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Aspectos gerais da responsabilidade civil

Aspectos gerais da responsabilidade civil

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Principais aspectos relacionados à responsabilidade civil no direito privado brasileiro, desde sua origem no mundo jurídico, à teoria da perda de uma chance, cuja vanguarda representa tendência nessa seara.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A responsabilidade civil é uma das questões mais complexas e trabalhosas do mundo jurídico, cujo estudo ultrapassa o plano teórico e requer a análise das relações humanas em seus diversos aspectos, individuais ou contratuais.

Do latim “respondere”, a palavra “responsabilidade” relaciona-se à ideia do dever de ressarcimento de danos que surge ante a ocorrência de uma lesão, seja ela de cunho material, moral ou mesmo estético. Seria, pois, a “resposta” a uma obrigação.

Conceituar o instituto jurídico em tela é tarefa deveras árdua. Nos primórdios, mais especificamente em Roma, a noção de responsabilidade assumia caráter objetivo, desvencilhada da noção de “culpa”. Tratava-se, pois, de uma espécie de “pena” imposta ao causador da lesão e não de um dever imposto a este de ter de despender valores pecuniários para indenizar o prejudicado.

Naquela época, o conceito de responsabilidade estava desvinculado das noções de Direito, sendo que aquele que produzisse um dano, mesmo que tivesse agido com o máximo de cuidado e de cautela estava obrigado a repará-lo. O dano provocava reações bastante brutais do ofendido. Inexistiam quaisquer regras, sendo a vingança privada e selvagem a forma da reação humana imediata ao mal sofrido. A lei de Talião, cuja principal regra é a máxima “olho por olho, dente por dente”, reflete quão primitiva e cruel era a sociedade da época.

Com o decorrer dos tempos, algumas conveniências e benefícios na substituição da punição legal pela compensação econômica passaram a ser observadas. Mas somente em uma época bastante posterior, com a proibição da possibilidade de se fazer “justiça com as próprias mãos”, é que a pena pecuniária (chamada de “poena”) passa a ser obrigatória e tarifada. A morte de um homem livre ou de um escravo, a lesão à integridade corporal de certo indivíduo, o desfalque patrimonial causado pela prática de ato ilícito, por exemplo, eram compensadas com o pagamento de certo valor pecuniário.

Mas a diferenciação entre pena e reparação, sistematicamente, só surge quando é feita a distinção entre delitos públicos e privados. Naqueles, a pena econômica imposta ao réu deveria ser recolhida aos cofres públicos; nestes, pelo particular. Assim, assumiu o Estado a função punitiva, fazendo surgir, então, a ação de indenização, onde o prejudicado deveria acionar o causador do dano para que este o restituísse dos prejuízos causados.

A culpa, como pressuposto da responsabilidade civil, somente adentrou como elemento básico desta, com a jurisprudência clássica, “em virtude da qual o agente tornava-se isento de toda responsabilidade quando houvesse procedido” sem culpa1. A Lex Aquilia ou Lei Aquiliana foi o germe deste entendimento e, portanto, fonte para a concepção da culpa. Entretanto, a definição expressa de culpa só adentra no ordenamento jurídico romano com a influência grega, nos fins da República quando se observa o preceito: “impunitur est qui sine culpa et dolo malo casu quodam damnum committit” (aquele que causou dano a outrem sem culpa ou dolo não será punido).

Muito tempo depois, já após a Revolução Francesa, o Direito Francês, no Código Civil de Napoleão, que influenciou o direito privado mundial, inclusive o brasileiro, aperfeiçoando as ideias românicas e inspirado pelos juristas Domat e Pothier, estabeleceu nitidamente alguns princípios de responsabilidade civil que, aos poucos, passaram a exercer sensível influência nos outros povos. Dentre eles, destacam-se o direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a direito, mas se origina da negligência e da imprudência. Era a generalização do princípio aquiliano “in lege aquilia et levissima culpa venit”, ou seja, a culpa, ainda que levíssima obriga a indenizar.

A partir daí, a culpa passou a ser a base da conceituação do instituto. Para os doutrinadores clássicos, tornou-se impossível definir responsabilidade sem intimamente relacioná-la à noção de culpa. Assim, segundo a conceituação clássica de responsabilidade civil, para que a vítima obtivesse reparação ao dano que lhe fora causado deveria comprovar obrigatoriamente a conduta do agente causador da lesão, seja ela omissiva ou comissiva, o dano gerado, o nexo causal entre o primeiro e o segundo elementos e a culpa – agora sim imprescindível requisito para obtenção do ressarcimento.

Para o jurista Savatier, responsabilidade é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam2. Igualmente, Pirson e De Villé, entendem-na como a obrigação imposta pela lei às pessoas no sentido de responder pelos seus atos, isto é, suportar, em certas condições as conseqüências prejudiciais destes.3

Quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, de início, pode-se afirmar que o instituto jurídico da responsabilidade civil não ocupava local de destaque no campo teórico ou prático. Tanto foi que o próprio Código Civil Brasileiro de 1916 (Lei nº 3.071/16), hoje revogado pela Lei nº 10.406 de janeiro de 2002, dedicou a este tema apenas dois artigos na Parte Geral, quais sejam os arts. 159 e 160 que tratavam da responsabilidade aquiliana e outros poucos dispositivos no título VII do Livro III – Do Direito das Obrigações (arts. 1518 a 1532 da Parte Especial do revogado Código).

Algumas leis esparsas buscavam cuidar da responsabilidade civil relacionada a determinados assuntos específicos, trazendo para o Direito Brasileiro, ainda que de forma bastante tímida, a discussão da dispensa da comprovação da culpa para obtenção da reparação: a chamada ‘teoria objetiva da responsabilidade civil’. Dentre estes diplomas legislativos cita-se o Decreto nº 2.681 de 1912 que tratava da responsabilidade civil das estradas de ferro e o Decreto-Lei nº 32 de 1966, conhecido como Código Brasileiro do Ar que cuidava da responsabilidade civil de empresas aéreas.

Mas, até a explicitação da responsabilidade civil objetiva no Código Civil Brasileiro, um longo caminho fora percorrido. Antes de elencar casos na lei civil em que tal teoria é adotada, alguns doutrinadores deram alguns passos mais adiantados definindo a responsabilidade civil de forma desvinculada da noção de culpa, tomando esta apenas como um dos elementos constituidores básicos do instituto. A exemplo, cita-se Serpa Lopes que, ao definir a responsabilidade civil, caracterizou-a como “a obrigação de reparar um prejuízo, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva”4. (grifo nosso)

Hodiernamente, o Código Civil Brasileiro dedica, além dos artigos 186 a 188, em sua Parte Geral, onde cuida dos atos ilícitos, dois capítulos específicos sobre responsabilidade civil no Livro I da Parte Especial “Do Direito das Obrigações”. No Título IX do referido Livro, encontram-se disposições diversas sobre o dever de indenizar, muitas delas existentes no revogado Código de 1916, mas outras tantas constituindo inovações no âmbito do direito privado, trazendo, inclusive, para a legislação, casos de responsabilidade civil em que não se discute o elemento culpa – a já mencionada “responsabilidade objetiva”.

Entretanto, o Direito Brasileiro filiou-se à teoria subjetiva como regra geral, adotando a teoria objetiva apenas em situações excepcionais no Direito Civil. Apenas em situações peculiares há a adoção da teoria objetiva como regra. É o que se verifica nos casos de relações de consumo, regidas estas pelo Código de Defesa do Consumidor e, também nos casos de danos causados pela Administração Pública (responsabilidade extracontratual do Estado).

Atualmente, são inúmeras as celeumas que envolvem o instituto da responsabilidade civil e suas diversas órbitas. Contudo, sabe-se que, de forma genérica, todas elas afirmam ser a responsabilidade civil, um dever de reparar o dano causado à outra pessoa. Outrossim, não se ignora que todas elas visam apenas a um objetivo: fornecer subsídios à vítima do dano para que esta obtenha sua indenização da maneira mais justa e coerente.


2. CLASSIFICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE: A RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL. A RESPONSABILIDADE POR ATOS PRÓPRIOS E DE TERCEIROS. A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA. A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL.

São diversas as classificações efetuadas pela doutrina no que tange à responsabilidade civil que variam em função do objeto a que se referem, do sujeito causador do dano e até mesmo da origem do surgimento da relação obrigacional.

2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

Conforme mencionado anteriormente, nos primórdios, não havia diferenciação entre a responsabilidade civil e a penal. O ato ilícito causador do dano era punido com a aplicação de pena, não se diferenciando os reflexos que o mesmo gerava, concomitantemente, na esfera criminal e na esfera civil.

Contudo, atualmente é sabido e pacífico que tal raciocínio não é correto. Um mesmo ato pode, além de lesionar a vítima, causando-lhe prejuízos de ordem material, moral e até mesmo estético, também ser fato típico e antijurídico que o legislador, na esfera criminal, pune com a aplicação de uma pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou alternativa. Assim, percebe-se claramente que a responsabilidade civil difere de forma significativa da responsabilidade penal. A primeira tem cunho reparatório, no sentido de tentar fazer com que a vítima retorne a seu ‘status quo ante’, através do recebimento de determinada quantia pecuniária.

Já a segunda, tem caráter punitivo, buscando, dentre outros objetivos, demonstrar a necessidade de observação do ordenamento jurídico criminal e aplicar sanção para aquele que o infringiu. Como bem alerta Carlos Alberto Bittar, “a reparação representa meio indireto de devolver-se o equilíbrio às relações privadas, obrigando-se o responsável a agir, ou a dispor de seu patrimônio para a satisfação dos direitos do prejudicado. Já a pena corresponde à submissão pessoal e física do agente, para a restauração da normalidade social violada com o delito. ”5

É o que acontece, por exemplo, quando determinado sujeito atropela outro, causando-lhe lesões corporais graves (como a fratura exposta de um membro) impedindo-o de se movimentar por vários meses. O causador do dano, na esfera penal, responderá pelo delito de lesões corporais de natureza grave, previsto no art. 129, § 1º, inciso I do Código Penal, sendo punido com a aplicação da pena privativa de liberdade de reclusão de um a cinco anos.

No entanto, a vítima, na esfera civil, certamente teve prejuízos materiais, como gastos com remédios, tratamento, além dos dias em que ficou impossibilitada de trabalhar e de consequentemente auferir lucros. Dessa forma, poderá ingressar em juízo para obter do causador da lesão o ressarcimento pelo prejuízo sofrido bem como pelo que deixou de lucrar, numa tentativa de compensar os danos sofridos em virtude do ato ilícito que lhe atingiu.

Assim, fica clara a diferença entre responsabilidade civil e penal. Embora ambas sejam formas de punir o autor do ato ilícito, seus objetivos, funções e as conseqüências geradas diferem de forma significativa.

2.2 RESPONSABILIDADE POR ATOS PRÓPRIOS E DE TERCEIROS

Na grande maioria dos casos, a lei impõe ao próprio causador do dano o dever de indenizar a vítima pelos prejuízos gerados. No entanto, em determinadas situações, o legislador cria este encargo a outrem que não o causador do dano. É o que a doutrina chama de responsabilidade por atos de terceiros.

A culpa tem desdobramentos que permitem que determinada pessoa seja responsabilizada por não ter sido prudente quando do dever de vigiar a atuação de outra pessoa – o que se chama de culpa ‘in vigilando’ - ou ainda quando escolheu indivíduos despreparados para a prática de certas atividades – o que se denomina de culpa ‘in eligendo’. Assim, ainda que não tenham diretamente causado o dano, por atuarem de forma reflexa na escolha ou na vigília de terceiro, respondem pelos atos por estes praticados.

A discussão da culpa ‘in vigilando’ e ‘in eligendo’ tinha maior relevância na vigência do Código Civil de 1916 que em seus arts. 1.521 e 1.523 estabelecia que pais, tutores e curadores, patrões e donos de hotéis eram responsáveis pelos atos que, respectivamente, seus filhos, tutelados ou curatelados, empregados ou hóspedes causassem a terceiros se provado pela vítima que aquelas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte. Assim, para que a vítima acionasse, por exemplo, o patrão pelo dano que seu empregado causou no exercício da atividade laboral, deveria comprovar a culpa ‘in eligendo’ do primeiro que escolheu mal seu preposto.

O Código Civil Brasileiro de 2002 que revogou o diploma de 1916 repete o art. 1.521 elencando os casos em que determinada pessoa responde indiretamente por atos de terceiros. No entanto, em seu art. 933, dispõe que a responsabilização de pais, tutores e curadores, empregadores e donos de hotéis por atos dos terceiros ali referidos, independe de comprovação de culpa. Trouxe, portanto, o legislador civil de 2002, a responsabilidade objetiva para as referidas situações, facilitando a atuação da vitima na obtenção da indenização que pode acionar o responsável pelo dano ou o terceiro que por ele responde indiretamente, independentemente de ter de provar culpa deste, seja ‘in vigilando’ seja ‘in eligendo’.

2.3 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

A classificação da responsabilidade civil em subjetiva e objetiva é, senão a mais importante, uma das mais relevantes classificações no estudo do presente tema. Como já anteriormente abordado, a teoria subjetiva da responsabilidade civil – regra geral do direito civil brasileiro - impõe à vítima o ônus de provar a culpa do agente causador do dano além da ação ou omissão deste, do dano produzido e do nexo de causalidade.

A culpa é a inobservância do dever de cuidado que se espera de qualquer homem médio e que pode se exteriorizar através de uma atuação negligente, imprudente ou imperita. A negligência, forma omissiva da culpa, demonstra a inobservância por parte do agente das regras de boa conduta que devem ser obedecidas por todos. A atuação negligente se dá quando, por exemplo, determinado motorista não respeita as leis de trânsito, avançando o sinal vermelho, colidindo com outro veículo e causando acidente.

A imprudência, por sua vez, é a forma comissiva da culpa. Dá-se quando o agente atua de forma afoita, causando danos a um terceiro por agir exageradamente, excessivamente, sem limitações. Ocorre, por exemplo, quando um médico, sem aguardar os resultados das pesquisas do uso de determinado medicamento, o aplica em paciente na tentativa de curá-lo, causando-lhe graves lesões.

Por fim, a imperícia é a inaptidão para o exercício de determinada profissão. Apesar de as diversas confusões que são feitas entre esta forma de culpa e a imprudência, a imperícia só pode ser observada na atuação de determinado profissional que não está apto ao exercício da atividade para a qual foi preparado. Um médico que não observa regras básicas de assepsia, um advogado que perde prazos processuais, um motorista de taxi que viola as normas de trânsito, podem ser considerados, na causação de danos por suas condutas, agentes imperitos no exercício de suas profissões.

Já a teoria objetiva, que tem como um de seus maiores adeptos o jurista francês André Tunc, defende a indenização do dano de forma automática independentemente da existência de culpa. A referida teoria impõe a desnecessidade da comprovação da culpa para que haja ressarcimento dos danos, bastando a prova do nexo de causalidade entre estes e a conduta comissiva ou omissiva do agente. A responsabilidade objetiva, fundamentada na teoria do risco, numa tentativa de favorecer a vítima, tentou cobrir muitas hipóteses em que a invocação das concepções tradicionais foi insuficiente para a proteção da pessoa lesada. Procurou esta teoria, desvincular o dever de ressarcir de toda a ideia de culpa e atender, assim, ao princípio social da reparação.

A teoria da responsabilidade objetiva é calcada no risco inerente a certas atividades que, uma vez praticadas, fazem surgir a possibilidade de que lesões e prejuízos possam ocorrer. Assim, aquele que pratica tais atividades assume para si o risco da ocorrência de prejuízos o que gera a diversidade do ônus da prova nesta teoria. Não se discutirá se houve atuação culposa ou dolosa, mas apenas se houve nexo de causalidade entre a conduta e o dano gerado.

Logo, para a teoria da responsabilidade objetiva, por exemplo, o operário que foi vítima de acidente de trabalho teria sempre direito à indenização, havendo ou não culpa do patrão ou do acidentado. O patrão indenizaria, não porque teria culpa, mas porque possui o maquinário e os instrumentos de trabalho e assumiu o risco de que seus empregados poderiam a qualquer momento serem vítimas do infortúnio. O mesmo raciocínio é aplicado para aquele que é atingido por objeto que cai de determinado prédio. Terá ele direito à indenização independentemente de ter de comprovar culpa do proprietário do objeto que, despencando do edifício, o lesionou. Isto porque o art. 938 do Código Civil de 2002 determina que: “aquele que habitar prédio ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido” sem fazer qualquer menção ao elemento culpa.

Assim, conforme se verifica, teoria do risco defende o fato de que a simples criação de um risco de dano para terceiros, através da realização de certa atividade, implicaria no dever de reparar o dano, ainda que a referida atividade e o comportamento do agente sejam isentos de culpa. Examina-se a situação e se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do réu e o dano experimentado pela vítima, terá esta o direito de ser indenizada por aquele.

Na teoria do risco, tem-se a ideia de que o exercício de atividade perigosa, por si só, poderia ser tido como fundamento da responsabilidade civil. A prática deste tipo de atividade representaria um risco assumido pelo agente de ser obrigado a ressarcir os danos que eventualmente lesionem terceiros. A exoneração do agente só aconteceria ante a prova da ocorrência de uma das excludentes de responsabilidade. Seria, portanto, de menor relevância o fato de se saber se o agente agiu ou não culposamente, já que não seria necessária a comprovação da ação ou omissão negligente, imprudente ou imperita do mesmo.

2.4 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

Tendo em vista a origem da relação obrigacional, a responsabilidade civil pode ser dividida em contratual ou extracontratual, também conhecida esta última como aquiliana.

A responsabilidade extracontratual é a decorrente da violação da lei pela atuação ilícita do agente. É a prevista no Código Civil nos arts. 186 a 188 e 927 e seguintes. Não há um prévio ajuste, uma relação obrigacional anterior entre o causador do dano e a vítima. Apenas, pela inobservância do dever de cuidado e por atuar de forma negligente, imprudente ou imperita, violando o ordenamento jurídico, o causador do dano fica obrigado a indenizar os prejuízos que gerou a outrem. À vítima, cabe o ônus de provar a conduta do agente, juntamente com o dano, o nexo causal e a culpa, conforme já mencionado.

Diferentemente, na responsabilidade contratual, tem-se um prévio ajuste entre as partes quando da elaboração do contrato. Os contratantes pré-estabelecem as regras às quais ficam submetidos sendo que um deles, ao desobedecê-las, gerando prejuízo à parte contrária, toma para si a obrigação de indenizar. Presume-se assim a culpa, já que à vítima há apenas o encargo de provar que a parte contrária não cumpriu com as regras existentes no contrato, lesionando-a.

Não há que se ir a juízo para comprovar todos os elementos necessários à indenização, como se dá nos casos de adoção da responsabilidade aquiliana. Como bem salientam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: “para caracterizar a responsabilidade civil contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico, ao passo que na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém.”6 (grifo do autor)


3. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Atualmente, pode-se dizer que, na maioria dos países, a essência da responsabilidade civil fundamenta-se na teoria subjetiva. Em apenas alguns deles, a teoria objetiva é adotada como regra principal. Conforme já visto, o Direito Civil Brasileiro agasalha a responsabilidade subjetiva como regra geral, adotando a teoria objetiva apenas em situações excepcionais.

Ao abordar a responsabilidade subjetiva, como já explicitado, é primordial falar sobre culpa. E ao se descrever esta, está-se automaticamente adentrando no campo dos atos ilícitos. Isto porque, tais atos são manifestações contrárias à ordem jurídica; são condutas, comissivas ou omissivas que atentam contra a lei e que têm como efeito a causação de um dano a outrem. Estão, assim, intimamente ligadas às noções de negligência, imprudência e imperícia, formas estas de exteriorização da culpa. Como consequência, os atos ilícitos criam, ao seu agente causador, um dever de indenizar a vítima. Geram, portanto, a responsabilidade civil ao mesmo.

O Código Civil de 2002 reza, em seu artigo 186, que “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Posteriormente, no art. 927, em capítulo específico sobre o dever de indenizar, assim dispõe: “aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. A noção de ato ilícito, bem como do dever por ele gerado, são nitidamente explicitadas nestes dispositivos do Código Civil Brasileiro.

A ação ou omissão voluntária e antijurídica do agente, a ocorrência de um dano e a relação de causalidade entre este e a conduta, ao lado do elemento culpa, constituem os pressupostos jurídicos da responsabilidade civil, sem os quais não poderá ocorrer a imputação do prejuízo ao agente, bem como a indenização da vítima. É a responsabilidade subjetiva, adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, que exige a prova da ocorrência dos tais pressupostos para que haja o ressarcimento devido.

É imprescindível, pois, para um melhor entendimento do instituto jurídico em tela, que se passe ao estudo individualizado de cada elemento que o constitui, conforme a teoria abraçada como regra geral pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro no âmbito do direito privado.

3.1 CONDUTA DO AGENTE

A conduta do agente é o elemento fundamental, na teoria subjetiva, para a indenização do dano causado. Será sempre através da análise deste pressuposto que se terá a viabilidade do ressarcimento do prejuízo à vítima.

Num primeiro momento, há que se relevar que a “ação ou omissão voluntária” a que se refere o Código Civil, em seu art. 186, é a não proveniente de caso fortuito ou força maior. Assim, imputa-se ao agente o fato danoso se a conduta por ele praticada não ocorreu devido à interferência dessas excludentes de responsabilidade. Se presentes estas, não há que se falar em imputabilidade, nem tampouco em responsabilidade civil. A imputabilidade da conduta deve-se à consciência do agente no momento da execução do ato. Há que se atentar que voluntariedade, como alerta Caio Mário da Silva Pereira “não se confunde com a intenção de causar dano. Esta é a típica conduta dolosa. Naquela, basta a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar”7.

Ainda, quanto ao elemento “conduta do agente” ressalta-se, como já abordado anteriormente, que a responsabilidade deste não se refere somente ao ato por ele praticado, bem como ao ato praticado por terceiro que está sob sua sujeição, de uma maneira ou de outra. Abre-se, pois, sucedâneo à vítima que tem, por exemplo, a possibilidade de optar pela solicitação da indenização ao patrão ou ao empregado de uma empresa que veio a lesioná-la por ato deste último.

Também, a responsabilidade por fato de terceiro permite que a incapacidade não seja elemento hábil a isentar o agente da indenização em certos casos, já que o Código Civil Brasileiro, em seu art. 932, admitiu a responsabilidade individual de pais, tutores, curadores, empregadores e donos de hotéis respectivamente pelos atos de seus filhos, pupilos ou curatelados e empregados, serviçais e prepostos ou hóspedes.

3.2 CULPA

Outro elemento de fundamental importância para a caracterização da responsabilidade civil, conforme a teoria subjetiva é a culpa. Muitos doutrinadores como Serpa Lopes e Caio Mário da Silva Pereira não a consideram um pressuposto da responsabilidade civil propriamente dito. No entanto, ante a adoção da teoria subjetiva pelo Direito Brasileiro e, em assim sendo, necessária a existência da culpa para que haja responsabilidade, opta-se, neste trabalho, por incluí-la dentre os elementos constitutivos desta.

Para que a vítima do dano obtenha a indenização do mesmo, mister se faz provar a ocorrência da culpa. E tal encargo chega a ser tão trabalhoso que, muitas vezes, é impossível ocorrer o ressarcimento dos prejuízos. Isto porque, na prova da culpa é dever do lesionado comprovar a ocorrência de, ao menos, uma das formas de exteriorização desta: a imprudência, a negligência ou a imperícia – tarefa esta extremamente árdua. Genericamente, e no dizer de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “a imprudência exterioriza-se no agir com descuido; a negligência, no deixar de adotar as providências recomendadas e a imperícia, no descumprimento de regra técnica da profissão”8.

Cabe aqui, ainda que brevemente, a análise da conceituação de cada uma das formas de culpa no direito brasileiro, para uma melhor compreensão da teoria subjetiva e consequentemente da responsabilidade civil.

NEGLIGÊNCIA. Abrange a negligência “a falta de observância dos deveres que as circunstâncias exigem, caracteriza-se pelo desleixo, indolência, inércia, desatenção”9. É “a atitude omissiva (...), que omite precauções ou medidas necessárias”10 , como bem acentua Teresa Ancona Lopez de Magalhães. Em abalizada observação sobre o assunto, o professor Wanderby Lacerda Panasco adverte que a negligência “é forma de culpa ‘in omittendo’, decorrente da omissão. É abrangente de outras sinonímias, como o descuido, desatenção, desobrigação consciente ou inconsciente no labor profissional. A negligência se desencadeia tanto na culpa sem previsão como na culpa consciente”11. Citando Magalhães Noronha, o nobre autor alerta ainda que “se inato ou apático deixo de tomar providência necessária e disso advém uma conseqüência lesiva, que não previ, ajo com culpa informada pela negligência; mas se em idênticas condições prevejo a conseqüência e cuidando que ela não sobrevenha também não tomo a providência devida, sou do mesmo modo negligente.”12

IMPRUDÊNCIA E IMPERÍCIA. O termo “imprudência”, para alguns autores, deriva da “imperícia”. Entretanto, este não é o entendimento adotado no presente texto. Imprudente é o que “age sem a cautela necessária, é aquele cujo ato ou conduta são caracterizados pela intempestividade, precipitação, insensatez, imoderação”13. A imprudência é, pois, culpa comissiva. Já a imperícia é a falta de habilidade para a prática de certa atividade profissional, é a falta de conhecimentos técnicos próprios da atividade que se exerce, é o despreparo profissional. Miguel Kfouri Neto, em perfeita citação da afirmação de um dos Procuradores-Gerais da Corte de Apelação de Milão exemplifica nitidamente esta distinção: “não é imperito quem não sabe, mas aquele que não sabe aquilo que (...), ordinariamente, deveria saber”14.

Imperito, por exemplo, é o médico ortopedista que não consegue diagnosticar uma fratura; é o advogado que não sabe qual recurso interpor de determinado ato do Magistrado.

Entretanto, há quem diga que a imperícia inexiste, pois se determinado profissional “possui em mãos um diploma que lhe confere grau de doutor e habilitação legal, não se é lógico atribuir-lhe imperícia em situação isolada”15. Tal afirmação parece não encontrar respaldo na doutrina e muito menos na jurisprudência que relata decisões em casos do cotidiano onde não é raro encontrar profissionais das mais diversas áreas com certos anos de experiência cometendo erros próprios da imperícia.

Um terceiro elemento ainda exigível para a ocorrência da responsabilidade civil é o dano. É imprescindível que a conduta ilícita do agente tenha causado à vítima um prejuízo. Conforme sustenta Caio Mário da Silva Pereira, citando Aguiar Dias, “não pode haver responsabilidade sem a existência de dano, porque se a responsabilidade civil resulta em obrigação de ressarcir, logicamente não poderá concretizar-se esta, onde nada há que reparar.16”.

O dano seria, pois, o prejuízo decorrido da lesão a um direito, da inobservância de certa regra jurídica; é a forma através da qual o ato ilícito vai atingir o ordenamento jurídico, já que ao causar o referido prejuízo, estaria abalando a órbita legal. Desse modo, dois são os elementos necessários para que um dano se constitua: a violação do direito, da regra e a consequente lesão, ou seja, o prejuízo propriamente dito.

O dano experimentado pela vítima poderá ser de cunho físico, patrimonial ou moral. Os danos físicos são os prejuízos corporais que são facilmente avistados, como, por exemplo, uma lesão na coluna, a perda de um membro, uma cicatriz no rosto, uma fratura. “Eles são indenizáveis separadamente, conforme a invalidez seja parcial ou total, permanente ou temporária.”17.

O dano patrimonial é o de ordem material e que atinge o patrimônio da vítima; são os lucros cessantes e demais despesas que teve a vítima com o ocorrido. Já o dano moral refere-se a valores de ordem espiritual; seria o reflexo do ocorrido na tranqüilidade, no bem estar, na liberdade, na honra da vítima. Sua forma de liquidação exigiria maior trabalho do julgador, já que a este tipo de dano, abstrato e invisível, aufere-se uma quantia estimativa, apenas.

3.3 NEXO DE CAUSALIDADE

Por fim, para a real concretização da responsabilidade civil, mister é a prova da relação de causalidade entre o dano auferido pela vítima e a conduta realizada pelo agente. Ante a inexistência de um liame de causalidade entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano experimentado pela vítima, não há que se falar em indenização e, portanto, em responsabilidade do primeiro.

Para se determinar o nexo de causalidade, convém definir-se, primeiramente o que vem a ser a causa. Miguel Kfouri Neto, citando Jorge Peirano Facio, explicita que “a causa de um resultado seria aquilo que, se removido, faria desaparecer também o dito resultado”.18

Assim, ao realizar-se esta operação lógica, verifica-se se o ato violador da norma jurídica ensejou o prejuízo experimentado pela vítima ou não. Se afirmativa a resposta, formado estará o nexo causal entre a conduta e o resultado e, uma vez provado este nexo, mais próximo se estará da responsabilização do agente causador.

Ressalva faz-se às excludentes de responsabilidade que adentraram especificamente no campo do nexo causal. Se presente uma destas excludentes, mesmo ante a existência de conduta voluntária e antijurídica, do dano e da culpa, o ato lesivo não poderá ser imputado ao agente, pois estará este sob a proteção daquelas. Exemplos de excludentes de responsabilidade são o caso fortuito e a força maior, a culpa exclusiva da vítima, dentre outras.

Desta forma, segundo a teoria da culpa, adotada pelo Direito brasileiro, presentes todos os pressupostos da responsabilidade civil, será viável a indenização do prejuízo causado à vítima. Se ausente apenas algum deles, impossibilitada fica a caracterização da responsabilidade subjetiva do agente e improvável a obtenção do ressarcimento dos prejuízos.

3.4 DANO. DANO MATERIAL E MORAL. LUCRO CESSANTE E DANO EMERGENTE. FORMAS DE ARBITRAMENTO.

O dano é uma das circunstâncias elementares da responsabilidade civil e a que menos suscita discussões a respeito de sua comprovação já que se alguém busca a indenização é porque algum prejuízo obteve e certa está de sua ocorrência. Como afirma Aguiar Dias “não pode haver responsabilidade sem a existência de dano, porque resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente não pode concretizar-se onde nada há que reparar”19. Logo, pode-se afirmar que jamais haverá responsabilidade civil onde inexistir prejuízo.

O dano aqui referido seria, pois, em sentido amplo, o resultado à lesão a um direito, a um bem jurídico qualquer, incluindo-se aí a noção de dano moral. Embora, para pouquíssimos doutrinadores este último não seja passível de ser ressarcido, já que o conceito de dano abrangeria apenas as lesões ao patrimônio de um indivíduo que, por sua vez, se constitui do conjunto de relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro, neste trabalho, assim como na gritante maioria da doutrina, entende-se que o dano é a diminuição ou a subtração de um bem jurídico, abrangendo, assim não apenas o patrimônio em si, mas também, a saúde, a vida, a honra, e demais bens jurídicos suscetíveis de proteção na órbita do Direito. A própria Constituição Federal, no art. 5º, inciso X, do Capítulo sobre Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, prevê que o dano moral pode ser indenizado.

Indenizar o dano significa tentar restaurar o “status quo ante” em que se encontrava a vítima antes da ocorrência do ato ilícito. Contudo, como na maioria dos casos isto é impossível de ocorrer, busca-se a compensação do dano através da realização de pagamento de uma indenização monetária à vítima. Assim, por exemplo, sendo impossível devolver a vida daquele que morreu em um acidente de trânsito, impõe-se ao causador do infortúnio, a obrigação de pagar uma pensão mensal aos dependentes do falecido, além das despesas que foram tidas com o funeral e luto da família.

DANO MATERIAL

Para que determinado dano seja indenizado, mister é que tenha efetivamente violado bem jurídico de determinada pessoa física ou mesmo jurídica, causando prejuízos de ordem material ou moral.

O dano material, também conhecido como dano patrimonial, é toda e qualquer lesão a bem que pode sofrer apreciação econômica. São os casos, por exemplo, de danos causados aos veículos envolvidos num acidente de trânsito, aos bens móveis que guarnecem uma residência, se se perdem em caso de enchente, à destruição de um edifício que se incendeia.

Toda espécie de dano é passível de ser liquidada, ou seja, admite a determinação do “quantum” em pecúnia, que incumbirá ao causador despender em prol do lesado. Reparar o dano seria buscar saber exatamente qual foi a sua extensão e a sua proporção; liquidá-lo é fixar concretamente o montante dos elementos apurados na reparação. A reparação é o objeto da ação, a liquidação é a execução do objeto.

A liquidação do dano material pressupõe a observação de dois requisitos: o dano emergente e o lucro cessante. O dano patrimonial abrange não apenas aquilo que a vítima efetivamente perdeu (dano emergente), mas também o que deixou de ganhar ao ser privada de seus bens (lucro cessante) em virtude do fato ocorrido. É o que ocorre, por exemplo, com determinado proprietário de um quiosque na beira da praia que retira seu sustento da venda de comidas e bebidas no local e que tem seu estabelecimento atingido por veículo desgovernado. Além do que efetivamente perdeu com a destruição das instalações do quiosque, também tem direito de ser indenizado por todo o lucro que deixou de obter no período em que ficou privado trabalhar. Os valores diários que o proprietário obtinha com a comercialização de comidas e bebidas também devem ser computados no valor total a ser liquidado.

DANO MORAL

Já o dano moral, como anteriormente mencionado, é o sentimento de perda relacionado à lesão a bem jurídico que não tem repercussão na esfera patrimonial. São todos aqueles danos que afetam direta ou indiretamente direitos essenciais do ser humano como, por exemplo, a honra, a dignidade, o bem-estar, a reputação social, a intimidade, a vida privada, etc.

Inicialmente, a jurisprudência condenava a ideia de se promover a indenização dos danos morais cumulada com a dos danos patrimoniais. Argumentava-se que constituiria ato imoral buscar um valor monetário que correspondesse ao sentimento de dor ou perda provocados pela lesão.

Contudo, com a evolução dos tempos, a doutrina e, principalmente, a jurisprudência passaram a rechaçar esta ideia e aderiram à possibilidade de reparação do dano moral, admitindo, inclusive sua cumulação com danos patrimoniais. Isto porque, inexiste qualquer restrição quanto à tais possibilidade na legislação brasileira vigente. Além das disposições dos Códigos Civil e de Processo Civil em favor da reparação do dano moral, a Constituição Federal de 1988 determina, em seu art. 5°, inc. X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material, ou moral decorrente de sua violação”.

Assim, se determinado indivíduo sofre lesão de natureza moral, cumulada com a lesão física ou material, motivos não há para que não pleiteie o ressarcimento daquele perante o Judiciário. Igualmente, aos familiares de pessoa que faleceu em decorrência de ato imprudente, imperito ou negligente, é concedido o direito de se pleitear a indenização pelo dano moral consistente no sofrimento da perda de um ente querido.

Atualmente, merecido destaque recebe a teoria da reparabilidade plena que defende a ideia de que “qualquer dano moral, independentemente de suas proporções, ou de suas projeções, verificado por atuação de outrem merece a necessária reparação”20. Assim, a reparação do dano moral independe do grau de repercussão do mesmo na vida do lesado ou da sociedade; havendo prejuízo, cabível é a indenização.

Outrossim, há que se atentar que modernamente tem-se superado a ideia de que apenas o pagamento de quantia em dinheiro poderia representar forma de compensação aos males morais sofridos pela vítima. Além do patrimônio do lesante, admite-se na doutrina, que a própria pessoa do agente causador do dano possa repará-lo através da prática de atividade ou da imposição de certo comportamento. E “essa tem sido outra tendência atual no ressarcimento de danos morais, vencidas, ademais, a problemática do simbolismo com que se apresentou certa época, ou seja, a da reparação através do valor monetário ínfimo, ou simplesmente de princípio”21.

Assim, como bem observa Carlos Alberto Bittar, quando o agente causador do dano não possui bens a serem utilizados para o pagamento da reparação dos danos morais sofridos pela vítima ou quando os tais forem insuficientes, impõe-se àquele “a submissão pessoal à obrigação de fazer, ou de não fazer, como por exemplo, a prestação de serviços, a abstenção de certas condutas, o cerceamento de certos direitos, já utilizadas, há mais tempo, no plano penal como penas restritivas de direito”22. Assim, estar-se-á, de certa forma, atingindo os verdadeiros objetivos da indenização, quais sejam, o de compensar a vítima pelos danos sofridos e o de efetuar sanção ao agente causador do dano, comprovando à sociedade a eficácia do ordenamento jurídico e a capacidade de sua função punitiva.

Outro ponto de crucial relevância, quando se trata de responsabilidade por danos morais, é a determinação do “quantum “devido pelo agente. Dificuldade há na determinação do montante que deverá ser pago à título de compensação pelo dano moral. Um minucioso raciocínio deverá ser feito pelo Magistrado na determinação da referida quantia, levando-se em conta, precipuamente, a profundidade do acontecimento, suas circunstâncias, a gravidade das lesões sofridas pela vítima e os reflexos desta perante a família. Ocorrendo a morte da vítima do dano, por exemplo, o julgador deve ter em mente a necessidade de se fazer abrandar o sofrimento pela perda do ente querido, entre os familiares do mesmo, buscando, ao menos, a determinação do pagamento de uma quantia que, em tese, poderia amenizar esta dor e fazer surgir entre os mesmos certo sentimento de Justiça.

Fica, pois, ao encargo do Juiz, a determinação do “quantum” referente à indenização por danos morais. Há, entretanto, outros critérios para a apuração de tal valor e que, em alguns casos são utilizados para se fazer a devida reparação. É o caso da estipulação da compensação através da multiplicação do ganho mensal da vítima pelo número de meses faltantes para que ela completasse 65 anos, conforme alerta parte da doutrina, levando-se em conta a média de expectativa de vida do brasileiro. Entretanto, se a vítima tinha idade superior, aceita-se sobrevida de 5 anos, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Outro critério também utilizado é aquele que leva em conta o número de dias que o lesado passou internado, sob tratamento, para se recuperar. Miguel Kfouri Neto cita exemplo bastante elucidativo ao mencionar a “hipótese onde a vítima sofrera a ablação de um rim, a destruição parcial do fígado, a perfuração do cólon, e o TJRS levou em conta o número de dias que o autor permaneceu hospitalizado e para se recuperar, num total de 67, convertendo-os em dinheiro, em razão dos rendimentos auferidos pela vítima – e elevando tal soma ao triplo, mediante a aplicação analógica do art. 1.536, § 1º, do CC de 1916”23.

DANO MORAL À PESSOA JURÍDICA

Por fim, quanto ao dano moral, interessante questão que se apresenta é a lesão desta natureza causada às pessoas jurídicas.

É sabido que determinada pessoa jurídica pode, perfeitamente, sofrer lesões de cunho patrimonial, como por exemplo, uma indústria que é destruída em um incêndio. Além do prédio que desapareceu em meio ao fogo, a referida pessoa certamente teve perdas de matéria prima e de produtos ali fabricados e armazenados, além da destruição de insumos e materiais de escritório.

Questão interessante é a de se saber se a mesma poderia ser vítima de dano moral. De início, a doutrina admitia como vítimas do dano moral apenas as pessoas naturais, já que o sentimento de perda só pode ser por estas suportado. Seria ilógico, conforme defendiam diversos autores, admitir que uma pessoa jurídica alegasse danos de ordem psíquica e espiritual.

No entanto, com a evolução do direito e da teoria da responsabilidade civil, passou-se a entender que o dano moral não abrange apenas prejuízos de cunho sentimental, mas quaisquer desfalques a valores extrapatrimoniais. Dessa forma, seria perfeitamente possível que uma pessoa jurídica fosse vítima do referido dano. Imagine-se, por exemplo, determinada empresa de renome que acaba sendo personagem de falsa notícia publicada em jornal de grande circulação. Certamente, tal fato irá denegrir seu nome e imagem perante a sociedade e, principalmente perante seus clientes e investidores.

Assim, hodiernamente, é pacífico o entendimento de que a pessoa jurídica também pode ser atingida por prejuízos de ordem moral. Mesmo porque, conforme se observa da redação do art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal de 1988, não há diferenciação quanto à espécie de pessoa que pode ser vítima do dano moral.


4. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE (“La perte d’une chance”)

Interessa a este artigo discorrer sobre moderna teoria que busca explicar situações nas quais o dano causado à vítima estaria no plano hipotético, caracterizado pela perda, por parte da vítima, de certa oportunidade, da chance de obter determinado resultado ou de evitá-lo. Não se trata do dano decorrente diretamente da atuação ou omissão do agente que gera um resultado final, mas sim, da frustração de determinada expectativa. Referida teoria, denominada ‘perda de uma chance’ foi desenvolvida na França, difundindo-se mundo afora.

Georges Boyer Chammard e Paul Monzein, citam em sua obra “La Responsabilité Médicale” (A responsabilidade médica), o caso inaugural na jurisprudência francesa da teoria “la perte d’une chance”. Em 14 de dezembro de 1965 o Dr. P. foi condenado pela Primeira Câmara Cível da Corte de Cassação, ao pagamento de 65.000 francos por diagnosticar fratura na extremidade inferior do úmero direito de um menino de 8 anos de idade, Pierre M.. Na verdade, tratava-se de luxação no cotovelo, conforme constataram outros médicos. Entendeu o Tribunal que o Dr. P. havia feito o paciente perder, por sua culpa, a oportunidade de melhora, de cura, pagando por isso através da indenização por perdas e danos 24.

A teoria da perda de uma chance consiste, como a própria denominação já diz, na perda pelo profissional de obter, através de sua atuação, determinada vantagem ou ainda de evitar a ocorrência de um dano. Nesta situação, busca-se compensar a vítima por não ter tido a oportunidade de adquirir o que almejava ou ainda de ter sido privada da possibilidade de evitar certo prejuízo. Imagine a situação do concursando que fica impossibilitado de realizar a prova para a qual se inscreveu porque se deparou com problemas no sistema de transporte coletivo que o impediram de chegar ao local do certame.

Aqui, o que se discute é o fato de o candidato ter perdido a chance de realizar a prova e de, eventualmente, vir a ser aprovado. Obviamente, no caso em tela, não haveria possibilidade alguma de se prever se certamente o candidato lograria êxito no concurso. No entanto, pode-se, segundo a referida teoria, discutir-se perfeitamente a possibilidade do mesmo ser indenizado por ter sido privado de poder concorrer à vaga que pleiteava, já que não chegou ao local do certame por problemas no transporte coletivo.

Num primeiro momento, a teoria da perda de uma chance foi aplicada nas situações que envolviam a responsabilidade médica. Todo médico possui uma chance inicial de obter a cura do doente. Quando, por determinado ato ou omissão do profissional vem o paciente a sofrer prejuízos, considera-se que perdeu o profissional a referida chance, sendo, portanto, condenado à indenização. Mesmo quando não é possível afirmar que o dano foi proveniente da ação ou omissão do médico, deduz-se que o prejuízo adveio da perda da possibilidade de cura, condenando-se, em consequência, à indenização por esta perda.

Posteriormente, passou-se aplicar a teoria em tela a outras situações que envolvem a responsabilidade civil. Veja-se, por exemplo, o caso citado por Daniella Parra Pedroso Yoshikawa, que narra decisão do STJ de “participante do programa de televisão que não soube responder a última pergunta que valia um milhão de reais, em razão de ter sido formulada de forma errada e acabou perdendo a chance de ganhar 500 mil reais”. O autor da ação obteve provimento à ação de indenização em primeira e segunda instância, sendo o programa condenado ao pagamento dos 500 mil reais. O STJ entendeu por bem reconhecer a perda da chance do participante. No entanto, reduziu o montante da condenação para o valor de 125 mil reais, já que havia 4 alternativas na pergunta formulada, sendo esta a real chance de acerto do candidato25.

Assim, verifica-se que o que se discute nesta teoria não é o fato da vítima ter perdido determinada vantagem ou de ter efetivamente sofrido dano de cunho material, moral ou físico, mas sim a situação de ter sido impedida de participar de processo no qual teria a chance de obter o que almejava ou de evitar o resultado danoso.

A evolução do direito caminha para a adoção de teorias de vanguarda, como a teoria da perda de uma chance. Embora a legislação brasileira silencie sobre este assunto, não o prevendo em nenhum de seus dispositivos, num futuro não muito distante serão comumente visualizadas decisões dos Tribunais brasileiros concedendo ressarcimento às vítimas que perderam, por exemplo, a chance da cura, de participar de uma prova, de ter efetuado um contrato.

No entanto, há que se atentar que não se trata de uma simples possibilidade que a vítima alega ter perdido que será passível de indenização, mas sim da real, séria e efetiva chance perdida e provada.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

1 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. Fontes contratuais das obrigações. Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1995, v. 5. p. 165

2 SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile en droit français, t. I. Paris, p. 361.

3 VILLÉ, De; PIRSON. Traité de la Responsabilité Civile. 6. ed., t.1º , n. 1.Paris, p. 132.

4 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p. 160.

5 BITTAR, Carlos Alberto. Apud GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 3. p. 5.

6 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit. p. 18.

7 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 5. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 257.

8 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 718/33, ago. 1995. p. 46

9 RAMOS, Pedro Lúcio Tavares. Erro Médico: aspectos jurídico e médico-legal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 625/416, novembro de 1987, p. 417.

10 MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopez de. Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 315.

11 PANASCO, Wanderby Lacerda. A responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 56

12 Ibid, p. 60.

13 RAMOS, Pedro Lúcio Tavares. Op. cit. p. 147.

14 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil dos Médicos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 86.

15 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 313.

16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p.39.

17 KFOURI NETO, Miguel. Op. cit. p. 92.

18 KFOURI NETO, Miguel. Op. cit. p. 90.

19 DIAS, José de Aguiar . Responsabilidade dos Médicos, ADV/COAD. Seleções Jurídicas. São Paulo. v.1. maio/1994. p. 224

20 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. São Paulo: RT, 1997. p. 109

21 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit. p. 229.

22 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit. p. 229.

23 KFOURI NETO, Miguel . Op. cit. p.110

24 CHAMMARD, Georges Boyer; MONZEIN, Paul. La responsabilité médicale. Paris: Presses Universitaires de France, 1974. p. 94 e 97.

25 YOSHIKAWA, Daniella Parra Pedroso. Regras de indenização à luz da teoria da perda de uma chance. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/noticias/980244/regras-de-indenizacao-a-luz-da-teoria-da-perda-de-uma-chance>. Acesso em 29.12.2009.


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