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A concepção tomista de pessoa

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Sumário: 1. Introdução; 2. Os Direitos da Personalidade; 2.1 – Direitos Fundamentais e Direitos da Personalidade; 2.2 – Classificação dos Direitos da Personalidade; 2.3 – Direitos da Personalidade e Pessoa; 3. O Pensamento Cristão; 4. São Tomás de Aquino; 4.1 – A vida de São Tomás de Aquino; 4.2 – A concepção de pessoa de acordo com o pensamento de São Tomás de Aquino; 5. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

O que são e quais são os "Direitos da Personalidade"? Walter Moraes, em sua obra "A Concepção Tomista de Pessoa – Um contributo para a teoria do direito da personalidade" afirma que, são tantos os direitos arrolados nesta categoria que, fatalmente, chegamos à esse questionamento. Direito à vida, à honra, ao corpo, à imagem, à liberdade, à intimidade, o estado civil, o trabalho, a clientela, as partes do corpo, o cadáver, produtos da pessoa (direitos autorais), segredo das correspondências, boa fama, alcunha, brasões ... e um infindável número! A cada dia, novos direitos da personalidade surgem, provocando a reação de inúmeros doutrinadores que entendem que, tal fato, gera dúvidas e incertezas quanto a sua aplicabilidade e conceituação, além de deixar uma sensação de algo desorientado ou perdido. Já não são poucos os estudiosos do direito a afirmar que é preciso, urgentemente, encontrar uma espécie de "ponto de apoio" (como afirma Walter Moraes) (I) , alguma coisa que possa dar unidade à esse conjunto de direitos, uma base. Apesar de existirem, conforme veremos adiante, posicionamentos contrários.

Para encontrar tal "ponto de apoio" precisamos, primeiramente, entender o que quer dizer o termo "Direito da Personalidade" e o que este termo tem à ver com a Personalidade e com a pessoa, além disso, resta-nos questionar o que é personalidade e, finalmente, o que é pessoa?

De nada adianta alegar que os Direitos da Personalidade são os direitos da pessoa, porque é notório que o direito é constituído "hominus causa", ou seja, o único sujeito de direitos é a pessoa, de modo que todos os direitos são da pessoa, e não apenas os direitos da personalidade;

Olhando sob um ponto de vista objetivo, a afirmação de tratar-se de direitos que se exercem sobre uma mesma pessoa, também não é nem um pouco convincente, já que, seria o mesmo que afirmar que os diferentes objetos dos direitos da personalidade é que compõem, ou sustentam, a pessoa ou a sua personalidade, o que sabemos, desde já, que não é verdade, pois a personalidade é ínsita ao ser humano. Cabe aqui, portanto, questionar se, a intimidade, a fotografia, a sepultura, os alimentos e tantos outros bens incluídos no rol dos "Direitos da Personalidade" são, realmente, bens que constituem, essencialmente, a pessoa.

Não podemos deixar de reconhecer que tratam-se de valores relacionados à pessoa, no entanto, a maioria dos doutrinadores entende que a doutrina dos direitos da personalidade ainda é muito imprecisa e contraditória, necessitando de esclarecimentos, explicações coerentes. E aí, voltamos ao início dessa introdução, quando afirmamos necessitar, tais direitos, de um "ponto de apoio", uma base.

Desse modo, passaremos a verificar, baseando-nos na obra de Walter Moraes (supra citada), o que se entende por Direitos da personalidade, o que é personalidade e o que é pessoa, não esquecendo de abordar tais assuntos, de acordo com o pensamento cristão que, desde os primeiros séculos, já questionava e estudava esses temas. Culminando, por abordar a concepção de pessoa, de acordo com o pensamento de um dos maiores filósofos da baixa Idade Média: S. Tomás de Aquino.


2. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Antes de falarmos dos direitos da personalidade, temos que saber, primeiramente, o que é "personalidade".

De acordo com a legislação civil pátria, personalidade é a aptidão para se tornar sujeito de direitos e obrigações, ou, como afirma, o ilustre mestre, CLÓVIS BEVILÁQUA: "É a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações".(II)

Ainda, com relação à legislação supra citada, a pessoa física ou o ser humano, adquire a personalidade civil quando nasce com vida (artigo 4º do Código Civil Brasileiro). Adquirida a personalidade civil, as pessoas físicas, tornam-se sujeitos de direitos e obrigações na órbita civil. No que pertine às Pessoas Jurídicas ou Morais, atualmente, já não são poucos os que entendem que têm, estas, direitos da personalidade, direitos que adquirem no instante em que registram seus contratos, estatutos ou atos constitutivos no órgão de registros peculiar, passando a ter, dessa forma, existência jurídica.

Desse modo, podemos afirmar que não existem "Direitos à Personalidade", pois esta, é imanente à pessoa. O correto, seria dizer que, existem "Direitos da Personalidade" ou direitos decorrentes da aquisição da personalidade civil, uma vez que, tais direitos, passam a existir a partir do momento em que a pessoa adquire a personalidade civil, passando a ser sujeito de direitos e obrigações.

Seguindo essa linha de raciocínio, podemos dizer que os Direitos da Personalidade são direitos que decorrem da aquisição da personalidade civil, portanto, são direitos da pessoa, no entanto, como já salientamos antes, só essa afirmativa não basta para conceituar os Direitos da Personalidade, já que todos os direitos são da pessoa, pois só a pessoa, seja física, seja jurídica, pode ser sujeito de direitos.

Nesse caso, como conceituar os Direitos da Personalidade?

De acordo com nossa doutrina, os chamados "Direitos da Personalidade", são direitos imanentes à pessoa, consistem em direitos que têm por objeto "emanações da personalidade". Porém, o que seriam essas "emanações da personalidade"? Walter de Moraes entende que tal termo é um tanto quanto obscuro, de modo que, não explica, por si, o que é personalidade ou o que é pessoa.

Gierke definiu os direitos da personalidade como aqueles que "asseguram ao seu sujeito o domínio sobre uma parte componente da esfera da própria personalidade." Porém, não definiu o que se entenderia por "esfera da própria personalidade", o que deixou seu conceito um tanto quanto vago.

Carlos Alberto Bittar, em sua obra "Os Direitos da Personalidade"- 2ª Edição, afirma que "os direitos da personalidade devem ser compreendidos como: a) os próprios da pessoa em si (ou originários), existentes por sua natureza, como ente humano, com o nascimento; b) e os referentes às suas projeções para o mundo exterior (a pessoa como ente moral e social, ou seja, em seu relacionamento com a sociedade)". (III)

Ao iniciar a obra supra citada, Carlos Alberto Bittar assim delimita o tema Direitos da Personalidade: "Consideram-se como da personalidade os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos." E continua o autor: "Em verdade, o universo desses direitos está eivado de dificuldades, que decorrem, principalmente: a) das divergências entre os doutrinadores com respeito à sua própria existência, à sua natureza, à sua extensão, e à sua especificação; b) do caráter relativamente novo de sua construção teórica; c) da ausência de uma conceituação global definitiva; d) de seu enfoque, sob ângulos diferentes, pelo direito positivo (público, de um lado, como liberdades públicas; privado, de outro, como direitos da personalidade), que lhe imprime feições e disciplinações distintas".

Dessa forma, podemos afirmar que não existe, ainda, um conceito completo e preciso do que seja o Direito da Personalidade. A doutrina e a jurisprudência buscam, constantemente, baseando-se nos vários Direitos da Personalidade existentes e nos que surgem diariamente, encontrar um conceito que defina, de uma forma clara, objetiva, completa, os Direitos da Personalidade.

Caio Mário da Silva Pereira (IV) ensina que para caracterizar a natureza jurídica dos direitos da personalidade, importa salientar que nossa legislação reconhece, de maneira inequívoca, a existência de faculdades atribuídas ao homem, "imbricadas na sua condição de indivíduo e de pessoa". E continua, afirmando que os direitos da personalidade distribuem-se em duas categorias gerais: de um lado, os adquiridos e do outro, os inatos; sendo que os direitos adquiridos, existem nos mesmos termos que encontram-se disciplinados pelo Direito Positivo, enquanto que os inatos encontram-se acima de qualquer condição legislativa, uma vez que são absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis e imprescritíveis.

No entanto, existem doutrinadores que afirmam, como Pietro Perlingieri, por exemplo, que a personalidade não é um direito, e sim um valor, segundo ele, o valor fundamental do ordenamento jurídico e, dessa forma, encontra-se na base de uma série de situações existenciais, série esta, aberta, uma vez que pode mudar de maneira incessante. Para este autor: "Tais situações subjetivas não assumem necessariamente a forma do direito subjetivo e não devem fazer perder de vista a unidade do valor envolvido. Não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas. A elasticidade torna-se instrumento para realizar formas de proteção também, atípicas, fundadas no interesse à existência e no livre exercício da vida de relações". (V)

E ainda continua, o nobre autor, afirmando que nenhuma previsão legal pode ser exaustiva, pois se assim o fosse, correria o risco de deixar de lado algumas manifestações e exigências da pessoa que exigem uma consideração positiva, mesmo com as mudanças sofridas na sociedade por ocasião do seu progresso.

Talvez, esta seja uma boa resposta aos questionamentos feitos com relação à variedade dos direitos da personalidade.

Concordamos, em parte, com o ilustre autor, quando este afirma que a personalidade é um valor, e não um direito, já que esta é ínsita ao ser humano, bastando nascer com vida, para adquiri-la. No entanto, para proteger a sua integridade física, moral e psíquica, ou seja, para proteger os bens que constituem a sua personalidade, a pessoa, seja física ou jurídica, necessita de proteção legal, e essa proteção legal constitui os direitos da personalidade que, nada mais são do que direitos, decorrentes da aquisição da personalidade, e que existem para protegê-la juridicamente.

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          2.1 – Direitos Fundamentais e Direitos da Personalidade

Cabe aqui, ressaltar, que alguns doutrinadores diferenciam os Direitos Fundamentais dos Direitos da Personalidade. De acordo com esses doutrinadores, apesar de ambos derivarem do princípio constitucional que exige a proteção da pessoa humana, não se tratam de termos sinônimos.

Os Direitos da Personalidade são direitos subjetivos, que têm por objeto os elementos que constituem a personalidade do titular, considerada em seus aspectos físico, moral e intelectual. Tem como finalidade proteger, principalmente, as qualidades, os atributos essenciais da pessoa humana, de forma a impedir que os mesmos possam ser apropriados ou usados por outras pessoas que não os seus titulares. São direitos inatos e permanentes, uma vez que nascem com a pessoa e a acompanham durante toda a sua existência até a sua morte.

Dessa forma, consequentemente, são absolutos (pois são eficazes contra todos), indisponíveis (porque não podem ser alienados, não podendo, seu titular, a eles renunciar), extra - patrimoniais (por não possuírem uma valoração econômica, o que não impede a sanção pecuniária no caso de violação) e imprescritíveis (pois não se extinguem pelo seu não uso, da mesma forma que sua aquisição não é resultante do curso do tempo).

Os Direitos da Personalidade manifestam-se nas relações jurídicas de direito privado, visando proteger o indivíduo de atos praticados por outros indivíduos. É nesse ponto que, o mesmo, diferencia-se dos Direitos Fundamentais, pois estes, são direitos que se manifestam nas relações jurídicas de direito público, onde o indivíduo se protege contra atos arbitrários do Estado. Enquanto os direitos da personalidade são individuais, ou seja, são direcionados ao indivíduo de forma singular (como, por exemplo, o direito à honra, ao nome, à intimidade), os direitos fundamentais são coletivos, pois são direcionados, não ao indivíduo, mas à toda a coletividade (como os direitos à educação, à saúde, à moradia).

          2.2 – Classificação dos Direitos da Personalidade

A classificação dos Direitos da Personalidade deve se fazer considerando-se os aspectos fundamentais da personalidade, ou seja, o físico, o intelectual e o moral. De forma que, os direitos da personalidade, podem ser classificados em: Direito à integridade física, Direito à integridade moral e Direito à integridade intelectual. Vejamos cada um deles.

O direito à integridade física consiste na proteção jurídica à vida, ao corpo humano, ao cadáver e à liberdade pessoal de submeter-se ou não a exame e tratamento médico.

O direito à integridade intelectual consiste na proteção à liberdade de pensamento e no direito autoral, ou seja, consiste no poder que as pessoas têm de vincular seu nome às produções de seu espírito, tendo a garantia de publicar, reproduzir e explorar, tal produção, punindo aqueles que dele se apropriarem., indevidamente.

O direito à integridade moral corresponde à proteção pertinente à pessoa, no que diz respeito à sua honra, liberdade, recato, imagem e nome. Honra é a dignidade pessoal e a consideração que a pessoa desfruta no meio em que vive. É o conjunto de predicados que lhe conferem consideração social e estima própria. É a boa reputação.

Liberdade é a ausência de impedimentos, é o poder que as pessoas têm, de agir sem a interferência do Estado ou de outras pessoas.

O direito ao recato consiste na preservação da intimidade de sua vida privada, da curiosidade e indiscrição das demais pessoas, sua proteção legal aparece no direito à imagem, no direito ao sigilo da correspondência e da comunicação telefônica.

O direito à imagem é o direito que a pessoa tem, de não ver divulgado seu retrato sem sua autorização, a não ser nos casos de notoriedade ou nos casos em que a ordem pública, assim o exigir. O direito à imagem pertence a pessoa e só ela pode publicá-la ou comercializá-la.

O direito ao nome, apesar de encontrar-se relacionado nos direitos à integridade moral, poderia ser inserido em uma nova classificação dos direitos da personalidade, tal a sua importância, uma vez que sem um nome, não poderíamos requerer a proteção jurisdicional de nossos direitos, inclusive, dos direitos da personalidade. Trata-se do direito à identificação pessoal e baseia-se no fato de que, as pessoas devem ser reconhecidas em sociedade por uma denominação própria, de modo a identificá-la e individualizá-la. O nome é, portanto, o sinal distintivo que identifica a pessoa, dentro de uma sociedade.

          2.3 – Direitos da Personalidade e Pessoa

O que é pessoa? É o mesmo que personalidade?

A palavra "pessoa" deriva do latim "persona", que significa máscara. E foi com esse significado que ela introduziu-se na linguagem filosófica, pelo estoicismo popular, para designar os papéis representados pelo homem, na vida.

No sentido mais comum do termo, pessoa é o homem em suas relações com o mundo ou com ele próprio.

A partir de Descartes, ao mesmo tempo em que se enfraquece ou diminui o reconhecimento do caráter substancial da pessoa, acentua-se a sua natureza de relação, especialmente no que pertine a relação do homem consigo mesmo.

Locke afirma que a pessoa "é um ser inteligente e pensante que possui razão e reflexão, podendo observar-se (ou seja, considerar a própria coisa pensante que ele é) em diversos tempos e lugares; e isso ele faz somente por meio da consciência, que é inseparável do pensar e essencial a ele". (VI) A relação do homem consigo mesmo torna-se, dessa forma, a característica fundamental da pessoa.

Hegel entendia por pessoa o sujeito auto - consciente enquanto "simples referência a si mesmo na própria individualidade."

Contra tais interpretações, encontramos as posições filosóficas que se recusam a reduzir o ser do homem à consciência e fazem polêmica contra a forma mais radical dessa interpretação, que é o hegelnianismo. Neste sentido, a antropologia de esquerda hegliana e do marxismo, constitui o início de uma renovação desse conceito ou a evidenciação de um aspecto sobre o qual a tradição filosófica se calara, a de que a pessoa humana é constituída ou condicionada essencialmente pelas "relações de produção e trabalho", de que o homem participa com a natureza e com os outros homens para satisfazer às suas necessidades.

Kant, entretanto, já caracterizara o conceito de pessoa como heterorrelação. Quando Kant afirmava que "os seres racionais são chamados de pessoas porque a natureza deles os indica já como fins em si mesmos, como algo que não pode ser empregado unicamente como meio", declarava ele, que a natureza da pessoa, do ponto de vista moral, consiste na relação intersubjetiva.

Esse conceito de pessoa que não coincide com o eu, foi formulado em termos análogos e é geralmente empregado nas ciências sociais. A definição de que, habitualmente, valem-se nessas ciências, de pessoa como o indivíduo provido de status social, refere-se à rede de relações sociais que constituem o status da pessoa. A consideração da pessoa como unidade individual, corresponde à mesma determinação conceitual do termo como agente moral, sujeito de direitos civis e políticos ou membro de um grupo social. O homem é pessoa porque, nos papéis que desempenha, é essencialmente definido por suas relações com os outros.

Se formos buscar o conceito clássico de pessoa, encontraremos, em nossa doutrina a definição de que pessoa é o ser ou o ente coletivo, dotado de personalidade civil, que nada mais é do que a aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações. Ou então, podemos usar a conceituação que nos é fornecida pelo mestre Clóvis Beviláqua, segundo o qual "pessoa é o ser a que se atribuem direitos e obrigações. Eqüivale, assim, a sujeito de Direitos." (VII)

Pontes de Miranda (VIII) afirma que "pessoa é quem pode ser sujeito de direito..." E continua: "Certamente, o ser sujeito do direito a, em concreto portanto, é diferente de ser pessoa, que é em plano acima, abstrato; mas não se há de levar muito a fundo a diferença, porque a pessoa já nasce com titularidade concreta, que é a do direito de personalidade como tal, o direito a ser sujeito de direitos. Tal direito ressalta aos nossos olhos quando pensamos em terem existido, e ainda existirem em sistemas jurídicos destoantes da civilização contemporânea, seres humanos sem capacidade de direito... (...)a personalidade em si não é direito; é qualidade, é o ser capaz de direitos, o ser possível estar nas relações jurídicas como sujeito de direito."

Dessa forma, podemos afirmar que Pessoa e Personalidade não são palavras sinônimas. Personalidade é a aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações. O sujeito de direitos, todos sabemos, é a pessoa, de forma que ser sujeito de direitos, é ser pessoa. Tratam-se, dessa forma, de conceitos equivalentes, uma vez que personalidade, vem a ser a aptidão para ser pessoa. Walter Moraes afirma que a personalidade é "o que" ou seja, "o quid", que faz com que algo seja pessoa.

No significado técnico da psicologia contemporânea, personalidade é a organização que a pessoa imprime à multiplicidade de relações que a constituem. É nesse sentido que Nietzche falava de pessoa, observando que "alguns homens compõem-se de várias pessoas e a maioria não é pessoa. Onde predominarem as qualidades medianas importantes para que um tipo se perpetue, ser pessoa será luxo (...) trata-se de representantes ou de instrumentos de transmissão". (IX)

H. J. Eysenck diz que "personalidade é a organização mais ou menos estável e duradoura do caráter, do temperamento, do intelecto e do físico de uma pessoa: organização que determina sua adaptação total ao ambiente. Caráter designa o sistema de comportamento conativo (vontade) mais ou menos estável e duradouro da pessoa.
Temperamento designa seu sistema mais ou menos estável e duradouro de comportamento afetivo (emoção); intelecto, seu sistema mais ou menos estável e duradouro de comportamento cognitivo (inteligência); físico, seu sistema mais ou menos estável e duradouro de configuração corpórea e de dotação neuro-endócrina".
(X)

No entanto, o que buscamos saber, é em que consiste a personalidade, enquanto aptidão para ser sujeito ou pessoa.

Eroulths Cortiano Júnior afirma que "não se pode confundir a idéia de sujeito de direito, com a idéia de personalidade que partem de premissas distintas e têm funções distintas". (XI) Mais à frente, continua o nobre autor supra citado à respeito dos Direitos da Personalidade: "A tábua sistemática de proteção à dignidade humana, dentro do direito privado, configura-se justamente nos chamados direitos da personalidade. Esta categoria de direitos é plena de inquietações e dúvidas. Sua obscuridade ainda permeia os estudos. Sua sutileza ainda assombra os juristas. Sua amplitude desorienta a doutrina. Sua dimensão assusta a jurisprudência. Sua existência flexibiliza e desestabiliza o direito civil, com repercussões por todo o direito."

Diante de tais considerações, podemos dizer que a única coisa incontroversa em tudo isso, é a certeza da existência de direitos que visam proteger a integridade física, intelectual e moral da pessoa, direitos estes, que surgem no mesmo instante que a pessoa, ou seja, no momento em que adquire-se a personalidade civil, passando a ser "pessoa" e a ter, com isso, existência jurídica.

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Sobre a autora
Daniela Paes Moreira Samaniego

professora de Direito na Universidade de Cuiabá (UNIC), mestranda em Direito pela UNIC/UNESP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. A concepção tomista de pessoa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/560. Acesso em: 26 abr. 2024.

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