estado

Antes de se chegar a uma conclusão de qual seriam os fundamentos de direitos que podem ser apontados como aptos a justificar o dever de indenizar que pesa sobre o Estado, deve se apontar quais seriam as hipóteses mais plausíveis, porem para delimitar melhor o tema, será feita uma breve diferenciação entre responsabilidade contratual e extracontratual (civil) do Estado.

4.1 Diferença entre responsabilidade contratual e extracontratual (civil) do Estado

Já foi tratado nesse trabalho a diferença entre o que seria responsabilidade contratual e extracontratual do Estado, volta-se aqui ao tema apenas por apego à coerência.

A responsabilidade contratual do Estado pode se dar em duas situações distintas, a saber: a primeira é a responsabilidade decorrente dos contratos regidos pelo regime jurídico administrativo, em tal regime, como é sabido, o Estado se encontra em situação privilegiada, a relação é vertical, porem isto não o exime de responsabilidade, tais contratos são basicamente aqueles encontrados nas leis 8.666/93 e 8987/95, além de vários outros encontrados em diversas leis extravagantes.

A segunda modalidade de responsabilidade contratual do Estado que se pode apontar é aquele em que o Estado contrata sob o regime de direito privado. Os contratos desta espécie são marcados por uma relação horizontal entre o particular e o Estado, não existe praticamente nenhum privilegio ao Estado nesse tipo de contrato, de forma que a responsabilidade aqui é regida pelo direito Civil, subjetiva portanto.

Por seu turno a responsabilidade extracontratual é bem diferente da apontada acima, pois sequer existe relação contratual, aqui o fato gerador da responsabilidade estatal é a atividade fins do Estado, como são exemplos a prestação de serviço de agua ou de saúde.

Feita a delimitação das espécies de responsabilidade do Estado, passa-se à análise dos possíveis fundamentos jurídicos que possam embasa aquele que é objeto desta monografia, vale dizer: responsabilidade extracontratual do Estado, ou se preferir, responsabilidade civil.

4.2 Responsabilidade civil do Estado como sanção

É muito sedutora a tese de que quando se formulou a teoria da responsabilidade civil estatal estaria a se admitir que o Estado na verdade estar sofrendo uma punição, contudo se analisada a responsabilidade civil do Estado de forma mais cuidadosa, verá-se que tal justificativa não é a mais adequada.

É fato que toda sanção tem como origem um ato contrário ao direito, isto é, um ato ilícito. Com esta assertiva, fica bem fragilizado qualquer argumento que tente convencer ser a responsabilidade civil do Estado um ato de sanção, é que na verdade há casos em que mesmo Estado o ente estatal em suas ações amparado pelo direito, acaba causando danos aos seus súditos, danos estes que ainda não provenientes de atos ilícitos devem ser reparados.

Eis o problema deste fundamento: a responsabilidade do Estado também está presentem quando este pratica atos lícitos, desde que ocorra o dano e que esteja presente o nexo de causalidade entre este e a conduta estatal.

4.3 Responsabilidade civil do Estado como reparação

Aqui a diferença é bem menos sutil do que a presente no tópico anterior, na verdade a reparação é parte dos fundamentos que embasam o dever que tem o Estado de indenizar os cidadãos pelos danos que lhes causar, porém, já o dissemos, é apenas parte da justificativa, vale dizer, não é apenas o simples fado de repor o patrimônio do lesado que sustente o dever de indenização.

No começo deste trabalho ficou assentado que um Estado surge para servir de instrumento para a coletividade que o criou, um Estado como ente abstrato que é, para ter existência necessita que cada um de seus membros contribua de alguma forma, essa contribuição deve ser regida pelo princípio da isonomia e sobretudo da solidariedade, aceitando isso como verdade, fica mais clara a ideia de que toda vez que surge um dano desproporcional para determinado membro do Estado, entra em ação os princípio da isonomia e da solidariedade.

Pelo princípio da isonomia, todos devem ser tratado de forma equivalente, assim sendo, a contribuição de um deve necessariamente igual à do outro; já pelo princípio da solidariedade, os cidadãos estão ligados por um vínculo comunitária que é a própria razão de existir de qualquer sociedade organizada, nada mais sendo do que uma comunhão de esforço entre vários indivíduos, com o objetivo de atingirem ambições que individualmente jamais seria possível alcançar.

Dessa lógica, pode se dizer que toda vez que o Estado indeniza um de seus cidadãos, além de estar reparando o patrimônio deste, que fora desfalcado de forma injusta, esta pondo em prática efetivamente os princípios da solidariedade, sem o qual o Estado tal como o conhecemos não existira; e da isonomia, princípio este que é decorrência daquele uma vez que não seria possível existir isonomia sem a ideia de solidariedade.

4.4 Responsabilidade civil do Estado como decorrência da solidariedade e da isonomia

Na buscar por uma justificativa que explique o dever que tem o Estado de indenizar àqueles que causa dano, várias possíveis repostas se apresentaram e foram, cada uma delas descartadas nos itens anteriores. No último deles, porém, se chegou a uma conclusão importante, qual seja: É a solidariedade entre os membros de um Estado, e em decorrência dela a isonomia, que melhor explicam o dever estatal de indenizar.

Após transcrever o artigo terceiro de nossa carta política, onde constam os objetivos da república federativa do Brasil, Felipe Peixoto Braga Neto, em seu ‘’manual de responsabilidade civil do Estado à luz da jurisprudência dos tribunais superiores’’, nos traz brilhante passagem sobre responsabilidade civil do Estado em decorrência da aplicação do princípio da solidariedade social, pela importância para este tópico, vale a pena aqui transcrever tal passagem:

Num contexto de amplo pluralismos axiológico e de constituições normativas que protegem os direitos fundamentais, a responsabilidade civil há de ter na solidariedade social um de seus mais relevantes princípios. (BRAGA NETTO. 2012. Pg. 46 e 47)

É a própria natureza da relação existente entre o Estado e seus súditos e entre estes que nos deixa claro que, quando alguém é indenizado por um dano sofrido em decorrência de uma atuação estatal, está se verdade fortalecendo os vínculos de solidariedade entre os membros de tal Estado, porque corrigem injustiças ao passo que repõe-se o patrimônio de alguém que não tinha o dever de contribuir naquela proporção, se assim não fosse, isto é, se não houvesse a reparação, os laços de solidariedade, da isonomia, do esforço comum estariam rompidos.

Por isso mesmo deve-se entender que a reparação do dano por parte do Estado é apenas um instrumento que restabelece os vinculo de solidariedade e a ideia de isonomia que foram quebrados pelo dano. É por isso que foi dito alhures que a reparação patrimonial não explica, por se só, o dever que tem o Estado de reparar os danos que causa a seus súditos.

Por último cabe alertar que solidariedade aqui é caracterizado pelo dever de assistência mútua que inspiram a formação de um Estado organizado, coma já foi explicado neste trabalho.


5. Caracterização da responsabilidade civil do Estado

Chega o momento de se explicar o que seria, na prática, a responsabilidade civil do Estado. Quando esta estaria caracterizada? Ou em outras palavras, quando o Estado se obriga a indenizar alguém pelos danos que lhe causa.

5.1 Pressupostos ao direito à reparação

Para começar, devemos entender que para responsabilizar o Estado por um dano, é imprescindível que este dano seja atribuído ao Estado, melhor dizer, que seja fruto de uma atuação ou omissão dolosa de sua parte, e para haver esta atribuição é necessário que se entenda o conceito de nexo de causalidade, pois não vigora entre nós a teoria do risco integral, ou seja, o Estado não é um garantidor universal.

Aí estão os elementos bastante para caracterizar a responsabilidade civil do Estado: Ação ou omissão dolosa por parte do estado; efetivo dano e nexo de causalidade entre os primeiros e o último. Cada um desses elementos será melhor estudado em tópicos à parte a partir de agora.

5.1.1 A efetividade do dano

A demonstração do dano deve mostrar a ocorrência de abalo na situação econômica ou moral da vítima em virtude de ação ou omissão de atividade exercida pelo Estado através de seus agentes. Assim, o dano pode atingir tanto o patrimônio econômico da vítima, resultando em perdas pecuniárias, como também o seu patrimônio moral e social.

Nunca é demais lembrar que o dano que enseja a reparação estatal, para ser considerado efetivo, não pode ser um mero aborrecimento. Carlos Roberto Gonçalves, citando Agostinho Alvim assim descreve o que seria dano:

Para Agostinho Alvim, o termo ‘’ dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, e aí se inclui o dano moral. Em sentido estrito, dano é, para nós a lesão do patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro’’.(GONÇALVES, 2014, Pg. 365)

Das lições do renomado civilista é licito se concluir que o dano pode ser tanto patrimonial como moral, na verdade hodiernamente já é bastante difundido, na doutrina e na jurisprudência, o conceito de dano estético, autônomo em relação ao dano moral, nesse sentido, é bastante elucidativo o seguinte julgado do superior tribunal de justiça:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 1.583 E 1.584 DO CÓDIGO CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. REPARAÇÃO DE DANOS ESTÉTICOS E MORAIS. ATAQUE DE ANIMAL. RESPONSABILIDADE DO DONO OU DETENTOR. SÚMULAS N. 7 E 83/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. BASES FÁTICAS DISTINTAS. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 557 § 2º, CPC. 1. O divórcio, por si só, não é capaz de alterar a guarda de menor reconhecida por decisão judicial. 2. Não há julgamento extra petita quando são apreciadas especificamente as questões objeto da lide. 3. Incide a Súmula n. 7 do STJ na hipótese em que a tese versada no recurso especial reclama a análise dos elementos probatórios produzidos ao longo da demanda. 4. É cabível a cumulação de danos morais com danos estéticos, ainda que decorrentes do mesmo fato, quando são passíveis de identificação em separado. 5. Não há como conhecer de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial ante a ausência de demonstração de similitude fática e jurídica entre os julgados. 6. Aplica-se a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC, na hipótese de agravo regimental manifestamente improcedente, ficando condicionada a interposição de qualquer outro apelo ao depósito do respectivo valor. Jurisprudência/STJ - Acórdãos Página 1 de 2 7. Agravo regimental desprovido. Aplicação de multa de 1% sobre o valor corrigido da causa.

(AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2012/0143198-6. JULGADO EM: 11/06/2013)

Apesar de existirem, além do dano patrimonial, o moral e o estético, sem sombra de dúvida, é o dano patrimonial aquele que o Estado mais provoca, este fica caracterizado quando a vítima sofre um desfalque em seus bens corpóreos, como no exemplo, já citado nesse trabalho, da obra do metrô que, por um erro técnico, danifica algumas residências ao seu redor.

O dano moral, por sua vez é algo que atingem o intimo da vítima, sua boa fama, seu bom conceito social, algo que não pode ser tocado fisicamente mas que estar igualmente protegido pelo direito.

Assim fica definido que, para efeitos de reparação civil de dano por parte do Estado, dano efetivo é aquele que causa significativo desfalque em qualquer bem da vítima que seja, juridicamente tutelado, seja ele material ou imaterial, e desde que tal desfalque seja superior àquele suportado por toda a coletividade.

5.1.2 O nexo causal

Na responsabilidade civil do Estado na modalidade objetiva, como é adota na Constituição brasileira, é possível que se tenha o direito à indenização sem que haja dolo ou culpa, porém é imprescindível a demonstração de uma relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano que se pretende reparar.

Essa relação de causa e efeito é o que se entende por nexo causal, sem este elo não há razão para cobrar qualquer tipo de indenização ao Estado. Antes de se prosseguir e passar para o próximo tópico caba aqui fazer uma importante observação sobre a conduta do agente estatal. É preciso se diferencia, com base na dicção do parágrafo sexto do artigo 37 da Constituição, o dano causado pelo agente do Estado nesta condição, ou seja, agindo em nome do Estado, e o dano causado por aquele que ostente a qualidade de agente público, mas que age por sua conta e risco.

Para chegar a um concito sobre quem seria considerado agente estatal, muitos autores se valem da dicção do artigo 327 do código penal brasileiro, que aqui se faz indispensável a transcrição.

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

Desta forma, é indiferente se há remuneração ou não, se a função é transitória ou permanente. É por isso mesmo que o mesário que serve à justiça eleitoral em dia de eleição é considerado agente público para efeitos de responsabilidade civil do Estado.

A importância desta diferenciação se revela no momento em que se vai determinar quem deve indenizar o lesado, pois o Estado não responde por danos causados por aqueles que mesmo sendo agente seu não esteja agindo em seu nome no momento do dano, em casos como esses o lesado deve buscar a reparação diretamente do agente público.

Outra discussão bem recente sobre a relação entre o agente estatal e sua conduta causadora de dano é acerca do chamado benefício de ordem, ou seja, se o lesado pode acionar diretamente o agente púbico ou se somente a pessoa do Estado.

Entendemos que diante de situações como essas não há que se falar em acionar diretamente o servidor que praticou o ato lesivo, isso se deve à teoria do órgão que significa que os atos praticados por servidor estatal, em nome deste, só ao Estado pode ser imputado, portanto o servidor só pode ser acionado pelo próprio Estado, em ação regressiva, se este agiu com culpa ou dolo, além disso ao particular lesado é bem mais interessante acionar o Estado que certamente tem mais condições financeiras de ressarcir o dano lesado.

É o que o Supremo Tribunal Federal chama de teoria da dupla garantia, que garante à vítima o direito de ser lesado, porém também garante ao servidor o direito de ser cobrado apenas pelo Estado.

Veja nesse sentido o julgado do STF.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: §6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PROPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicas, é que podem responder, objetivamente, pela reparação de dano a terceiro. Isso por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito, ou de direito privado que preste de serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativamente e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(RE 327904 / SP- SÃO PAULO. Julgamento: 15/08/2006. Órgão julgador: primeira turma)

É importante, por fim, pontuar que em determinados casos o Estado pode ser chamado para responder por atos de terceiros, tanto de forma solidaria como subsidiaria.

Podemos citar como exemplo em que o Estado responde por ato de terceiro a situação em que pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público por delegação, causa dano ao usuário do dito serviço e este ao acionar o delegatório do serviço, o encontra totalmente insolvente, não pode o particular, em situações como essas ficar com seu patrimônio desfalcado, tem ele o direito de acionar o Estado para ver reposto os seus bens.

Para a maioria da doutrina especializada no assunto, caso como o acima citado são exemplo de responsabilidade na modalidade subsidiaria, uma vez que se entende que ao particular somente é lícito acionar o Estado depois de esgotadas as esperanças de ser ressarcido pelo particular delegatário do serviço público.

Braga Netto nos traz o seguinte exemplo:

Pensemos numa empresa de ônibus. Há um acidente terrível, com muitas dezenas de mortos. A empresa, já economicamente instável, não suporta o ônus das indenizações. O Estado pode ser chamado a responder, porém em caráter subsidiário, isto é, só depois que a empresa, acionada, comprovadamente não tiver como fazê-lo. (BRAGA NETTO, 2012, Pg. 135)

Exemplo semelhante é trazido por Celso Antônio Bandeira de Mello.

5.1.3 Causas que excluem a responsabilidade civil do Estado.

Felipe Peixoto Braga Netto, discorrendo sobre o assunto em questão assim se manifesta:

À luz da teoria do risco administrativo, adotada pelo Brasil desde a Constituição de 1946, o Estado responde objetivamente pelos danos que causar, ficando, porém, isento desse dever se conseguir provar alguma das excludentes de responsabilidade civil (caso fortuito e força maior; culpa exclusiva da vítima). (BRAGA NETO, 2012, Pg.131)

Uma das grandes diferenças entre a teoria do risco administrativo e do risco integral é na primeira o Estado pode se eximir do dever de reparar o dano, desde que o dano seja proveniente de culpa de terceiro, força maior, culpa exclusiva da vítima ou culpa concorrente, neste último caso responderá na medida em que concorreu para o dano, sendo mais adequado falar-se em causa que atenua e não que exclui a responsabilidade civil do Estado.

É interessante dizer que na ocorrência de uma destas situações acima descritas, à exceção da culpa concorrente, que apenas atenua, fica rompido o elo denominado nexo causal, o que faz desaparecer a responsabilidade que o Estado teria de indenizar o atingido pelo dano.

Cada uma destas causa de exclusão de responsabilidade que é apontada pela doutrina mais tradicional será estudada de forma mais detalhada à diante. Deixando, contudo, o alerta de que existe uma tendência de autores mais modernos, como Matheus Carvalho, por exemplo, de considerar essas causas apenas com exemplos de situações que excluem a responsabilidade civil do Estado, não como as únicas.

5.1.3.1 A culpa de terceiros

Trata-se de excludente bem óbvia, sob o ponto de vista da teoria do risco administrativo, é certo que essa teoria reconhece que toda atividade estatal tem intrínseco, o que não significa que tal risco de fato vai se efetivar.

Assim sendo, se o dano sofrido por um particular veio exclusivamente de uma ação de um terceiro, sem qualquer vínculo com o Estado, não agindo em seu nome de nenhuma forma admitida, não se pode falar em nexo de causalidade, e por não se pode falar em dano.

Imaginemos um exemplo hipotético em que alguém, violando todas as medidas de segurança tomadas, invade determinado prédio do governo, rouba um veículo da que órgão e em seguida atropela alguém. O atropelamento não pode ser cobrado como responsabilidade do Estado a culpa nesse caso é exclusiva de terceiro.

O mesmo entendimento vale para aquele que, tomado por incontrolável desejo de suicídio se joga do decimo quarto andar de um prédio público, vindo a falecer com a queda, ficando claro a culpa exclusiva da vítima, como será melhor explicado no próximo tópico.

5.1.3.2 A culpa exclusiva da vítima

De mesma forma que se viu na causa de excludente estudada no item anterior, neste a dona não proveio de uma ação ou omissão dolosa do Estado, foi a própria vítima o agente determinante para que tal sinistro viesse a ocorres. Quando isso ocorre estaremos diante de mais uma causa que exclui a responsabilidade civil do Estado.

Sobre o tema colheu-se interessante julgado recente do TRF da quinta região, cuja ementa é a seguintes:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DNIT. ACIDENTE DE TRÂNSITO (ATROPELAMENTO DE PEDESTRE). VÍTIMA QUE ADENTRA RODOVIA PARA RETIRADA DE SEMOVENTE (ANIMAL). RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. EXCLUDENTE DO NEXO DE CAUSALIDADE. 1. Narram os autos que o Autor foi vítima de atropelamento na BR-230, KM 19.7, no Estado da Paraíba, quando adentrou na pista de rolamento para a retirada de um cachorro que fora atropelado. 2. 2. A teoria da responsabilidade objetiva do Estado, consagrada no art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, impõe ao poder público o dever de ressarcir os danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, independentemente da comprovação de culpa. 3. Para a caracterização da obrigação de indenizar, exige-se a presença de certos elementos, quais sejam: a ação estatal, a ocorrência de dano e o nexo de causalidade entre a ação estatal e o dano. Na ausência de algum desses requisitos ou na presença de causa excludente ou atenuante - culpa exclusiva ou concorrente da vítima no evento danoso -, a responsabilidade estatal será afastada ou mitigada. 4. Do que há nos autos, verifica-se que o acidente que vitimou o Autor decorreu de sua culpa exclusiva culpa, visto ter agido negligentemente com a sua própria segurança, ao atravessar a rodovia para a retirada de um animal, assumindo riscos ao fazê-lo. E, sendo a culpa exclusiva da vítima uma circunstância excludente do nexo causal, não há como responsabilizar o Estado pelos danos decorrentes do acidente, por estar ausente um dos requisitos indispensáveis da reparação civil. 5. Indenização dos danos morais que se faz indevida. 6. Apelação do Particular prejudicada e Apelação do DNIT provida.

(TRF-5.AC Apelação Cível 30178620124058200; julgado em 20/02/1014)

Ainda sobre excludentes de responsabilidade civil do Estado, chama muito a atenção as observações feitas por Matheus Carvalho em seu manual de direito administrativo. Para este autor, a doutrina que aponta caso fortuito, força maior, e culpa exclusiva da vítima como as únicas causas de excludente de responsabilidade estatal estar totalmente equivocada, já que estas hipóteses são apenas exemplos dessas situações.

Para sustentar esta tese o autor mencionado explica que para haver dano são necessários a ocorrência cumulativa de três elementos, a saber: conduta do agente, atuando nessa qualidade, dano causado a um particular e nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

O raciocínio é o seguinte: se para caracterizar o dever estatal são necessários os três elementos supracitados, a ausência de qualquer deles já é suficiente para excluir a responsabilidade de indenizar por parte do Estado, não importando se tal ausência se deu em decorrência de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.

Para nós, fazem muito sentido os argumentos do autor, basta pensar, por exemplo que outros doutrinadores apontam como sendo causa de exclusão da responsabilidade estatal a culpa exclusiva de terceiros.

De forma que o entendimento desse trabalho é o mesmo do autor acima citado, pois qualquer que seja a causa que quebre o nexo de causalidade entre o dano e uma atividade estatal, faz desaparecer para este o dever de indenizar, ou seja, não é somente o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima que exclui a responsabilidade do Estado, basta que qualquer evento tire a relação de causa e efeito entre conduta estatal e dano sofrido.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando o tema é responsabilidade civil do Estado, a doutrina majoritária entende que o Brasil adotou a teoria do risco administrativo, com responsabilidade objetiva, com algumas exceções como é o caso de algumas hipóteses onde foi adotado o risco integral (danos causados por atividades nucleares exploradas pelo Estado ou com autorização deste, por exemplo), ou aqueles casos de omissão dolosa, em que a jurisprudência tem se firmado no sentido de considera-los com responsabilidade subjetiva.

Para se chegar à modalidade risco administrativo, passou-se por um longo período de evolução doutrinaria, vindo desde de a irresponsabilidade total até se chegar a conceber o risco integral.

De forma que, hoje, não cabe mais a discursão acerca do modo que se deve apurar a forma que o Estado será responsabilizado, pois é pacifico que sua responsabilidade é objetiva, pouco importando, para fins de obrigação de indenizar, se seus agentes agiram com dolo ou culpa.

Este trabalho teve como objetivo delimitar os fundamentos teóricos e jurídicos que embasa o dever estatal de indenizar de forma objetiva, tendo como fio condutor os princípios da isonomia e solidariedade.

Como se sabe, genericamente, indenizar significa repor a algum seu patrimônio que fora lesado, geralmente com a ocorrência de um ato ilícito, daí surge a primeira justificativa para se delimitar os fundamentos do dever estatal de indenizar, já que este indenizar não só quando pratica atos ilícitos, pelo contrário, é bem comum que surja dever de indenizar quando o Estado pratica atos lícitos.

Isso nos autoriza a descartar a hipótese de ser a responsabilidade civil estatal uma sanção contra o Estado, pois como se sabe, não pode haver sanção sem ato ilícito.

Outra hipótese, mais sedutora ainda, para justificar o dever estatal de indenizar, seria considerá-la apenas como o dever de repor o patrimônio do lesado. De fato, há a reposição do patrimônio que o lesado perdera, porém não é tão somente buscando isso que o Estado indeniza, melhor dizendo, quando o Estado indeniza não estar apenas buscando, em último caso, repor o patrimônio perdido pelo lesado.

Pode-se observar inclusive, que na relação entre o Estado e os particular é comum que estes últimos tenha decréscimo em seu patrimônio, seja material ou imaterial, sem que aja, para o Estado, o dever de reparar tal perda, desde que esse decréscimo seja suportado de forma igual por todos, sendo isso a exteriorização do princípio da solidariedade que, para este trabalho, é um dos que justificam o dever estatal de indenizar, basta lembramos da obrigação que todo cidadão tem de pagar imposto ao Estado (decréscimo patrimonial) ou de se submeter ao poder de polícia (decréscimo na amplitude de sua liberdade).

Assim, se pode notar que não apenas com o intuito de repor o patrimônio, seja material ou imaterial, que o Estado indeniza, apesar de que isso é um de seus efeitos. Não sendo de natureza sancionatória, nem tão somente reparatória, esse trabalho chega à conclusão de que quando o Estado indeniza, na verdade efetiva os vínculos mais importantes que existem em uma sociedade organizada, que são para nós, a solidariedade existente entre seus membros e a isonomia, que é decorrência da solidariedade, por sinal estes são princípio adotados entre nós pelo constituinte de 1988.

Isso decorre do fato de que qualquer sociedade só é formada com uma confiança reciproca entre seus membros de que todos irão suportar, na medida de suas respectivas condições, encargos semelhantes.

Este pacto chamado Estado, traz a seus membros o direito de serem reciprocamente assistidos por seus concidadãos, porém, também acarreta obrigações no mesmo sentido, isto é, dever de cada um ser solidário com o seu igual, daí que, quando um desses membros sofre desfalques em seu patrimônio além daquele sofrido por todos os outros e este desfalque é atribuído a uma ação ou omissão, dolosa, por parte do Estado, surge em favor daquele o direito de ser indenizado.

Tal direito, na linha que foi traçada neste trabalho, não é proveniente de uma punição para o Estado; também não significa tão somente uma reposição do patrimônio que foi subtraído demasiadamente do particular, na verdade tal direito provem da efetivação dos princípios da solidariedade e da isonomia, que devem ser vistos como os principais elos de sustentação de qualquer sociedade que queira ser justa e solidária.


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Abstract: The theme chosen for this monograph is related to the fields of Constitutional law, administrative and also with reflections in the Civil law and consumer law, specifically the civil liability of the State. As the civil liability of the State is known today, it is far more comprehensive than civil liability among private individuals, because in this the duty to indemnify only arises when there is the practice of an unlawful act on the part of one of the participants of the Legal relationship, that is, contrary to law; For its part, state responsibility could arise even from the practice of a lawful act. The purpose of this research is to understand what are the legal justifications to justify the civil responsibility of state entities, in the extracontractual modality, delimiting which is the one that best fits the system adopted by the federal Constitution, in light of the principles of isonomy and solidarity, The latter stamped or Atr. 3, item I of our Major Law, relating, in this way, the legal nature of the state obligation to such constitutional principles. As the theme is broad, the analytical procedure was based on the dialectical method for analyzing the provisions of the Federal Constitution, the Civil Code, the Administrative Law legislation dealing with the subject, and some provisions of the Consumer Protection Code, Including the study of works by Brazilian scholars, jurisprudence and articles from specialized publications, in order to arrive at the appropriate conclusions.

Keywords: liability of the State, obligation to indemnify, legal nature, principle of solidarity.


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