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Prisões cautelares aplicáveis antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sob a perspectiva constitucional

Prisões cautelares aplicáveis antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sob a perspectiva constitucional

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A presente produção acadêmica tem por finalidade abordar algumas questões inerentes às prisões cautelares existentes, sob a ótica constitucional, em consonância com o que dispõe a legislação, a produção doutrinária e o entendimento dos tribunais.

1 Introdução

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 - CRFB/88, editada após o fim do governo militar, veio com o objetivo de restabelecer a ordem democrática, solidificar os direitos e garantias individuais e sociais e proteger os indivíduos contra o exercício arbitrário do poder por parte de quem o detenha, com um caráter garantista sem precedentes na história brasileira.

Não obstante a CRFB/88 ser, essencialmente, uma Constituição garantista, a justificativa do presente está na atual conjuntura político-social brasileira, notadamente a constante sensação geral de insegurança causada pela criminalidade, panorama intolerável para qualquer sociedade organizada em um Estado de Direito.

O presente estudo tem por objeto as prisões cautelares aplicáveis antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, analisadas sob a perspectiva constitucional dos direitos e garantias individuais e também sociais.

Partindo da técnica do referente, figura como objetivo geral a análise da constitucionalidade das prisões cautelares aplicáveis antes do trânsito em julgado da condenação penal, com o fim de estabelecer uma relação entre a presunção de inocência e o interesse público na segregação cautelar de um infrator, em conformidade com o disposto na legislação e o entendimento dos tribunais.

Como objetivo específico busca-se examinar os aspectos de três das principais modalidades de prisão cautelar existentes no ordenamento jurídico, quais sejam, a prisão temporária, a prisão preventiva e o cumprimento de pena após condenação em segundo grau de jurisdição.

Para se desenvolver a base lógica deste artigo, na fase de investigação, foi adotado o Método Indutivo[ii].  As técnicas de pesquisa acionadas para se cumprir com a finalidade proposta pelo método eleito são a Pesquisa Documental e Bibliográfica, a Categoria e o Conceito Operacional. As adoções dessas últimas ferramentas são necessárias para se estabelecer, com a lucidez necessária, o Acordo Semântico entre os escritores e o(s) leitor(es) a fim de se estabelecer, minimamente, quais são os pressupostos teóricos que conduzem o desenvolvimento, inclusive ideológico[iii], deste estudo.


2 A tutela constitucional da liberdade

A carta magna traz em seu artigo 5º, no extenso rol de direitos e deveres individuais e coletivos, mais especificamente no inciso LVII, o princípio constitucional de presunção da inocência, que prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória[iv]. Depreende-se deste princípio, que o Estado não pode, em regra, restringir a liberdade do indivíduo até que este seja condenado irrecorrivelmente, porém, a Constituição prevê não apenas direitos e garantias individuais, mas também os sociais, previstos no rol exemplificativo do art. 6º, no art. 144  e em diversos outros trechos. Em análise às características da Lei Maior brasileira é natural que ocorram conflitos aparentes entre seus princípios, isso se deve principalmente ao fato de a Constituição brasileira ser em sua essência, uma Constituição analítica, desenvolvendo em maior extensão o conteúdo dos princípios adotados, descendo a pormenores no tratamento dos diversos temas que abrange[v]. Para melhor compreensão da problemática abordada, faz-se necessária uma breve distinção entre regras e princípios.

A regra sempre deve incidir na hipótese prevista em sua literalidade, uma vez efetivada a subsunção, enquadrando-se os fatos na sua previsão abstrata, a regra irá produzir seus efeitos, de modo direto. Ou a regra vincula a matéria em sua totalidade ou não é dotada de observância (modalidade all or nothing), sendo assim, na hipótese de conflito entre uma ou mais regras somente uma irá prevalecer[vi].

Tratando-se de conflitos entre princípios, estes possuem uma carga de abstração muito maior, não preveem uma conduta especifica a ser seguida e se aplicam a um indeterminado número de hipóteses fáticas. No caso de colisão, um fator que não pode ser ignorado é o fato da inexistência de hierarquia em abstrato entre princípios[vii], ou seja, os critérios aplicáveis ao conflito de regras são incompatíveis nas hipóteses de conflitos entre princípios, logo, outra solução não há, senão a ponderação à critério discricionário do aplicador da lei (cujas próprias convicções jurídico-ideológicas desempenharão papel determinante nesse processo), que deve ponderar o peso que cada princípio irá desempenhar no caso concreto, preservando o máximo de cada um na lição de Sarmento[viii]:

O equacionamento das tensões principiológicas só pode ser empreendido à luz das variáveis fáticas do caso, as quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve ser atribuído a cada cânone constitucional em confronto. E a técnica de decisão que, sem perder de vista os aspectos normativos do problema, atribui especial relevância às suas dimensões fáticas, é o método de ponderação de bens.

A ordem jurídico-constitucional prevê, além dos direitos fundamentais individuais, outros direitos, coletivos e sociais calçados em inúmeros princípios e valores voltados à manutenção da ordem pública, assim, não há o mínimo de razoabilidade em descuidar da proteção dos direitos das vítimas e de toda a sociedade em geral, sob o pretexto de proporcionar a efetivação dos direitos dos indivíduos que estão sob tutela penal. O estado de inocência interpretado de forma desmedida, promove, na expressão de Douglas Fischer, o chamado “garantismo hiperbólico monocular”[ix], segundo o qual, evidencia-se desproporcionalmente (hiperbólico) e de forma isolada (monocular) a necessidade de proteção apenas dos direitos fundamentais dos indivíduos que se veem investigados, processados ou condenados.

Frente a toda complexidade e a infinidade de hipóteses no tocante a ponderação e aplicação dos princípios constitucionais com vistas a garantir os direitos fundamentais dos indivíduos, é notório que sempre haverá divergências, no entanto, cabe ressaltar que a doutrina, a jurisprudência e o próprio texto constitucional são consonantes em afirmar, que não existe direito fundamental absoluto, e o direito à liberdade não foge à regra, justamente por isso, o ordenamento jurídico pátrio prevê diversos mecanismos que garantem o exercício legal desta restrição.


3 Lei nº 7.960/1989: A prisão temporária

Tal modalidade de segregação cautelar, foi incorporada ao ordenamento através da Lei 7.960, sancionada em 21 de dezembro de 1989. Como o próprio nome sugere, possui um caráter temporário, e poderá ser decretada, nos termos do art. 1º da referida lei, nas hipóteses em que ela for imprescindível para as investigações do inquérito policial (I), quando o indicado não tiver residência fixa (II) ou quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos crimes previstos no rol taxativo do art. 1º, III do referido diploma legal[x]. O art. 2º, §4º da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) possibilita ainda a decretação da prisão temporária, nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e em todos os crimes hediondos[xi].

A prisão temporária serve para acautelar a investigação criminal, tanto que, na hipótese de já oferecida denúncia, ela só pode ser decretada antes do recebimento desta. O procedimento inicia-se com a representação da autoridade policial, sendo que nesta hipótese o juiz decidirá após o parecer ministerial, ou diretamente através de requerimento do Ministério Público. A decisão que decretar a prisão temporária deverá ser fundamentada e prolatada pelo Magistrado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas. A doutrina majoritária pondera que para a decretação da prisão temporária existe a necessidade do crime em questão estar previsto no inciso III (ou ser crime hediondo / equiparado), e ainda as circunstâncias dos fatos encaixem-se, ao menos, com o inciso I ou com o inciso II da Lei 7.960[xii], isso por força do próprio princípio constitucional da presunção da inocência, de fato não existiria razoabilidade alguma a utilização indiscriminada deste mecanismo, ainda mais em função das características da etapa de apuração da infração penal em qual sua decretação é cabível, qual seja, a fase de inquérito policial.

3.1 Prazos e peculiaridades

A prisão temporária será decretada pelo juiz e terá o prazo de 5 (cinco) dias, passível de prorrogação por igual período na hipótese de extrema e comprovada necessidade, tal prorrogação deverá ser determinada pelo juiz de forma justificada, com base na necessidade da manutenção da medida. Existe ainda um prazo diverso da prisão temporária, previsto na Lei dos Crimes Hediondos, que prevê o prazo de 30 (trinta) dias nos crimes hediondos e equiparados, também prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. Uma vez decorrido o prazo, o preso deverá, imediatamente, ser posto em liberdade, não se fazendo necessária ordem judicial para tanto, caso isso não seja observado e o período da prisão exceda o previsto em lei, configurar-se-á abuso de autoridade passível de ser impugnado por habeas corpus, sem prejuízo da responsabilização da autoridade[xiii].

 A prisão temporária é um instituto que vincula um rol muito restrito de infrações penais, estas, sendo crimes de elevado potencial ofensivo. A colheita de elementos de prova ainda na fase inquisitorial pode exigir esta modalidade de segregação cautelar, eis que algumas diligências fundamentais para a elucidação da infração penal eventualmente podem ser necessárias antes mesmo do oferecimento peça exordial acusatória, quando não indispensáveis à este fim, logo, as etapas do rito processual podem não acompanhar necessariamente as necessidades do caso concreto, o trabalho de investigação não torna-se possível ou recomendável com o indiciado estando em liberdade.

Destaque para crimes envolvendo organizações criminosas, como o crime de tráfico de entorpecentes e associação para o tráfico, respectivamente os crimes previstos nos artigos. 33 e 35 da Lei. 11.343/2006, o trabalho da polícia, do Ministério Público e do próprio Judiciário depende de um processo de investigação muito particular, visto que em não raras vezes, os crimes de tráfico de drogas são realizados em circunstâncias extremamente obscuras, o que dificulta muito o trabalho de investigação, além de que na grande maioria das vezes, não trata-se de infração isolada, mas envolvem outras infrações penais de naturezas distintas, como organização criminosa/associação criminosa, posse/porte/tráfico ilegal de armas de fogo, roubos, homicídios, corrupção de menores, etc, o que tornar o trabalho de investigação muito mais dificultoso, uma vez que, não excepcionalmente, os traficantes instalam um estado de exceção na localidade em que atuam. Torna-se um risco muito grande comprometer toda a investigação, por uma questão de mera formalidade inerente ao processo, qual seja, a ausência de uma acusação formalmente constituída (ou o não recebimento desta), logo, percebe-se que a decretação da prisão temporária é medida sensata e perfeitamente cabível, como forma de acautelar os atos do inquérito policial.

Tudo posto, percebe-se que não há que se falar em inconstitucionalidade do dispositivo em comento, fica claro que ele é um mecanismo extremamente útil ao esclarecimento das infrações penais e a sua presença no sistema jurídico brasileiro não configura qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência, uma vez que totalmente legítima e justificável a sua aplicação.


4 O instituto da prisão preventiva: Aspectos jurídicos e discussões

A prisão preventiva é medida que pode ser decretada em qualquer fase da investigação preliminar ou da ação penal se a uma ou a outra for conveniente. Trata-se de medida cautelar de última ratio, somente aplicável quando as outras medidas cautelares diversas da prisão não se mostrarem suficientes ou adequadas ao caso concreto, ficando estes aspectos a critério discricionário do magistrado, ou ainda, com o advento da lei 12.403/2011, a prisão preventiva pode ser decretada em caso de descumprimento de alguma medida cautelar anteriormente imposta ou investigado/denunciado[xiv].

Na hipótese de ainda não existir nenhuma acusação formalmente constituída, a prisão preventiva ainda pode ser decretada, não se confundindo com a prisão temporária, eis que diversos seus requisitos e hipóteses de cabimento, é o caso prisão em flagrante delito, o juiz em análise ao auto de prisão em flagrante, e a requerimento do Ministério Público, pode converter a prisão em flagrante em preventiva, sendo vedada a decretação pelo juiz, de ofício, antes de iniciada a ação penal. A excepcionalidade desse dispositivo, repousa sobre o fato de (assim como a prisão temporária) a segregação cautelar constituir uma espécie de punição antecipada ao infrator, tendo em vista o estado de inocência ser a regra no sistema penal brasileiro.

4.1 Dos pressupostos e requisitos

Os pressupostos autorizadores da prisão preventiva são a prova da materialidade do delito e indícios suficientes que levem a concluir que o indivíduo investigado foi o autor do crime, trata-se do brocardo latino fumus commissi delicti, que é a indicação da existência de indícios suficientes para justificar a custódia cautelar do investigado, dispensa-se provas plenas, o caso concreto é interpretado à luz do princípio in dubio pro societate. Não se exige para a decretação da preventiva a mesma certeza necessária para uma sentença condenatória, quando então vige o princípio in dubio pro reo[xv].

Os requisitos da decretação da prisão preventiva, encontram forte no chamado “periculum libertatis”, que expressa o risco na manutenção da liberdade do investigado, sendo sua segregação cautelar, medida imprescindível de forma a evitar o cometimento de um dano grave e de difícil reparação tanto à persecução penal quanto a sociedade em geral. Nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal a decretação da prisão preventiva pode se dar como forma de[xvi]:

a) Garantia da ordem pública: A segregação cautelar do investigado é decretada com vistas a impedir que ele continue a praticar ilícitos penais. Torna-se um risco para a sociedade que o indivíduo permaneça em liberdade, não sendo razoável que se aguarde o término da persecução penal para que enfim, seja ele retirado do convívio social.

b) Garantia da ordem econômica; Desdobramento do requisito garantia da ordem pública;

c) Conveniência da instrução criminal: Talvez o requisito que legitima de forma mais incontestável a decretação da prisão preventiva, objetiva acautelar a instrução criminal sem a interferência do acusado na colheita das provas;

d) Assegurar a aplicação da lei penal: Demonstrado um fundado receio de fuga, a prisão preventiva também é medida que pode ser aplicada.

4.2 Das hipóteses de cabimento

Conforme o disposto no art. 313 do Código de Processo Penal[xvii], a prisão preventiva somente será admitida, nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos (I); Registrar condenação transitada em julgado por outro crime doloso, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal (II); Crime relacionado à violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (III); Dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la: Sendo caso de soltura, o indivíduo deve ser posto imediatamente em liberdade após feita a sua identificação (Parágrafo Único).

4.3 Dos prazos

Por mais que inexista prazo determinado para a duração desta modalidade de segregação cautelar, em sendo caso de o réu estar respondendo determinada ação penal preso em virtude de prisão preventiva, mostra-se imprescindível o comprometimento das partes (principalmente o órgão acusador) com a celeridade processual na tramitação do feito. Uma vez que a prisão preventiva têm um de seus fundamentos acostados no bom andamento da instrução criminal, é inadmissível o seu prolongamento em virtude de negligência da parte acusadora ou do próprio Juízo, nesta hipótese, comprovada a responsabilidade, configura-se constrangimento ilegal por excesso de prazo, passível de impugnação por habeas corpus. No entanto, fundamental destacar que tais hipóteses são inarredáveis do império do princípio da razoabilidade, ou seja, as características de cada procedimento e de cada crime podem exigir um período de segregação maior ou menor e a configuração do excesso de prazo deve corresponder à complexidade da causa. Além dos próprios prazos processuais, na jurisprudência, formaram-se alguns critérios que justificam uma maior extensão do procedimento de instrução, sem incorrer em excesso de prazo, entre elas: elevado número de corréus (em especial, quando há diversos defensores); provas produzidas por carta precatória; provas periciais variadas e diligências solicitadas pela defesa do acusado[xviii].

Indubitável, que determinadas demandas penais exigem a segregação cautelar do indivíduo para o ideal andamento da instrução processual e a melhor apuração dos fatos com vistas à busca da verdade real, isto posto, percebe-se que o instituto da prisão preventiva não é tão somente legítimo, também demonstra ser um mecanismo legal indispensável à manutenção da ordem no meio social e à aplicação da lei penal.


5 O cumprimento de pena após condenação em segundo grau de jurisdição

Em sendo matéria constitucional, a relativização do princípio da presunção da inocência chegou até o Supremo Tribunal Federal, que no dia 17 de fevereiro de 2016 proferiu uma das decisões mais notórias e polêmicas de sua história, através do julgamento do Habeas Corpus 126.292[xix]:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.

1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

2. Habeas corpus denegado. (GRIFOS NOSSOS)

Um dos pontos mais criticados acerca da decisão, é o inevitável ativismo do STF, que de certa forma acabou legislando matéria Processual Penal a partir da decisão, no entanto, é evidente que a produção legislativa infelizmente não tem acompanhado as transformações sociais, portanto, resta prejudicada a crítica ao Judiciário pelo exercício de uma função legislativa que de fato é atípica, mas indispensável à manutenção da ordem. A interpretação dos ministros de forma a admitir que um indivíduo que ainda não esgotou suas possibilidades recursais, inicie o cumprimento provisório da sua pena, foi fundamentado, em boa parte, em normas e princípios constitucionais voltados à manutenção da ordem pública, destacou brilhantemente o Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto[xx]:

Na discussão específica sobre a execução da pena depois de proferido o acórdão condenatório pelo Tribunal competente, há dois grupos de normas constitucionais colidentes. De um lado, está o princípio da presunção de inocência, extraído do art. 5º, LVII, da Constituição, que, em sua máxima incidência, postula que nenhum efeito da sentença penal condenatória pode ser sentido pelo acusado até a definitiva afirmação de sua responsabilidade criminal. No seu núcleo essencial está a ideia de que a imposição ao réu de medidas restritivas de direitos deve ser excepcional e, por isso, deve haver elementos probatórios a justificar a necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito da medida. De outro lado, encontra-se o interesse constitucional na efetividade da lei penal, em prol dos objetivos (prevenção geral e específica) e bens jurídicos (vida, dignidade humana, integridade física e moral, etc.) tutelados pelo direito penal. Tais valores e interesses possuem amplo lastro na Constituição, encontrando previsão, entre outros, nos arts. 5º, caput (direitos à vida, à segurança e à propriedade), e inciso LXXVIII (princípio da razoável duração do processo), e 144 (segurança). Esse conjunto de normas postula que o sistema penal deve ser efetivo, sério e dotado de credibilidade. Afinal, a aplicação da pena desempenha uma função social muitíssimo relevante. (...) Mediatamente, o que está em jogo é a proteção de interesses constitucionais de elevado valor axiológico, como a vida, a dignidade humana, a integridade física e moral das pessoas, a propriedade, e o meio ambiente, entre outros. (GRIFOS NOSSOS)

Conforme asseverado pelo Excelentíssimo Ministro, interpretar o inciso LVII do art. 5º da Carta Magna de forma a assegurar a efetividade da lei penal e proteger outros bens jurídicos com status constitucional é totalmente legítimo, têm-se interesses distintos colidentes, que, para evitar indesejável tautologia, aplica-se o que foi abordado no item 2 da presente produção acadêmica. Um indivíduo ter sido condenado em primeira instância e ter a condenação sido confirmada em segundo grau, é um fato que demonstra a solidez e veracidade da acusação, possibilitando a formação de uma segura perspectiva acerca da sua responsabilidade penal enfraquecendo ainda mais a presunção da inocência.

5.1 Do esgotamento da matéria de mérito

A estrutura do Judiciário brasileiro, reserva aos Tribunais de Justiça dos estados, a atribuição de julgar os recursos de apelação e o consequente esgotamento da matéria de mérito de determinado caso, ou seja, proferido o acórdão confirmado ou reformando determinada sentença, somente será cabível recurso especial na hipótese de demonstrada ofensa ao disposto em lei federal, destinado ao STJ, ou recurso extraordinário, destinado ao STF, em sendo caso de violação de normas constitucionais. As Cortes Superiores tratam somente de matérias de direito, logo respeitado o princípio do duplo grau de jurisdição, se um Tribunal de Justiça confirma a condenação do réu, isso não será discutido pelos Tribunais Superiores, o fato criminoso não será reavaliado, ora, posto isso, via de regra, não se verifica qualquer fundamento jurídico plausível para permitir que o sentenciado recorra em liberdade. Ainda, verificada no decorrer do processo, manifesta violação às leis federais ou à própria Constituição, o réu pode se valer de habeas corpus impetrado diretamente junto aos Tribunais Superiores. A interposição indiscriminada dos aludidos recursos, caso fornecidos para a defesa como instrumento para protelar o cumprimento da sentença condenatória e manter o réu em liberdade, implica em criar o ambiente perfeito para que o réu possa eximir-se do cumprimento da pena imposta através da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva ou executória estatal, comprometendo a duração razoável do processo e consagrando a impunidade[xxi].

Nesta esteira, a decisão do STF confirmando a constitucionalidade do cumprimento provisório da pena após condenação em segundo grau de jurisdição, é totalmente coerente, manter um indivíduo segregado com vistas a assegurar a devida instrução do feito, não implica em considerá-lo culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, como veda a Constituição Federal.


Considerações finais

Indiscutível que a observância ao devido processo legal conferida à um indivíduo que está em frente ao jus puniendi do Estado é indispensável para solidificação de um Estado Democrático de Direito, no entanto, não é concebível que a Justiça ignore interesses substanciais relacionados à aplicação da lei penal, ao bem estar social e à estabilidade de instituições basilares do convívio em sociedade, sob uma justificativa exacerbadamente garantista. A ponderação entre a liberdade e os interesses inerentes à ordem pública é uma tarefa que exige muita circunspeção por parte do aplicador da lei, que ao fazê-la, não pode ignorar as realidades sociais.

Juízes, membros do Ministério Público, Delegados e quaisquer demais agentes públicos que lidam diariamente com demandas penais e assumem uma postura menos flexível em relação ao estado de inocência, com vistas a salvaguardar a ordem pública e efetivar a aplicação da lei penal, exercem com maestria o dever à eles incumbido, de demonstrar que o Estado deve saber impor-se, mostrar a força das suas instituições para consolidar a sua elementar obrigação, qual seja, promover a ordem e propiciar a paz à toda sociedade.


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Notas

[ii] “[...] base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 213.

[iii]“[...] vamos a entender por ideología a un cuerpo de ideas que expresan el funcionamiento deseable de la sociedad, por parte de un grupo humano o colectivo social. Implican una representación y evaluación político-social existente para un momento histórico determinado, plantean un tipo de sociedad ideal o deseable a que se aspira, y prescriben las acciones políticas que permitan, ya sea acercar lo existente con lo ideal […]”. SAAVEDRA, Fernando Jaime Estenssoro. Medio ambiente e ideología: la discusión pública en Chile, 1992-2002. Santiago: Ariadna/Universidad de Santiago de Chile – USACH, 2009, p. 28.

[iv] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 01 dez. 2016

[v] BARROSO, Luis Roberto. Direito constitucional.  2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 102.

[vi] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 15.

[vii] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 329.

[viii] SARMENTO, Daniel. Os princípios constitucionais e a ponderação de bens. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p 55.

[ix] FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral (e não o garantismo hiperbólico monocular) e o princípio da proporcionalidade: Breves anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html> Acesso em: 05 dez. 2016.

[x] BRASIL. Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /L7960.htm> Acesso em: 05 dez. 2016.

[xi] BRASIL. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /L8072.htm> Acesso em: 05 dez. 2016.

[xii] MARQUES, Ivan Luís; MARTINI, João Henrique Imperia. Processo penal III: procedimentos e prisão. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 143.

[xiii] MARQUES, Ivan Luís; MARTINI, João Henrique Imperia. Processo penal III: procedimentos e prisão. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 144.

[xiv] MARQUES, Ivan Luís; MARTINI, João Henrique Imperia. Processo penal III: procedimentos e prisão. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 125.

[xv] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19. ed. São Paulo. Saraiva, 2012. p. 330.

[xvi] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal .19. ed. São Paulo. Saraiva, 2012. p. 330.

[xvii] BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em: 05 dez. 2016.

[xviii] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 626.

[xix] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Habeas Corpus n.126.292. Relator: ZAVASCKI, Teori. p. 1. Publicado no DJ de 17.05.2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP =TP&docID=10964246> Acesso em: 03 jan. 2017.

[xx] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Habeas Corpus n.126.292. Relator: ZAVASCKI, Teori. p. 40. Publicado no DJ de 17 mai. 2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP= TP&docID=10964246> Acesso em: 03 jan.2017.

[xxi] NUCCI, Guilherme de Souza. A decisão do STF acerca do cumprimento da pena após o julgamento de 2º grau de jurisdição e a presunção de inocência. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2016/10/11/a-decisao-do-stf-acerca-do-cumprimento-da-pena-apos-o-julgamento-de-2o-grau-de-jurisdicao-e-a-presuncao-de-inocencia/> Acesso em: 03 jan. 2017.


Autor

  • Luiz Gustavo Venier

    Acadêmico do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí cursando o 5º período da graduação. Atualmente exerce a função de estagiário de Direito no Gabinete da Vara Criminal da Comarca de Tijucas/SC, Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

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