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Discricionariedade do juiz: discussão entre Dworkin e Hart

Discricionariedade do juiz: discussão entre Dworkin e Hart

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Dworkin e Hart contribuíram muito no debate sobre os limites dos poderes de interpretação das normas jurídicas e a maneira correta de se proceder, um tema recorrente no estudo do direito.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar a discussão entre Herbert Lionel Adolphus Hart e Ronald Dworkin, sobre o uso da discricionariedade por parte dos julgadores nas decisões judiciais.

O debate criado entre Hart e Dworkin é extremamente rico e com enormes implicações pragmáticas, pois qualquer ordenamento jurídico convive com as questões propostas no decorrer do estudo, refletindo na prática e nos aspectos das decisões judiciais.

O interesse no tema está presente nas consequências práticas das questões abordadas por Hart e Dworkin, que embora seja de cunho teórico, têm grandes implicações no sistema jurídico e político de um Estado.

O trabalho foi divido em cinco etapas. Inicia-se com o contexto histórico do direito natural e positivismo jurídico, com doutrinadores como Austin e Kelsen. Ilustra-se também nessa etapa aspectos do terceiro reich e citações da doutrina de Hannah Arendt, com posições sobre o direito natural e questões de princípios morais.

A segunda etapa apresenta o estudo com a doutrina de Hart e alguns conceitos pertinentes de seus princípios no livro The Concept of Law, inclusive seu postscript. Será abordada sua visão sobre normas primárias, secundárias, a norma de reconhecimento e a discricionariedade do julgador, com possível, porém restrito, uso de normas morais para influência no julgado.

O estudo a respeito da doutrina de Dworkin, sendo esta a terceira etapa, é sobre o livro Taking Rights Seriously. Nesta obra o doutrinador faz algumas críticas a Hart, com o teste do pedigree, a figura do juiz Hércules e algumas respostas aos seus próprios críticos.

A quarta etapa traça um paralelo entre as doutrinas e tenta apontar consensos e discordâncias sobre o tema em questão, assim como se há realmente grandes divergências de conceitos. Por fim, apresenta-se a conclusão após a pesquisa nas leituras apresentadas, com o intuito de demonstrar a grande implicação prática do tema proposto.

A problemática está cabalmente presente a todo instante, pois o foco do trabalho são as implicações de gozar, ou não gozar, o julgador de discricionariedade no ato do julgamento, podendo ou não usufruir do instituto da moralidade para fundamentar seus julgados.

Para entender a discussão travada entre os doutrinadores, é importante compreender a amplitude do debate, inclusive sobre conceitos e aspectos do commom law.

No sistema do direito costumeiro (common law), não aplicável no direito brasileiro, as regras são quase sempre vagas e com necessidade de interpretações. Importante, portanto, para iniciar a leitura deste artigo, ter a sensibilidade de compreender a diferença entre o sistema jurídico brasileiro e a common law, assim como a importância dos princípios e conceitos morais nos ordenamentos jurídicos, seja no common law ou no direito com livre público determinando normas a serem seguidas.


1. CONTEXTO HISTÓRICO

Discutir sobre temas como moral, ética e princípios no direito, ou até mesmo lançar comentários sobre estes institutos, implica em utilizar de cautela e, também, apresentando diferentes posições doutrinárias, pois o assunto é de extrema complexidade.

É importante, antes de iniciar o tema central - o uso de discricionariedade nas decisões judiciais –, apresentar o contexto histórico entre a corrente do positivismo jurídico e do direito natural ou jusnaturalismo.

Essencial se faz entender não apenas a discussão contemporânea acerca do positivismo jurídico, mas também iniciar o estudo sobre os precursores e os doutrinadores mais importantes destes institutos.

Os principais ícones do positivismo jurídico são John Austin, Hans Kelsen e Hart. Alguns doutrinadores fazem também referências a Hobbes, Tomás de Aquino e Bentham (DELAMAR, 2010), outros a Platão e Aristóteles (FILHO, 2005), como aqueles que distinguiram direito natural de direto positivo.

Em A província da jurisprudência determinada (The province of jurisprudence determined, 1832), John Austin define a distinção entre direito positivo de moralidade, tema este que será amplamente tratado por ser o foco da discussão entre Hart e Dworkin.

Para Austin, a definição de direito estaria ligada aos comandos, os quais são expressões do que uma pessoa deve fazer ou deixar de fazer, devidamente acompanhadas por ameaças de punição. Essa definição foi realizada para criar diferença entre direito e moral e, assim, distinguir-se de doutrinas do direito natural.

Ainda segundo Austin, as leis são as condutas prescritas pelo soberano ou por certo organismo determinado, a quem uma sociedade deve obediência. As regras morais são as criadas por Deus, pela moralidade positiva ou por regras de conduta criadas pelo homem. Também afirma que seria valioso ter uma moralidade neutra em relação a teoria do direito, assim como seria benéfico ter uma abordagem descritiva e conceitual da lei.

Hans Kelsen, por sua vez, gerou grande influência quando em 1934 publicou a obra Teoria Pura do Direito. A doutrina foi escrita na tentativa de purificação do direito, pois o mundo jurídico, na ocasião, era cercado por psicólogos, economistas, políticos e sociólogos. O intuito do doutrinador era livrar o direito de elementos metajurídicos e, assim, criar uma teoria pura deste.                    

O obra teve grande importância no ordenamento jurídico e foi fonte de parâmetro interpretativo por muito tempo. Por isso foi um dos marcos do positivismo jurídico e fez forte defesa da diferença entre os conceitos do direito e da moral.

Para Kelsen, a moral teria ligação com a sociologia jurídica, que estaria ligada ao ser, enquanto o Direito ligado ao dever ser. Moral e direito estariam em campos opostos, muito embora pudessem coexistir.

Com a evolução do direito e de novos questionamentos jurídicos, surge a necessidade de repensar o direito e sua conexão com princípios morais. Neste contexto histórico, questiona-se o positivismo jurídico e suas implicações, com a intenção de aprimoramento do ordenamento jurídico existente.

A tentativa de buscar pensamento evoluído e atraente pôde ser verificada na Alemanha, pós segunda guerra mundial, pois depois de um acontecimento assim, os estudiosos de um sistema precisam pesar suas atitudes diante de tais iniquidades, conforme afirma Hart:

Após uma revolução ou grandes sublevações, os tribunais de um sistema têm de ponderar sua atitude perante as iniquidades morais cometidas de forma legal por cidadãos comuns ou autoridades sob um regime anterior. Ainda que a punição desses indivíduos possa parecer socialmente desejável, procurá-la através de uma legislação explicitamente retroativa, tornando criminoso o que era permitido ou mesmo exigido pela lei do antigo regime, pode ser difícil, um ato mortalmente odioso ou, talvez, impossível. (HART, 2009:268)[2]

Neste espaço intelectual, pós segunda guerra mundial, são repensadas as implicações morais latentes no mundo jurídico e, principalmente em palavras como jus, recht, diritto ou droit, que estão presentes na teoria do direito.

Nessas circunstâncias, pode parecer natural explorar as implicações morais latentes no vocabulário jurídico e, especialmente, em palavras como jus, recht, diritto ou droit, que estão impregnadas da teoria do Direito Natural. (HART, 2009:269)[3]

Ainda, sem deixar de lado o contexto histórico da Alemanha pós terceiro reich, o qual atualmente ainda exerce grande influência no modo de pensar dos institutos de direito e da moral, torna-se importante citar obra de Hannah Arendt:

Até que, sem grande alarde, tudo isso desmoronou quase da noite para o dia, e então foi como se a moralidade de repente se revelasse no significado original da palavra, como um conjunto de costumes (mores), usos e maneiras que poderia ser trocado por outro conjunto sem maior dificuldade do que a enfrentada para mudar as maneiras à mesa de um indivíduo ou um povo. Que estranho e que assustador parecia de repente o fato de que os próprios termos que usamos para designar essas coisas – moralidade, com sua origem latina, e ética, com sua origem grega nunca tivessem significado nada além de usos e hábitos. (ARENDT, 2004:113/114)

Ainda em Hannah Arendt, no livro Responsabilidade e Julgamento, ao tratar sobre o colapso dos padrões morais nas décadas de 1930 e 1940 no terceiro reich:

Nós – ao menos os mais velhos dentre nós – testemunhamos o colapso total de todos os padrões morais tradicionais na vida pública e privada durante as décadas de 1930 e 1940, não só (como se supõe em geral na Alemanha de Hitler, mas também na Rússia de Stálin, onde neste momento a geração mais jovem está fazendo perguntas que possuem uma grande semelhança com as que estão atualmente em debate na Alemanha. (ARENDT, 2004:116)

No mesmo contexto fático e ao fazer uso de explicação de padrões jurídicos e padrões morais, Arendt afirma:

Quando nos confrontamos pela primeira vez com esse horror, ele parecia transcender, não apenas para mim, mas para muitos outros, todas as categorias morais, pois certamente desmoronava todos os padrões jurídicos. (ARENDT, 2004:118)

Sobre não ser possível afirmar que a conduta moral é algo natural, segue Hannah Arendt:

Agora deixem-me enumerar brevemente as questões gerais que essa situação factual, assim como a vejo, suscita. A primeira conclusão, creio eu, é que ninguém em sã consciência pode ainda afirmar que a conduta moral é algo natural – das Moralische versteht sich von selbst, uma pressuposição sob o domínio da qual a geração a que pertenço foi criada. Essa pressuposição incluía uma nítida distinção entre a legalidade e a moralidade, e embora existisse um consenso vago e inarticulado de que em geral a lei do país grafa o que a lei moral exige, não havia muita dúvida de que em caso de conflito a lei moral era a mais elevada e tinha de ser obedecida primeiro. Essa afirmação só podia fazer sentido se aceitássemos como naturais todos aqueles fenômenos que geralmente temos em mente quando falamos da consciência humana. Qualquer que seja a fonte do conhecimento moral – mandamentos divinos ou razão humana -, todo homem mentalmente são, supunha-se, carrega dentro de si mesmo uma voz que lhe diz o que é certo e o que é errado, e isso independentemente da lei do país e independentemente das vozes daqueles que pertencem à mesma comunidade. (ARENDT, 2004:124)

É pertinente citar Arendt neste contexto, pois a filósofa, que não é uma jurista, apresenta uma visão interessante dos institutos da moralidade e da legalidade, voltado para a área política e filosófica. Para ela, após o terceiro reich, questiona-se a existência de padrões morais e da própria legalidade.

Para Arendt, com o terceiro reich vislumbra-se o colapso da moralidade e o desmoronamento de padrões jurídicos. Com este contexto histórico, a doutrinadora inicia a discussão sobre a existência de padrões morais naturais à espécie humana, e se esses padrões são mesmo naturais.

A visão da doutrinadora sobre o tema em questão é de grande importância, embora não ser possível traçar paralelo ou possível influência de suas obras nas reflexões de Hart e Dworkin. Sua visão é de grande valia, pois tem conotações políticas e filosóficas sobre os institutos da moral e da legalidade, e não exclusivamente jurídica.

O tema de uma possível ou improvável moral natural à espécie humana continua recorrente com visões de Hart e Dowrkin sobre o assunto, assim como suas implicações no ordenamento jurídico e possivelmente político.


2. HART E O POSITIVISMO JURÍDICO BRANDO

Hart baseava sua doutrinária no pensamento positivista e admitia o uso da discricionariedade por parte do julgador. Para ele haveria sempre casos juridicamente não regulados, principalmente casos difíceis e com normas contraditórias incompatíveis.

Para Hart a discricionariedade seria vital, pois as normas possuem textura aberta. Esta característica seria arraigada à norma, tendo em vista a impossibilidade na estratégia escolhida para a transmissão de padrões de comportamento prever todas as situações possíveis, seja o precedente ou a legislação.

Hart se auto intitula como adepto do positivismo brando, pois aceita explicitamente como critério de validade que a norma de reconhecimento incorpore obediência a princípios morais ou valores substantivos. Neste sentido:

Em primeiro lugar, ignora minha aceitação explícita de que a norma de reconhecimento pode incorporar, como critérios de validade jurídica, a obediência a princípios morais ou valores substantivos; assim, minha doutrina consiste no que tem sido chamado de “positivismo brando” (soft positivism), e não, como quer a versão de Dworkin, num positivismo “dos simples fatos”. (HART, 2009:323)[4]

O filósofo admite que tanto a norma de reconhecimento quanto as normas em específico, podem apresentar certa penumbra de incerteza. Necessário se faz, nestas suposições de composição de casos inéditos, uma solução racional. (HART, 1997:252)

Toda esta completude do direito tem origem no fato de que as normas e princípios apresentam textura aberta. Nesta hipótese, pode ser a lei ou o princípio parcialmente indeterminado. (HART, 1997:252/253)

Na visão de Hart, a textura aberta da norma tem ligação com a imprevisibilidade dos objetos e busca criar normas cuja aplicação nunca exigiria escolha adicional, seria um mundo adequado a uma jurisprudência mecânica.

Diante desta incompletude e textura aberta, torna-se necessário, em casos não regulamentados juridicamente, os tribunais exercerem a função legislativa limitada denominada discricionariedade, a saber:

Esses não são simples “casos difíceis”, casos polêmicos no sentido de que juristas sensatos e bem-informados podem discordar sobre qual a resposta juridicamente correta; o direito é, nesses casos, fundamentalmente incompleto: não oferece nenhuma resposta aos problemas em pauta. Estes não são regulamentados juridicamente; e, para chegarem a uma decisão em tais casos, os tribunais precisam exercer a função legislativa limitada que denomino “discricionariedade”. (HART, 2009:326)[5]

Seria típico da condição humana, na visão de Hart, tentar antecipadamente e sem ambiguidade, regulamentar alguma esfera do comportamento por meio de padrões. Estaria o ordenamento, porém, em desvantagens, pois haveria imprecisão de nosso objeto e relativa ignorância dos fatos, motivos pelo qual ser ele adepto do positivismo brando. (HART, 1997:127/128)

2.1 Normas primárias e normas secundárias

Embora não seja o foco da discussão os conceitos de normas e a aplicabilidade das normas primárias e secundárias são tratados com afinco pelos doutrinadores citados. Há grande discussão entre os conceitos propostos por Hart e discutidos por Dworkin, que inspiram atenção quanto à coerência e clareza com o tema.

Hart propõe que diante da complexidade de um sistema jurídico, é preciso criar distinção entre dois tipos de normas. A norma poderia, portanto, ser do tipo básica ou primária, que exige a prática ou a abstenção desta em certos atos de forma coercitiva. A norma parasitária ou secundária estipula o dever de fazer ou não fazer, assim como introduz novas normas com competência de extinguir e modificar as antigas ou, ainda, controlar sua aplicação.

As normas de um tipo, que pode ser considerado o tipo básico ou primário, exigem que os seres humanos pratiquem ou se abstenham de praticar certos atos, quer queiram, quer não. As normas do outro tipo são, num certo sentido, parasitárias ou secundárias em relação às primeiras, pois estipulam que os seres humanos podem, ao fazer ou dizer certas coisas, introduzir novas normas do tipo principal, extinguir ou modificar normas antigas ou determinar de várias formas sua incidência, ou ainda controlar sua aplicação. (HART, 2009:104)[6]

As normas primárias determinam deveres, dizem respeito a atos que envolvem movimentos ou mudanças físicas, enquanto as secundárias outorgam poderes, sejam estes públicos ou privados, e dispõem sobre a criação ou modificação de deveres ou obrigações.          

As normas de primeiro tipo impõem deveres; as do segundo tipo outorgam poderes, sejam estes públicos ou privados. As do primeiro tipo dizem respeito a atos que envolvem movimento físico ou mudanças físicas; as do segundo dispõem sobre operações que conduzem não apenas movimentos ou mudanças físicas, mas também à criação ou modificação de deveres ou obrigações. (HART, 2009:106)[7]

Hart trata este conceito apresentado de forma geral, pois compreende que o direito não pode ser encarado com uma uniformidade simples. Acredita, entretanto, que as características do direito seriam melhor elucidadas se esses dois tipos de normas e as relações entre elas fossem bem compreendidas. (HART, 1997:81)

As incertezas são próprias do regime jurídico, inclusive nas normas primárias, e a forma mais simples de solução destes problemas seria a norma de reconhecimento.

A forma mais simples de solução para a incerteza própria do regime de normas primárias é a introdução de algo que chamaremos “norma de reconhecimento”. Essa norma especifica as características que, se estiverem presentes numa determinada norma, serão consideradas como indicação conclusiva de que se trata de uma norma do grupo, a ser apoiada pela pressão social que este exerce. (HART, 2009:122)[8]

Dworkin caracteriza a distinção de regras feita por Hart como sendo de grande relevância e esclarece ainda que na visão deste, uma regra pode ser obrigatória porque é aceita ou porque é válida. Assim esclarece Dworkin: “Portanto, podemos registrar a distinção fundamental de Hart da seguinte maneira: uma regra pode ser obrigatória (a) porque é aceita ou (b) porque é válida.” (DWORKIN, 2010:33)[9]

Ao continuar seu trabalho, Dworkin, em Taking Rights Seriously, critica o positivismo e, inclusive Hart, dando ênfase na sua pesquisa sobre a dimensão que os princípios possuem, tema este que será tratado mais adiante. (DWORKIN, 1978:26)

2.2 A Norma de reconhecimento

O conceito norma de reconhecimento é inicialmente proposto por Hart dentro do âmbito das normas primárias e secundárias e, posteriormente, criticado por Dworkin.

Por norma de reconhecimento Hart entende como sendo as características as quais, presentes em determinada norma, compreendem como indicação conclusiva de que trata de uma norma do grupo, a ser apoiada pela pressão social. Neste sentido:

Essa norma especifica as características que, se estiverem presentes numa determinada norma, serão consideradas como indicação conclusiva de que se trata de uma norma do grupo, a ser apoiada pela pressão social que este exerce. (HART, 2009:122)[10]

Em sua doutrina positivista, a norma de reconhecimento consiste em estabelecer quais as normas que satisfazem certa condição social e que são válidas. Isso tem clara conotação empírica e ligação com os costumes, além de fundamentar a validade de toda regra dela derivada.

Em um estágio primitivo, a norma de reconhecimento pode ser uma lista, texto ou documento. Quando existe o reconhecimento da norma como fonte de autoridade, verifica-se de forma simples uma norma secundária, a qual será responsável pelas normas primárias de obrigação. (HART, 1997:95)

Pode também, em um sistema evoluído, a norma de reconhecimento ser complexa. Nesta hipótese, ao invés de identificar as normas por consultas a um texto, lista ou monumento público, o fazem por terem sido aprovadas por um órgão oficial, por sua longa prática ou sua relação com as decisões judiciais. (HART, 1997:95).

Em um sistema jurídico evoluído, as normas de reconhecimento são evidentemente mais complexas; em vez de identificarem as normas exclusivamente pela consulta a um texto ou lista, o fazem por meio de referência a algumas características gerais das normas primárias. Pode ser, por exemplo, o fato de terem sido aprovadas por um órgão específico, ou sua longa prática consuetudinária, ou ainda, por sua relação com as decisões judiciais. (HART, 2009:122)[11]

A norma de reconhecimento contém muitas características do direito e seria o embrião da ideia de validade jurídica, na visão de Hart. Ele ainda trata o tema com grande profundidade, porém este não é o objetivo no momento, sendo importante apenas a este estudo para compreensão do instituto. (HART, 1997:95-103)

Para Dworkin, Hart adota como critério de validade uma norma a ser designada por um órgão competente. Algumas leis poderiam ser criadas pelo poder legislativo, outras por juízes com precedentes instituídos para o futuro. Mas, na visão de Dworkin, este teste de pedigree não funciona em todos os casos.

Segundo Hart, a maioria das regras de direito são válidas porque alguma instituição competente as promulgou. Algumas foram criadas por um poder legislativo, na forma de leis outorgadas. Outras, foram criadas por juízes, que as formularam para decidir casos específicos e assim as instituíram como precedentes para o futuro. Mas esse teste de pedigree não funciona para os princípios dos casos Riggs e Hemingsen. (DWORKIN, 2010:64).[12]

Dworkin resume a norma de reconhecimento de Hart como um teste de pedigree, que seria responsável pelo critério de apurar a validade da norma. Para Dworkin, esta norma é falha pois não identifica princípios e suas implicações, assim como faz parte da doutrina positivista que tanto critica. (DWORKIN, 1978:17)

Para ele a doutrina de Hart não faz a devida distinção entre regras e princípios, assim como traz a figura da discricionariedade tanto discutida entre os filósofos. Quanto ao termo pedigree criado por Dworkin ao explicar conceitos de Hart, será esclarecido mais adiante, quando for apresentada a reflexão de Dworkin.

2.3.  Hart e o uso da discricionariedade em decisões judiciais

Como já mencionado, na visão de Hart, o juiz deve decidir com discricionariedade quando a norma jurídica não existir no caso concreto. Ele afirma que o ordenamento jurídico não contempla resposta a todos os casos e, portanto, seria necessário o uso da discricionariedade para a decisão, principalmente em casos difíceis.

A orientação incerta da norma em razão de sua textura aberta (open texture) habilita o julgador fazer jus da discricionariedade para julgar. Seria típico da condição humana regulamentar antecipadamente esferas do comportamento com desvantagens, pois haveria sempre imprecisão de objetivo e ignorância dos fatos.        

É típico da condição humana (e também, portanto, da legislação) que labutemos com duas desvantagens interligadas sempre que procuramos regulamentar, antecipadamente e sem ambiguidade, alguma esfera de comportamento por meio de um padrão geral que possa ser usado sem orientação oficial posterior em ocasiões específicas. A primeira desvantagem é nossa relativa ignorância dos fatos; a segunda é a relativa imprecisão de nosso objetivo. Se o mundo no qual vivemos tivesse apenas um número finito de características, e estas, juntamente com todas as formas sob as quais podem se combinar, fossem conhecidas por nós, poderíamos então prever de antemão todas as possibilidades. Poderíamos crias normas cuja aplicação a casos particulares nunca exigiria uma escolha adicional. Poder-se-ia tudo saber e, como tudo seria conhecido, algo poderia ser feito em relação a todas as coisas e especificado antecipadamente por uma norma. Esse seria um mundo adequado a uma jurisprudência “mecânica”. (HART, 2009:166)[13]

Diante da tentativa de regulamentar os fatos futuros e a imprecisão de nossos objetos, em consonância com a textura aberta da norma jurídica, seria inevitável o uso da discricionariedade do julgador.

Como já mencionado, existem normas primárias e secundárias. Estas seriam responsáveis para capacitar o indivíduo a solucionar, de forma autorizada, os conflitos na ocasião específica quando for violada uma norma primária, a saber:

O terceiro suplemento ao regime simples de normas primárias, que visa remediar a ineficiência de sua pressão social difusa, consiste em normas secundárias que capacitem alguns indivíduos a solucionar de forma autorizada o problema de saber se numa ocasião específica, foi violada uma norma primária. (HART, 2009:125)[14]

O responsável para dirimir conflitos de normas e usufruir do poder discricionário seria, portanto, a pessoa que está autorizada por poderes conferidos pela norma secundária. (HART, 1997:96)

O termo discricionariedade, conforme esclarecido por Dworkin, pode ser apontado em três acepções. A primeira seria a escolha pelo juiz entre critérios que um homem razoável poderia interpretar de diferentes maneiras. A segunda é a ausência de revisão da decisão tomada por uma autoridade superior, sendo estas discricionariedades em sentido fraco. (DWORKIN, 1978:31-32)

Há também a terceira acepção, que seria a discricionariedade em sentido forte, ponto este de divergência entre Hart e Dworkin. Esta última implica na ausência de vinculação legal a padrões previamente determinados. (DWORKIN, 1978:32)

Para Hart, na terceira acepção poderia o juiz usar o poder discricionário para proferir decisão na ausência de vinculação legal, enquanto Dworkin é contra este poder, alegando não ser o juiz membro do legislativo. (DWORKIN, 1978:35)

Hart procura traçar uma teoria descritiva da lei, em busca da segurança jurídica e pela eficiência da pressão social. Tenta também, criar critérios para dizer quais regras e quais princípios são leis, sendo irrelevante sua justificação. (HART, 1997:132).

O doutrinador Hart faz distinção entre lei e moral e afirma que os institutos devem ser tratados com suas peculiaridades. Não teria a regra moral o mesmo condão da regra positivista prevista no ordenamento jurídico. Neste sentido, a doutrina italiana

de Hart gira em torno da tese segundo a qual é possível, útil e muito desejável, ter bem distinto o direito da moral, fazendo, além disso, atenção em reconhecer e separar, especialmente no discurso jurídico, as descrições das avaliações. Este argumento, que remonta ao pensamento de Jeremy Bentham, é baseado, em suma, na crença que não há realmente nenhuma conexão entre direito e moral, e que a identificação da lei depende de certos fatos sociais.  (MATTIONI, 2010:7, tradução nossa)[15]

Sobre a discussão, Hart contesta a interpretação feita por Dworkin de que a discricionariedade seria criar direitos com liberdade sem freios. Para Hart, o juiz poderia aplicar a discricionariedade apenas nos casos de omissão da lei e sendo vedada reformas de larga escala ou novos códigos. A decisão deveria sempre ser pautada em padrões dogmáticos e na racionalidade. Neste sentido, para Hart:

É importante que os poderes de criação que eu atribuo aos juízes, para resolverem os casos parcialmente deixados por regular pelo direito, sejam diferentes dos de um órgão legislativo: não só os poderes do juiz são objeto de muitos constrangimentos que  estreitam a sua escolha, de que um órgão legislativo pode estar consideravelmente liberto, mas, uma vez que os poderes do juiz são exercidos apenas para ele se libertar de casos concretos que urge resolver, ele não pode usá-los para introduzir reformas de larga escala ou novos códigos. Por isso, os seus poderes são  intersticiais,  e também estão sujeitos a muitos constrangimentos substantivos. Apesar disso, haverá pontos em que o direito existente não consegue ditar qualquer decisão que seja correta e, para decidir  os casos em que tal ocorra, o juiz deve exercer os seus poderes de criação do direito. Mas não deve fazer isso de forma arbitrária: isto é, ele deve sempre ter certas razões gerais para justificar a sua decisão e deve agir como um legislador consciencioso agiria, decidindo de acordo com as suas próprias crenças e valores. Mas se ele satisfizer estas condições, tem o direito de observar padrões e razões para a decisão, que não são ditadas pelo direito e podem diferir dos seguidos por outros juízes confrontados com casos difíceis semelhantes. (HART, apud CELLA:9)

Para Hart, o poder de discricionariedade do juiz estaria pautado na própria aplicação de princípios e doutrinas para fundamentar as decisões. Seria, inclusive, contraditório Dworkin alegar que o uso de princípios em decisões jurídicas não gera discricionariedade, pois estes são conhecimentos gerais e passíveis de diversas interpretações, sendo seu uso sujeito à discricionariedade.

Não apresenta o princípio um consenso de aplicabilidade, pois o caso concreto é suscetível de múltiplas explicações e posicionamentos. Para Hart, quando Dworkin admite o uso do princípio como fundamento de decisões, este afirma a própria discricionariedade diante das muitas possibilidades de interpretação no caso concreto.

Diante da possibilidade de princípios contraditórios, que evidencia a necessidade de discricionariedade, o juiz terá que escolher no sentido do que é melhor, e não em qualquer ordem de prioridades, segundo Hart. Não existe um critério seguro que possa medir o peso dos princípios em cada caso, sendo necessário, portanto, a discricionariedade.

Defensor de Hart é Yanal, pois este esclarece que a discricionariedade aceita pelo doutrinador seria em sentido moderado, dentro dos parâmetros pertinentes ao caso e não de qualquer maneira, neste sentido:

Tenho a certeza, nunca tive a intenção de que os juízes tenham um poder discricionário em sentido forte. É claro, nem que tenham eles apenas poder discricionário em sentido fraco. Na verdade, eu me pergunto se há algum poder discricionário em sentido fraco. Se eu disser a você, Arquive esses memorandos. Como? Use seu poder discricionário, estou apenas dizendo, ou eu indico que você faça isso? Acredito que Hart iria conceder um poder discricionário em sentido fraco aos juízes: a de que os juízes não podem decidir um caso difícil de qualquer maneira (por isso eles não têm poder discricionário em sentido forte), mas dentro dos parâmetros dos princípios e normas pertinentes ao caso, há uma livre escolha legal. (YANAL, apud IKAWA:99, tradução nossa)[16]

Embora reconheça a distinção entre normas e princípios, como já mencionado, Hart é adepto do positivismo jurídico brando. Nesta posição ele defende explicitamente como critério de validade que a norma de reconhecimento incorpore obediência a princípios morais ou valores substantivos. (HART, 1997:250). Hart admite ser um positivista legal inclusivo, pois aceita que a moral possa fazer parte das condições de validade jurídica, porém não seria esta a própria natureza do direito. A coerência de uma norma pode, mas não precisa ter coerência com a moral, neste sentido, o pensamento que resume bem o instituto:                                              

pode ser o caso, mas não precisa ser o caso, que a consistência de uma norma tenha alguns ou todos os requisitos da moralidade, como uma condição prévia para o status da norma como uma lei nesta ou naquela jurisdição.  (KRAMER, apud DUTRA:16, tradução nossa)[17]

O positivismo inclusivo aceita a ideia de uso dos princípios morais, entretanto não acolhe um sistema jurídico com determinação de padrões morais. Joseph Raz acrescenta ainda que não fazer distinção entre moral e norma poderá trazer consequências indesejáveis, pois há vários sistemas morais díspares ínsitos aos ordenamentos jurídicos, como o que defende a segregação racial.

2.4. Pós- escrito

Logo no início de seu postscript, Hart esclarece que não haveria conflitos significativos na obra dele e de Dworkin, pensamento este que acompanha alguns filósofos e foi, inclusive, fonte de questionamento no livro Taking Rights Seriously. (HART, 1997:240)

Quanto à crítica de Dworkin sobre a Norma de reconhecimento, Hart esclarece que não fundamentou sua teoria na ideia equivocada de que ela fosse parte do significado da palavra direito e que tal norma de reconhecimento devesse existir em todo ordenamento jurídico, ou se “os critérios para identificação dos fundamentos do direito não fossem fixados de maneira incontroversa, a palavra direito significaria coisas diferentes para pessoas diferentes.” (HART, 2009:318)

Assim, minha doutrina de que os sistemas jurídicos internos evoluídos contêm uma norma de reconhecimento que especifica os critérios para a identificação das leis que os tribunais têm de aplicar pode ser incorreta, mas em nenhum lugar baseio essa teoria na ideia equivocada de que seja parte do significado da palavra “direito” o fato de que tal norma de reconhecimento deve existir em todos os sistemas jurídicos, ou na ideia ainda mais equivocada de que, se os critérios para a identificação dos fundamentos do direito não fossem fixados de maneira incontroversa, a palavra “direito” significaria coisas diferentes para diferentes pessoas. (HART, 2009:318)[18]

O autor também elucida que sua doutrina positivista não trata apenas sobre os fatos históricos e não é um exemplo de positivismo dos simples fatos (plain-fact positivism). Esclarece que, embora sua ideia de norma de reconhecimento esteja ligada ao pedigree, conforme relatado por Dworkin, ele aceita expressamente que os critérios de validade jurídica possam incorporar explicitamente princípios de justiça e valores morais, integrando, assim, o conteúdo das restrições jurídicas constitucionais. (HART, 1997:247)

Ao assumir ser adepto do positivismo brando, Hart observa que as normas de reconhecimento, assim como as normas específicas, apresentam certa “penumbra” de incerteza. Nessa hipótese, poderia ocorrer caso inédito de necessidade de obediência aos critérios de princípios e valores morais. Neste sentido Hart diz:

Eu havia tornado isso claro, ou esperava tê-lo feito, em minha afirmação explícita, feita neste livro, de que a norma de reconhecimento, bem como as normas específicas do direito identificadas mediante referência a ela, podem apresentar uma “penumbra” de incerteza. (HART, 2009:325)[19]

Todo este contexto do positivismo brando lançado por Hart, deve-se ao fato da textura aberta (open texture) das normas e princípios. Como os casos inéditos não são regulados juridicamente, haveria a necessidade de discricionariedade (discretion). (HART, 1997:252)

Hart admite que alguns princípios são identificados como parte do direito vigente e outros não. Assim sendo, os princípios seriam extremamente subjetivos, fugazes e passíveis de mudanças com o tempo, sendo contraditório Dworkin afirmar que não haveria discricionariedade do julgador ao admitir o uso de princípios como padrão de comportamento. (HART, 1997:252)

Embora possa admitir a possibilidade dos enunciados do direito estarem ligados aos princípios e méritos morais, Hart não adota como verdade que esses enunciados só tenham sentido quando houver alguma fundamentação moral para sua existência.

Assim, sejam as leis moralmente boas ou más, justas ou injustas, os direitos e deveres exigem atenção como pontos focais no funcionamento do sistema jurídico, que tem importância suprema para os seres humanos e independe dos méritos morais das leis. Portanto, não é verdade que os enunciados de direitos e deveres jurídicos só possam ter sentido no mundo real se houver alguma fundamentação moral para que se afirme sua existência. (HART, 2009:347)[20]

Poderia a norma, portanto, ter conexão com princípios morais, mas isto não seria um requisito obrigatório para sua validade. Ainda que a norma possa ter conexão com a moral, a ausência de vinculação ou conexão não inviabilizaria sua aplicabilidade.

É importante neste momento da pesquisa fazer simples digressão, pois a discussão entre Hart e Dworkin aparenta ser entre princípios, normas de textura aberta, a moral e sua ligação com o direito, porém este é o pilar para a principal discórdia: o uso da discricionariedade nas decisões judiciais.

Para Dworkin não haveria possibilidade de discricionariedade, pois o direito não é incompleto ou indeterminado, podendo sempre, quando necessário, o julgador usufruir da moral e dos princípios para proferir decisões em casos difíceis. Para ele, usar a discricionariedade implicaria em criar novo direito aos fatos pretéritos.

Em seu postscript, Hart admite não ser viável um poder discricionário apto a criar novo direito de forma irrestrita, e nega, inclusive, que sua doutrina tenha traçado raciocínio neste sentido. Na sua visão a decisão proferida no caso difícil deverá sempre ser fundamentada e pautada em precedentes, princípios e conceitos morais, sendo abominável pensar no direito ilimitado e com arbitrariedade.

Seria um contrassenso, na visão de Hart, Dworkin fundamentar a não possibilidade de discricionariedade por parte do julgador, e de ser possível este usufruir de conceitos morais e de princípios para fundamentar suas decisões. Diante da subjetividade desses conceitos, haveria discricionariedade com a simples interpretação de princípios conflitantes.

Mas, embora esse procedimento possa certamente postergar, ele não elimina a oportunidade para a criação judicial do direito. Pois, em qualquer caso difícil, podem apresentar-se princípios distintos que autorizem analogias conflitantes, e o juiz é muitas vezes forçado a optar entre eles, confiando, como um legislador consciencioso, em sua percepção do que é melhor, e não em qualquer ordem de prioridades já estabelecidas que o direito lhe prescreva. (HART, 2009:355)[21]


3.  DWORKIN E A TEORIA LIBERAL DO DIREITO

Dworkin nega de forma categórica o positivismo jurídico e no início de sua obra, Taking Rights Seriously, defende uma teoria liberal do direito. Para ele o positivismo não admite a ideia de que os direitos jurídicos possam preexistir a qualquer forma de legislação e as regras seriam aplicadas na maneira “tudo ou nada”. (DWORKIN, 1978:24)

Para ele, várias teorias fracassam ao não analisar as implicações de princípios morais. O problema da teoria do direito não estaria na análise de fatos jurídicos ou de estratégias, mas sim em problemas relativos aos princípios morais.

Assim, as diversas correntes da abordagem profissional da teoria do direito fracassaram pela mesma razão subjacente. Elas ignoram o fato crucial de que os problemas de teoria do direito são, no fundo, problemas relativos a princípios morais e não estratégias ou fatos jurídicos. Enterraram esses problemas ao insistir na abordagem jurídica convencional. Mas, para ser bem-sucedida, a teoria do direito deve trazer à luz esses problemas e enfrentá-los como problemas de teoria moral. (DWORKIN, 2010:12)[22]

O positivismo, na visão de Dworkin, abandona o uso e o estudo de padrões que não são regras. Há para ele outros padrões válidos, como princípios e políticas. Princípios seriam exigências de justiça, de equidade e possuem conexão com a moralidade. (DWORKIN, 1978:22-23)

Para Dworkin, o pensamento positivista ao reduzir a interpretação normativa em normas e regras, desconsidera princípios e fica sujeito a discricionariedade do intérprete. Na sua visão, não haveria discricionariedade se os princípios que norteiam as normas jurídicas concretas fossem usados.

Ele procura traçar uma teoria normativa da lei, não apta apenas para a identificar, mas também para justificá-la moralmente. Procura afastar a possibilidade por parte do juiz de edição de leis novas com o uso da discricionariedade. (IKAWA, 2004:100)

A aplicabilidade das regras estaria ligada à subsunção e exige cumprimento pleno, sendo obrigado a fazer precisamente o que ordena. Os princípios podem ser cumpridos em diversos graus, caracterizados como mandatos de otimização e ordenam que se realize algo na maior medida possível.

A diferença entre regras e princípios não é simplesmente uma diferença de grau, mas sim de tipo qualitativo ou conceitual. As regras são normas que exigem um cumprimento pleno e, nessa medida, podem somente ser cumpridas ou descumpridas. Se uma regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente o que ordena, nem mais nem menos. As regras contêm por isso determinações no campo do possível fática e juridicamente. A forma característica de aplicação das regras é, por isso, a  subsunção. Os princípios, no entanto, são normas que ordenam que se realize algo na maior medida possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. Os princípios são, por conseguinte, mandatos de otimização que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diversos graus. (ATIENZA, apud CELLA:04-05)

Com este fundamento, Dworkin tenta demonstrar que a moral não pode ser negligenciada e que o positivismo comete esse equívoco, porque faz a distinção e não cria a conexão necessária entre regras e princípios.

O direito não é indeterminado ou incompleto para Dworkin, pois além do direito explícito, haveria princípios implícitos que mantêm coerência com o direito e apresentam melhor justificação moral. Nesta linha de raciocínio, o direito nunca seria incompleto ou indeterminado e não poderia o juiz aplicá-lo com discricionariedade.

3.1. Teste de pedigree

Em sua obra Taking Rights Seriously, Dworkin segue o propósito de apresentar críticas ao positivismo jurídico e, em especial, ao professor Hart.  No início de sua obra, The Model of Rules I, ele faz um breve resumo dos conceitos do positivismo jurídico, segundo a visão de Hart, e traz o termo pedigree.

O teste de pedigree, na visão de Dworkin, seria usado pelos positivistas para diferenciar regras jurídicas válidas de regras jurídicas espúrias. Seriam válidas as regras, na maioria dos casos, quando uma instituição competente as promulga.

Saber se as regras são válidas ao analisar a forma em que foram criadas (seja pelo poder legislativo ou por decisões criadas por juízes como precedentes instituídos para o futuro) ocorre por meio do teste de pedigree imposto pelos positivistas. (DWORKIN, 1978:40)

Como já mencionado, este teste é falho. Não seria útil, no pensamento de Dworkin, para a solução de todos os casos, pois a origem e o estudo da validade não estariam na decisão do poder legislativo ou do tribunal, mas na compreensão do que é apropriado, desenvolvido pelos profissionais da área e pelo público em geral. (DWORKIN, 1978:40)

A origem desses princípios enquanto princípios jurídicos não se encontra na decisão particular de um poder legislativo ou tribunal, mas na compreensão do que é apropriado, desenvolvida pelos membros da profissão e pelo público ao longo do tempo. (DWORKIN, 2010:64)[23]

Seria inviável, ainda no pensamento de Dworkin, aglutinar todos os princípios em uma única regra e, mesmo se fizesse, não teria relação com a imagem de uma regra de reconhecimento. Seria estranho pensar em princípios como tudo ou nada, pois sua dimensão de peso é maior que as regras. (DWORKIN, 1978:41)

Os princípios, seguindo o mesmo raciocínio, não encontram apoio em atos oficiais de instituições jurídicas e não enquadram conexão com critérios especificados por alguma regra de reconhecimento. (DWORKIN, 1978:41)

Tendo em vista que o teste de pedigree não é válido para Dworkin, o positivismo não apresentaria solução para os casos difíceis, pois ele remete a uma teoria do poder discricionário que, para ele, não leva a lugar algum e nada diz. (DWORKIN, 1978:44-45).                                                                                                                                                                    

3.2. O juiz Hércules

Ciente da diferença entre regras e princípios, Dworkin propõe o modelo do juiz ideal, que seria Hércules. Este juiz seria filosófico e desenvolveria, nos casos apropriados, teorias sobre a intenção do legislativo e os princípios jurídicos pertinentes, na tentativa da melhor perspectiva de interpretação.

Podemos, portanto, examinar de que modo um juiz filósofo poderia desenvolver, nos casos apropriados, teorias sobre aquilo que a intenção legislativa e os princípios jurídicos requerem. Descobriremos que ele formula essas teorias da mesma maneira que um árbitro filosófico construiria as características de um jogo, Para esse fim, eu inventei um jurista de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, a quem chamarei de Hércules (DWORKIN, 2010:165).[24]

Haveria três etapas para essa atitude interpretativa, sendo a primeira pré interpretativa, consistente na identificação; a segunda para apresentar justificação geral dos princípios, com interpretação e não invenção; a terceira, fase pós interpretativa ou reformadora, para se ajustar melhor à justificação geral estabelecida na segunda fase.

Hércules compreenderia que as decisões anteriores exerceriam uma força gravitacional sobre as decisões posteriores, mesmo quando fora de sua órbita particular. Suas decisões também não seriam pautadas em questões políticas, pois nestas hipóteses as decisões anteriores não teriam tal força. (DWORKIN, 1978:111-113)

Dworkin esclarece ainda que o nome Hércules foi escolhido porque ele deve construir um sistema abstrato e concreto de princípios que forneça coerência no common law e respeite as disposições constitucionais e legislativas. 

O leitor entenderá agora por que chamei nosso juiz de Hércules. Ele deve construir um esquema de princípios abstratos e concretos que forneça uma justificação coerente a todos os precedentes do direito costumeiro e, na medida em que estes devem ser justificados por princípios, também um esquema que justifique as disposições constitucionais e legislativas. (DWORKIN, 2010:182)[25]

Em seu postscript, Hart critica esta visão de Dworkin, pois seria evidente que somente um juiz mítico, como Hércules, poderia realizar a façanha de criar uma interpretação simultânea de todo o direito do país. (HART, 1997:263-264)

A existência de um juiz ideal com poderes sobre-humanos, por razões óbvias, parece perfeita e toda a discussão proposta seria em vão, pois o juiz ideal tudo saberia e resolveria, com bom senso, fundamentado em princípios e dentro da legalidade. Mas este é o mundo real que carece deste ser, sendo necessário, portanto, discussões para o aperfeiçoamento do direito e da evolução humana.

3.3. Dworkin e o uso da discricionariedade em decisões judiciais

Em contraposição ao pensando de Hart, Dworkin não admite o uso da discricionariedade. Este pensador não aceita a severa distinção do positivismo entre direito e moral, pois procura determinar uma ligação entre os institutos, “não podemos tratar a lei como separada, mas sim como um departamento da moralidade[26]”. Segundo ele, o princípio forneceria razões para a aplicação das regras. (DWORKIN, apud DUTRA, 2010:26, tradução nossa)

Conforme mencionado no subtítulo 2.3, a discricionariedade seria divida em três acepções, tendo Dworkin e Hart concordância de aplicabilidade na primeira e na segunda acepção (sentido fraco), entretanto, na terceira, manifestam discordância. Dworkin não admite o uso da discricionariedade em sentido forte. (DWORKIN, 1978:31-32)

O foco da discussão entre o positivismo jurídico e uma teoria liberal do direito, na visão de Dworkin, estaria no uso da discricionariedade judicial e suas implicações com uso de princípios morais.

Na visão de Dworkin, Hart está equivocado ao afirmar que, quando pode usufruir do poder discricionário, o juiz está somente vinculado a padrões que ele tipicamente emprega.

Hart, por exemplo, afirma que, quando o poder discricionário do juiz está em jogo, não podemos mais dizer que está vinculado a padrões que ele tipicamente emprega. (DWORKIN, 2010:55)[27]

A doutrina de Hart estaria, portanto, errada, pois o julgador deveria seguir padrões estabelecidos de princípios morais, e não somente padrões que ele tipicamente emprega.

O equívoco do positivismo, com o uso da discricionariedade, estaria na falta de obrigação dos juízes em seguir regras, exceto aquelas poucas obrigatórias e alguns princípios reconhecidos. (DWORKIN, 1978:36)

Seria uma contradição apontar regras e usufruir o poder discricionário no sistema positivista, pois essas regras poderiam a qualquer momento ser mudadas e não haveria direito nos termos do modelo positivista. Resultaria também em contrariar o princípio de tripartição dos poderes e a aplicação da lei com efeitos retroativos. (DWORKIN, 1978:37)    

Ao contrário da regra que é “tudo ou nada”, os princípios apresentam critérios de peso e uns são mais importantes que os outros. Não pode qualquer princípio ser invocado para mudança, caso contrário nenhuma regra estaria a salvo. É importante que existam princípios mais relevantes que outros, os quais, neste sentido, não dependam das preferências pessoais do juiz.

Porém, não é qualquer princípio que pode ser invocado para justificar a mudança; caso contrário, nenhuma regra estaria a salvo. É preciso que existam alguns princípios com importância e outros sem importância e é preciso que existam alguns princípios mais importantes que outros. Esse critério não pode depender das preferências pessoais do juiz, selecionadas em meio a um mar de padrões extrajurídicos respeitáveis, cada um deles podendo ser, em princípio, elegível. Se fosse assim, não poderíamos afirmar a obrigatoriedade de regra alguma. (DWORKIN, 2010:61)[28]

Dworkin discorre também sobre argumentos de políticas e de princípios, conforme já narrado neste trabalho, porém não foi despendido pesquisa neste sentido, afinal, suas implicações demandariam nova inquirição. Importante destacar, porém, que alguns argumentos de política e de princípios poderiam justificar certas decisões, na visão de Dworkin. (DWORKIN, 1978:82)

O argumento político poderia, por exemplo, justificar o objetivo coletivo da comunidade como um todo, porém Dworkin defende que as decisões devem ser geradas por princípios e não por políticas.

Não obstante, defendo a tese de que as decisões judiciais nos casos civis, mesmo em casos difíceis como o da Spartan Steel, são e devem ser, de maneira característica, gerados por princípios, e não por políticas. (DWORKIN, 2010:132)[29]

Sem entrar no mérito se os conceitos expostos por Dworkin são corretos, é importante reconhecer que a temática apresentada é de suma importância e necessária. O próprio Hart em seu Postscript reconhece que não dedicou a importância pertinente ao estudo dos princípios.

Diante da complexidade de um ordenamento jurídico evoluído, inegável às implicações de conceitos morais e de princípios no âmbito da sociedade, portanto, necessário se faz um estudo detalhado para dirimir dúvidas sobre suas implicações e aplicabilidades no cotidiano.

3.4. Resposta aos críticos

Da mesma forma como Hart que fez um postscript de sua obra, Dworkin também apresentou respostas às críticas realizadas por estudiosos sobre o seu livro. Dessa maneira, é necessário expor algumas questões apontadas por ele em Resposta aos críticos (A Reply to Cristics) da obra Taking Rights Seriously.

Após discorrer em seu A Reply to Cristics sobre a diferença entre argumentos de princípios e argumentos de políticas, Dworkin prossegue com o estudo e implicações do possível uso da discricionariedade.

Dworkin esclarece que o poder discricionário existe somente se a maioria dos juristas acreditar que qualquer decisão for igualmente correta, porque nenhuma das partes tem o direito de uma decisão na matéria, assim:

Devemos abrir mão de toda referência às crenças muito difundidas, de modo que a tese passe a afirmar que o poder discricionário existe se duas decisões forem (e não, simplesmente, se se acreditar que sejam) igualmente corretas porque nenhuma das partes tem direito a uma decisão na matéria. (DWORKIN, 2010:507)[30]

Embora reconheça essa possibilidade de poder discricionário, Dworkin é categórico ao afirmar que não existe poder discricionário em sentido forte. Para o autor, cada caso deve ser analisado com argumentos jurídicos ou filosóficos, para corroborar com a tese de inexistência de direito em caso difícil ou que os argumentos de direito da parte não sejam mais fortes que o da outra.  (DWORKIN, 1978:330)

Somente nessa hipótese e abrindo mão de crenças muito difundidas seria possível o poder discricionário em sentido forte, posição esta que Dworkin mantém em sua A Reply to Critics.

Ele também enfatiza que os princípios gerais do direito são mais nobres que os princípios dos textos jurídicos[31]. A explicação do doutrinador sobre esta afirmação é esclarecedora para compreender sua luta por aplicabilidade dos princípios nas decisões judiciais. (DWORKIN, 1978:338)

Para Dworkin, mesmo aspirando que as decisões judiciais sejam questões de princípios, isto não é completamente alcançado, pois com frequência verifica-se argumentos de princípios equivocados. Mas na visão do doutrinador, ganha-se mesmo assim com a tentativa.

No sistema atual, aspiramos que uma decisão judicial seja uma questão de princípio. Isto não pode ser completamente realizado, pois todos nós achamos que os juízes, às vezes, e talvez com frequência, apresentam argumentos de princípios equivocados. Mas saímos ganhando mesmo com a tentativa. (DWORKIN, 2010:518)[32]

Há nações em que os cidadãos estariam em melhor situação se não houvesse um livro público que determinasse todas as leis. Na ânsia de impor tirania e ávidos por poder, os governantes utilizam da boa reputação da lei. Seria benéfico em algumas situações, na visão de Dworkin, se não houvesse um livro público determinando normas de comportamento e fossem respeitados princípios básicos e inerentes aos cidadãos. (DWORKIN, 1978:338)

Seria esta a justificativa de Dworkin para a aplicabilidade de princípios morais, pois somente a lei não resolveria problemas de uma nação. Princípios morais deveriam, portanto, ser o pilar de sustentação do ordenamento jurídico. 


4. PARALELO ENTRE AS DOUTRINAS E DISCORDÂNCIAS

Ao longo do estudo observa-se a nítida discussão entre Hart e Dworkin sobre o uso da discricionariedade nas decisões judiciais. A questão é latente e indiscutível, porém alguns pontos são tratados com concordância entre os doutrinadores e, se comparados, conclui-se que as doutrinas não apresentam grandes contrastes.

Ambos concordam que não se pode usar a discricionariedade de forma ilimitada e irrestrita, que o julgador não tem poderes supremos, devendo sempre seguir padrões pertinentes da sociedade, usufruindo de princípios morais.

A qualquer momento os juízes, mesmo os de um supremo tribunal, fazem parte de um sistema cujas normas são, em seu cerne, suficientemente precisas para oferecer padrões de decisão judicial correta. Esses padrões são encarados pelos tribunais como algo que eles não têm a liberdade de ignorar no exercício da autoridade de que dispõem para tomar decisões incontestáveis dentro do sistema. (HART, 2009:188)[33]

Ainda nesse raciocínio, Hart confirma e segue a linha de pensamento do Dworkin, ao admitir que o uso da discricionariedade na forma irrestrita e ilimitada deve ser rejeitado.

Não se pode aplicar às declarações dos próprios tribunais que envolvem uma norma jurídica. Tais pronunciamentos, conforme argumentavam os “realistas” mais radicais, podem ser um disfarce verbal para o exercício de uma discricionariedade irrestrita; mas podem, por outro lado, constituir a formulação de normas genuinamente consideradas pelos tribunais, do ponto de vista interno, como um padrão para decisões corretas. (HART, 2009:190)[34]

Embora em primeira leitura do livro The Concept of Law de Hart, algumas questões sobre o uso da discricionariedade fiquem na penumbra devido à ausência de um capítulo que possa esclarecer o uso de princípios morais. Todavia, em seu Postscript, a dúvida é cabalmente esclarecida.

Hart não é adepto do uso irrestrito da discricionariedade, devendo sempre o julgador se submeter aos conceitos de princípios morais, na ausência de expressa determinação legal para resolução do conflito legal.

Ambos admitem que um ordenamento jurídico somente com princípios morais, com uma fé de que os direitos individuais e o bem estar vão se fundir, é uma utopia. Necessário se faz um mínimo de legislação vigente, como tentativa de determinar padrões a serem seguidos. Neste sentindo, segue uma citação de Dworkin:

Uma coisa é apelar ao princípio moral com fé tola de que a ética e a economia são movidas por uma mão invisível, de modo que os direitos individuais e o bem-estar geral irão fundir-se, e que o direito baseado em princípios levará a nação a uma utopia sem atritos onde todos estarão em melhores condições que antes. (DWORKIN, 2010:230)[35]

Embora Dworkin tenha reconhecido de forma sutil em seu texto, os princípios são contraditórios e dão margem à interpretação. Ele não confirma um poder discricionário do julgador, porém em consonância com o pensamento de Hart, admite a subjetividade de aplicabilidade dos princípios em decisões judiciais, neste sentido:

Essa primeira diferença entre regras e princípios traz consigo uma outra. Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou importância. (DWORKIN, 2010:42)[36]

O programa de cotas nas universidades públicas no Brasil, por exemplo, pode ser defendido com o princípio da igualdade, no sentido de que a lei deve proteger os desiguais frente aos iguais. Pode também o princípio da igualdade ser defendido para justificar que é um tratamento desigual atribuir favorecimento ao cotista, por ferir o princípio da igualdade.

Sem entrar no mérito da questão, é inquestionável o fato dos princípios serem abertos com grande margem de interpretações. Dworkin reconhece que nesta subjetividade sempre haveria um princípio certo a ser aplicado ao caso, não havendo, assim, discricionariedade.

Ambos concordam que regras e princípios morais são diferentes, cada conceito apresenta suas peculiaridades. Embora cada doutrinador faça distinções entre os institutos, um e outro mantêm consenso de que regras e princípios não têm a mesma definição.

Discordam os doutrinadores sobre o critério criado por Hart de textura aberta das normas. Apesar de ser este um ponto de discordância, Hart admite que em questões fundamentais não há textura aberta da norma.

Dworkin alega que o poder discricionário poderia criar nova decisão a cada caso, este fato implicaria em insegurança jurídica. Mesmo que Hart seja adepto do uso da discricionariedade, assim como Dworkin, ele admite que não é possível os padrões variáveis implicarem em uma nova decisão a cada caso. Na doutrina de Hart lê-se:

Entretanto, a vida do direito consiste em grande parte em orientar tanto as autoridades quanto os indivíduos particulares através de normas precisas, que, diversamente das aplicações de padrão variáveis, não lhes exijam uma nova decisão a cada caso. (HART, 2009:175)[37]

Dworkin tenta criar a necessidade de justificativa de princípios morais para as normas, porém este não é o entendimento de Hart. Na visão deste doutrinador, poderia a norma ter conexão com princípios morais, mas não há exigência neste sentido.


CONCLUSÃO

Dworkin não admite o uso da discricionariedade, pois fundamenta que sempre haveriam regras morais e princípios pertinentes aos casos para as resoluções dos conflitos.

Com a possibilidade de utilização de princípios morais e a necessidade de interpretação, seja no direito costumeiro (common law) ou no positivado, Dworkin utiliza a figura do juiz Hércules, que seria uma metáfora para buscar quais os corretos critérios de interpretação e utilização de princípios para a resolução dos casos difíceis.

De certa forma, a doutrina de Dworkin parece não compreender que, ao se atribuir critérios morais e princípios para fundamentar decisões e ser fonte de parâmetro para a esfera jurídica, concede-se maior discricionariedade ao julgador.

Embora não reconheça Dworkin, de forma expressa, a possibilidade de discricionariedade do juiz nas decisões judiciais, em sua doutrina ele entende que os princípios são subjetivos e com margem para escolha do julgador. Deveria, nessas hipóteses, ser escolhido o princípio correto em um caso difícil (hard cases).

Reconhece também que somente princípios, sem nenhuma legislação escrita, não forneceriam segurança jurídica necessária para uma nação. Mas, de forma brilhante, Dworkin esclarece que não pode ser a lei fonte de sustentação para tiranos cessarem direitos preexistentes dos cidadãos, e que, mesmo com subjetividade e possibilidade de interpretações equivocadas, deveria sim o princípio fazer parte do ordenamento jurídico e, dessa forma, garantir direitos básicos para uma sociedade.

Os princípios morais, mesmo que abertos e com margens para equívocos de interpretação, na visão de Dworkin, são necessários para a sociedade, devendo a norma e as decisões serem justificadas pelos princípios morais. Assim, seria evitado que tiranos, valendo-se da boa fama da lei, retirem direitos preexistentes dos cidadãos.

Hart, em oposição ao pensamento de Dworkin, admite o uso da discricionariedade por crer ser improvável um ordenamento jurídico que tenha previsão de todas as situações passíveis de sanção sem conflitos legais. Ele admite a distinção entre direito e moral e acredita ser viável o uso do poder discricionário, pautado na moral e nos princípios, para o julgamento dos conflitos.

Hart reconhece de forma menos relutante a possibilidade de discricionariedade em decisões judiciais. O restante do conteúdo da doutrina deste professor não difere muito da doutrina de Dworkin, pois ambos refutam a ideia de poderes ilimitados aos julgadores, com discricionariedade sem limites e sem padrões.

Jamais haveria um ordenamento jurídico complexo e justo com poderes irrestritos e ilimitados conferidos aos julgadores. São requisitos fundamentais os princípios morais, segurança jurídica e previsibilidade das decisões.

O tema tem grande implicação prática, pois os poderes conferidos aos julgadores retratam a forma de governo de um Estado, os aspectos de liberdades dos cidadãos, o espaço público e, inclusive, faz parte da estrutura e forma de divisão dos poderes e seus limites de atuação (legislativo, judiciário e executivo).

A preocupação dos doutrinadores é salutar para o estudo do tema. Reflete também a cautela de qualquer ordenamento jurídico complexo que visa estabelecer conceitos de justiça e equidade no seio da sociedade.

Poder irrestrito aos julgadores, sem freios e com poder discricionário ilimitado, de forma pacífica entre os doutrinadores aqui citados, não é benéfico para o Estado e seus cidadãos. Limites previamente impostos aos julgadores, com critérios objetivos de como utilizar fundamentações de decisões judiciais com princípios, são de grande valia.

Os limites dos poderes de interpretação das normas jurídicas e a maneira correta de se proceder é tema recorrente no estudo do direito, sendo que as pesquisas apresentadas por Dworkin e Hart contribuíram muito. 

Importante também deduzir que a preocupação no estudo da discricionariedade é assaz válida, porém necessário se faz ir mais além. A busca de conceitos de direito e justiça, não deve se limitar apenas na visão do poder judiciário ou no mundo jurídico.

A organização de um Estado é mais do que o complexo poder judiciário, o qual representa somente um dos três poderes. Não adianta descobrir a melhor forma de estrutura e controle do judiciário, com belíssimos conceitos de como proceder com o provável e inevitável poder discricionário, se os demais poderes do Estado não estiverem fortes e em harmonia.

O poder judiciário é apenas uma peça no tabuleiro de xadrez, que precisa de toda estrutura, em consonância entre o poder legislativo e executivo. Um poder judiciário forte aliado a um poder legislativo fraco e descompassado, por exemplo, não refletirá justiça. Nesta hipótese, o julgador poderá justificar o uso de demasiado poder discricionário, para suprir o déficit do poder legislativo.

O poder legislativo fraco, pode ser usado como justificativa para adotar poder discricionário e, um poder executivo que trabalha a descontento, pode ser usado como desculpa para problemas no legislativo. Para discutir e aprimorar técnicas de justiça, como visa o estudo do poder discricionário, necessário se faz antes produzir conhecimento e aprimoramentos no sistema político como um todo, em uma estrutura política forte e robusta para os três poderes e para o Estado.

Não parece ser crível e proveitoso gerar uma teoria do direito que almeja a apenas discutir aspectos jurídicos, pois este poder, por exemplo, é extremamente conectado ao poder legislativo. O poder discricionário, por sua vez, está também diretamente ligado à forma de atuação do legislativo.

Como resultado final, é possível concluir que de imensa valia é a obra de Hart e também as posteriores críticas e discussões de Dworkin sobre o tema. Os doutrinadores contribuiram para o aprimoramento e estudo do direito e da filosofia jurídica. Necessário é, também, para alcançar maior amplitude na intenção de aprimorar técnicas de julgamento e melhor espaço para justiça e equidade, ter em foco o estudo sobre os três poderes, a harmonia entre eles, formas de governo, de política e estruturas do Estado.


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Notas

[1] Texto originalmente publicado no livro “FUGA, Bruno Augusto Sampaio; CENCI, Elve Miguel. Direito Contemporâneo – Perspectivas. Artigo Direito e Discricionariedade. A discricionariedade do Juiz: discussão entre Dworkin e Hart. Bruno Augusto Sampaio Fuga e Elve Miguel Cenci. Editora CRV, 2013”, neste ato disponibilizado para pesquisa.

[2] after revolution or major upheavals, the Courts of a system have to consider their attitude to the moral iniquities committed in legal form by private citizens or officials under na earlier regime. Their punishment may be felt socially desirable , and yet, to procure it by frankly retrospective legislation, making criminal what was permitted or even required by the law of the earlier regime, may be difficult, itself morally odious, or perhaps not possible. (HART, 1997:208)

[3] In these circumstances it may seem natural to expoit the moral implications latent in the vocabulary of the law and especially in words like ius, recht, dirito, droit wich are laden with the theory of Natural Law. (HART, 1997:208)

[4] First, it ignores my explicit acknowledgement that the rule of recognition may incorporate as criteria of legal validity conformity with moral princciples or substantive values; so my doctrine is what has been called ´soft positivism´ and not as in Dworkin´s version of it ´plain-fact´ positivism. (HART, 1997: 250)

[5] Such cases are not merely ´hard cases´, controversial in the sense that reasonable and informed lawyers may disagree about wich answer is legally correct, but the law in such cases is fundamentally incomplete: it provides no answer to the questions at issue in such cases. They are legally unregulated and in order to reach a decision in such cases the courts must exercise the restricted law-making function which I call ´discretion´.(HART, 1997:252)

[6] Under rules of the one type, which may well be considered the basic or primary type, human beings are required to do or abstain from certain actions, whether they wish to or not. Rules of the other type are in sense parasitic upon or secondary to the first; for they provide that human beings may by doing or saving certain things introduce new rules of the primary type, extinguish or modify old ones, or in various ways determine their incidence or control their operations. (HART, 1997:81)

[7] Rules of the first type impose duties; rules of the second type concern actions involving physical movement or changes; rules of the second type provide for operations wich lead not merely to physical movement or change, but to the creation or variation of duties or obligations. (HART, 1997:81)

[8] The simplest form of remedy for the uncertainty of the regime of primary rules is the introduction of what we shall call a “rule of recognition”. This wil specify some feature or features possession of which by suggested rule is taken as a conclusive affirmative indication that it is a rule of the group to be supported by the social pressure it exerts. (HART, 1997:94)

[9] Thus we can record Hart´s fundamental distinction this way: a rule may be binding (a) because it is accepted or (b) because it is valid. (DWORKIN, 1978:21)

[10] This wil specify some feature or features possession of which by suggested rule is taken as a conclusive affirmative indication that it is a rule of the group to be supported by the social pressure it exerts. (HART, 1997:94)

[11] In a developed legal system the rules of recognition are of course more complex; instead of identifying rules exclusively by reference to a text or list they do so by reference to some general characteristic possessed by the primary rules. This may be the fact of their having been enacted by a spcific body, or their long customary practice, or their relation to judicial decision. (HART, 1997:95).

[12] Most rules of law, according to Hart, are valid because some competent institution enacted them. Some were created by a legistature, in te form of statutory enactments. Others were created by judges who formulated them to decide particular cases, and thus established them as precedents for the future. But this teste of pedigree wil not work for the Riggs and Henningsen principles. (DWORKIN, 1978:40).

[13] It is a feature of the human predicament (and so of the legislative one) that we labour under two connected handicaps whenever we seek to regulate, unambiguously and in advance, some sphere of conduct by means of general standards to be used without further official direction on particular occasions. The first handicap is our relative ignorance of fact: the second is our relative indeterminacy of aim. If the word in wich we live were characterized only by a finite number of features, and these together with all the modes in which they could combine were known to us, then provision could be made in advance for every possibility. We could make rules, the application of which to parcular cases never called for a further choice. Everything could be known, and for everything, since it could be known, something could be done and specified in advance by rule. This would be a world fit for ´mechanical´ jurisprudence.(HART, 1997:128)

[14] The third supplement to the simple regime of primary rules, intended to remedy the inefficiency of this diffused social pressure, consists of secondary rules empowering individuals to make authoritative determinations of the question whether, on a particular occasion, a primay rule has been broken. (HART, 1997:96)

[15] la teoria hartiana ruota intorno alla tesi, secondo la quale è possibile, utile ed assai auspicabile tener ben distinto il diritto dalla morale – facendo peraltro attenzione a riconoscere e a separare, in particolar modo nei discorsi giuridici, le descrizioni dalle valutazioni –; questa tesi, risalente al pensiero di Jeremy Bentham, è a sua volta fondata, per dirla in breve, sui convincimenti che non vi sia alcuna connessione davvero necessaria fra diritto e morale, e che l’individuazione del diritto dipenda da determinati fatti sociali. (MATTIONI, 2010:7)

[16] I am quite sure, never intended that judges have a strong sense of discretion. Of course, neither did he intend them to have only discretion in the weak sense either. In  fact,  I wonder if there is any weak sense of discretion. If I say to you, File these memos. How? Use your discretion, am I only saying, I nominate you to do it? I believe that Hart would grant a moderate sense of discretion to judges: that judges cannot decide a hard case just any way (hence they do not have strong discretion) , but within the parameters of the rules principles relevant to the case there is a legally unconstrained choise.  (YANAL, apud IKAWA:99)

[17] it can be the case, thought it need not to be the case, that a norm´s consistency with some or all of the requirements of morality is a precondition for the norm´s status as a law in this or that jurisdiction. (KRAMER, apud DELAMAR:16)

[18] Thus, my doctrine that developed municipal legal systems contain a rule of recognition specifying he criteria for the identification of the laws which courts have to aplly may be mistaken, but I nowhere base this doctrine on the mistaken idea that ti is part of the meaning of the word ´law´ that there should be such a rule of recognition in all legal systems, or on the even more mistaken idea that if the criteria for the identification of the grounds of law were not uncontroversuially fixed, ´law´would mean different things to different people. (HART, 1997:246)

[19] This os made plain, or so I had hoped, both by my explicit statement in this book that the rule of recognition itself as well as particular rules of law identified by reference to it may hav a debatable ´penumbra´ of uncertainty. (HART, 1997:251)   

[20] So whether the laws are morally good or bad, just or unjust, rights and duties demand attention as focal points in the operations of the law which are of supreme importance to human beings and independently of moral merits of the laws. Ir is therefore untrue that statements of legal rights and duties can only make sense in the real world if there is some moral ground for asserting their existence.(HART, 1997:269)

[21] But though this procedure certainly defers, it does not eliminate the moment for judicial law-making, since in any hard case different principles supporting competing analogies may present themselves and a judge will often have to choose between them, relying, like a conscientious legislator, on his sense of what is best and not on any already established order of priorities prescribed for him bt law.  (HART, 1997:275)

[22] So the various branches of the professional approach to jurisprudence failed for the same underlying reason. They ignored the crucial fact that jurispridential issues are at their core issues  of moral principle, not legal fact or strategy. They buried these issues by insisting on a conventional legal approach. But if jurisprudence is to succeed, it must expose these issues and attack them as issues of moral theory. (DWORKIN, 1978:7)

[23] The origin of these as legal principles lies not in a particular decision of some legislature or court, but in a sense of appropriateness developed in the profession and the public over time. (DWORKIN, 1978:40)

[24] We might therefore do well to consider how a philosophical judge might develop, in appropriate cases, theories of what legislative purpose and legal principle require. We shall find that would construct these theories in the same manner as a philosophical referee would construct of a game. I have invented, for this purpose, a lawyer of superhuman skill, learning, patience and acumen, whom I shall call Hercules. (DWORKIN, 1978:105).

[25] You will now see why I called our judce Hercules. He must construct a scheme of abstract and concrete principles that provides a conherent justification for all common law precedents and, so far as these are to be justified on principle, constitutional and statutory provisions as well. (DWORKIN, 1978:116-117)

[26] we might treat law not as separate from but as a department of morality. (DWORKIN, apud DELAMAR, 2010:26)

[27] Hart, for example, says that when the judge´s discretion is in play, we can no longer speak of his being bound by standards, but must speak rather of what standards he ´characteristically uses´. (DWORKIN, 1978:34)

[28] But not any principle will do to justify a change, or rule would ever be safe. There must be some principles that count and others that do not, and there must be some principles that count for more than others. It could not depend on the judge´s own preferences amongst a sea of respectable extra-legal standards, any one in principle eligible, because if that were the case we could not say that any rules were binding.  (DWORKIN, 1978:37)    

[29] I propose, nevertheless, the thesis that judicial decisions in civil cases, evem in hard cases like Spartan Steel, characteristically are and should be generated by principle not policy.   (DWORKIN, 1978:84)

[30] We must drop the reference to what is widely believed, so that the thesis becomes the thesis that discretion exists of two decisions are (not simply are believed to be) equally correct because neither party has a right to a decision in the matter. (DWORKIN, 1978:330)

[31] the rule of law is a nobler ideal than the rule of legal texts. (DWORKIN, 1978:338)

[32] Under the present system, we aspire that adjudication be a matther of principle, The aspiration cannot be fully realized, because each of us will think that judges sometimes, and perhaps often, make mistaken arguments of principle. But we gain even through the attempt. (DWORKIN, 1978:338) 

[33] At any given moment judges, evem those of a supreme court, are parts of a system the rules of which are determinate enough at the centre to supply standards of correct judicial decision. These are regarded by the courts as something which they are not free to disregard in the exercise of the authority to make those decisions which cannot be challenged within the system. (HART. 1997:145)

[34] It cannot apply to the courts´ own statements of a legal rule. These must either be, as some extremer ´Realists`claimed, a verbal covering for the exercise of an unfettered discretion, or they must be the formulation of rules genuinely regarded by the courts from the internal point of view as a standard of correct decision. (HART. 1997:147)

[35] It is one thing to appeal to moral principle in the silly faith that ethies as well as economics moves by na invisible hand, so that individual rights and the general good will coalesce, and law based on principle will move the nation to a frictionless utopia where everyone is better off than he was before. (DWORKIN, 1978:147)

[36] There may be other principles or policies arguingin the other direction – a policy of securing title, for example, or a principle limiting punishment to what the legislature has stipulated.  (DWORKIN, 1978:26)

[37] None the less, the life of the law consists to a very large extent in the guidance both of officials and private individuals by determinate rules which, unlike he applications of variable standards, do not require from them a fresh judgment frim case to case. (HART, 1997:135)


Autores

  • Bruno Fuga

    Advogado e Professor. Doutor em Processo Civil pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UEL (na linha de Processo Civil). Pós-Graduado em Processo Civil (IDCC). Pós-Graduado em Filosofia Política e Jurídica (UEL). Membro da academia londrinense de letras (cadeira n.º 32). Conselheiro da OAB de Londrina. Membro ABDPro, IBDP e IDPA. E-mail: [email protected]

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  • Elve Miguel Cenci

    Elve Miguel Cenci

    Possui graduação em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo – UPF/RS (1993), mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS/RS (1999) e doutorado em filosofia pela universidade federal do rio de janeiro - UFRJ/RJ (2003). Atualmente é professor associado da Universidade Estadual de Londrina.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FUGA, Bruno; CENCI, Elve Miguel. Discricionariedade do juiz: discussão entre Dworkin e Hart. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4997, 7 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55984. Acesso em: 27 abr. 2024.