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O uso do meio eletrônico na comunicação de atos processuais penais

O uso do meio eletrônico na comunicação de atos processuais penais

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Que o Direito Processual Penal Moderno, adequando-se à Era da Informatização Processual, traz significativos avanços à celeridade das comunicações, disso não há dúvidas. Mas até que ponto a substituição da figura humana do Juiz, que tem perspicácia e é capaz de sentir humanamente o que a máquina não possui o condão de realizar, será realmente eficaz? Saiba um pouco mais sobre essas reflexões, à luz da Lei 11.419/2006.

RESUMO:A Lei 11.419/2006 dispõe sobre a informatização do processo judicial e estabelece diretrizes básicas impostas a todas as instâncias judiciais do país, atingindo todos os graus de jurisdição. A virtualização do processo, embora prevista com caráter autorizativo, tende a tornar-se obrigatória diante da necessidade de evolução tecnológica do judiciário. A aplicação do meio eletrônico no processo penal, em específico, ainda está permeada pela preocupação quanto à garantia de segurança e exatidão na comunicação dos atos processuais.

Palavras-chave: Meio eletrônico. Direito Processual Penal. Comunicação. Tramitação.

ABSTRACT:The law 11.419/2006 provides for the modernization of the judicial process and indicates basic guidelines imposed on all the country judicial levels, reaching all levels of jurisdiction. Virtualization of the process, although foreseen with an authorizing nature, tends to become mandatory showing the need for the judiciary technological evolution. The electronic using in the criminal process, in particular, still permeating by the concern about the guarantee of security and accuracy in the communication of procedural acts.

Keywords: Electronic medium. Criminal Procedural Law. Communication. Procedure.


1 INTRODUÇÃO

O impacto que a tecnologia provoca no processo é notado com maior intensidade na última década. O mundo contemporâneo é caracterizado pela maior agilidade e flexibilidade das relações. Considerando o direito como fenômeno e fato social, é imperioso compreender a análise do direito adaptado aos serviços do meio eletrônico, bem como o modo que a realidade jurídica é influenciada pela sociedade pós-industrial.

A tecnologia possibilita ao Direito maior celeridade processual, a mobilidade proporcionada inaugura uma ordem procedimental em que o conceito de estação de trabalho é fragmentado, permitindo-se o acompanhamento do processo em qualquer lugar do país e do mundo. Ressalta-se, também, a redução de custos para os tribunais, já que o armazenamento e compra do papel diminuem significativamente.

A falta de familiarização com as inovações tecnológicas causa perplexidade em alguns operadores do direito, reforça a necessidade de adaptação com enfoque em fatos como segurança na tecnologia de informação e armazenamento de dados.

Válido ainda, definir o objeto do presente trabalho, qual seja, a análise do histórico, legislações e do direito comparado pertinente ao tema, bem como a comunicação virtual dos atos judiciais no âmbito do direito processual penal.


2 HISTÓRICO, LEGISLAÇÃO E DIREITO COMPARADO

O surgimento da internet doméstica no Brasil, e a conseqüente ampliação do seu uso, em meados da década de 90, facilitaram o compartilhamento de informações pessoais e empresariais que tramitavam pela rede. Desse modo, o que antes era restrito à esfera institucional, hoje atinge todas as áreas de conhecimento, inclusive a do Direito.

O Direito Processual moderno caminha no sentido de evoluir conforme as inovações tecnológicas, a fim de dinamizar o curso do processo. O princípio processual originário, qual seja, o da oralidade, abriu espaço à fórmula escrita. Surgiu, posteriormente, a máquina de escrever, peça que hoje se tornou obsoleta pelo aparecimento do computador. Nesse sentido, são as palavras do professor e Juiz de Direito José Eulálio Figueiredo de Almeida [1]:

A informática atualmente reina absoluta como ferramenta indispensável na tramitação de processos judiciais pela multiplicidade de tarefas que pode desenvolver. É uma espécie de minotauro moderno que exige de todos nós seu completo domínio, sob pena de sermos engolidos pela tecnologia que disponibiliza e ficarmos excluídos não só do acesso ao Judiciário e à Justiça, mas especialmente do mundo.

Imperioso atestar, contudo, que o advento da informática na tramitação de processos judiciais não significa que o princípio da oralidade deixou de receber o merecido respaldo, tendo em vista sua notável importância no contexto dos Juizados Especiais. Desse modo, convive hoje, em perfeita harmonia com o sistema processual da escrita.

O aparecimento da informática, em dado contexto, surgiu como ferramenta complementar na prática dos atos processuais, embora não tenha desfeito o formato dos procedimentos estabelecidos pelas leis dos processos. Do contrário, foi responsável por trazer celeridade à prestação jurisdicional, de modo a garantir maior transparência da tramitação processual e ampliar o acesso a um número significativo de usuários.[2]

Ao falar do uso do meio eletrônico na comunicação e na tramitação dos atos processuais penais, torna-se inevitável mencionar o surgimento da Lei 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. Estabelece, pois, diretrizes básicas impostas a todas as instâncias judiciais do País, atingindo todos os graus de jurisdição nos processos civil, penal e trabalhista.

Mencionado dispositivo legal estabelece, de início, caráter meramente autorizativo quanto ao uso do processo eletrônico pelos tribunais. Contudo, entende Alexandre Atheniense (2010) que esta é uma tendência que, em breve, se tornará obrigatória, frente à necessidade de evolução tecnológica do judiciário e, principalmente, pela sua dificuldade em absorver a crescente demanda pela prestação jurisdicional.

O fenômeno da virtualização dos processos, conforme preleciona o autor Tapscott[3], pode ser dividido em três fases. Em relação ao Judiciário brasileiro, podemos relacionar a primeira fase com o início do uso de dispositivos e eletrônicos pelos juízes e serventuários, em que se destacam os processadores de texto, planilhas eletrônicas e bancos de dados pessoais. A segunda fase, por sua vez, seria marcada pelo desenvolvimento de sistemas de controle de andamento processual, momento em que passa a ocorrer, por exemplo, a publicação de atos e decisões por meio eletrônica.

Finalmente, a terceira etapa corresponde a virtualização do processo judicial, que corresponde ao chamado processo eletrônico. É meta que ainda precisa ser adotada, a fim de que os atos processuais sejam representados por meio de bits, em um sistema informatizado que garanta maior celeridade e eficiência na prestação jurisdicional.

O Brasil, hoje, passa por uma fase de transição, visando adaptar-se ao contexto de informatização não apenas do Judiciário, com enfoque exclusivo na solução de problemas administrativos, mas, sobretudo, da informatização da Justiça. O fator determinante para tanto é, justamente, a entrada em vigor da Lei 11.419/2006.

            É forçoso ressaltar, contudo, que a utilização do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais e na comunicação de atos não se trata, propriamente, de uma novidade na legislação brasileira.

            Em 1991, surgiu em lei a primeira iniciativa para validar a utilização de dispositivos eletrônicos para prática de atos processuais, por intermédio do artigo 58, inciso IV da Lei do Inquilinato. Passou-se a permitir o uso de telex ou do fac-símile[4] para realização de citação, intimação ou notificação de pessoas jurídica ou firma individual.

            O marco inicial que, de fato, representou a admissão da via eletrônica como meio hábil para a remessa de peças processuais, foi o advento da Lei 9.800/99, a chamada Lei do Fax. Contudo, ainda foi pouca a contribuição para um verdadeiro processo eletrônico, uma vez que restringia o uso da utilização de sistema de transmissão dados para prática de atos processuais que dependessem de petição escrita.

            A Lei 10.259/01, ao instituir os Juizados Especiais Federais, possibilitou a prática dos atos processuais de forma totalmente eletrônica, tornando-se desnecessária a apresentação posterior dos originais. Foi no Juizado Especial Federal do Rio Grande do Sul que foi implantado o E-proc, que consistia em sistemas de gerenciamento processual sem papel. A partir de então, todos os atos processuais passaram a ser realizados em meio digital, desde a petição inicial até o arquivamento.

            No mesmo ano de 2001, surgiram a Medida Provisória nº 2.200/01 e a Lei 10.358/01, que serão devidamente comentadas no decorrer do presente trabalho. Em 2006, a Lei 11. 341, alterou o CPC para trazer validade àqueles recursos fundados em divergências jurisprudencial que tivessem como meio de prova a reprodução de julgados disponíveis na Internet, desde que devidamente citada a fonte.

            Meses depois, introduziu-se a Lei 11.382/06, responsável por modificar o processo de execução cível a partir dos institutos da penhora e do leilão on-line (art. 655-A e art. 689-A, respectivamente).

            Foi em 19 de dezembro de 2006 que se sancionou, finalmente, a Lei 11.419/06. Dada sua importância no contexto da informatização do processual judicial e sua condição de marco regulatório no uso de meios eletrônico no âmbito do direito processual, imperioso se faz discorrer sobre seu histórico de criação e os caminhos pelos quais percorreu até atingir sua atual redação.

            A Lei 11.419/06 foi sancionada em 19 de dezembro de 2006. Sua origem advém do ofício 174, de 13.08.2001, que foi encaminhado pela Associação dos Juizados Federais do Brasil (Ajufe).  A sugestão da Ajufe foi recebida em Plenário em 04.12.2001, como Projeto de Lei (PL) 5.828/01. O relator, Deputado José Roberto Batochio, apresentou parecer pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, que foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação (CCJR). Em 19.06.2002, o Plenário aprovou a redação final.

            A Comissão de Informática da OAB/SP, contudo, entendeu que o projeto precisava de alguns reparos, à medida que possuía equívocos jurídicos e tecnológicos. Ocorre que a redação inicial da PL 5.828 continha como forma de identificação inequívoca do jurisdicionado, e aqui se inclui o advogado, apenas a hipótese de cadastramento perante o Poder Judiciário, a partir do fornecimento de uma assinatura eletrônica não certificada, ou seja, a partir de senhas. A Ajufe manifestou-se em sentido contrário, negando que o projeto de Informatização do Processo Judicial representasse qualquer violação à autonomia do advogado ou riscos à segurança jurídica.

            A partir de sua remessa ao Senado, o Projeto recebeu o número de PLC 71/02. Originalmente, o Senador Osmar Dias foi designado como relator, que, em parecer, opinou pela aprovação com substitutivo. Vários dispositivos, conforme seu entendimento, continham o vício da inconstitucionalidade, à medida que determinavam a órgãos do Poder Judiciário atos de natureza administrativa. Ademais, entendeu que o projeto falhou ao determinar, taxativamente, que intimações pessoais serão realizadas por meio eletrônico e, em especial, que não pode um projeto dessa natureza fugir da realidade do País ao obrigar sua implantação quase que imediata em todos os seus tribunais.

            Diante das críticas acima citadas, a Ajufe manteve a postura de que permanecesse o projeto original, emendado com o substitutivo do Senador Osmar Dias, sob o argumento de que definir em lei qual seria a única tecnologia aceitável, além de interferir em esfera pertinente ao judiciário, burocratiza a informatização, impede a implementação imediata da lei e inviabiliza a evolução tecnológica futura (DOMINGUES, Paulo Sérgio)[5].

            Conforme registros do Senado Federal, constatou-se que o substitutivo apresentado pelo Senador Osmar Dias – PLC 71/02), não foi sequer autuado à tramitação da PL 5828, o que acarretou a prevalência da nova redação, apresentada, posteriormente, pela Senadora Serys.

            A partir daí, surgiram significativas alterações, tendo em vista que o espectro do projeto de lei passou a ousar na criação de novas práticas processuais, a exemplo de comunicações eletrônicas, tramitação dos autos em formato integralmente digital e arquivamento dos autos digitais.

            Incluiu-se no texto, ainda, a utilização da assinatura digital baseada em Certificado Digital emitido por Autoridade Certificadora, para fins de identificação, além das senhas. A nova peça passou, portanto, a contemplar, efetivamente, a comunicação de atos, tramitação integral de autos e armazenamento digital do processo.

            As alterações sugeridas restringiram-se às técnicas de redação legislativa. A redação final do projeto foi votada no plenário da Câmara no dia 30.11.2006 e aprovada na mesma data. Seguiu-se, então, a sanção presidencial. O projeto recebeu a sanção, mas com veto parcial do Presidente da República. Desta feita, foram vetados o §4º do artigo 11, §3º do art. 13, o artigo 17, parágrafo único do artigo 154 da Lei 5.868 de 1973- Código de Processo Civil, alterado pelo artigo 20 do Projeto de Lei e o artigo 21.

            Após mencionar o histórico de criação da Lei 11.419/06, faz-se mister  ressaltar a legislação correlata que, ao longo dos anos, regulou a informatização processual brasileira. Citar-se-á, portanto, a Lei 9.800/99, Lei 10.259/2001, Lei 10.358/01, Medida Provisória 2.200-1/01, Lei 11.280/06, Lei 11.341/06 e Lei 11.382/06.

            A Lei 9.800/99, considerada marco inicial da informatização processual brasileira, preceituou a transmissão de atos processuais que dependam da petição escrita, mediante sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar.

            A crítica que se faz, contudo, é que faltou uma maior explicação acerca de que em condições deveriam ser operados os atos processuais por meio dos sistemas de transmissões de dados similares ao fac-símile. Vários órgãos do Poder Judiciário, por meio de regimentos internos, entenderam que esse sistema seria mediante correio eletrônico, sem o uso da assinatura eletrônica, certificada ou não.

            O art. 2º da Lei, em ambos os casos, condicionou o cumprimento dos prazos, a juntada da dos originais em juízo, necessariamente até cinco dias da data de seu término. O art. 3º, por sua vez, dispõe que nos atos não sujeitos a prazo, os originais deverão ser entregues, necessariamente, até cinco dias da data da recepção do material.

            A responsabilidade pela fidelidade e qualidade do material apresentado, por meio de transmissão de dados é de responsabilidade do remetente, conforme preceitua o art.4º, sob pena de, caso não haja concordância entre o original remetido pelo fac-símile e o original entregue em juízo, ser considerado litigância de má-fé, sem prejuízo de outras sanções.

            O que se observa, pois, é que o legislador foi omisso quanto à obrigação de aferir perfeita concordância entre o original enviado por outros meios de transmissão e o original entregue em juízo. Essa lacuna, na maioria das vezes, também não foi elucidada nos regimentos internos dos órgãos do Poder Judiciário.

            É válido frisar que, o texto da Lei 9.800 não prevê condenação em litigância de má-fé ao peticionante que apresentar seu documento original em papel diferente daquela versão que foi transmitida por outro meio de transmissão de dados similar ao fax. Desse modo, tem-se que o uso da expressão “petição escrita”, no art. 1º, refere-se ao aspecto visual da peça transmitida, em detrimento do emprego da técnica da certificação digital.

            O artigo 5º da referida Lei permite, ainda, aferir que não havia nenhuma exigência aos órgãos judiciários para disporem da infraestrutura necessária a essa operação. Fazendo uma comparação legislativa, percebe-se que o art. 10, §3º, da Lei 11.419/06, dispõe que os órgãos do Poder Judiciário são responsáveis por manter equipamentos de digitalização e de acesso a rede mundial de computadores à disposição dos interessados para distribuição de peças processuais.

            Cerca de dois anos após a vigência da Lei 9800/99, foi promulgada a Lei 10.259/01, que, ao disciplinar a criação dos Juizados Federais, dispõe sobre três novidades que impulsionaram a informatização do processo perante estes órgãos federais.

            O art. 8º, §2º, preceitua esta primeira inovação ao permitir a utilização de sistemas informáticos para recepção de peças processuais, sem exigir a apresentação subseqüente de originais em meio físico, como antes fazia a Lei 9800/99:

Art. 8o As partes serão intimadas da sentença, quando não proferida esta na audiência em que estiver presente seu representante, por ARMP (aviso de recebimento em mão própria).

§ 1o As demais intimações das partes serão feitas na pessoa dos advogados ou dos Procuradores que oficiem nos respectivos autos, pessoalmente ou por via postal.

§ 2o Os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico.

            A segunda inovação consiste em ter a Lei previsto que as reuniões de juízes integrantes da Turma de Uniformização Jurisprudencial, quando domiciliados em cidades diferentes, deveriam ser feitas por via eletrônica, conforme §3º do art. 14.

            Por fim, o artigo 24 impôs o desenvolvimento de programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas:

Art. 24. O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal e as Escolas de Magistratura dos Tribunais Regionais Federais criarão programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas submetidas aos Juizados e promoverão cursos de aperfeiçoamento destinados aos seus magistrados e servidores.

             A crítica que se faz à Lei 10.259/01, contudo, é que os usuários se cadastravam para receber a senha do sistema no próprio site, de modo a não haver qualquer garantia de que uma pessoa não se passasse por outra (advogado ou parte de um processo). Nesse sentido, as ponderações do doutrinador Alexandre Atheniense (2010):

Não havia dispositivos tecnológicos capazes de dar credibilidade à identificação inequívoca dos jurisdicionados que acessavam o sistema processual por meio eletrônico, uma vez que o mero cadastro das partes realizado a distância não conferia garantia alguma sobre a identidade do usuário.

            Ademais, o avanço da utilização da informática pelos Juizados Federais e alguns tribunais reforçou a necessidade de aperfeiçoamento da regra obscura da Lei 9800/99, acerca da transmissão de dados e imagens tipo fac-smile ou outro similar.

            Tendo em vista os motivos alhures citados, ainda em 2011 foi promulgada a Lei 10.358 que, a partir da inserção de um parágrafo único no artigo 154 do CPC, pretendia preencher essa lacuna:

Art. 154 [...]

Parágrafo único. Atendidos os requisitos de segurança e autenticidade, poderão os tribunais disciplinar, no âmbito de sua jurisdição, a prática de atos processuais e sua comunicação às partes, mediante a utilização de meios eletrônicos.

            Essa tentativa de fornecer autorização legal aos órgãos do Poder Judiciário para que implantassem sistemas de autenticação eletrônica não logrou êxito, tendo em vista o veto do então Presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Quanto às razões do veto, tem-se que foi alegada a superveniente Medida Provisória 2.200, de 2001, que institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP-Brasil. A partir daí, ter-se-ia garantida a autenticidade, integridade e validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transação eletrônicas seguras que, conforme alegado, já estava em funcionamento. Desse modo, inconveniente seria a adoção da medida projetada, posto que deve ser tratada de forma uniforme em prol da segurança jurídica[6].

            Para melhor compreensão, transcreve-se aqui o conceito de Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, qual seja:

A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) é uma cadeia hierárquica e de confiança que viabiliza a emissão de certificados digitais para identificação virtual do cidadão. Observa-se que o modelo adotado pelo Brasil foi o de certificação com raíz única, sendo que o ITI, além de desempenhar o papel de Autoridade Certificadora Raiz (AC-Raiz), também tem o papel de credenciar e descredenciar os demais participantes da cadeia, supervisionar e fazer auditoria dos processos[7].

            Frisa-se que, menos de seis meses antes do veto presidencial, em 24 de agosto de 2011, já havia sido editada a MP 2.200 e, igualmente, havia sido criada a ICP-Brasil que, primitivamente, se originou do Decreto 3.587/2000, que instituiu a ICP do Poder Executivo Federal, a chamada ICP-Gov.

            Um dos objetivos da medida do Executivo, conforme Fabiano Menke (2005), foi iniciar o processo de substituição de documentos físicos que tramitavam entre órgãos do Governo pelos meios eletrônicos.

            Ressalta-se, ainda, que o mencionado Decreto incidia, exclusivamente, no âmbito da Administração Pública Federal.

            A Medida Provisória 2.200-2/01 foi publicada em 24 de agosto de 2001. A grande diferença, em relação ao Decreto 3.587, é o alcance de sua incidência. Como dito, o destinatário dos serviços de certificação digital do Decreto limitava-se à Administração Pública Federal, embora empresas privadas fossem fornecedoras de serviço. A MP 2.200, por sua vez, representou a mudança da denominação ICP-Gov para ICP-Brasil, refletindo o interesse do Executivo em expandir a abrangência dos potenciais usuários de serviço.

            O advento da MP 2.200-2/01, portanto, permitiu que qualquer cidadão que queira praticar algum ato de manifestação de vontade por meio eletrônica, possa o fazer mediante certificação digital.

            A Lei 11.280/06, por sua vez, surgiu com o intuito de introduzir uma nova redação ao parágrafo único do artigo 154 do CPC, tendo em vista o já citado veto que a antiga redação sofrera. Introduziu-se as expressões integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira:

Art. 154 [...]

Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil.

            O termo interoperabilidade, em dado contexto, significa que os certificados utilizados pelos tribunais precisam ter o mesmo padrão tecnológico utilizado pela ICP-Brasil.

            Em 07.08.2006, sobreveio a Lei 11.341 que possibilitou ao recorrente, nos casos de recurso especial ou extraordinário fundado em dissídio jurisprudencial, a prova da divergência mediante decisões disponíveis em mídia eletrônica, inclusive julgados reproduzidos na Internet. Atribuiu-se, portanto, nova redação ao artigo 541 do Código de Processo Civil.

            Ainda no mesmo ano, foi publicada a Lei 11.382, responsável pela criação dos institutos da penhora on-line e do leilão on-line. O primeiro, também conhecido por Bacen Jud, sistema mantido pelo Banco Central desde 2001, é um expediente que está sendo adotado de forma não compulsória por vários magistrados, possibilitando, ao juiz, o bloqueio de contas bancárias existentes em nome do devedor, em todo o território nacional.  Quanto ao leilão on-line, é importante mencionar que os pregões eletrônicos, realizados por leiloeiros terceirizados, superam em número de pessoas e receita os leilões presenciais.

A Lei 11.690, de 2008, introduziu o §3º no artigo 201 do Código de Processo Penal. Desta feita, passou-se a admitir nas comunicações ao ofendido, por opção deste, o uso do meio eletrônico.

Ainda em 2008, merece destaque a Lei 11.719, responsável por introduzir o§1º e §2º do artigo 405 do CPP:

Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

§          1o Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 2o No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.

Como se pode perceber, ao fazer menção ao depoimento do indiciado ou investigado, o §1º do mencionado artigo permite a utilização dos novos aparatos tecnológicos de documentação também ao procedimento preliminar investigativo.

Permite-se, pois, o registro dos depoimentos por gravação magnética, como por exemplo, a gravação do áudio em CD; estenotipia, que é uma técnica similar à taquigrafia; digital, que nada mais é que a digitação dos depoimentos em computador; ou por meio audiovisual, que consiste na filmagem dos depoimentos.

É possível aferir, tendo em vista o §2º do mesmo artigo, que será encaminhado às partes cópia do registro original, no caso de registro por meio audiovisual, sem que haja a necessidade de transcrição. Nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. GRAVAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO EM MEIO AUDIOVISUAL. REQUERIMENTO DE CONVERSÃO EM DILIGÊNCIA, PARA DEGRAVAÇÃO, FORMULADO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, EM 2º GRAU. INDEFERIMENTO, PELO TRIBUNAL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. ART. 405, §§ 1º E 2º, DO CPP. PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. O legislador, tendo em conta a evolução dos sistemas de tecnologia, e, ainda, os princípios da celeridade, duração razoável do processo e oralidade, conferiu maior agilidade à colheita de provas, possibilitando, no art. 405, §§ 1º e 2º, do CPP, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, consignando que, no registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição. II. O Superior Tribunal de Justiça, fundamentado no art. 5º, LXXVIII da Constituição da República e na disposição específica do art. 405, §§ 1º e 2º, do CPP, possui entendimento pacífico no sentido de que "a conversão do julgamento da Apelação em diligência para que a primeira instância providencie a degravação de conteúdo registrado em meio audiovisual contraria frontalmente o art. 405, § 2o. do CPP, assim como o princípio da razoável duração do processo. Precedentes do STJ" (STJ, HC 161.506/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJe de 13/12/2010). III. Agravo Regimental desprovido.(STJ - AgRg no AREsp: 159802 MT 2012/0072843-6, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 16/04/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/05/2013).

            Após transitar pelas experiências legislativas brasileiras no tocante à informatização processual, é válido discorrer acerca das experiências internacionais com o processo eletrônico, em especial no que tange aos países de Portugal, Espanha e Estados Unidos.

            A prática processual em Portugal admite a possibilidade de prática de diversos atos por meio eletrônico, tanto por e-mail, como por aplicativos on-line. A Diretiva Comunitária 1999/93/CE, de 13.12.1999 e por meio do Dec-lei 290-D, de 1999, definiram-se as bases para que uma assinatura digital avançada baseada em um certificado qualificado pudesse ser utilizada. Em virtude do Considerando 19, o Judiciário foi incluído entre os usuários da nova assinatura digital.  

            O Dec-lei 183/00 deu início ao processo de reforma de procedimentos e modernização da Justiça, estabelecendo um período transitório e de adaptação em que os utilizadores poderiam optar pelo envio tradicional ou pela remessa por correio eletrônico, mediante uso do correio eletrônico e da assinatura digital avançada.

A idéia era que, passado esse período transitório, o uso do correio eletrônico e assinatura digital avançada deixassem de ser uma opção e se tornassem obrigatórios. Após o término da vacatio legis de 2 anos, contudo, o legislador viu-se obrigado a adiar tal imposição em mais 1 ano, tendo em vista forte resistência cultural e da falta de preparação de alguns tribunais e dos próprios advogados.

A Portaria 114, de 2008, foi responsável por regulamentar a forma de apresentação em juízo, mediante transmissão eletrônica de dados, de atos processuais e documentos pelas partes por meio do sistema informático Citius, que será posteriormente analisado.

Tal portaria possibilitou a desburocratização do processo, a redução de custos e  maior celeridade, já que houve a dispensa da apresentação de papéis após o envio por meio eletrônico.

 Vale frisar que, em Portugal, diferentemente do que ocorre no Brasil, as peças consideradas essenciais para julgamento material do processo e as decisões e sentenças já proferidas ainda permanecerão a ser impressas em papel. As peças burocráticas, por sua vez, somente existirão em formato digital.

Outro serviço de grande utilização prática pela Justiça Portuguesa é a marcação eletrônica de dia/hora, que faz uso da certificação eletrônica a partir da implementação de “selo eletrônico” em um documento eletrônico. A veracidade da data e hora de envio e a integridade do conteúdo ficam, portanto, asseguradas.

Cita-se, também, a criação do Sistema Habilus, que permitiu aos advogados o acesso pela internet a uma área de consulta de processos e ao novo sistema de entrega dos requerimentos executivos. Posteriormente, foi criado o Sistema Citius, dotado de novas funcionalidades, dentre as quais a apresentação de peças processuais e respectivos documentos por via eletrônica.

A Espanha, por sua vez, deu início ao Projeto “Tecnologia para Advocacia”, cujo desenvolvimento baseia-se em dois entes principais, quais sejam: A Autoridade de Certificação da Advocacia (ACA) e a Red Abogacia.

A Autoridade de Certificação da Advocacia (ACA) foi criada em 2003 a fim de suprir a necessidade da Advocacia Nacional Espanhola de possuir uma entidade que garantisse seguridade no uso de assinaturas eletrônicas. Entre suas principais vantagens, cita-se a possibilidade de os Colégios certificarem a condição do advogado perante seus clientes e terceiros em geral, quando de sua identificação via internet; garante a autenticidade da identidade dos Colegiados que realizam comunicações via internet com Colégio; assegura a integridade do conteúdo das comunicações realizadas.

A Red Abogacia, por sua vez, é uma plataforma de serviços seguros que possibilita a interoperabilidade entre os diversos Colégios de advogados, seus colegiados e a administração pública. Os advogados espanhóis possuem a sua disposição número crescente de serviços on-line, dentre os principais: serviços de passes em prisão, correio eletrônico seguro, serviço de comunicação de intervenção profissional, gestão de documentos, dentre outros,

Além dos sistemas já citados, a Espanha dispõe também do Sistema Integrado de Gestão da Advocacia (SIGA), que consiste em uma plataforma de gestão de recursos elaborada pelo departamento de tecnologia do Conselho Geral de Advocacia Espanhola.

Em junho de 2005, o Ministério da Justiça da Espanha lançou o sistema LexNet, cujo objetivo é a comunicação, por meio eletrônico, dos diversos atores processuais com os órgãos do Judiciário espanhol, a partir da senha com certificação digital.

Outro serviço prático da Espanha é o Portal Justicia Gratuita, responsável por facilitar ao cidadão o acesso aos documentos que são exigidos para comprovação do direito à justiça gratuita, que pertence àquelas cuja renda é inferior ao dobro do salário mínimo da categoria. Facilita, também, a obtenção de um advogado público e a interconexão com a advocacia espanhola aos demais órgãos da administração.

Nos Estados Unidos, encontra-se o chamado CM/ECF, em âmbito federal. Trata-se de um sistema de controle de processos que permite às cortes americanas aceitar peticionamento e acesso eletrônico aos processos pela internet.

O Sistema Parcer, que faz parte do CM/ECF, possibilita consulta de informações sobre casos e processos em andamento. O termo Pacer, vale dizer, significa acesso público aos registros eletrônicos da Corte. Por meio do acesso eletrônico via internet, o usuário pode obter dados sobre casos judiciais, processos e informações sobre a Corte Federal de Apelação ou outros órgãos do Judiciário americano.

Além desses serviços, alguns Estados já possuem um projeto ou um sistema de peticionamento eletrônico via internet, quais sejam: Alabama, Arizona, Califórnia, Colorado, Connecticult, Delaware, Districtof Columbia, New Jersey, New York, North Carolina, North Dakota, Ohio, Texas e Washington.


3 A COMUNICAÇÃO VIRTUAL DOS ATOS JUDICIAIS NO ÂMBITO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL

            A Lei 11.419/2006, como já previamente analisado, passou a admitir, expressamente, o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, na transmissão de peças processuais e, inclusive, na comunicação de atos. Ressalvadas as peculiaridades do processo penal, o §1º, do seu art. 1º, previu a aplicação de suas disposições, de modo indistinto, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.

            A aplicação dos enunciados normativos do dispositivo citado, contudo, ainda está permeada pela preocupação quanto à garantia de segurança e exatidão na comunicação dos atos processuais, buscando-se condições de efetiva viabilidade do processo eletrônico.

Desse modo, preconiza o art. 2º, caput, §1º, desta Lei, que “o envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica”, tornando obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, com adequada identificação presencial do interessado, em conformidade com a disciplina dos órgãos correspondentes.

Os atos processuais por meio eletrônico são considerados praticados no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, sendo emitido protocolo eletrônico. As petições serão consideradas tempestivas se apresentadas até as vinte e quatro horas do último dia, conforme art. 3º, caput e parágrafo único. Ademais, o envio da petição é feito pelo credenciado, ao qual, antes, será atribuído registro e meio de acesso ao sistema, a fim de serem preservados o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações (§2º, art. 2º).

A inovação, como se pode perceber, consiste na criação do horário em acordo com o expediente forense on-line, adequando-se ao funcionando ininterrupto da prestação jurisdicional através dos sites dos tribunais. Até então, os atos processuais por meio eletrônico limitavam-se ao horário do expediente forense presencial.

O Capítulo II do mencionado dispositivo trata, especificamente, “Da comunicação Eletrônica dos Atos Processuais”, do art. 4º ao 7º, que disciplina a comunicação dos atos processuais de maneira nova e ampla. O art. 4º, caput, estabelece que os tribunais poderão criar Diário de Justiça eletrônico, que será disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, a fim de publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.

Ao atribuir aos tribunais a responsabilidade pela criação do Diário da Justiça eletrônico em sites, próprios ou não, quebrou-se o monopólio da Imprensa Oficial em relação às publicações dos órgãos do Poder Judiciário de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, além das comunicações em geral por meio dos diários oficiais.

Até meados de 2008, cerca de 40% dos tribunais já haviam implantado essa prática. Nessa primeira etapa, vale frisar, coexistem as duas formas de publicação, quais sejam, a tradicional, pelo Diário Oficial respectivo em papel; e a eletrônica, pelo Diário de Justiça nos sites dos tribunais.

A cautela com a segurança dos dados é visível mediante análise do §1º do art. 4º, que dispõe que os diários da justiça eletrônicos deverão prescindir de assinatura eletrônica de servidor do Judiciário munido com certificação digital. Desse modo, assegura-se que não haverá alteração do conteúdo durante o tráfego e armazenagem, bem como que a informação é, de fato, de autoria do próprio tribunal.

O §2º, do mesmo artigo, delimita quais atos processuais não serão publicados no Diário de Justiça, quais sejam, aqueles casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal[8].

É considerada a data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário de Justiça Eletrônico (§3º, art. 4º). Determinada a data da publicação, os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que se seguir (§4º, art. 4º). Vale mencionar que qualquer edição eletrônica do Diário da Justiça assinada digitalmente deverá conter a informação do dia e da hora em que a edição foi assinada e publicada on-line no site, para que não hajam dúvidas quanto a data da prática desse ato.

Antes que o Diário de Justiça entre em funcionamento exclusivo nos sites dos tribunais, preconiza o §5º, art. 4º, que a informação dessa data deve ser amplamente divulgada, a partir de publicação no Diário Oficial em papel durante trinta dias, a fim de que se dê a publicidade necessária para essa mudança.

A lei não exigiu, contudo, prazo para a implantação do Diário da Justiça Eletrônico, bem como o funcionamento dos dois sistemas – impresso e eletrônico – ao mesmo tempo. Essa prática, porém, vem sendo adotada como forma transitória pelos tribunais, que implantaram o Diário de Justiça eletrônico por meio de regulamentos internos.

Outrossim, a lei estatuiu, em seu art. 5º, como se dará a intimação eletrônica. O caput deste artigo prevê que:

Art. 5o  As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2o desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.

            Como se vê, a parte ou o procurador, que escolher receber a intimação por meio eletrônico, não será surpreendida por esse ato. Ocorre que a intimação só acontecerá se o interessado tiver, previamente, realizado cadastro no sistema de processo eletrônico do respectivo Tribunal e ter presencialmente manifestado interesse em aderir a esta prática processual. Trata-se de mecanismo destinado a oferecer agilidade e economia processual, carecendo de anuência da parte interessada.

            O cadastramento precisa obedecer aos ditames do procedimento disposto no art. 2º desta lei. O modelo atual baseia-se no uso de senhas, em detrimento da certificação digital. Desse modo, será necessária a memorização de várias senhas pelos usuários, já que, uma vez realizado o cadastro em determinado tribunal, esse procedimento não será válido para outro.

            Ao acessar o portal, o sistema de cada tribunal registrará, de modo automático, o dia e hora em que o intimado ler a notificação na íntegra, oportunidade em que será fixado o prazo da efetivação do ato.

            Quando o intimado adota, voluntariamente, essa prática, dispensa-se a publicação do ato da intimação em Diário Oficial, mesmo que eletrônico. Bem como o art. 4º, a constitucionalidade do supracitado dispositivo também foi questionada pela ADI 3.880, sob o argumento de que a dispensa da publicação das intimações no órgão oficial restringiria a publicidade dos atos processuais, indo de encontro ao disposto no art. 5º, LX, da Constituição Federal.

            .O §1º, do mesmo artigo, dispõe que se considera realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, ocasião em que será gerado registro eletrônico contendo data e hora em que essa prática foi realizada. Esse registro será certificado nos autos digitais e, como dito, inicia-se a contagem do prazo a partir daí.

            Ressalta-se que se a consulta for realizada em dia não útil, será considerada para fins de início da contagem de prazo a partir do primeiro dia útil seguinte (§2º, art. 5º). O sistema de processo eletrônico estará disponível para ser acessado ininterruptamente, de modo a não ser justo determinar o início da contagem do prazo quando a consulta for realizada em dia não útil.

            O §3º, por sua vez, dispõe que:

§ 3o  A consulta referida nos §§ 1o e 2o deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo.

            Ocorre que não haverá, de fato, o envio da intimação, e, sim, uma mensagem de alerta por correspondência eletrônica. Como já dito, a efetivação da intimação eletrônica ocorrerá mediante a manifestação proativa do intimado que acessar a integra do teor por meio do portal próprio.

            A partir desse alerta prévio, feito por meio de correspondência eletrônica que dará ciência da ocorrência da intimação, correrão dez dias corridos, contados a partir da data do envio da mensagem até o prazo final da efetivação da intimação. Desse modo, o intimado que optar  pelo sistema eletrônico, sempre terá ciência prévia de dez dias antes da efetivação do ato.

            Não sendo o intimado proativo a ponto de consultar o portal nos dez seguintes ao envio da mensagem eletrônica, após o término desse lapso de tempo, que já foi nomeado por alguns magistrados como “prazo de graça”, a intimação será considerada automaticamente realizada.

            A contagem do início prazo, portanto, terá duas hipóteses. A primeira ocorre se a consulta pelo intimado ocorrer no interregno dos dez dias após a ciência do aviso de intimação por meio de correspondência eletrônica. Nesse caso, sendo o acesso em dia útil, o prazo começará a ser contado a partir desta data. Se for realizado em dia não útil, o prazo começará a partir do primeiro dia útil seguinte.

            A segunda hipótese se dá quando o intimado recebe o alerta e não acessa o portal para fazer a consulta no interregno dos dez dias. A intimação, nesse caso, será considerada realizada na data do término desse prazo, produzindo, inclusive, efeitos legais respectivos.

            Importante ressaltar que, conforme se depreende do §3º, do art.5º, o correio eletrônico não será utilizado como meio de efetivação da prática processual, mas tão somente como forma de transmissão de alertas com caráter meramente informativo.

            Pode-se comparar essa mensagem de alerta ao sistema push, já oferecido em vários tribunais, por meio do qual o interessado realiza o cadastro no site do tribunal para receber informações sobre tramitação de determinado processo mediante correio eletrônico.

            Esse serviço informativo via correio eletrônico, contudo, só será oferecido aos usuários que demonstrem interesse. Vale dizer, ainda, que o alerta apenas informa acerca do envio da intimação e o momento da abertura do prazo processual ao final do período de ciência prévia, quais sejam, os dez dias anteriores ao início do prazo.

            A leitura da correspondência eletrônica não exime o intimado de acessar o portal do tribunal, tendo em vista que o aviso enviado via e-mail não contém o conteúdo do teor da intimação.

            O magistrado poderá determinar, em casos de urgências ou diante de tentativa de burla ao funcionamento do sistema, que a intimação seja realizada por outro meio, sendo atingida sua finalidade, conforme preconiza o §5º do mesmo artigo 5º.

            Todas as intimações realizadas no meio eletrônico são consideradas pessoas, inclusive quanto à Fazendo Pública (§6º, art. 5º). Intimação pessoal é aquela feita na presença do intimado ou do seu representante legal. Desta feita, como existe identificação prévia do intimado para acesso a portal, que é próprio, individualizado e restrito, esse ato é interpretado como intimação pessoal.

            Quanto aos avanços práticos da intimação eletrônica, certo é que ainda é pouca utilizada nos órgãos do Poder Judiciário. O TRT da 1º Região, contudo, instituiu o sistema e-Cint, por meio da Resolução 600-13, de 2006. Em relação aos Juizados Especiais Federais, o Conselho da Justiça Federal instituiu a Resolução 522, em 2006, que logo foi alterada pela Resolução 555/07, que visava padronizar o procedimento da intimação eletrônica nesses órgãos. Tais Resoluções, no entanto, foram revogadas pela Resolução 28, de 2008.

            O art. 6º, da citada Lei 11.419/06, versa acerca da citação eletrônica. No entanto, expressamente menciona que esse ato não é aplicável ao processo penal.

            As cartas precatórias, rogatórias e de ordem, bem como as comunicações oficiais entre órgãos do Poder Judiciário e entre estes e os demais Poderes, serão, de forma preferencial, expedidas por meio eletrônico (art. 7º).

Torna-se visível, pois, a tendência de maximizar o princípio da economia e da celeridade processuais. O mencionado art. 7º busca reduzir o tempo atrelado à burocracia do papel, como remessa pelo correio, furar e carimbar páginas, dentre outros atos. (ATHENIENSE, 2010).

Apesar da previsão do artigo, percebe-se hoje um distanciamento de sua efetivação, já que nem sempre há uma situação padrão no próprio Estado brasileiro, quanto mais entre este e outros países.

De toda forma, na prática nos tribunais, é possível citar o mecanismo da Carta Precatória Eletrônica, programa aberto ao juiz, diretor e servidor. A nova ferramenta possibilita que todas as cartas precatórias sejam expedidas por meio eletrônico, de modo a interligar todas as varas da Justiça do Trabalho no Brasil, desde que habilitadas a utilizar o sistema.

O Eletrônico de Cartas (CPE), por sua vez, foi desenvolvido pelo TRT da 18ª Região, integrando o Sistema Integrado de Gestão da Informação da Justiça do Trabalho. Tal mecanismo possibilita o envio e recebimento de cartas precatórias de forma eletrônica, sem necessidade de duplicação dos autos e com redução dos gastos relativos às tarifas postais.

Importante mencionar, por fim, o §1º, art. 9º, da Lei 11.419/06, que dispõe que:

§ 1o  As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais.

            Quando o acesso for totalmente digital, portanto, os atos de comunicação serão acompanhados pelo acesso à integra do processo, sendo dispensável que a parte compareça à secretaria para ter visto do processo. Ao contrário do que ocorre atualmente, todos esses atos serão pessoais, já que demandará a iniciativa voluntária do interessado para acessar a via eletrônica como meio de ter ciência do teor da comunicação oficial.

            O §2º do mesmo artigo aponta que, em caso de eventual dificuldade técnica, a citação, intimação ou notificação poderão ser praticadas segundo as regras ordinárias. Poderá o magistrado ordenar a digitalização da comunicação para transmissão eletrônica e juntada dos autos digitais. A cópia em papel deverá ser destruída após esse ato.

            Não obstante o já exposto, acerca da comunicação dos atos virtuais no âmbito do processo penal, é preciso ter sempre em mente as peculiaridades do processo penal que, em várias hipóteses, não dispensarão as intimações por oficial de justiça, em especial, a do acusado, do Ministério Público (com carga dos autos) e da Defensoria Pública, além do advogado dativo.

            Apesar da instituição do processo eletrônico criminal ser viável, não se pode deixar de levar em consideração as particularidades processuais penais que afastarão a incidência de alguns dispositivos, como por exemplo, a citação, que não é aceita eletronicamente nesta sede.

            A cláusula de convalidação dos atos processuais, praticados até a data do advento da Lei 11.419/06, é plausível no que couber ao processo penal que atinge a liberdade do acusado. Para tanto, é preciso que haja obtenção da finalidade do ato e ausência de prejuízo às partes.


4 CONCLUSÃO

            As peculiaridades do Direito Processual Penal refletem que, por vezes, a Informática não possui a perspicácia de apreender a sensibilidade necessária que permeia determinados casos. Nesse contexto, importante se faz a presença física do Juiz, capaz de sentir humanamente, o que a máquina não possui o condão de realizar. Nesse sentido, as palavras do Juiz José Eulálio Figueiredo de Almeida:

O Juiz não pode ser um autômato, muito menos um misoneísta. Não pode também ser refém da tecnologia. O computador deve ser apenas seu aliado nessa travessia, ou seja, na transposição do procedimento processual em autos físicos para os autos virtuais, sem retirar a grandeza de sua autoridade ou de sua atuação como pacificador dos conflitos sociais.

A grandeza do Juiz não está na sua autoridade ou na prerrogativa de dizer o direito aplicável à espécie, mas na capacidade de decidir as pequeninas coisas com a mesma sensibilidade que utiliza para julgar as grandes causas. E nesse aspecto, o Juiz leva uma grande vantagem sobre a máquina. Ele pode ver e sentir sob a ótica do ser humano, coisa que ela não pode fazer.

            O que se pode concluir é que, embora a informatização processual traga avanços significativos no que tange à celeridade e praticidade da comunicação virtual, não se pode permitir uma inversão de papéis, exaltando a máquina de tal modo a afastarem-se as apreensões humanas sobre cada caso.


REFERÊNCIAS

ALENCAR, Romar Rodrigues. TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 9. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2014.

ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo de. Breve Histórico Forense do Judiciário Maranhense: do Processo Oral ao Processo Judicial Eletrônico. Disponível em: <http://www.editoramagister.com/doutrina_24353826_BREVE_HISTORICO_FORENSE_DO_JUDICIARIO_MARANHENSE_DO_PROCESSO_ORAL_AO_PROCESSO_JUDICIAL_ELETRONICO.aspx>. Acesso em: 15 dez. 2014

ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informação judicial no Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

ATENIENSE, Alexandre. Comentários à lei 11.419/06 e as práticas processuais por meio eletrônico nos tribunais brasileiros. Curitiba: Juruá, 2010.

BRASIL. Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm>. Acesso em: 21 de dez. de 2014.

BRASIL. Lei 11.340/06. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/111340.htm> .Acesso em 18 dez. 2014.

BULOS, UadiLammêgo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.


Notas

[1] ALMEIDA, José E. F. de. Breve histórico forense do judiciário maranhense: do processo oral ao processo judicial eletrônico. Disponível em:  <http://www.editoramagister.com/doutrina_24353826_

BREVE_HISTORICO_FORENSE DO_JUDICIARIO_MARANHENSE_DO_PROCESSO_ORAL_

AO_PROCESSO _JUDICIAL_ELETRONICO.aspx:>. Acesso em: 20 dez. 2014.

[2] Id. Ibid.

[3] TAPSCOTT. Don. Economia Digital. Apud: ANDRADE, André; MALLET, João Paulo; FLEURY, Newton M. Modelos concorrentes de automação na justiça estadual.

[4] Um fac-símile (ou edição fac-similar) é uma edição nova (frequentemente de um livro antigo) que apresenta uma reprodução exata da edição original, incluindo fontes de letras, escala, ilustrações, diagramação e paginação. A palavra é usada atualmente no contexto da tecnologia das telecomunicações por fax.

[5] DOMINGUES, Paulo Sérgio. Disponível em: <http: //conjur.estadao.com.br/startic/text/10937,1>. Acesso em: 20 dez. 2014

[6] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto

/2001/Mv1446-01.htm>. Acesso em: 20 dez. 2014.

[7] Disponível em: <http://www.iti.gov.br/icp-brasil/o-que-e>. Acesso em: 20. Dez. 2014.

[8] A constitucionalidade de tal dispositivo foi questionada pelo Conselho Federal da OAB na ADI 3.880, sob alegação de afronta direta ao inc. LX, art. 5º, da Constituição Federal.


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