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A concepção tomista de pessoa

A concepção tomista de pessoa

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Sumário: 1. Introdução; 2. Os Direitos da Personalidade; 2.1 – Direitos Fundamentais e Direitos da Personalidade; 2.2 – Classificação dos Direitos da Personalidade; 2.3 – Direitos da Personalidade e Pessoa; 3. O Pensamento Cristão; 4. São Tomás de Aquino; 4.1 – A vida de São Tomás de Aquino; 4.2 – A concepção de pessoa de acordo com o pensamento de São Tomás de Aquino; 5. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

O que são e quais são os "Direitos da Personalidade"? Walter Moraes, em sua obra "A Concepção Tomista de Pessoa – Um contributo para a teoria do direito da personalidade" afirma que, são tantos os direitos arrolados nesta categoria que, fatalmente, chegamos à esse questionamento. Direito à vida, à honra, ao corpo, à imagem, à liberdade, à intimidade, o estado civil, o trabalho, a clientela, as partes do corpo, o cadáver, produtos da pessoa (direitos autorais), segredo das correspondências, boa fama, alcunha, brasões ... e um infindável número! A cada dia, novos direitos da personalidade surgem, provocando a reação de inúmeros doutrinadores que entendem que, tal fato, gera dúvidas e incertezas quanto a sua aplicabilidade e conceituação, além de deixar uma sensação de algo desorientado ou perdido. Já não são poucos os estudiosos do direito a afirmar que é preciso, urgentemente, encontrar uma espécie de "ponto de apoio" (como afirma Walter Moraes) (I) , alguma coisa que possa dar unidade à esse conjunto de direitos, uma base. Apesar de existirem, conforme veremos adiante, posicionamentos contrários.

Para encontrar tal "ponto de apoio" precisamos, primeiramente, entender o que quer dizer o termo "Direito da Personalidade" e o que este termo tem à ver com a Personalidade e com a pessoa, além disso, resta-nos questionar o que é personalidade e, finalmente, o que é pessoa?

De nada adianta alegar que os Direitos da Personalidade são os direitos da pessoa, porque é notório que o direito é constituído "hominus causa", ou seja, o único sujeito de direitos é a pessoa, de modo que todos os direitos são da pessoa, e não apenas os direitos da personalidade;

Olhando sob um ponto de vista objetivo, a afirmação de tratar-se de direitos que se exercem sobre uma mesma pessoa, também não é nem um pouco convincente, já que, seria o mesmo que afirmar que os diferentes objetos dos direitos da personalidade é que compõem, ou sustentam, a pessoa ou a sua personalidade, o que sabemos, desde já, que não é verdade, pois a personalidade é ínsita ao ser humano. Cabe aqui, portanto, questionar se, a intimidade, a fotografia, a sepultura, os alimentos e tantos outros bens incluídos no rol dos "Direitos da Personalidade" são, realmente, bens que constituem, essencialmente, a pessoa.

Não podemos deixar de reconhecer que tratam-se de valores relacionados à pessoa, no entanto, a maioria dos doutrinadores entende que a doutrina dos direitos da personalidade ainda é muito imprecisa e contraditória, necessitando de esclarecimentos, explicações coerentes. E aí, voltamos ao início dessa introdução, quando afirmamos necessitar, tais direitos, de um "ponto de apoio", uma base.

Desse modo, passaremos a verificar, baseando-nos na obra de Walter Moraes (supra citada), o que se entende por Direitos da personalidade, o que é personalidade e o que é pessoa, não esquecendo de abordar tais assuntos, de acordo com o pensamento cristão que, desde os primeiros séculos, já questionava e estudava esses temas. Culminando, por abordar a concepção de pessoa, de acordo com o pensamento de um dos maiores filósofos da baixa Idade Média: S. Tomás de Aquino.


2. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Antes de falarmos dos direitos da personalidade, temos que saber, primeiramente, o que é "personalidade".

De acordo com a legislação civil pátria, personalidade é a aptidão para se tornar sujeito de direitos e obrigações, ou, como afirma, o ilustre mestre, CLÓVIS BEVILÁQUA: "É a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações".(II)

Ainda, com relação à legislação supra citada, a pessoa física ou o ser humano, adquire a personalidade civil quando nasce com vida (artigo 4º do Código Civil Brasileiro). Adquirida a personalidade civil, as pessoas físicas, tornam-se sujeitos de direitos e obrigações na órbita civil. No que pertine às Pessoas Jurídicas ou Morais, atualmente, já não são poucos os que entendem que têm, estas, direitos da personalidade, direitos que adquirem no instante em que registram seus contratos, estatutos ou atos constitutivos no órgão de registros peculiar, passando a ter, dessa forma, existência jurídica.

Desse modo, podemos afirmar que não existem "Direitos à Personalidade", pois esta, é imanente à pessoa. O correto, seria dizer que, existem "Direitos da Personalidade" ou direitos decorrentes da aquisição da personalidade civil, uma vez que, tais direitos, passam a existir a partir do momento em que a pessoa adquire a personalidade civil, passando a ser sujeito de direitos e obrigações.

Seguindo essa linha de raciocínio, podemos dizer que os Direitos da Personalidade são direitos que decorrem da aquisição da personalidade civil, portanto, são direitos da pessoa, no entanto, como já salientamos antes, só essa afirmativa não basta para conceituar os Direitos da Personalidade, já que todos os direitos são da pessoa, pois só a pessoa, seja física, seja jurídica, pode ser sujeito de direitos.

Nesse caso, como conceituar os Direitos da Personalidade?

De acordo com nossa doutrina, os chamados "Direitos da Personalidade", são direitos imanentes à pessoa, consistem em direitos que têm por objeto "emanações da personalidade". Porém, o que seriam essas "emanações da personalidade"? Walter de Moraes entende que tal termo é um tanto quanto obscuro, de modo que, não explica, por si, o que é personalidade ou o que é pessoa.

Gierke definiu os direitos da personalidade como aqueles que "asseguram ao seu sujeito o domínio sobre uma parte componente da esfera da própria personalidade." Porém, não definiu o que se entenderia por "esfera da própria personalidade", o que deixou seu conceito um tanto quanto vago.

Carlos Alberto Bittar, em sua obra "Os Direitos da Personalidade"- 2ª Edição, afirma que "os direitos da personalidade devem ser compreendidos como: a) os próprios da pessoa em si (ou originários), existentes por sua natureza, como ente humano, com o nascimento; b) e os referentes às suas projeções para o mundo exterior (a pessoa como ente moral e social, ou seja, em seu relacionamento com a sociedade)". (III)

Ao iniciar a obra supra citada, Carlos Alberto Bittar assim delimita o tema Direitos da Personalidade: "Consideram-se como da personalidade os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos." E continua o autor: "Em verdade, o universo desses direitos está eivado de dificuldades, que decorrem, principalmente: a) das divergências entre os doutrinadores com respeito à sua própria existência, à sua natureza, à sua extensão, e à sua especificação; b) do caráter relativamente novo de sua construção teórica; c) da ausência de uma conceituação global definitiva; d) de seu enfoque, sob ângulos diferentes, pelo direito positivo (público, de um lado, como liberdades públicas; privado, de outro, como direitos da personalidade), que lhe imprime feições e disciplinações distintas".

Dessa forma, podemos afirmar que não existe, ainda, um conceito completo e preciso do que seja o Direito da Personalidade. A doutrina e a jurisprudência buscam, constantemente, baseando-se nos vários Direitos da Personalidade existentes e nos que surgem diariamente, encontrar um conceito que defina, de uma forma clara, objetiva, completa, os Direitos da Personalidade.

Caio Mário da Silva Pereira (IV) ensina que para caracterizar a natureza jurídica dos direitos da personalidade, importa salientar que nossa legislação reconhece, de maneira inequívoca, a existência de faculdades atribuídas ao homem, "imbricadas na sua condição de indivíduo e de pessoa". E continua, afirmando que os direitos da personalidade distribuem-se em duas categorias gerais: de um lado, os adquiridos e do outro, os inatos; sendo que os direitos adquiridos, existem nos mesmos termos que encontram-se disciplinados pelo Direito Positivo, enquanto que os inatos encontram-se acima de qualquer condição legislativa, uma vez que são absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis e imprescritíveis.

No entanto, existem doutrinadores que afirmam, como Pietro Perlingieri, por exemplo, que a personalidade não é um direito, e sim um valor, segundo ele, o valor fundamental do ordenamento jurídico e, dessa forma, encontra-se na base de uma série de situações existenciais, série esta, aberta, uma vez que pode mudar de maneira incessante. Para este autor: "Tais situações subjetivas não assumem necessariamente a forma do direito subjetivo e não devem fazer perder de vista a unidade do valor envolvido. Não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas. A elasticidade torna-se instrumento para realizar formas de proteção também, atípicas, fundadas no interesse à existência e no livre exercício da vida de relações". (V)

E ainda continua, o nobre autor, afirmando que nenhuma previsão legal pode ser exaustiva, pois se assim o fosse, correria o risco de deixar de lado algumas manifestações e exigências da pessoa que exigem uma consideração positiva, mesmo com as mudanças sofridas na sociedade por ocasião do seu progresso.

Talvez, esta seja uma boa resposta aos questionamentos feitos com relação à variedade dos direitos da personalidade.

Concordamos, em parte, com o ilustre autor, quando este afirma que a personalidade é um valor, e não um direito, já que esta é ínsita ao ser humano, bastando nascer com vida, para adquiri-la. No entanto, para proteger a sua integridade física, moral e psíquica, ou seja, para proteger os bens que constituem a sua personalidade, a pessoa, seja física ou jurídica, necessita de proteção legal, e essa proteção legal constitui os direitos da personalidade que, nada mais são do que direitos, decorrentes da aquisição da personalidade, e que existem para protegê-la juridicamente.

          2.1 – Direitos Fundamentais e Direitos da Personalidade

Cabe aqui, ressaltar, que alguns doutrinadores diferenciam os Direitos Fundamentais dos Direitos da Personalidade. De acordo com esses doutrinadores, apesar de ambos derivarem do princípio constitucional que exige a proteção da pessoa humana, não se tratam de termos sinônimos.

Os Direitos da Personalidade são direitos subjetivos, que têm por objeto os elementos que constituem a personalidade do titular, considerada em seus aspectos físico, moral e intelectual. Tem como finalidade proteger, principalmente, as qualidades, os atributos essenciais da pessoa humana, de forma a impedir que os mesmos possam ser apropriados ou usados por outras pessoas que não os seus titulares. São direitos inatos e permanentes, uma vez que nascem com a pessoa e a acompanham durante toda a sua existência até a sua morte.

Dessa forma, consequentemente, são absolutos (pois são eficazes contra todos), indisponíveis (porque não podem ser alienados, não podendo, seu titular, a eles renunciar), extra - patrimoniais (por não possuírem uma valoração econômica, o que não impede a sanção pecuniária no caso de violação) e imprescritíveis (pois não se extinguem pelo seu não uso, da mesma forma que sua aquisição não é resultante do curso do tempo).

Os Direitos da Personalidade manifestam-se nas relações jurídicas de direito privado, visando proteger o indivíduo de atos praticados por outros indivíduos. É nesse ponto que, o mesmo, diferencia-se dos Direitos Fundamentais, pois estes, são direitos que se manifestam nas relações jurídicas de direito público, onde o indivíduo se protege contra atos arbitrários do Estado. Enquanto os direitos da personalidade são individuais, ou seja, são direcionados ao indivíduo de forma singular (como, por exemplo, o direito à honra, ao nome, à intimidade), os direitos fundamentais são coletivos, pois são direcionados, não ao indivíduo, mas à toda a coletividade (como os direitos à educação, à saúde, à moradia).

          2.2 – Classificação dos Direitos da Personalidade

A classificação dos Direitos da Personalidade deve se fazer considerando-se os aspectos fundamentais da personalidade, ou seja, o físico, o intelectual e o moral. De forma que, os direitos da personalidade, podem ser classificados em: Direito à integridade física, Direito à integridade moral e Direito à integridade intelectual. Vejamos cada um deles.

O direito à integridade física consiste na proteção jurídica à vida, ao corpo humano, ao cadáver e à liberdade pessoal de submeter-se ou não a exame e tratamento médico.

O direito à integridade intelectual consiste na proteção à liberdade de pensamento e no direito autoral, ou seja, consiste no poder que as pessoas têm de vincular seu nome às produções de seu espírito, tendo a garantia de publicar, reproduzir e explorar, tal produção, punindo aqueles que dele se apropriarem., indevidamente.

O direito à integridade moral corresponde à proteção pertinente à pessoa, no que diz respeito à sua honra, liberdade, recato, imagem e nome. Honra é a dignidade pessoal e a consideração que a pessoa desfruta no meio em que vive. É o conjunto de predicados que lhe conferem consideração social e estima própria. É a boa reputação.

Liberdade é a ausência de impedimentos, é o poder que as pessoas têm, de agir sem a interferência do Estado ou de outras pessoas.

O direito ao recato consiste na preservação da intimidade de sua vida privada, da curiosidade e indiscrição das demais pessoas, sua proteção legal aparece no direito à imagem, no direito ao sigilo da correspondência e da comunicação telefônica.

O direito à imagem é o direito que a pessoa tem, de não ver divulgado seu retrato sem sua autorização, a não ser nos casos de notoriedade ou nos casos em que a ordem pública, assim o exigir. O direito à imagem pertence a pessoa e só ela pode publicá-la ou comercializá-la.

O direito ao nome, apesar de encontrar-se relacionado nos direitos à integridade moral, poderia ser inserido em uma nova classificação dos direitos da personalidade, tal a sua importância, uma vez que sem um nome, não poderíamos requerer a proteção jurisdicional de nossos direitos, inclusive, dos direitos da personalidade. Trata-se do direito à identificação pessoal e baseia-se no fato de que, as pessoas devem ser reconhecidas em sociedade por uma denominação própria, de modo a identificá-la e individualizá-la. O nome é, portanto, o sinal distintivo que identifica a pessoa, dentro de uma sociedade.

          2.3 – Direitos da Personalidade e Pessoa

O que é pessoa? É o mesmo que personalidade?

A palavra "pessoa" deriva do latim "persona", que significa máscara. E foi com esse significado que ela introduziu-se na linguagem filosófica, pelo estoicismo popular, para designar os papéis representados pelo homem, na vida.

No sentido mais comum do termo, pessoa é o homem em suas relações com o mundo ou com ele próprio.

A partir de Descartes, ao mesmo tempo em que se enfraquece ou diminui o reconhecimento do caráter substancial da pessoa, acentua-se a sua natureza de relação, especialmente no que pertine a relação do homem consigo mesmo.

Locke afirma que a pessoa "é um ser inteligente e pensante que possui razão e reflexão, podendo observar-se (ou seja, considerar a própria coisa pensante que ele é) em diversos tempos e lugares; e isso ele faz somente por meio da consciência, que é inseparável do pensar e essencial a ele". (VI) A relação do homem consigo mesmo torna-se, dessa forma, a característica fundamental da pessoa.

Hegel entendia por pessoa o sujeito auto - consciente enquanto "simples referência a si mesmo na própria individualidade."

Contra tais interpretações, encontramos as posições filosóficas que se recusam a reduzir o ser do homem à consciência e fazem polêmica contra a forma mais radical dessa interpretação, que é o hegelnianismo. Neste sentido, a antropologia de esquerda hegliana e do marxismo, constitui o início de uma renovação desse conceito ou a evidenciação de um aspecto sobre o qual a tradição filosófica se calara, a de que a pessoa humana é constituída ou condicionada essencialmente pelas "relações de produção e trabalho", de que o homem participa com a natureza e com os outros homens para satisfazer às suas necessidades.

Kant, entretanto, já caracterizara o conceito de pessoa como heterorrelação. Quando Kant afirmava que "os seres racionais são chamados de pessoas porque a natureza deles os indica já como fins em si mesmos, como algo que não pode ser empregado unicamente como meio", declarava ele, que a natureza da pessoa, do ponto de vista moral, consiste na relação intersubjetiva.

Esse conceito de pessoa que não coincide com o eu, foi formulado em termos análogos e é geralmente empregado nas ciências sociais. A definição de que, habitualmente, valem-se nessas ciências, de pessoa como o indivíduo provido de status social, refere-se à rede de relações sociais que constituem o status da pessoa. A consideração da pessoa como unidade individual, corresponde à mesma determinação conceitual do termo como agente moral, sujeito de direitos civis e políticos ou membro de um grupo social. O homem é pessoa porque, nos papéis que desempenha, é essencialmente definido por suas relações com os outros.

Se formos buscar o conceito clássico de pessoa, encontraremos, em nossa doutrina a definição de que pessoa é o ser ou o ente coletivo, dotado de personalidade civil, que nada mais é do que a aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações. Ou então, podemos usar a conceituação que nos é fornecida pelo mestre Clóvis Beviláqua, segundo o qual "pessoa é o ser a que se atribuem direitos e obrigações. Eqüivale, assim, a sujeito de Direitos." (VII)

Pontes de Miranda (VIII) afirma que "pessoa é quem pode ser sujeito de direito..." E continua: "Certamente, o ser sujeito do direito a, em concreto portanto, é diferente de ser pessoa, que é em plano acima, abstrato; mas não se há de levar muito a fundo a diferença, porque a pessoa já nasce com titularidade concreta, que é a do direito de personalidade como tal, o direito a ser sujeito de direitos. Tal direito ressalta aos nossos olhos quando pensamos em terem existido, e ainda existirem em sistemas jurídicos destoantes da civilização contemporânea, seres humanos sem capacidade de direito... (...)a personalidade em si não é direito; é qualidade, é o ser capaz de direitos, o ser possível estar nas relações jurídicas como sujeito de direito."

Dessa forma, podemos afirmar que Pessoa e Personalidade não são palavras sinônimas. Personalidade é a aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações. O sujeito de direitos, todos sabemos, é a pessoa, de forma que ser sujeito de direitos, é ser pessoa. Tratam-se, dessa forma, de conceitos equivalentes, uma vez que personalidade, vem a ser a aptidão para ser pessoa. Walter Moraes afirma que a personalidade é "o que" ou seja, "o quid", que faz com que algo seja pessoa.

No significado técnico da psicologia contemporânea, personalidade é a organização que a pessoa imprime à multiplicidade de relações que a constituem. É nesse sentido que Nietzche falava de pessoa, observando que "alguns homens compõem-se de várias pessoas e a maioria não é pessoa. Onde predominarem as qualidades medianas importantes para que um tipo se perpetue, ser pessoa será luxo (...) trata-se de representantes ou de instrumentos de transmissão". (IX)

H. J. Eysenck diz que "personalidade é a organização mais ou menos estável e duradoura do caráter, do temperamento, do intelecto e do físico de uma pessoa: organização que determina sua adaptação total ao ambiente. Caráter designa o sistema de comportamento conativo (vontade) mais ou menos estável e duradouro da pessoa.
Temperamento designa seu sistema mais ou menos estável e duradouro de comportamento afetivo (emoção); intelecto, seu sistema mais ou menos estável e duradouro de comportamento cognitivo (inteligência); físico, seu sistema mais ou menos estável e duradouro de configuração corpórea e de dotação neuro-endócrina".
(X)

No entanto, o que buscamos saber, é em que consiste a personalidade, enquanto aptidão para ser sujeito ou pessoa.

Eroulths Cortiano Júnior afirma que "não se pode confundir a idéia de sujeito de direito, com a idéia de personalidade que partem de premissas distintas e têm funções distintas". (XI) Mais à frente, continua o nobre autor supra citado à respeito dos Direitos da Personalidade: "A tábua sistemática de proteção à dignidade humana, dentro do direito privado, configura-se justamente nos chamados direitos da personalidade. Esta categoria de direitos é plena de inquietações e dúvidas. Sua obscuridade ainda permeia os estudos. Sua sutileza ainda assombra os juristas. Sua amplitude desorienta a doutrina. Sua dimensão assusta a jurisprudência. Sua existência flexibiliza e desestabiliza o direito civil, com repercussões por todo o direito."

Diante de tais considerações, podemos dizer que a única coisa incontroversa em tudo isso, é a certeza da existência de direitos que visam proteger a integridade física, intelectual e moral da pessoa, direitos estes, que surgem no mesmo instante que a pessoa, ou seja, no momento em que adquire-se a personalidade civil, passando a ser "pessoa" e a ter, com isso, existência jurídica.


3 – O PENSAMENTO CRISTÃO

Walter Moraes, em sua obra, já citada, afirma que um célebre professor de Harvard, criticou aquilo que denominava "estreiteza das concepções psicológicas" que reduzem o homem a um ser reativo, objeto da observação e análise de pequenos fenômenos, sob condições controladas. Tal professor ensina que, "uma concepção exclusivamente psicológica da pessoa humana é um sonho em vão. É preciso conhecer, também, a sua natureza metafísica e seu lugar no plano cósmico. A sabedoria antiga, tanto filosófica, quanto teológica, deveria ser consultada e incorporada, se não quisermos lidar com superficialidades complexas."

Dessa forma, podemos afirmar, que não existe nenhuma corrente científica ou filosófica que tenha dedicado tanto tempo, e com tanto empenho, em investigar a pessoa, quanto o pensamento cristão.

Desde os primeiros séculos, os sábios do Cristianismo buscaram elucidar dois pontos fundamentais da doutrina: o mistério da encarnação e o mistério da Trindade.

A doutrina cristã ensinava que Deus é um só, de forma que a natureza divina é una. Entretanto, essa unidade é da divindade, porque as pessoas mesmo, são três, ou seja, a trindade é das pessoas. Neste caso, pode-se afirmar que há uma só natureza (um só espírito) e três pessoas.

Por outro lado, a segunda pessoa, que é "o Verbo", encarnou-se e assumiu a natureza humana, de modo que, uma só pessoa, passou a sustentar duas unidades de natureza (uma humana e outra divina). Esses dogmas sugerem, dessa forma, que existe uma distinção real entre a pessoa e a substância natural personalizada e, apesar de reconhecerem tratar-se de verdades que não são passíveis de serem alcançadas pela razão humana, não admitiram, entretanto, que algum mistério de fé pudesse representar um absurdo ou algo irracional, fora da realidade, conforme salienta Walter Moraes.

Para o cristianismo, a noção de pessoa apresentou-se útil quando foi preciso expressar as relações entre Deus e o Cristo, e entre ambos e o Espírito, no entanto, ao mesmo tempo, foi fonte de mal entendidos e heresias. Por um lado, essa relação parecia ter sido somada à substância da coisa (e esse era o seu conceito na filosofia tradicional, em particular, na aristotélica). Por outro lado, a palavra pessoa, lembrando máscara de teatro, parecia implicar o caráter de algo meramente aparente e não substancial. Foi daí que nasceram as disputas trinitárias que caracterizam a história dos primeiros séculos do Cristianismo.

Com o objetivo de se evitar a associação entre a noção de pessoa e a de máscara, os filósofos gregos adotaram a palavra hypóstasis, que significava "suporte", revelando, dessa forma, as preocupações que sugeriram tal escolha. Muitos padres porém, na época, entenderam ser melhor simplesmente negar que a pessoa fosse relação, insistindo na sua substancialidade. Esse era o pensamento de S. Agostinho, que afirmava significar pessoa, simplesmente, uma substância e que, dessa forma, o Pai é pessoa em relação a si mesmo, e não em relação ao filho, e assim por diante. Baseado nisso, Boécio definiu pessoa como "a substância individual de natureza racional". Veremos, mais à frente, que esse não foi o pensamento de S. Tomás de Aquino.


4 – SÃO TOMÁS DE AQUINO

O maior e mais importante filósofo da Baixa Idade Média foi S. Tomás de Aquino, que viveu entre 1225 e 1274. Chamamo-lo de filósofo, no entanto, ele foi, igualmente, um teólogo. Naquela época não existia uma nítida divisão entre filosofia e teologia.

Da mesma forma que vários outro teólogos de sua época, S. Tomás de Aquino começou escrevendo um vasto Comentário aos Quatro Livros das Sentenças de Pedro Lombardo, obra que, já continha a arquitetura da futura Summa Theologiae.

No período entre os seus trinta anos, quando escreveu o Comentário às Sentenças, e os cinqüenta, quando terminava a Summa, S. Tomás ocupou-se em comentar quase todos os livros das Sagradas Escrituras, o melhor da obra de Boécio e de Dioniso Areopagita e, praticamente, toda a obra de Aristóteles.

Podemos afirmar que S. Tomás de Aquino "cristanizou" Aristóteles, da mesma forma que S. Agostinho fizera com Platão no início da Idade Média, e aqui, entende-se por "cristanizar", o fato desses dois filósofos terem sido interpretados e entendidos de modo a deixarem de significar uma ameaça para a doutrina cristã.

S. Tomás de Aquino está entre os que tentaram conciliar a filosofia de Aristóteles com o cristianismo. E o que se atribui à ele é o mérito de ter conseguido a grande síntese entre a fé e o conhecimento. Ele não acreditava em um paradoxo, irreconciliável entre aquilo que nos diz a filosofia ou a razão, de um lado, e a revelação ou a fé cristã, do outro. Muito freqüentemente, o cristianismo e a filosofia falam da mesma coisa.

S. Tomás de Aquino acreditava que, ao lado do que ele chamou
"verdades de fé"
(como afirmar, por exemplo que Deus criou o mundo em seis dias), existiam as chamadas "verdades naturais teológicas", ou seja, aquelas verdades às quais podemos chegar tanto pela fé cristã, quanto pela nossa própria razão natural, inata. Para ele, um exemplo desse tipo de verdade seria o fato de que existe um Deus.

Tudo isto, aliado à uma vida espiritual de grande intensidade, culminou, no final de sua vida, para a elaboração da Summa Theologiae, que foi a sua principal obra.

          4.1 – A VIDA DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

São Tomás de Aquino nasceu na Itália, em Rocasecca, cidade próxima a Nápoles, entre os anos de 1225 e 1227. Era filho do Conde Landolfo e da Condessa Teodora, que viviam no castelo de Rocasecca, aparentados com a nobreza alemã. A data do seu nascimento, no entanto, provoca uma certa divergência entre os estudiosos, sendo mais aceita, a definida por P. Mandonnet em um estudo publicado na Revue Thomiste em 1914, segundo o qual, S. Tomás teria nascido em 1225, em alguma data anterior ao dia 7 de março.

Aos cinco anos de idade, São Tomás foi confiado à custódia dos beneditinos de Monte Cassino, que, já naquela época, tinham fama universal, lá permanecendo por nove anos, até que, com cerca de 14 anos, a abadia foi ocupada pelas tropas de Frederico II, sendo S. Tomás, devolvido ao castelo da família, para logo em seguida, ser encaminhado à Universidade de Nápoles.

Seguindo a orientação pedagógica da época, consagrou-se, São Tomás de Aquino, ao estudo das Artes Liberais, que eram divididas em dois grupos: o primeiro grupo era formado pelo, chamado, Trivium, ou seja, a gramática, a retórica e a dialética, enquanto que o segundo grupo constituía o Quadrivium, isto é, a aritmética, a geometria, a astronomia e a música.

São Tomás teve como mestre no Quadrivium, Pedro da Irlanda, célebre por seus comentários a algumas obras de Aristóteles que, na época, começavam a ser descobertas pelo ocidente cristão. Esse professor influenciou profundamente S. Tomás de Aquino, uma vez que foi ele quem atraiu, pela primeira vez, a atenção de Tomás para o nome e a obra de Aristóteles. Este simples fato, marca um lugar a Pedro da Irlanda na história do pensamento humano, por ter sido, provavelmente, o instrumento do encontro inicial entre S. Tomás de Aquino e Aristóteles.

Foi durante sua estadia em Nápoles, enquanto estudava o Trivium e o Quadrivium, que Tomás ficou conhecendo os padres dominicanos, sacerdotes que pertenciam a uma ordem, recém fundada na Igreja, por São Domingos. Por volta de seus 20 anos, S. Tomás ingressou na Ordem dos Dominicanos, sendo logo, enviado à Paris e, em seguida, para Colônia, no Império Germânico. Lá, Alberto Magno, ou Albertus Magnus, empreendia um trabalho de interpretação e assimilação de toda a obra de Aristóteles. O encontro de S. Tomás de Aquino com Alberto Magno representa um fato de extraordinária transcendência na história do pensamento. São muitos os estudiosos que afirmam que, se a visão de S. Tomás não tivesse sido, de início, estimulada pelo mestre e, logo após, ampliada nos mais diferentes sentidos, talvez o monumento tomista não alcançasse a majestade soberana a que se elevou.

Foi em Colônia, que Tomás de Aquino começou a ensinar, sob a direção de Alberto e, ainda nesta cidade, foi ordenado sacerdote. Alguns estudiosos entendem que, provavelmente, foi também, em Colônia, que ele escreveu a obra De Ente et Essentia e que iniciou os comentários dos Livros das Sentenças de Pedro Lombardo.

Em 1252, Tomás de Aquino foi transferido para Paris, para lecionar na famosa Universidade Francesa e ali permaneceu até 1259, quando já devia contar com 34 anos de idade. Foi nesta época que ele escreveu o Comentário aos Livros das Sentenças de Pedro Lombardo e as Quaestiones Disputatae De Veritate.

Dos 34 aos 44 anos, S. Tomás de Aquino lecionou em vários centros de estudos da Itália e, durante três anos foi professor em uma escola de Teologia, que era anexa à Cúria Romana, além de ser teólogo consultor do Papa. São desta época que datam os principais comentários aos livros de Aristóteles. Também desta época, datam a obra Summa contra Gentiles, que representou para S. Tomás de Aquino uma espécie de preparação para que, posteriormente, pudesse escrever a monumental Summa Theologiae. Aliás, foi, também nesta época, que se iniciou a concepção e o planejamento da Summa Theologiae, bem como a redação da primeira das três partes em que se divide tal obra.

Dos 44 aos 47 anos, voltou, S. Tomás, a lecionar na Universidade de Paris. Neste período escreveu outros comentários a Aristóteles, como, por exemplo, o Comentário ao Livro da Interpretação, o Comentário aos Segundos Analíticos, o Comentários ao De Anima e o Comentário à Política, este último, incompleto, tendo sido terminado por seu discípulo, Pedro de Alverria. Da Summa Theologiae, redigiu a segunda de suas três partes.

Na Páscoa de 1247, com aproximadamente, 47 anos, S. Tomás retornou à Itália, onde lecionou, na Universidade de Nápoles, durante dois anos. Época em que escreveu o Comentário ao Livro De Causis e a terceira e última parte da Summa Theologiae, da qual completou as questões referentes a Cristo e a maior parte das referentes ao Sacramento; preparava-se para escrever, talvez aquela que seria a parte mais sublime da Summa Theologiae, parte esta, em que descreveria o Paraíso, quando, durante a Missa que celebrava na capela de São Nicolau, na manhã de 6 de dezembro de 1273, recebeu uma revelação que proibiu-o de continuar escrevendo e determinou que aguardasse o seu breve trânsito para a "vida eterna". Algumas semanas mais tarde, Tomás de Aquino foi convocado pelo Papa para se apresentar ao Segundo Concílio Ecumênico de Lião e, juntamente com o seu secretário, empreendeu uma viagem até a França. No caminho, próximo a Fossa Nova, S. Tomás ficou doente, sendo acolhido no mosteiro cisterciense daquela cidade, onde faleceu, em 7 de março de 1274, quando contava com 49 anos de idade. (XII)

          4.2 – A CONCEPÇÃO DE PESSOA DE ACORDO COM O PENSAMENTO DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

Foi S. Tomás de Aquino que restabeleceu o significado do conceito de pessoa como relação, mesmo afirmando, de maneira simultânea, a substancialidade da relação in divinis.

S. Tomás afirma que o próprio Boécio, citado no item 3, admitia que "todo atinente às pessoas, significa uma relação". Além disso, entendia ele, que não havia outra forma de se esclarecer o significado das pessoas divinas, senão a de esclarecer as relações entre elas, com o mundo e com os homens. Afirmava que: "Não há distinção em Deus, a não ser em virtude das relações de origem. Contudo, em Deus a relação não é como um acidente inerente ao sujeito, mas é a própria essência divina, de tal modo que a subsiste do mesmo modo como subsiste a essência divina. Assim como a divindade é Deus, a paternidade divina é Deus Pai, que é a pessoa divina: portanto, a pessoa divina significa a relação enquanto subsistente, isto é, significa a relação na forma da substância, que é a hipóstase subsistente na natureza divina, embora aquilo que subsiste na natureza divina outra coisa não seja senão a natureza divina".

No que diz respeito às pessoas em geral, S. Tomás de Aquino afirmava que, à diferença do indivíduo, que por si é indistinto, "a pessoa, numa natureza qualquer, significa o que é distinto nessa natureza, assim como na natureza humana significa a carne, os ossos e a alma que são os princípios que individualizam o homem". Para ele, portanto, mesmo no sentido comum, a pessoa é distinção e relação.

A questão da pessoa, para os tomistas, é assunto eminentemente metafísico. Apenas eles, os tomistas, é que trataram, de forma psicológica e moral, a pessoa e a personalidade, ao avançarem alguns aspectos sistemáticos da disciplina de Aristóteles.

Walter Moraes ensina que, do ponto de vista da Metafísica, a relação entre personalidade e pessoa é a de subsistência e substância. Substância seria "o que é em si e não em outra coisa", ou seja, aquilo que existe por si, e não carece de outro fundamento. Essa independência, própria da substância, chama-se subsistência.

          Subsistência vem a ser, portanto, a aptidão para "ser" sem dependência. Quando a substância for perfeitamente subsistente, ela se chamará suposto (em latim "suppositum", em grego "hypóstasis"). O suposto é o que existe de mais completo, no gênero da substância e é, a tal ponto, independente, que não pode estar ou comunicar-se com outra. Dessa forma, define-se como a "substância singular perfeitamente subsistente e incomunicável".

O suposto da natureza racional se diz "pessoa". Essa noção explica a clássica definição de Boécio, acatada e sustentada por S. Tomás de Aquino: "substância indivídua de natureza racional". Onde o termo "indivídua", vale como indivisa em si e separada de qualquer outra substância incomunicável.

          À subsistência do suposto, diz-se também, supositalidade. E a subsistência da pessoa, "personalidade".


PERSONALIDADE "ID QUO" "É a subsistência da pessoa."


PESSOA "ID QUOD" "É o suposto ou hypóstasis, de natureza racional."

          No que pertine à natureza, de acordo com a concepção de Aristóteles, natureza é um princípio de movimento. Podemos, assim, definir a natureza, como o ser substancial, considerado como o primeiro princípio operativo. "É o ser considerado como o primeiro princípio das operações das quais ele é a causa ativa ou o sujeito passivo."

Portanto, é a pessoa que age na natureza, por isso, pessoa, que é hypóstasis, é, outrossim, essencialmente, sujeito. O sujeito primeiro de atribuição da natureza racional.


5 – CONCLUSÃO

Diante do exposto, cabe questionar se a personalidade se identifica ou coincide com a natureza em oposição à pessoa. Porque, se esta se reduzir à natureza, (partindo-se do pressuposto, conforme salienta Walter Moraes, de que os direitos subjetivos de personalidade recaem sobre componentes da natureza) a denominação "DIREITOS DA PERSONALIDADE", terá sido aplicada corretamente. Trata-se de um direito referido à personalidade, que é o objeto da relação, na qual a pessoa é o sujeito.

No entanto, se ao contrário, a personalidade não estiver na natureza, mas na pessoa, teremos um "homem", que traduz, na opinião do autor supra citado, um conceito ilusório, porque, referido à natureza e não à personalidade, não é, este direito, da personalidade, mas da natureza, ou da humanidade de cada um. Além disso, é absurdo, porque, referindo tal direito à personalidade enquanto está na pessoa, confundir-se-iam, no mesmo termo, sujeito e objeto, o que é impossível, uma vez que os conceitos de sujeito e objeto só existem, na medida em que se excluem.

De fato, não há como inserir o sujeito e o objeto de um direito em um mesmo termo. O objeto só existe, enquanto em confronto com um sujeito.

Considerados os pressupostos metafísicos como ponto de referência, podemos encontrar duas linhas principais de pensamento: uma substancialista e outra fenomenista.

De acordo com a corrente fenomenista, personalidade nada tem a ver com a noção de substância, trata-se de fenômenos, que dizem respeito aos caracteres que definem o seu eu pessoal. Portanto, para essa corrente, a pessoa humana é alguma coisa a mais do que uma síntese de estados conscientes e subconscientes. Para essa concepção, desconsiderado o fato da substancialidade real e distinta do sujeito hipostático, a pessoa é o homem. Pessoa é uma palavra, uma mentalização e não alguma realidade distinta. Essa corrente não foi considerada satisfatória. Alguns estudiosos entenderam que ela "é falsa naquilo que nega", uma vez que, tudo se reduz a uma só coisa, que é a unidade psicofísica do homem existente e individual, a qual não suporta a dualidade real sujeito-objeto, que qualquer relação jurídica pressupõe.

Uma outra corrente, embora mantendo-se sobre bases metafísicas, chega a aproximar-se do fenomenismo, quando cuida de demonstrar a redução da personalidade à natureza, baseada no pressuposto de que a incomunicabilidade ou independência do suposto, não é senão algo negativo; dessa forma, a subsistência é simples aspecto especial da natureza e a pessoa nada mais é do que a natureza individual real, considerada desde o ponto de vista inteiramente negativo de sua incomunicabilidade. Podemos ver, que também aqui, tudo se resume à natureza, e, de modo algum se explica o fato de ocorrerem, no mesmo indivíduo, o sujeito e o objeto de um direito subjetivo.

A teoria da linha substancialista pura, contesta a possibilidade da redução personalidade-natureza, demonstrando a distinção, considerando que a subsistência é uma perfeição positiva que se acrescenta à natureza substancial, já que, a independência é a imperfeição, enquanto que a dependência é a perfeição. Portanto, a personalidade não é a própria natureza da substância, mesmo porque, a natureza, ainda que individuada, atribui-se à pessoa, conforme ensinou São Tomás de Aquino, como parte essencial desta. O que não se pode conceber, é que a personalidade se oponha à pessoa.

É a concepção substancialista pura, portanto, que, compatível com a realidade dos direitos da personalidade, esclarece tal fenômeno, determinando que a objetivação real se dá entre a pessoa (substância hipostática plena, constituída na personalidade) e a natureza. Esse confronto "personalidade-natureza" pode ser observado, também, no desenvolvimento da teoria filosófica-psicológica, que se aplica a discriminar um "eu objeto" diante de um "eu sujeito".

Para essa teoria, o "meu" está além do "eu". Contudo, o que é meu, é tudo quanto constitui a minha vida orgânica e psicológica; e é por referência a este meu, rigoroso e estrito, que se definem os graus de nossa posse dos seres e das coisas. De maneira que, o "meu" é antes de tudo e essencialmente, o que eu sou, ou seja, tudo o que pode servir de atributo a um "eu". Por isso, o "eu" se desdobra, marcado pela distinção entre um "eu sujeito" e um "eu objeto". O "eu objeto" designa o conjunto orgânico, fisiológico e psíquico que me constitui; enquanto que o "eu sujeito", seria o sujeito ou princípio a que se atribuem todos os elementos desse conjunto;

Do ponto de vista ontológico, o bem é propriedade de todo o ser e ambos se convertem. Do ponto de vista ético, bem é o fim a que todo o homem tende para satisfazer uma necessidade ou um desejo seu.

Para Aristóteles: "Bem é aquilo a que tudo tende". Maritain, (XIII) entende que, a noção moral de bem implica, antes de tudo, um valor, que é o bem na perspectiva da causalidade formal; e, depois, um fim, que é o bem "considerado na perspectiva da causalidade final". Trata-se do bem ao qual o homem tende, e que toma por objetivo na sua atividade como agente livre.

No que pertine aos Direitos da Personalidade, podemos afirmar que, para um sujeito, as substâncias, essências, potências, atos e propriedades que integram o seu composto natural, constituem-se em bens, pelo simples fato de necessitar deles.

Os bens, que em Direito, se classificam como de personalidade, são partes que integram o homem em sua natureza. São, dessa forma, considerados direitos básicos: o corpo e a psique (substâncias); a vida (essência da psique); as obras do espírito (ato de potência intelectiva); a imagem (propriedade do corpo – visibilidade); a condição de família (propriedade da potência generativa); a liberdade e a dignidade (propriedades da "anima intelectiva"); a identidade e a intimidade (propriedades do todo humano); além de outros, cuja qualificação como bens e direitos de personalidade é discutida.

O termo "Direitos da Personalidade", é atualmente, o mais empregado pela doutrina e pelas leis, no que pertine aos direitos em discussão. Tal, já foi assimilado pela terminologia jurídica, "aparentemente", como fato consumado.

Importa aqui, salientar, que tais direitos não visam a personalidade e muito menos bens que a integram, de maneira que, o termo "personalidade" ganha aqui, um significado analógico, referindo-se à realidades, essencialmente, diversas. Ou seja, a mesma norma que assegura ao sujeito, de forma absoluta, a disposição de partes do seu corpo, isto é, de sua própria natureza, impõe um dever geral de abstenção e de respeito para com a vida de cada homem.

Podemos então, afirmar, que trata-se de uma regra de teor simples, denso e de extenso alcance, em virtude do seu caráter absoluto em razão da essencialidade do direito e do objeto a que compreende. À essa ordem normativa ou conjunto de normas que disciplinam as relações supra citadas, dá-se o nome de Direito da Personalidade.


NOTAS

I.     MORAES, Walter. A Concepção Tomista de Pessoa – Um contributo para a teoria do direito da personalidade. RT 590/14.

II.   Apud NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. Vol. 3. Pg. 741.

III.  BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade – 2ª Edição. Ed. Forense Universitária. Pg. 10.

IV.  PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18ª Ed. Ed. Forense. Pg. 153, 154 e 155.

V.   PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil – Introdução ao Direito Civil Constitucional. Ed. Renovar. Pg. 155 e 156.

VI.  Apud. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes. Pg.762.

VII. Apud NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. Ed. Ícone. Pg. 741.

VIII.MIRANDA, Pontes de – Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tratado de Direito Privado – Parte Geral – Tomo I. Ed. Bookseller. Pg. 215.

IX. Apud ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes. Pg. 758.

X.  EYSENCK, H. J. The Structure of Human Personality. Pg. 02

XI. CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. Luiz Edson Fachin (coordenador). Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Ed. Renovar. Pg. 41.

XII. As informações à respeito de São Tomás de Aquino, foram retiradas do site:www.accio.com.br/Nazare/1946.

XIII. MARITAIN, J. Problemas Fundamentais da Filosofia Moral. Pg. 47.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. A concepção tomista de pessoa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/560. Acesso em: 26 abr. 2024.