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Dever de motivação das decisões judiciais no novo CPC

Dever de motivação das decisões judiciais no novo CPC

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A pesquisa buscou discorrer sobre o dever de motivação das decisões judiciais, especificamente o artigo 489, e seus parágrafos primeiro e segundo.

RESUMO: Este trabalho teve por objetivo discorrer sobre o dever de motivação das decisões judiciais, como concretização da garantia de um processo justo. Visou demostrar a sua relevância no Estado de Direito, a fim de se construir uma decisão justa, participada, democrática, sem subjetivismos e arbítrios por parte dos julgadores. A pesquisa trouxe uma análise sobre às inovações advindas com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil no que concerne à matéria, tendo em vista que o novo diploma processual implementou dispositivos que norteiam a exata forma de fundamentar as decisões (artigo 489, §1º e 2º), expondo situações em que a decisão não será considerada fundamentada. Buscou demostrar a evolução do direito processual civil, e sua conexão com a Constituição Federal de 1988, notadamente o novo diploma processual que foi promulgado no atual Estado Constitucional, o qual preconiza que o direito processual civil será ordenado, disciplinado e interpretado à luz da Constituição Federal. E por fim, buscou compreender se as alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, especificamente seus artigos 11, 489 e seus parágrafos 1º e 2º, contribui para o provimento de um justo processo. Foi questionado se o dever de motivação das decisões judiciais previsto na CF/88 (artigo 93, inciso IX) ratificado pelas premissas no Novo Código de Processo Civil, condizia com a as perspectivas de consolidação de um processo justo. Conclui-se que o Novo Código de Processo Civil busca assegurar aos jurisdicionado a aplicação dos princípios processuais constitucionais, e que o dever de motivação, consubstanciado com o artigo 489, §1º e §2º, consolida a perspectiva de um processo justo, fortalecendo o modelo constitucional de processo. O dever de motivação foi tratado neste trabalho sempre com o ponto de vista jurídico.

PALAVRAS-CHAVES: Dever de motivação; Decisões judiciais; Constituição Federal; Novo Código de Processo Civil; Processo justo; Garantia constitucional; Regra; Princípio.


INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 93, inciso IX, que toda decisão judicial deverá ser fundamentada, sob pena de nulidade. O dever de motivação das decisões judiciais é uma garantia que representa componente basilar de um processo justo, vez que a jurisdição deve atuar mediante o devido processo constitucional, o que implica na exigência de que seja proferida uma decisão que justifique, de forma clara e precisa as razões de fato e de direito que nortearam a conclusão adotada pelo julgador.

No entanto, no decorrer do tempo, verificou-se a existência de decisões judiciais deveras concisas, que nem sempre cumpriam com a necessária aplicação da norma supramencionada.

Tem-se que o dever de motivação é pressuposto do Estado de Direito, constituindo um necessário instrumento do controle da atividade jurisdicional, pois é pela motivação que o juiz presta contas do exercício do poder jurisdicional, demostrando às partes, aos tribunais que lhe são hierarquicamente superiores e à sociedade de modo geral que aquela era a decisão correta a ser tomada.

Outrossim, o dever de motivação é fundamental para a ascensão da segurança jurídica. A jurisdição desempenha relevante função de esclarecimento, integração e homogeneização do Direito, dissolvendo antinomias, buscando soluções sistemáticas para eventuais omissões legislativas e definindo a forma pela qual o Direito deve ser interpretado e compreendido.

Ademais, indubitavelmente, o dever de motivação é, possivelmente uma das mais importantes garantias do devido processo legal, posto que é indispensável ao controle e a legitimação da atividade jurisdicional.

Com isso, verificou-se que, na vigência do Código de Processo Civil de 73, proliferavam-se decisões judiciais imotivadas ou mal motivas, sempre amparadas no equivoco entendimento jurisprudencial de que o juiz não precisa dar resposta a todas as alegações das partes, bastando que apresente as razões de sua decisão.

Facilmente se deparava com decisões padronizadas, que nem sempre serviam para dar uma resposta adequada às pretensões formuladas pelas partes e, com espantosa frequência, nem mesmo tinha relação com o caso concreto.

Diante disso, com a promulgação da Lei 13.256, de 04/02/2016 (Novo Código de Processo Civil), tem-se a expectativa de dar nova dignidade ao dever de motivação das decisões judiciais, a qual estabelece, de forma bastante detalhada, o que é motivar adequadamente uma decisão judicial (artigo 489, §1º e §2º).

A justificativa para a pesquisa baseia-se na relevância do tema sob o contexto jurídico e social, especialmente a partir do novo regramento processual civil, o qual tratou de programar significativas modificações normativas quanto ao tratamento dedicado à garantia da fundamentação das decisões (artigo 93, inciso IX, do Novo Código de Processo Civil) no cenário jurídico.

A presente pesquisa traz uma análise sobre às inovações advindas a partir da vigoração do Novo Código de Processo Civil no que concerne à matéria, tendo em vista que o novo diploma processual trouxe dispositivos que norteiam a exata forma de fundamentar as decisões (artigo 489, §1º e 2º), expondo situações em que a decisão não será considerada fundamentada, o que garante um provimento com maior qualidade.

O problema que norteia o presente trabalho compreende no seguinte questionamento: o dever de motivação das decisões judiciais previsto na CF/88 (artigo 93, inciso IX) ratificado pelas premissas no Novo Código de Processo Civil, condiz com a as perspectivas de consolidação de um processo justo?

O Novo Código de Processo Civil, ao definir hipóteses específicas em que a decisão não será considerada motivada busca resguardar a efetiva aplicação da garantia da fundamentação das decisões no contexto processual, prevista pela constituinte de 1988, colaborando significativamente para a expansão da qualidade das decisões e para a efetivação dos direitos fundamentais, através do processo.

É preciso resguardar o devido processo constitucional, permitindo um maior controle dos atos judiciais através do dever de motivar as decisões judiciais, o que representa um forte instrumento contra a arbitrariedade, contra o subjetivismo e o abuso de poder dos julgadores.

O mesmo diploma processual, objetivando concretizar a aplicação do disposto nos parágrafos 1ª e 2º do artigo 489, cria a possibilidade das partes interpor recurso caso a decisão incorra em qualquer das condutas previstas no mencionado dispositivo (vide artigo 1.022, parágrafo único, inciso II, do Novo Código de Processo Civil).

Para fins de delimitação do tema, como já retratado, o presente trabalho tem por objetivo geral estudar a importante e polêmica novidade implantada pelo novo regramento processual, qual seja a imposição do dever de motivação das decisões judiciais, especificamente o artigo 489 do Novo Código Processual, que traz as hipóteses que uma decisão não será considerada motivada.

Igualmente, tem por objetivos específicos, demostrar a evolução processual civil e sua conexão com a Constituição Federal de 1988, notadamente o novo diploma processual que foi promulgado no atual Estado Constitucional.

Compreender se as alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, especificamente seus artigos 11, 489 e seus parágrafos 1º e 2º, contribui para o provimento de um justo processo.

No trabalho desenvolvido utilizou-se o método dedutivo, com pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, através de doutrina, jurisprudências e julgados.


1. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO CIVIL

A conexão entre o processo civil e a Constituição, acentuada após o segundo pós-guerra, com a constitucionalização e a fundamentalização de várias garantias processuais, conduzindo a uma teoria constitucional do processo, seja no tocante ao alento da análise da matriz constitucional do processo civil, ou seja, no que concerne à nova leitura dos institutos processuais fundamentais.

Sendo o direito processual civil um ramo do direito público, pois, voltado ao estudo da atividade-fim do Poder Judiciário, o exercício da função jurisdicional, evidencia a necessidade de seu estudo dar-se a partir da Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88).

Tem-se que é a Constituição e não as leis que moldam o “ser” (ou melhor, o dever-ser) do Estado brasileiro.

Com isso, o disposto no artigo 1º da Lei 13.256, de 04/02/2016 (Novo Código de Processo Civil), traz à baila a Constitucionalização do Processo Civil, que é uma das características do direito contemporâneo, o qual tem com base principal o chamado neoconstitucionalismo ou póspositivismo.

O artigo 1º do Novo Código de Processo Civil nos revela que, o direito processual civil será ordenado, disciplinado e interpretado à luz da nossa atual Constituição Federal.

Nesses termos, o NCPC, já em seu primeiro artigo, confirma ser um documento processual, constituído à luz da Constituição e de seu modelo único de processo. Conforme expressa redação do referido dispositivo, a hermenêutica (o dever de interpretar e aplicar as normas processuais) será realizado conforme a Constituição de 1988.

Nesse contexto, analisar o modelo constitucional do direito processual civil, não é uma escolha teórica ou filosófica, tampouco uma corrente de pensamento que dependa da adesão deste ou daquele autor, deste ou daquele entendimento jurisprudencial, tendo em vista que, como toda norma constitucional, sua observância é imperativa, sob pena de inconstitucionalidade.

Está é uma das formas de ver o que Konrad Hesse chama de “força normativa da constituição”.

A ideia de um direito processual civil que aplique a teoria dos direitos fundamentais, bem ainda a força normativa da Constituição, é designada por renomados autores, como o Ministro Barroso, de neoconstitucionalismo ou póspositivismo.

O Ministro e Constitucionalista Barroso, na seara deste pensamento ensina que, o neoconstitucionalismo e o consequente processo de constitucionalização dos direitos possuem três marcos fundamentais, que se dividem em:

a) marco histórico: o constitucionalismo pós-guerra marca o surgimento das constituições garantistas, sendo no Brasil representado pela Constituição Federal de 1988;

 b) marco filosófico: consiste na superação do positivismo pelo pós-positivismo jurídico, destacando-se o reconhecimento da normatividade dos princípios;

c) marco teórico: que se subdividem em outras três grandes transformações: i) reconhecimento da força normativa da Constituição; ii) expansão da jurisdição constitucional; iii) o desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional.

Segundo dos Santos, a constitucionalização do direito:

Esta ligada diretamente a expansão normativa constitucional cujo conteúdo material e valorativo se irradia por todo o ordenamento. Por sua vez, os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados pelas normas constitucionais passam a condicionar a validade das normas de todo ordenamento infraconstitucional. (DOS SANTOS, 2016, p. 67)

Já no âmbito processual, seguindo a acepção do neoconstitucionalismo, atualmente se fala em neoprocessualismo.

O neoprocessualismo, considerado como uma quarta evolução histórica do direito processual, consiste no estudo e aplicação do Direito Processual de acordo com o “novo modelo constitucional”.

Também conhecido como “formalismo valorativo”, o neoprocessualismo tem como destaque a relevância dos valores constitucionalmente resguardados na pauta de direitos fundamentais, na construção e na aplicação do formalismo processual.

Com o formalismo processual à luz da constituição, o dever de motivar as decisões judiciais, tema do presente trabalho, visa mostrar a sua real importância no Estado de Direito, com fito de se obter uma decisão justa, participada, democrática, sem subjetivismos e arbítrios por parte dos magistrados.

Tal dever está aliado ao que a doutrina processualista chama de modelo democrático do processo ou de processo democrático, todavia, antes de qualquer análise jurídico-processual do que sejam esses modelos, deve-se discorrer sobre o Estado Democrático de Direito em separado, ainda que brevemente.

1.2. Modelo Democrático de Processo

À luz do Estado (Constitucional) Democrático de Direito, o processo é um instrumento que trata as partes processuais de forma igualitária, equilibrada, sem protagonismos (inibido ser um dos sujeitos melhor, mais importante ou mais sábio que os demais), que compartilha a responsabilidade da resolução do litígio, da demanda judicial, entre outros elementos que demonstram a democratização do processo.

Nesse sentido, ensina o doutrinador Dierle Nunes (2015) que, em uma visão democrática constitucional, podemos asseverar que, não existe entre os sujeitos processuais submissão, mas, sim, interdependência.

Assim, o modelo democrático de processo tem o processo como instrumento comparticipativo, o qual consiste que os sujeitos processuais e juiz devem concorrer, de maneira isonômica, no debate processual, para chegar a uma decisão justa e motivada.

Por outro lado, o modelo democrático de processo tem por objetivo superar a visão de que o processo não é apenas um mero instrumento de jurisdição, mas sim um processo enquanto mecanismo garantístico dos direitos fundamentais das pessoas envolvidas nas demandas judicial.

Objetiva ainda, a preservação da ordem jurídica constitucionalmente estabelecida, vedando desvios e abusos de poder estatal, bem como do poder econômico privado.

O processo democrático fortalece o debate endoprocessual das partes, especialmente garantindo-se a observância dos princípios processuais, com ênfase para o princípio do contraditório, priorizando-se, assim, a cidadania, a democracia, e a soberania popular, bem como assegurando a supremacia da Constituição.

Para Eduardo Rodrigues dos Santos, o modelo constitucional de processo consiste em:

Um modelo processual democrático construído à luz do paradigma do Estado Constitucional Democrático de Direito, estruturando-se a partir de princípios processuais previstos na Carta Magna. Isso decorre da própria essência da Constituição, enquanto documento político-jurídico fundamental, que, dentre outras coisas, estabelece as normas que devem fundamentar e delinear o sistema jurídico infraconstitucional. (DOS SANTOS, 2016, p. 125).

Assim, concluímos que, se os princípios constitucionais processuais previsto no modelo democrático de processo forem todos observados, certamente teremos um processo justo, o qual se chegara uma decisão justa.

1.3. Direito Fundamental ao Processo Justo

A Constituição Federal de 88 no inciso LIV, do artigo 5º indica que “ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Com isso, institui-se o direito fundamental ao processo justo, com destaque no plano internacional como na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, Pacto Internacional relativo aos direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

O justo processo constitui princípio fundamental para organização processual no Estado Constitucional, sendo o modelo exigido para prestação jurisdicional e atuação do Estado-Juiz.

A observância do processo justo é necessária para que os sujeitos processuais obtenha uma decisão justa, e se falando na parte extraprocessual é de suma importância a sua aplicação para a formação dos precedentes.

Dessa forma, o magistrado tem o dever de interpretar e aplicar a legislação processual em conformidade com direito fundamental ao processo justo.

Sobre o tema direito fundamental ao processo justo, os doutrinadores Marinoni, Arenhart e Mitidiero lecionam que:

O Estado Constitucional tem o dever de tutelar de forma efetiva os direitos. Se essa proteção depende do processo, ela só pode ocorrer mediante processo justo. No Estado Constitucional, o processo só pode ser compreendido como o meio pelo qual se tutela os direitos na dimensão da Constituição. O direito ao processo justo visa a assegurar a obtenção de uma decisão justa para as partes e a unidade do Direito para a sociedade civil. Ele é o meio pelo qual se exerce pretensão à justiça (Justizanspruch) e pretensão à tutela jurídica (Rechtsschutzanspruch). Esse é o seu objetivo central dentro do Estado Constitucional. (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2015, p. 542).

Sendo o processo justo um direito fundamental, conclui-se que, a partir do exercício do direito de ação e da provocação da jurisdição em busca do acesso à justiça, o Estado está obrigado a resguardar, durante todo o trâmite da ação, o respeito aos preceitos constitucionais.

Ademais, outro princípio constitucional processual decorrente do devido processo legal, é o do contraditório, também identificado como princípio da bilateralidade da audiência, o qual se encontra positivado na Constituição brasileira, aliado ao princípio da ampla defesa.

O artigo 5º, inciso LV, dispõe que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são garantidos o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Ainda sobre o assunto, ensina José Afonso da Silva que o princípio do contraditório é pressuposto indeclinável para a condução de um processo justo, sem o qual a apreciação judicial é ausente de valor.

Completando a linha de raciocínio sobre tal questão, nos ensinamentos de Edílson Mougenot Bonfim, o contraditório é “uma garantia conferida às partes de que elas efetivamente participarão da formação da convicção do juiz”.

Tem-se, ainda, o princípio da ampla defesa, o que, conforme já mencionado está coadunado com o princípio do contraditório e positivado na Carta Magna de 1998.

Partindo da análise do próprio nome “ampla defesa”, pode-se afirmar que a ampla defesa compreende ser um princípio complexo, o qual estabelece um estado ideal de defesa, garantindo aquele que esteja sendo acusado de algum fato, tem o direito de argumentar e produzir todos os meios de provas admitidos em seu favor.

Por fim, a obrigatoriedade da fundamentação das decisões representa mais uma das garantias de um processo justo. Nesse contexto, uma decisão bem fundamentada e motivada, atendendo os requisitos estipulados no Novo Código de Processo Civil, traz às partes a possibilidade de demonstrar o seu inconformismo com o entendimento do magistrado, utilizando-se dos meios processuais para impugná-la, concretizando assim o justo processo, invocando o princípio do duplo grau de jurisdição.


2. MOTIVAÇÃO E O ARTIGO 489 DO NCPC

Uma das novidades no Novo Código de Processo Civil é a disciplina explícita e detalhada do dever de motivação das decisões judiciais. O novo artigo 489, em especial os seus parágrafos primeiro e segundo, traz um rol exemplificativo daquilo que deve constar numa decisão para que ela seja considerada suficientemente motivada.

As hipóteses descritas nos incisos do art. 489, § 1°, do NCPC são exemplificativas[2], vez que elas visam a concretizar um direito fundamental, qual seja o direito à motivação das decisões judiciais (artigo 93, inciso IX, da CF/88), assim, o rol não poderia, por isso, ser considerado taxativo.

Isso significa que há outras situações em que a decisão, a despeito de conter motivação, considera-se não fundamentada.

Dessa forma, superado a importância de se ter o dever de motivar as decisões como uma regra jurídica e não um princípio, em seguida, será apresentado um rol exemplificativo, de hipóteses que levam a uma decisão não fundamentada.

2.1. Indicação, reprodução ou paráfrase de ato normativo sem explicar a sua relação com a causa ou com a questão decidida.

Defendeu-se no segundo capítulo deste trabalho, com base nas ideias apresentadas por Humberto Ávila (2010) que, um dos critérios a se utilizar para distinção entre princípios e regras é a “natureza da justificação exigida”.

Quer dizer que, a tomada de decisões com fundamento em regras limita-se a demostrar “a correspondência da construção factual à descrição normativa e à finalidade que lhe dá suporte”, o que provoca um reduzido ônus argumentativo.

Por outro lado, para a aplicação dos princípios, Humberto Ávila (2010) afirma que, deve-se “argumentar de modo a fundamentar uma avaliação de correlação entre os efeitos da conduta a ser adotada e a realização gradual do estado de coisas exigido”.

De fato, a aplicação de uma regra independe de qualquer justificação material quanto ao seu conteúdo ou ao resultado por ela estabelecida, vez que ambos foram escolhas democraticamente realizadas pelos legisladores.

Podemos tomar como exemplo o artigo 903, § 4º, do Novo Código de Processo Civil, o qual preconiza que, uma vez expedida carta de arrematação, a invalidade da arrematação somente poderá ser objeto de discussão em ação autônoma, assim o Juiz não precisa justificar a justiça da decisão que indefere o pedido de invalidade quando formulado nos próprios autos de execução.

Importante salientar que, a desnecessidade de justificação do conteúdo do ato normativo, não pode ser confundido com a falta de demonstração de que os fatos alegados e provados nos autos estão correlacionados ao suporte fático estabelecido pelo legislador.

Ainda que o juiz não precise defender a justiça da regra, este deve necessariamente justificar a sua incidência ao caso concreto. Como no exemplo acima apresentado, não basta que o juiz indefira o pedido utilizando-se da expressão “nos termos do artigo 903, § 4º, do Novo Código de Processo Civil”.

A motivação da decisão deve demostrar que, no caso em que está sendo analisado deve incidir a regra estabelecida no artigo 903, § 4º, do NCPC, pois houve um pedido de invalidação da arrematação formulado na própria execução e não em autos apartados como se exige o norma jurídica acima citada.

A finalidade do artigo 489, §1º, do Novo Código de Processo Civil é bastante simples, porém de grande valia, pois trata-se de um desdobramento inequívoco do dever de concretude[3], submetendo o magistrado a apresentar razões jurídicas efetivamente relacionadas ao caso concreto.

2.2. Emprego de conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência ao caso

O inciso I do artigo 489, §1º do Novo Código de Processo Civil impõe que o magistrado demonstre a correlação dos fatos com suporte fático do ato normativo, já o inciso II, exige a justificação da utilização de conceitos jurídicos indeterminados[4].

Com o mesmo propósito específico de realização da concretude, o mencionado dispositivo procura eliminar decisões baseadas em razões lacônicas e genéricas, sem que haja relação específica com o caso concreto.

Tem-se que a utilização de conceitos jurídicos indeterminados proliferou-se nas últimas décadas, podendo tomar, por exemplo, dois diplomas jurídicos (Código Civil e o Novo Código de Processo Civil), que contêm diversos conceitos jurídicos indeterminados, senão, vejamos: “boa-fé” (artigo 113do CC); “falta grave no cumprimento de suas obrigações” (artigo 1.030 do CC); “perigo de dano” (artigo 300 do NCPC; “risco ao resultado útil do processo” (artigo 300 do NCPC); “preço vil” (artigo 891 do NCPC); “repercussão geral” (artigo 979, §3º, do NCPC, dentre outros); “dúvida razoável” (artigo 311 do NCPC); “má-fé” (artigo 79 e artigo 80, ambos do NCPC); “proceder de modo temerário” (artigo 80, inciso V, do NCPC); “tempo razoável” (artigo 6º e artigo 866, §1º, ambos no NCPC); “prazo razoável” (artigos 4º, 76 e 567, todos do NCPC).

Se por um lado os conceitos jurídicos indeterminados proporcionam decisões mais adequadas e efetivas, de outro exige do juiz o ônus argumentativo de explicar as razões da incidência daquela expressão ou palavra aberta no caso concreto, justificando racionalmente a decisão proferida.

Por isso não basta, por exemplo, que o magistrado fundamente o indeferimento do pedido de tutela de urgência, porque “não restou demonstrado o perigo de dano” (artigo 300 do NCPC). A decisão interlocutória deve demostrar de forma clara, coerente e concreta o motivo de que os fatos alegados pela parte não configuram “perigo de dano”.

2.3. Apresentação de motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão

O inciso III, do § 1º, do art. 489 do Novo Código de Processo Civil, traz vedação à simples utilização de motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão, buscando reprimir a utilização de fundamentação-padrão, que pode ser empregada em diversas situações.

A utilização de motivos genéricos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão era prática corriqueira na vigência do Código de Processo Civil de 1973.

As decisões relativas a pedidos de tutela antecipada que, após várias citações doutrinárias desnecessárias e considerações vagas sobre o conceito de fumus boni iures e periculum in mora, concluíam a “motivação” com um lacônico “não estão preenchidos, porém, os requisitos legais para concessão da medida pugnada nos presentes autos” ou “não restou demostrada a verossimilhança das alegações do autor”.

O julgador tem necessariamente que expor os motivos que o levou a entender que estão presentes ou ausentes os pressupostos para a concessão ou denegação da tutela provisória, tem que dizer de que modo as provas confirmam os fatos alegados pelo autor e também porque as provas produzidas pela parte contrária não o convenceram.

Para Daniel Amorim (2016, p.281) “Essa forma de decidir não permite sequer que as partes tenham a segurança de que o juiz leu o pedido, porque ela simplesmente não responde a seus argumentos”.

Com isso, para erradicar à utilização indiscriminada dessas decisões “modelo” que nitidamente deixavam de enfrentar as alegações fáticas e jurídicas específicas do caso em julgamento, o legislador incluiu o inciso III ao artigo 489, §1º, novo diploma processual civil.

Entende o doutrinador Daniel Amorim (2016) que, quanto às demandas repetitivas, não seria racional exigir que o magistrado utilize de diversas fundamentações para decidir a exata mesma questão de direito. Nesse caso, não há de se falar em ofensa ao artigo 489, §1º, inciso III, do Novo Código de Processo Civil.

2.4. Ausência de enfrentamento de todos os argumentos capazes de, em tese, infirmar a conclusão obtida

Considerado como o mais importante de todos os incisos do artigo 489, §1, do NCPC que dispõe: “não será considerada fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acordão, que: IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.

O dever de motivação só tem razão de ser se o Estado-Juiz for forçado a tratar de todos os pontos e questões arguidas no curso do processo, afastando todas as alegações fáticas e jurídicas da parte vencida no provimento jurisdicional.

O juiz tem o dever de enfrentar as alegações das partes e contrastá-las com o caso concreto e a legislação, essencialmente aquelas que levariam a uma conclusão diversa

Segundo Rodrigo Ramina (2016, p. 240), a motivação deve ser completa, e somente será considerada completa quando: “(a) forem apresentadas as razões fáticas e jurídicas que justificam o dispositivo e (b) forem expressamente afastadas todas as alegações fáticas e jurídicas da parte sucumbente.”

O referido inciso tem por fim retirar do juiz o poder de escolher os argumentos que quer enfrentar, deixando de ser relevante no processo apenas aquilo que o magistrado arbitrariamente julga ser digno de consideração. É o ocorre quando o magistrado se limita a reportar-se as provas que confirmam sua conclusão, desconsiderando as demais, como se fosse possível uma espécie de seleção artificial e caprichosa em matéria probatória[5].

Para NEVES (2016, p. 283) nos termos do dispositivo: “é possível concluir que a partir do advento do Novo Código de Processo Civil não bastará ao juiz enfrentar as causas de pedir e fundamentos de defesa, mas todos os argumentos que os embasam”.

Vislumbra-se que o dispositivo traz uma consequência prática de grande valia, pois sai de um sistema de motivações de decisões judiciais de fundamentação suficiente para um sistema de fundamentação exauriente.

Segundo NEVES (2016), atualmente existe duas técnicas dessemelhantes de fundamentações das decisões judiciais, quais sejam: exauriente/completa e suficiente. Senão, vejamos:

Há duas técnicas distintas de fundamentação das decisões judiciais: exauriente (ou completa) e suficiente. Na fundamentação exauriente, o juiz é obrigado a enfrentar todas as alegações das partes, enquanto na fundamentação suficiente basta que enfrente e decida todas as causas de pedir do autor e todos os fundamentos de defesa do réu. Como cada causa de pedir e cada fundamento de defesa podem ser baseados em várias alegações, na fundamentação suficiente o juiz não é obrigado a enfrentar todas elas, desde que justifique o acolhimento ou a rejeição da causa de pedir ou do fundamento de defesa. (NEVES, 2016, p. 282).

A jurisprudência pacífica no Superior Tribunal de Justiça (STJ)[6] entende que o direito brasileiro adota a técnica da fundamentação suficiente, afirmando que não é obrigação do magistrado afastar todas as alegações apresentadas pelas partes, bastando ter motivos suficientes para embasar sua fundamentação.

No entanto, tal entendimento já está superado, vez que contraria expressamente o inciso ora analisado, tendo em vista que passa a ser relevante tudo o que poderia levar a um resultado diferente daquele que foi obtido.

2.5. Invocar precedente ou enunciado de súmula sem identificar sua ratio decidendi nem demostrar que o caso em julgamento se ajusta aos mesmos fundamentos

O inciso V, do artigo 489, §1º, exige racionalidade no uso de precedentes pelo julgador, buscando impedir a citação indiscriminada de emendas de julgados que muitas vezes são impertinentes ao caso concreto.

Não basta que o decisor mencione precedente ou enunciado de súmula, pois este deve justificar sua aplicação ao caso que está julgando, demostrando assim a correlação entre os fundamentos do julgado consagrado e as circunstância do caso concreto.

Para DIDIER:

A simples referência a precedentes ou a enunciados de súmula, ou a mera transcrição do seu conteúdo ou da ementa do julgado, não é suficiente para que se diga justificada uma decisão. É preciso - e exigível - que, ao aplicar ou deixar de aplicar um precedente, o órgão jurisdicional avalie, de modo explícito, a pertinência da sua aplicação ao caso concreto, contrapondo as circunstâncias de fato envolvi das aqui e ali e verifique se a tese jurídica adotada outrora é adequada para o caso em julgamento. (DIDIER, 2015, p. 338).

O método de contraposição entre o caso concreto e o caso em que ensejou o precedente, foi nomeado como distinção, distinguishing ou distinguish, o qual deve ser realizado expressamente na fundamentação[7].

Sendo assim, a invocação de precedentes não poderá ser feita sem que esteja acompanhada de um juízo analítico quanto à confrontação da sua ratio decidendi ao caso concreto.

Ademais, verifica-se que o inciso V é muito parecido com o inciso I, pois enquanto este impõe concretude na invocação de enunciados normativos, o outro exige concretude na invocação de precedentes judiciais.

Ora, de nada adianta o julgador proferir uma decisão abarrotada de supostos precedentes judiciais, sem que este demostre que as razões jurídicas apresentadas naquele caso refletem igualmente no caso em julgamento.

Cumpre ao decisor interpretar o precedente para verificar a adequação do caso concreto à sua ratio decidendi.

A não realização da distinção por meio do método de contraposição em casos tais implica ausência de motivação e por consequência a invalidade da decisão, tornando-a uma decisão imotivada.

2.6. Inobservância de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento jurisprudencial

Este dispositivo faz uma complementação do anterior, tendo em vista que, se para aplicar um precedente ou uma súmula, o julgador deve demostrar que os fatos sobre os quais se construiu sua ratio decidendi são equivalentes àqueles que animam o paradigma, para deixar de aplicá-los (súmula, jurisprudência ou precedente) também lhe é exigível que faça a distinção, expondo as diferenças fáticas que, no seu entendimento, justificam a não aplicação no caso concreto, ou que informe a superação (overruling ou overriding) do precedente invocado.

Cumpre mencionar que o inciso VI, do artigo 489, §1º do NCPC recebe críticas de grande parte da doutrina, pois a utilização do termo jurisprudência adjunto a súmula e precedente não deveria ocorrer, pois não se pode confundir a abstração e generalidade da jurisprudência com a especificidade e individualização da súmula e do precedente.

Outra crítica, trazida pelo doutrinador DE LUCCA (2016) é que, a redação do dispositivo aparentemente atribui eficácia vinculante a todos os precedentes judiciais, o que não se compatibiliza com o sistema processual do NCPC.

Entretanto, trata-se de um importante complemento ao inciso IV, do artigo 489, §1º, vez que contribui para efetivação do dever de completude.

Segundo o Enunciado 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), “O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa”.

Assim, se o julgador demonstrar a distinção ou superação da súmula, “jurisprudência” ou precedente invocado por um dos sujeitos processuais, não há de se falar em nulidade da decisão.

Será demostrado a distinção (distinguishing) quando o juiz justificar a dissemelhança do caso concreto com aqueles que levaram os tribunais a editarem as súmulas ou criarem os precedentes, impondo ao magistrado a necessidade de fazer uma comparação analítica entre o caso concreto e o precedente ou súmula, em razão de uma determinada situação.

Lado outro, será demostrado a superação (overruling) quando o julgador evidenciar que o entendimento consagrado na súmula e no precedente está superado.


3. PONDERAÇÃO ENTRE NORMAS

Finalmente, o artigo 489, §2º, do Novo Código de Processo Civil, condiciona a validade da decisão judicial à efetiva e concreta justificação dos critérios utilizados pelo decisor para a realização de ponderação entre normas, apresentando as razões que o levou à prevalência de uma norma sobre a outra.

O legislador teve cautela de se referir a ponderação “entre normas”, ao invés de ponderação entre princípios, pois tem como objetivo englobar a ponderação entre regras e princípios. Segundo doutrinador Rodrigo Ramina De Lucca:

Trata-se de hipótese excepcionalíssima, aceita nas raríssimas ocasiões em que, concomitantemente, (i) a aplicação da regra deixa de atender a finalidade pretendida pelo legislador e (ii) a prevalência do princípio não gera absolutamente nenhuma insegurança jurídica. (DE LUCCA, 2016, p. 242).

O artigo 489, §2º, trata de uma extensão considerável da proposta clássica de ponderação, estando mais adequada ao estágio atual do Direito.

Sobre a extensão do tratamento da ponderação, emerge na doutrina de Humberto Ávila, o qual expos o entendimento de que regras também conflitam, não apenas no nível de validade, mas no de aplicação.

Para ÁVILA (2014), as regras estão sujeitas à “ponderação de razões”, pois em certos casos “o modo de aplicação da regra, portanto, não está totalmente condicionado pela descrição do comportamento, mas que depende do sopesamento de circunstâncias e argumentos.

O referido dispositivo também exige a elucidação dos “critérios gerais de ponderação efetuada”. Com essa determinação, sufoca-se o pendor à arbitrariedade. Torna-se uma obrigação do juiz esclarecer qual critério utilizou, não bastando apenas dizer que aplicou o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Em seguida, o dispositivo exige que o decisor enuncie “as razões que autorizam a interferência da norma afastada”. Assim, espera uma motivação para não aplicar determinada norma.

Lado outro, em que pese este trecho do dispositivo exija fundamentação para afastar uma norma, evidentemente a decisão deve apresentar as razões que justificam a prevalência da norma que não foi afastada e que será aplicada no caso concreto.

Nessa diapasão Fredie Didier ensina:

Como quer que seja, o importante é que, qualquer que seja a técnica utilizada para superar o conflito normativo, ela exige do juiz uma justificação. Não basta dizer, por exemplo, que uma regra constitui exceção do que diz a outra, ou que, no caso concreto, um determinado princípio deve prevalecer sobre o outro. É preciso que se justifique, no caso da regra excepcional, por que se trata de exceção – e não, por exemplo, de revogação; no caso do princípio, por que o caso concreto exige a aplicação de um, e não de outro. (DIDIER JR., 2015, p. 325).

Tem-se, ainda, que o dispositivo refere-se às “premissas fáticas que fundamentam a conclusão. Neste ponto, o dispositivo enfatiza as premissas fáticas, especialmente porque a distribuição dinâmica da prova no decorrer do processo pode mover as premissas e modificar consideravelmente o resultado da ponderação. Ademais, insta salientar a importância dos postulados normativos, quanto normas metódicas[8].

Sobre a o uso dos postulados normativos no caso de colisão de normas de que refere o §2º, do art. 489, do NCPC, MARINONI, ARENNHART E MITIDIERO preconizam que:

Frequentemente, porém, pode ocorrer de dois ou mais princípios colidirem e imporem soluções diferentes para um mesmo problema jurídico. Nesse caso, é preciso concretizar os princípios jurídicos com níveis diferentes de intensidade com o auxílio de outras normas – mediante a utilização de postulados normativos. Os princípios são aplicados concomitantemente – apenas em graus diferentes. Portanto, para correta aplicação dos princípios jurídicos em juízo é necessário em primeiro lugar identificar quais são as finalidades que esses impõem e qual é a colisão existente. Em segundo lugar, é preciso identificar qual é o postulado mais adequado para solução da colisão principiológica – escolha essa que obviamente exige justificação – e de que maneira este postulado leva à solução do problema posto em juízo – o que evidentemente também demanda justificação própria por parte do intérprete (art. 489, §1º e 2º). (MARINONI; ARENNHART; MITIDIERO, 2015, p. 513-514).

Assim, objetiva o códex acabar com decisões lacônicas e abstratas que impedem as partes e seus procuradores de compreenderem a razão de uma norma ter sido aplicada em detrimento com a outra.

Conforme já mencionado o dever de motivar as decisões judiciais (artigo 93, inciso IX e artigo 11 do NCPC), cominado com artigo 489, §1º e §2º do NCPC tem papel fundamental para a garantia de um processo justo, uma vez que, se o julgador deixar de observar essas regras jurídicas, estaremos diante de uma decisão não fundamentada.


4. CONCLUSÃO

Conforme proposto, a pesquisa fez abordagem do tema: o dever de motivação das decisões judiciais no Novo Código de Processo Civil. A problemática do trabalho teve por objetivo compreender se a garantia do dever de motivação das decisões judiciais previsto na CF/88 (artigo 93, inciso IX) ratificado pelas premissas no Novo Código de Processo Civil, condizia com a as perspectivas de consolidação de um processo justo.

Assim, por todo exposto, passamos a apresentação dos resultados obtidos a partir da pesquisa realizada.

Inicialmente fora levantada a questão da constitucionalização do processo civil, que acentuou-se após o segundo pós guerra, com a constitucionalização e a fundamentalização de várias garantias processuais, conduzindo a uma teoria constitucional do processo.

Nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil, logo em seu primeiro dispositivo preocupou-se em deixar explícito que o códex será ordenado, disciplinado e interpretado à luz da nossa atual Constituição Federal, estabelecendo um modelo democrático de processo.

O modelo democrático de processo tem por objetivo superar a visão de que o processo não é apenas um mero instrumento de jurisdição, mas sim um processo enquanto mecanismo garantístico dos direitos fundamentais das pessoas envolvidas nas demandas judicial.

Explanou-se, ainda, sobre o direito fundamental a um processo justo, inerente ao atual Estado Constitucional em que vivemos, o qual visa assegurar a obtenção de uma decisão justa para partes e a unidade do Direito para sociedade civil, proporcionando à aplicação dos direitos processuais constitucionais.

De logo, podemos ver que o Novo Código de Processo civil busca assegurar a aplicação dos princípios processuais previstos na constituição, proporcionando aos jurisdicionados um processo justo.

Posteriormente, a pesquisa avança para o início dos estudos do tema central, conceituando o dever de motivação, demonstrando ainda a importância de sua aplicação na concretização de um processo justo.

Verificou-se que a motivação das decisões judiciais possuí intima relação com o Estado (Constitucional) Democrático de Direito, com a segurança jurídica e com o devido processo legal, o que não poderia ser diferente.

Positivado no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal, e ratificado pelo artigo 11 do Novo Código de Processo Civil, observou-se que o dever de motivação das decisões judiciais consiste numa garantia essencial à noção de uma decisão justa, vez que tal dever exige do julgador que este demonstre de forma racional os fundamentos de fato e de direito que o levou a decidir certa demanda e de determinada maneira.

Sobreveio, ainda, que a motivação é um direito dos jurisdicionados, posto que, no processo democrático, o litigante tem o direito subjetivo de cooperar com formação do provimento judicial e de exigir que sua participação seja observada no ato de formação do litígio, compondo expediente necessário para o controle da regularidade e legitimidade do exercício dos deveres do juiz natural, coibindo abusos e ilegalidades por parte deste.

Além da regra contida, tanto na Constituição Federal (artigo 93, inciso IX), quanto no Novo Código de Processo Civil (artigo 11), verificou-se que o novo diploma processual estipulou hipóteses em que uma decisão não será considerada fundamentada.

A pesquisa demostrou ainda que as hipóteses descritas nos incisos do art. 489, § 1°, do NCPC são exemplificativas, vez que visam concretizar um direito fundamental, qual seja o direito à motivação das decisões judiciais (artigo 93, inciso IX, da CF/88), assim, o rol não poderá ser considerado taxativo.

Assim, podemos concluir com base nos estudos e questões acima apresentadas, que o dever de motivação das decisões judiciais consubstanciado pelas novas regras estipuladas pelo Novo Código de Processo Civil, consolida a perspectiva de um processo justo, fortalecendo o modelo constitucional de processo.


5. REFERÊNCIAS

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BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 10.ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

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BRASIL. Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 2016. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 26 Jul. 2016.

DE LUCCA, Rodrigo Ramina. O Dever de Motivação das Decisões Judiciais: Estado de Direito, segurança jurídica e teoria dos precedentes. 2.ed. Salvador: Juspodivm.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 10.ed. Salvador: Juspodivm, 2015. 2.vol.

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THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Volume I. 56.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.


Notas

[2] Nesse sentido, o enunciado de nº 303 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “As hipóteses descritas nos incisos do § 1º do art. 489 são exemplificativas”.

[3] Se o dever de completude exige que o julgador, além de expor as razões fáticas e jurídicas que fundamentam a sua decisão, enfrente e afaste todas as alegações fáticas e jurídicas da parte sucumbente, o dever de concretude impõe de um lado, (i) que o enfrentamento de tais alegações seja concreto, e não lacônico, e, de outro, (ii) que todas as razões apresentadas na decisão estejam amparadas (suportadas) em fatos e documentos constantes nos autos ou razões extraídas do ordenamento jurídico. O dever de concretude, portanto, é um complemento ao dever de completude, estabelecendo como a decisão deve ser motivada. (DE LUCCA, 2016, p. 231-232).

[4] Conceitos jurídicos indeterminados são “aqueles compostos por termos vagos, de acepção aberta, que, por isso mesmo, exigem um cuidado maior do intérprete/aplicador quando do preenchimento do seu sentido”. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 330).

[5] “Nula é a sentença que, julgando improcedente a ação, abstém-se de examinar um dos fundamentos, apresentado como causa de pedir” (STJ, 3ª T., REsp 14.825/PR, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, ac. 11.11.1991, DJU 02.12.1991, p. 17.539).

[6] “Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso de forma suficientemente fundamentada” (STJ - AgRg no AREsp: 511979 SC 2014/0103686-4, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 18/06/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/06/2014).

[7] O distinguishing é um método de confronto, “pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma”. Sendo assim, pode-se utilizar o termo “distinguish” em duas acepções: (i) para designar o método de comparação entre o caso concreto e o paradigma (distinguish-método); (ii) e para designar o resultado desse confronto, nos casos em que se concluir haver entre eles alguma diferença (distinguish-resultado). (DIDIER, 2015, p. 339).

[8] Os postulados normativos aplicativos são normas imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto da aplicação. Assim, qualificam-se como normas sobre a aplicação de outras normas, isto é, como metanormas. Daí se dizer que se qualificam como normas de segundo grau. Nesse sentido, sempre que está diante de um postulado normativo, há uma diretriz, metódica que se dirige ao intérprete relativamente à interpretação de outras normas. Por trás dos postulados, há sempre outras normas que estão sendo aplicadas. (ÁVILA, 2005, p. 134).


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