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Os efeitos da multiparentalidade para o Direito: neoconstitucionalidade frente à insegurança jurídica

Os efeitos da multiparentalidade para o Direito: neoconstitucionalidade frente à insegurança jurídica

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Observar acerca da possibilidade de direitos da paternidade vir a ser atribuídos de forma plural, em outras palavras é a possibilidade de um mesmo indivíduo possuir dois pais e/ou duas mães, isso é possível graças aos novos arranjos familiares.

1. INTRODUÇÃO

  O instituto família, que vem sofrendo gradativamente intensas modificações faz-se necessário uma analise frente ao desenvolvimento familiar que não mais, o fator de consanguinidade seja o único determinante, mas como também, o valor do afeto e de princípios basilares e norteadores no que concerne ao conceito familiar.

 Todas essas mudanças pode-se destacar a nova ordem constitucional que permeia ao lado de relevantes transformações no cenário familiar brasileiro. Devendo se destacar o principio da dignidade da pessoa humana como um dos alicerçadores da nossa carta magna.

  O presente artigo tem como um dos objetivos averiguar acerca da possibilidade de direitos da paternidade vir a ser atribuídos de forma plural, em outras palavras é a possibilidade de um mesmo indivíduo possuir dois pais e/ou duas mães, isso é possível graças aos novos arranjos familiares.

 O exemplo da multiparentalidade ou pluriparentalidade, entre outros tipos de nomenclaturas, como famílias recompostas, é pai e mãe biológicos quanto o padrasto e a madrasta, que acabam por funcionar como pais socioafetivos na vida dos enteados, exercem a autoridade parental, gerando a cumulação de papéis de pai e mãe, não de modo excludente, mas inclusivo, é esse nesse sentido que se difere da adoção unilateral, não havendo uma ruptura de laços afetivos, mas, sim a complementaridade.

 Além da dignidade humana, a multiparentalidade recebe, também, aparato jurídico pelo princípio da afetividade, pois, com lugar para o afeto, no âmbito das relações familiares. É por esta razão que se diz que as relações de consanguinidade são menos importantes que as oriundas de laços de afetividade e convivência familiar, despontando a afetividade como elemento nuclear e definidor da união familiar, com consequente aproximação desta da instituição social (KIRCH; COPATTI,2013)

2. OS EFEITOS DA MULTIPARENTALIDADE PARA O DIREITO: NEOCONSTITUCIONALIDADE FRENTE À INSEGURANÇA JURÍDICA

      É consenso que o instituto familiar vem passando por grandes mudanças significativas dentre quais podemos destacar os novos arranjos familiares como nos casos de famílias formadas por um só membro como é o caso da família monoparental.

     Se partirmos nesse sentido a multiparentalidade seria uma solução para quem possui dois pais ou duas mães na realidade fática, é colocar vigência jurídica em algo que existe no cotidiano do filho. Nesse sentido não seria justo um filho ter que escolher entre a paternidade biológica ou afetiva, quando os dois pais ocupam tal função em sua vida. Nesse sentido o jovem não teria que escolher entre os pai biológico, ou o pai adotivo, por exemplo, mas somente incluiria.

      Atendendo assim, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, bem como o principio da dignidade humana devendo ser respeitado à inclusão em seu registro do pai biológico e do socioafetivo.

      Não se pode negar que o fator convivência é determinante, pois é a partir disso que se cria vinculos socioafetivos ou memorias afetivas, porém não podemos excluir o fator biológico. Contudo, aonde se quer chegar é na concomitância dos mesmos, ao ponto de não poderem ser excluídos um ao outro, mas sim, ser complementares.

      Para Cassettari (2014, p. 187) confirma:

Constatamos que o fundamento multiparentalidade é a igualdade das parentalidades biológica e socioafetiva, pois entre elas não há vínculo hierárquico e uma não se sobrepõe a outra, podendo elas coexistirem, harmoniosamente, sem problema algum.

            Corroborando com esse entendimento, a partir de uma ligeira observação dispõe o código civil vigente no seu art. 1.593: “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. O preceito apresenta uma interpretação acerca dos laços afetivos, uma vez que é tão importante quanto os laços consanguíneos. Fazendo uma alusão aos textos, é que os laços afetivos transcendem, graças ao amor mutuo respeito, e proteção.

Antevendo isso, a Constituição federal de  a partir da  sua inauguração  em 1998; destaca-se o artigo 226, que consagra, dentre outras conquistas, a proteção à família, a igualdade entre os cônjuges e a pluralidade familiar, havendo uma maior flexibilização conceitual ensejadora do reconhecimento de outras estruturas convívio implícitas. A família que então era tão somente matrimonial ganha destaque por visar o pleno desenvolvimento de seus membros, tal como em estar social.

Ainda agora tratando das alterações trazidas pela nossa carta magna podemos elencar ainda uma capitulo reservado (Capítulo VII, do título VIII) para tratar da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso. Reconhecendo c como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento, bem como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Dessa forma, não há o que se falar em ilegitimidade.

Nesse seguimento, Juliane Fernandes Queiroz (2001, p. 51):

A partir do momento em que a Constituição Federal consagrou a entidade familiar, formada por outros membros que não os pais e seus descendentes, institui-se também que essa comunidade deveria assegurar ampla proteção à criança, oferecendo-lhe recursos para sua formação integral.

Logo, se a criança é valorizada, protegida e compreendida pelo meio em que vive, firma-se sua relação sociocultural, e, nas dimensões institucionais da família, não importa quem esteja fomentando as condições para o crescimento do indivíduo, mas sim, que essas condições estejam sendo oferecidas.

Com esse esclarecimento sobrevêm princípios orientadores do direito de família, tais como: principio do melhor interesse da criança e do adolescente, principio da dignidade da pessoa humana, principio da afetividade, principio da convivência familiar, os quais abordarei mais adiante.

Dos princípios norteadores

2.1 Do princípio da dignidade da pessoa humana

          “A Constituição Federal proclama como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito e da ordem jurídica ‘a dignidade da pessoa humana’ (art. 1º, III)” (LÔBO, 2008, p. 39).  Superiormente considerável, o principio da dignidade da pessoa humana, nutre aos demais; conversando com a preocupação com os indivíduos, como sujeitos de deveres e caráter este princípio rege a importância com a justiça e os direitos humanos.

        Com base nisso, a dignidade da pessoa humana é essencial e inerente a todas as pessoas humanas, importando somente o caráter de intocabilidade proteção e respeito independentemente de quaisquer diferenças sociais. Nessa continuidade, o capítulo da Constituição destinado à família manifesta esse princípio da dignidade da pessoa humana em alguns dispositivos (arts.226, §7º; 227 e 230), o que  fica evidente a igualdade e proteção sobre o instituto familiar.

2.2 Do princípio da Afetividade

          O princípio da afetividade é um dos mais relevantes, que rege a mudança do conceito de família, ao logo das últimas décadas, uma vez que, potencializa a importância da socioafetividade, ou seja, não se trata tão somente de fatores biológicos.

        “É o princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de patrimonial ou biológico” (LÔBO, 2008, p. 48).  Nessa passagem, elenca Lôbo, a importância da afetividade sobejando até mesmo em caráter patrimonial e biológico. Pode-se afirmar que este é o principio que dá a estabilidade ao direito de família, garantidor da existência da socioafetividade. Consequentemente os laços sanguíneos não são originados pela convivência, mas tão somente pelo sangue o que não determinaria a garantia de felicidade e de afeto.

Do Princípio da Convivência Familiar

            A convivência em meio familiar se faz de direito desde o registro do nascimento do indivíduo, devendo este desfrutar e gozar da relação entre seus membros familiares, para isso a Constituição Federal coloca que: “O direito à convivência familiar, previsto no artigo 227, é um dos direitos da personalidade da criança e do adolescente – portanto, direito essencial” (XAVIER, 2008, p. 59).

           É notório que a entidade familiar exerce papel fundamental no desenvolvimento psicológico e social da criança em formação, nesse sentido é evidente a importância da família não podendo haver privação deste direito, desse modo o Estado vem como, garantidor desse direito a fim de cumprir sua função social.

         O princípio em tela encontra respaldo também no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente o qual dispõe:

Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

          A doutrina é pacífica ao afirmar que o direito de a criança e o adolescente serem criados e educados no seio da família é condição indispensável para que a vida se desenvolva. Sedo atribuída até a mesma importância que o direito à vida.

           É nesse contexto, a multiparentalidade significa a legitimação da vontade do indivíduo, a partir do registro onde poderá conter além dos nomes dos pais biológicos aqueles com quem mantem vínculos socioafetivos.

         Dessa maneira, o primeiro aspecto a ser analisado é a inserção registral. De acordo com o art. 55 da Lei n. 6.015/73, o assento de nascimento deverá conter os nomes e prenomes dos pais, bem como dos avós paternos e maternos, não havendo qualquer menção na referida lei a limitações quantitativas. O registro é a formalização da parentalidade material, conferindo maior segurança e facilidade em sua comprovação, em consonância com o art. 1.603 do Código Civil.

          Para o direito sucessório, no caso em destaque são reconhecidos entre pais e filhos artigos 1.829 a 1.847, do Código Civil, observados os dispositivos legais examina-se que não há ordem de preferencia de vocação hereditária.

Imaginemos agora como, por exemplo, que, se morresse o (a) pai/mãe biológicos, o filho também seria sucessor. Se morresse o menor, os pais seriam sucessores, dividindo o patrimônio do falecido entre eles.

         Contudo, vale ressaltar a respeito da insegurança jurídica que pode acarretar já que, seria possível exigir em juízo por exemplo, à prestação de alimentos duplas, bem como o direito de herança, no qual em um primeiro momento, poderá se configurar como dupla vantagem.

REFERÊNCIAS

________BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível Acesso em 11 de outubro de 2014.

CERVO, Amado; BERVIAN, Pedro. A pesquisa. In: CERVO, Amado; BERVIAN, Pedro. Metodologia científica. São Paulo: MC Graw-Hill do Brasil, 1976. P 65-70.

Curso de direito Civil: família e sucessões. 6 ed. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2013.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: sucessões, volume 7. 7. ed. – São Paulo: Atlas, 2015.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa: metodologia da pesquisa. 5ª edição. São Paulo : ed. Atlas S.A – 2010.

KIRCH, Aline Taiane; COPATTI, Lívia Copelli. O reconhecimento da multiparentalidade e seus efeitos jurídicos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n.112 maio de 2013.

 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. In: Afeto, ética, família e o novo Código Civil.

PÓVOAS, Maurício Cavallazzi. Multiparentalidade: A possibilidade de múltipla filiação registral e seus efeitos. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

Revista Jurídica CONSULEX - Ano XIX - nº 15  de Dezembro/2015 Socioafetividade no direito da família: a persistente trajetória de um conceito fundamenta. In: Revista Brasileira de Direito de Famílias e Sucessões. v. 14 (ago/set 2008) Porto Alegre.


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