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Aplicações e ausências dos sistemas internacionais de direitos humanos nas penitenciárias pernambucanas

Aplicações e ausências dos sistemas internacionais de direitos humanos nas penitenciárias pernambucanas

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As violações nos direitos humanos ocorridas no interior das unidades prisionais de Pernambuco não são difíceis de visualizar. A mais clara delas é a superlotação, que, por si só, já é motivadora de muitas outras, como a falta total de condições básicas de saúde, a inexistência de controle interno por parte da gestão da penitenciária e a lentidão injustificada no julgamentos dos processo judiciais, conforme Comissão Internacional de Direitos Humanos. Será preciso a ação de um sistema global mais poderoso e operativo, talvez, para a reparação/fiscalização dessa miserável realidade?

Resumo: Objetivando entender o funcionamento dos sistemas de proteção dos direitos humanos e abordar a aplicação de sua guarda, bem como a importância para garantia da ordem internacional, este ensaio apresenta uma análise dos sistemas regionais e global de proteção dos direitos humanos e sua ausência dentro das prisões do estado de Pernambuco. A Segunda Grande Guerra Mundial, mais precisamente o pós-guerra, trouxe uma gama de violações à vida humana, resultado das barbaridades cometidas pelos nazifascismo, implicando na necessidade desenvolvimento de sistemas que impedissem tais ofensas. Dessa forma, para impedir a evolução desses crimes surgiram alguns tratados, entre eles a Carta Africana de Direitos Humanos, de 1981, e a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948. Não esquecendo que em 1945 surgiu, em conjunto com o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, a Carta da ONU a qual preconiza a convivência harmoniosa entre os estados membros. As penitenciárias pernambucanas passam por um momento muito delicado de ofensas e ausências a muitos direitos dos presos, e esses eventos também são objetos deste trabalho. Por fim, essa investigação observa os principais instrumentos normativos do sistema global, assim como seus organismos e mecanismos.

Palvras-chave: Direitos Humanos; Sistemas Regionais; Sistema Global; Proteção dos Direitos Humanos; Penitenciárias pernambucanas.

Abstract: Aiming to understand the functioning of human rights protection systems and address the implementation of their care, and the importance to guarantee the international order, this paper presents an analysis of regional and global systems of human rights protection and their absence in prisons the state of Pernambuco. The second great world war, specifically the post-war brought a range of violations to human life, as a result of atrocities committed by Nazi-fascism, implying the need developing systems that would prevent such offenses. Thus, to prevent the evolution of these crimes were some treaties, including the African Charter of Human Rights of 1981 and the Universal Declaration of Human Rights of 1948. Not forgetting that in 1945 came together with the Statute of the Court International law, the UN Charter which calls for harmonious coexistence between member states. The Pernambuco penitentiaries go through a very delicate moment of offenses and absences many rights of prisoners and these events are also objects of this study. Finally, this research points out the main legal instruments of the overall system, as well as their bodies and mechanisms.

Keywords: Human rights; Regional systems; Global system; Human Rights Protection; Prisons pernambucanas.

Sumário: Introdução. 1. Sistemas regionais de proteção dos direitos humanos. 2. Tipos de Sistemas Regionais. 2.1. Sistema interamericano. 2.2. Sistema africano. 2.3 Sistema regional europeu. 3. O papel dos sistemas regionais na proteção dos direitos humanos. 4. Sistema global de proteção dos direitos humanos. 4.1. Os principais instrumentos normativos do sistema global. 4.2. Os principais organismos e mecanismos do sistema global. 4.2.1. A comissão de direitos humanos. 4.2.2. O novo conselho de direitos humanos. 4.2.3. Os comitês de direitos humanos. 4.2.4. Os relatores especiais e os grupos de trabalho. 5. O Brasil e o direito internacional dos direitos humanos. 5.1. O conselho de direitos humanos e o Brasil. 5.2. O Brasil e o Sistema Interamericano. 5.3. Caso Pizzolato. 6. Sistema penitenciário pernambucano. 6.1. Superlotação. 6.2. As violações de Direitos Humanos nas penitenciárias pernambucanas e a possibilidade de inovação dos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos. Conclusão. Referências bibliográfica.


INTRODUÇÃO

            A Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho, após o findar da Primeira Grande Guerra, foi o marco fundamental para a construção dos Direitos Humanos, o qual se consolidou com fim da Segunda Grande Guerra Mundial, em 1948, com o surgimento da Declaração Universal de Direitos Humanos, dando início a um novo ramo do Direito, o Direito Internacional dos Direitos Humanos. As atrocidades e crimes bárbaros cometidos nos confrontos mundiais serviram de exemplo para a formação do processo de universalização de normas que alcançassem coletivamente e individualmente cada cidadão do mundo.

            Assim, surgiram também ferramentas importantes de atuação na defesa da dignidade da pessoa humana, os Sistemas Internacionais. Estes são divididos em dois níveis complementares, os Sistemas Regionais (Europeu, Interamericano, Africano e Árabe) e o Global de Direitos Humanos (Sistema da ONU). O primeiro tem como características a agilidade na resolução de conflito, pois segundo Castilho (2008, p.136), “[...] um sistema regional (que não exclui a subordinação ao sistema global) é que existe um aparato jurídico próprio, que reflete com mais autenticidade e proximidade as peculiaridades e características históricas dos países envolvidos”. Já o segundo, também conhecido como Sistema Universal, nasceu em resposta às atrocidades cometidas durante as guerras mundiais do século XX, e visa a garantir que os estados membros promovam as liberdades fundamentais e os direitos humanos, sendo seu principal texto normativo a Carta das Nações Unidas de 1945.

            Outro ponto importante deste estudo são as condições do sistema prisional pernambucano e as aplicações/ausências dos sistemas internacionais no seu seio. As prisões do estado de Pernambuco têm enfrentado duras críticas de vários organismos internacionais, isso em meio a uma grave crise que ele enfrenta política. Uma das violações são as superlotações das unidades prisionais, as quais abrigam quase três vezes mais detento do que o normal, segundo o Ministério da Justiça em 2015. Em sentido análogo, se tem a não diferenciação dos presos condenados e provisórios dentro dessas prisões, pois tanto a nossa legislação e a internacional determinam o oposto.

            Por fim, após a análise do conteúdo acima e também de outros eventos que ocorrem internamente nas prisões, como por exemplo: ausência de água potável, a violência física entre presos, a comercialização de espaços internos, entre outros que desrespeitam a dignidade da pessoa humana, buscaremos propor recursos que se adequem a previsibilidade dos Sistemas de Internacionais e verificar as suas aplicações e ausências no sistema penitenciário pernambucano.


1 SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

            Antes de dar início ao estudo sobre os Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos (SRPDH), devemos destacar que a formação do Sistema Global de Proteção de Direitos Humanos é composta pela associação dos Sistemas Regionais, os quais são divididos em três diferentes tipos, o Sistema Interamericano, o Sistema Africano e o Sistema Europeu. Na Europa a matriz é o Conselho da Europa (CE), na África, a sede da organização é a União Africana (UA) e nas Américas é a Organização dos Estados Americanos (OEA), ainda podemos constar a existência de outros organismos regionais, todavia a forma de atuação não é igual nos organismos citados.

Em seguida, apontamos que a ONU questionou a elaboração dos sistemas regionais, pois difere dos princípios defendidos por ela, que é a universalidade dos Direitos Humanos. A vantagem da regionalização dos sistemas é que abdução de um mecanismo que facilita o controle dos acordos regionais, o que não é observado no Sistema Universal. Observando o contexto histórico, temos que o berço do sistema regional de proteção foi na Europa, onde surgiu a convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, subsequente a ele temos o sistema regional interamericano, cuja Convenção capital foi a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, por fim temos o Africano que nasceu com a Carta Africana dos Direito Humanos e dos Povos, em 1981.

    No mesmo sentido, percebemos que Sistemas Regionais em vigor adotam modelos idênticos, executam certas diretrizes como direitos individuais, do mesmo modo que os direitos e deveres coletivos que estão inseridos nos Estados que admitem o sistema, os quais criam um parâmetro para aplicação das normas de Direitos Humanos. Isso trás benefícios, como por exemplo: a ampliação do rol dessas garantias e uma maior oferta desses direitos.

Os três sistemas adotam condutas similares, dado que um determinado indivíduo tenha acionado todos os recursos necessários para ter seus direitos garantidos pelo foro de seu Estado, e não sendo atendido, ele pode acionar uma comissão de Direitos Humanos criada pelo Sistema Regional para ter seu direito ferido garantido. No momento em que uma ocorrência de desrespeito aos Direitos Humanos ingressa em uma das Comissões, esta oferta à chance do Estado se defender, com base na resposta ela (a Comissão) resolve se aponta ou não a existência da violação.


2 TIPOS DOS SISTEMAS REGIONAIS

    Consoante como abordado na introdução ao tema, existem três capitais Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos, entre os quais temos, já citados, o africanos, o interamericano e por último o europeu. À época havia grande necessidade de estabelecer e resguardar os direitos e garantias fundamentais e essas ideias se disseminaram pelo mundo. Através dele, analisamos a proteção de forma vasta no que interessa à lista desses direitos, no entanto, reduzido à extensão geográfica.           

2.1 Sistema Interamericano

            Este Sistema tem como basilar mecanismo de defesa a Convenção Americana de Direitos Humanos, pactuada em São José da Costa Rica em 1969 e vigorando, após ter recebido mais de 11 ratificações, em 1978. No Brasil, essa Convenção foi admitida pelo Decreto Legislativo nº 027, de 25 de Setembro de 1992, a aprovação desta norma foi um marco capital para a proteção dos Direitos Civis e Políticos que já existiam no Continente Americano.

O Decreto Legislativo nº 089, de 03 de dezembro de 1998, aprova a competência obrigatória da corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos. Além desta, faz parte do sistema interamericano o protocolo opcional de San Salvador, aprovado na Capital de El Salvador em 17 de Novembro de 1988, que condiciona direitos sociais, econômicos e culturais.

Vale realçar que nem todos os Estados que fazem partes da Organização dos Estados Americanos homologaram aquela Convenção e vários deles não expressão qualquer pretensão em  fazê-lo, em contrapartida alguns países, que já aprovaram a medida, ainda não adotaram a competência contenciosa da Corte, evitando que pessoas sujeitas à jurisdição desses países sejam penalizadas por infrações aos Direitos estabelecidos.

A Convenção indica como entidades de supervisão a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos atribuindo a elas o poder para certificar a função das normas edificada pela Convenção e pelos seus Estados signatários.

A Comissão é um órgão independente da OEA, e o mandato iniciou com a Carta da OEA e com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a qual representa todos os países membros. Ela tem sede na Costa Rica e é composta por sete integrantes de alta autoridade moral e notável saber em matéria de direitos humanos, de qualquer Estado membro da Organização dos Estados Americanos. O mandato tem duração de quatro anos, sendo permitindo a reeleição, também não é possível haver dois juízes da mesma nacionalidade, sua sede é no estado de Washington (EUA).

O Órgão se reúne em duas épocas, sendo esta Ordinária e Extraordinária podendo haver várias sessões ao longo do ano. A Secretaria Executiva é atribuída às orientações da Corte e servindo de apoio para a preparação legal e administrativa de suas competências.  

2.2 Sistema Africano

O Sistema Africano entrou em vigência com a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, conhecida pelo termo Carta de Banjul, sendo outorgada em 1981, na cidade do Gâmbia – País da África Ocidental –, e foi sancionada pelo os chefes de Estado e do governo em Nairóbi, Quênia, que por ocasião da XVIII assembleia africana de Direitos do Homem e dos Povos a qual tinha como objetivo promover, proteger e tutelar os Direitos Humanos.

Observando as palavras de Flávia Piovesan,

a recente história do sistema regional africano revela, sobretudo, a singularidade e a complexidade do continente africano, a luta pelo processo de descolonização, pelo direito de autodeterminação dos povos e pelo respeito às diversidades culturais. Revela, ainda, o desafio de enfrentar graves e sistemáticas violações de direitos humanos (2006, p. 119).

As atribuições e procedimentos da Comissão Africana são diferentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, porém os procedimentos são semelhantes. Entre aquelas se destacam a proteção e promoção dos direitos humanos e dos povos pelo canal de sua atribuição consultiva e contenciosa.

Ainda que a carta de Banjul tenha sido escrita com o objetivo de todos os Estados assinarem, lamentavelmente não existe qualquer credibilidade da Corte Africana de Direitos Humanos, já que menos da metade dos Estados aderentes da Carta firmaram o protocolo que os criou. A ausência de recursos financeiros e reconhecimento às decisões que a Corte Africana emite é outro problema enfrentado, dado que este quadro se mostra bastante claro, pois se percebe que sistema africano é o mais frágil dentre os principais sistemas regionais e é o que tem causado maior apreensão a comunidade internacional, especialmente das organizações não governamentais.

2.3 Sistema Regional Europeu

Este sistema nasceu com a carência de uma proteção mais real a nível internacional, pois na verdade eram os Estados os principais infratores dos direitos dos indivíduos que se encontravam sobre sua guarda. O Sistema Europeu foi o que mais alcançou o grau de evolução até o momento, se relacionados aos outros sistemas, sendo o primeiro de fato instalado, após aprovação da Convenção Europeia de Direitos Humanos, em 1950.

Seu surgimento foi resultante da Segunda Guerra mundial, com uma ideia de introduzir um mínimo de assistência aos países do bloco. Em seu regimento estavam contidos princípios não tão claros sobre os Direitos Humanos, sem nenhum detalhamento, assim houve a necessidade do movimento europeu lutar pela adesão de uma Convenção regional europeia sobre Direitos Humanos, o que ocorreu após um ano com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

A Convenção Europeia tem o objetivo de manter atualizadas as suas normas de acordo com o avanço dos tempos, especialmente com as alterações ocorridas após o findar da Segunda Grande Guerra Mundial. Vale destacar alguns artigos previstos na Convenção Europeia, os quais abordam: Obrigação de respeitar os direitos do homem (Artigo 1º); Direito à vida (Artigo 2º); Proibição da tortura (Artigo 3º); Proibição da escravatura e do trabalho forçado (Artigo 4º); Direito à liberdade e à segurança (Artigo 5º); Direito a um processo equitativo (Artigo 5º) entre outros.


3 O PAPEL DOS SISTEMAS REGIONAIS NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O emergir de novos Sistemas Regionais de Proteção e a expansão daqueles já efetivos tem exposto a crescente internacionalização dos direitos humanos em grau regional. Esse evento vai ao encontro da ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve ser diminuída ao domínio intrínseco dos Estados, pois se revela um tema de legítimo interesse internacional.

A dificuldade do consenso entre os Estados membros, no âmbito do sistema global de proteção, onde os debates têm lugar na Organização das Nações Unidas baseadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, abalam a capacidade sancionadora de suas deliberações e impede a criação de órgãos jurisdicionais internacionais. Por consequência, resultados variados têm sido possíveis nos Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Fundamentais. Baseados nos iguais princípios inspiradores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Sistemas Regionais tornam possíveis por meio de procedimentos de fiscalização e sanção as de violações dos direitos humanos.

Por fim, cabe destacar que os Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos se apresentam de forma não dicotômica, e sim complementam ao sistema global, municiando-lhe de justicialização vital à promoção e ao respeito dos direitos humanos por parte dos Estados.


4 SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O SGPDH, conhecido também como Sistema da ONU ou de Sistema Universal, em que seus fundamentos acendem, guiam e provocam o aflorar das demais ferramentas normativas futuras. Tendo como origem normativa direta a Carta das Nações Unidas de 1945, a qual, ao precisar que os Estados componentes devem oferecer a proteção dos Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais e estabelecer o início do desenvolvimento da universalização dos direitos humanos, exige, assim, a obrigação de efetivação desses direitos, sob a atenção de um sistema de monitoramento, supervisão e controle.

O Sistema Global compõe o esqueleto da ONU, do qual tem como órgãos capitais o Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social e o Secretariado.

4.1 Os principais instrumentos normativos do Sistema Global

O Sistema da ONU é composto por instrumentos normativos gerais e especiais e por institutos e mecanismos de observação, vigilância, gerência e fiscalização dos DH. Os gerais são basicamente aqueles que constituem a chamada Carta Internacional de Direitos Humanos, que é formada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 

O motivo de ser gerais implica em direcioná-lo a toda e qualquer pessoa humana, indiferentemente de qualquer característica de gênero ou etnia. Além destes, da mesma forma, compreendem o conjunto normativo do Sistema Global as várias Convenções Internacionais, as quais são consideradas como instrumentos normativos especiais, por isso não gerais, pois são voltadas diretamente à prevenção da discriminação ou à defesa de pessoas ou grupos de pessoas especialmente vulneráveis, que têm direito a tutela especial.

4.2 Os principais organismos e mecanismos do Sistema Global

Para que ocorra a vigilância, supervisão, monitoramento e fiscalização do cumprimento dos instrumentos normativos gerais e especiais foram gerados organismos e mecanismos extraconvencionais e convencionais, respectivamente. Annoni (2004) esclarece a diferença entre eles:

Essa proteção extraconvencional diferencia-se dos demais mecanismos de proteção das Nações Unidas, justamente por ter sido fundamentada na Carta da ONU e na Declaração Universal de 1948. Não há recurso a acordos específicos; ao contrário, busca-se extrair a proteção dos direitos humanos da interpretação ampla dos objetivos de proteção aos direitos humanos da ONU, e do dever de cooperação dos Estados para alcançar tais objetivos. [...] Os procedimentos convencionais distinguem-se dos procedimentos extraconvencionais, já que esses obrigam os Estados contratantes, enquanto os procedimentos extraconvencionais buscam vincular os membros da Organização, sem o recurso às convenções específicas. [...] O termo extraconvencional, apesar de inexato, é utilizado justamente para enfatizar a diferença entre procedimentos coletivos nascidos de convenções específicas [...] e os procedimentos adotados pela Organização que nascem baseados em dispositivos genéricos [...]

Ainda nesse tocante, vejamos os principais organismos e mecanismos extraconvencionais e convencionais.

4.2.1 A Comissão de Direitos Humanos

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) da ONU foi o órgão central do Sistema Global, sua origem ocorreu em 1946, por ação do Conselho Econômico e Social (ECOSOC), também da mesma Entidade.  A CDH era formada por 53 Estados, com mandato de três anos, tendo como missão promover e proteger os direitos humanos, em todo o mundo. De 1946 até 1967 – fase normativa - a Comissão se dedicou, quase unicamente, na confecção do arcabouço legislativo reservado à promoção dos direitos humanos, singularmente na Declaração Universal de 1948 e dos dois grandes Pactos Internacionais, de 1966.

Imputada de não ter o poder necessário para tomada de decisões mais eficientes, relativas às denúncias de maculação de direitos humanos, e de ser seletiva e excessivamente politizada, sobre as medidas a serem praticadas contra Estados violadores de direitos humanos e até mesmo de ser condescendentes com diversos países que sobrepunham seus interesses acima dos direitos humanos, a Comissão de Direitos Humanos foi diluída e substituída pelo novo Conselho de Direitos Humanos.

4.2.2 O Novo Conselho de Direitos Humanos

O novo Conselho de Direitos Humanos da ONU, criado pela Resolução 60/251, aprovada pela Assembleia Geral de 15 de março de 2006, em substituição à diluída Comissão de Direitos Humanos, surgi em um quadro de tentativa de reestruturação da ONU, na procura de reconquistar a credibilidade atemorizada, acima de tudo em face dos graves acontecimentos como a invasão não autorizada do Iraque em 2003, que colocaram em risco a competência do órgão.

Formado por 47 países, inclusive do Brasil, eleitos em 09 de maio de 2006 por um ciclo de 03 (três) anos, e separado geograficamente, o novo Conselho tem como substancial vocação institucional nutrir o respeito universal pela defesa de todos os direitos humanos e liberdades essenciais de todas as pessoas, sem discriminação de gênero raça, cor, etnia entre outras.

O Conselho tem sede em Genebra, na Suíça, como órgão auxiliar da Assembleia Geral devendo se congregar, periodicamente, em 03 (três) períodos mínimo de sessões anuais, incluindo a fase de sessão indispensável, que tenham um intervalo de tempo total não inferior a dez semanas, podendo, ainda, realizar, por pedido de um integrante do Conselho, apoiado por um terço dos membros, sessões extraordinárias.

4.2.3 Os Comitês de Direitos Humanos

            Os Comitês são classificados como recursos convencionais de proteção dos direitos humanos, pois são geralmente desenvolvidos por meio de Convenções Internacionais. São integrados por especialistas em assuntos de direitos humanos, e também são independentes e autônomos, estando disposição do Comitê.

4.2.4 Os Relatores Especiais e os Grupos de Trabalho

Dentre os procedimentos extraconvencionais de proteção dos direitos humanos, do Sistema Global, cabe destacar os Relatores Especiais e os Grupos de Trabalho. O primeiro tem sua incumbência estabelecida pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, órgão ao qual devem apresentar contas anualmente, durante a reunião da Comissão, em Genebra. A Comissão sistematiza dois tipos de mandatos: temáticos – quando se aludem a situações específicas de direitos humanos; e por países – quando se aludem à situação dos direitos humanos em determinados países.

Em termos gerais, eles são conferidos de poderes para apurar situações infringência aos direitos humanos, através de visitas in loco, recebendo queixas ou comunicações, e oferecer recomendações de como as solucionar. É uma contribuição, no plano internacional, para que os países consigam elaborar seus acordos com os direitos humanos, resultando da corroboração de instrumentos internacionais e dos seus próprios instrumentos nacionais (Constituições, Leis Ordinárias entre outros) de proteção dos direitos humanos.

Já o segundo (Os grupos de trabalho) é montado com o objetivo de aceitar denúncias e efetuar propostas relacionadas a situações de direitos humanos, até novos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. No presente, há dois grupos de trabalho permanentes em exercício (Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários e o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária), ambos compostos por cinco membros e vinculados à Comissão de Direitos Humanos, os quais estão relacionados com a proteção dos direitos civis e políticos.


5 O BRASIL E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

            Nos últimos anos o Brasil aprovou uma grande quantidade de tratados internacionais se mostrando ascendente neste tipo de norma no nosso ordenamento jurídico, sem acrescentar ainda, os casos submetidos a Corte Suprema brasileira. Exemplo disso é a inclusão, mais precisamente em 2009, de duas normas inquestionáveis para o povo brasileiro, a Convenção sobre os Direitos Humanos, a qual tem por objetivo a defesa das pessoas que apresentam algum tipo de deficiência, e o Protocolo Facultativo referente ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

            E importante realçar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 apresenta uma valorização dos direitos humanos internacionais, abrigando em seu bojo duas vertentes dos DH: a processual (estruturas de interpretação internacionalista) e a material (observação aos tratados inseridos no seu art. 5º).        

5.1 O Conselho de Direitos Humanos e o Brasil

A participação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos iniciou em 2006, decorrente da campanha de política externa realizada no governo de então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com direito a reeleição em 2008 e chegando a ficar até 2011. A atuação do Governo de fato ocorreu, chegando a ser elogiado pelo seu desempenho no combate a fome e a pobreza, tornando-se referência para o mundo, porém em outro ponto, também muito delicado, o Brasil deixou a desejar. O tema sistema prisional e violência institucional fico esquecido, vejamos o que diz Asano e Nader (2011):

com base em resultados expressivos, o governo Lula tornou-se referência internacional no combate à pobreza e à fome. Disseminou sua experiência e se dispôs a cooperar com outros países. Mas se foi referência nessa temática, não o foi em outras, especialmente no que se refere ao sistema prisional e violência institucional. Nesse caso, foi objeto de análise e alvo de diversas recomendações da comunidade internacional. Em suas relações com países não-democráticos e que violam sistematicamente os direitos humanos, o governo Lula privilegiou o diálogo e louvou a soberania. Diz tê-lo feito por acreditar na diplomacia discreta e “sem superioridade moral”. Infelizmente, em certos casos, os limites tênues entre diálogo, omissão e conivência ficaram patentes. No sistema multilateral de direitos humanos, o governo Lula foi protagonista de iniciativas importantes. No entanto, em prol da universalidade no tratamento de questões de direitos humanos, contribuiu, em alguns casos, para o enfraquecimento de mecanismos internacionais de direitos humanos. Foi ambíguo com relação ao reconhecimento e tratamento de violações sistemáticas a direitos humanos em países específicos. Condenou a seletividade, mas também a praticou em determinadas situações (ASANO; NADER, 2011, p. 129-130).

            A então ministra brasileira dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, firmou, na 19ª Seção do Conselho de Direitos Humanos – Suíça, em 2012, a obrigação do Brasil de respeitar a posição do Estado assumida perante as normas internacionais de direitos humanos. Ela destacou, em sua exposição oral, que o Brasil estava trabalhando para cumprir os tratados apoiados e fez menção as políticas públicas desenvolvidas nos últimos anos.

A primeira presença da Nação na Revisão Periódica Universal, em 2008, houve 15 reclamações do CDH, as quais foram aceitas e a República se comprometeu em criar um sistema nacional de nacional de indicadores de direitos humanos e a preparação de um relatório anual.  Na 21ª SCDH, segunda participação do País na Revisão Periódica Universal, que ocorreu em 2012, explicações, mais precisamente 170 infrações, tiveram que ser apresentadas ao Conselho, isso com relação aos descumprimentos dos compromissos no sistema penitenciário nacional, entre elas mais de 30% dos presos provisórios.

Entre as alegações apresentadas pelo Brasil na sua segunda participação, apenas 159 foram levadas em consideração, ficando 10 recebidas parcialmente e uma não acolhida em sua totalidade, a que justificava a não desmilitarização da Polícia Militar dos estados, sob o pretexto de que se tratava de ato que fere a Constituição Federal de 88.

5.2 O Brasil e o Sistema Interamericano

Em 1948, na IX Conferência Internacional Americana foi firmada à Organização dos Estados Americanos (OEA), a qual foi aprovada pela Carta de Bogotá, e no mesmo momento foi ratificada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, com a finalidade de desenvolver a proteção regional aos Direitos Humanos nos países americanos. Um detalhe importante é que a OEA foi concebida entre 1889 e 1890, na Primeira Conferência Internacional Americana, nos EUA, e é a organização regional de direitos humanos mais antiga do mundo.

O Pacto de São José da Costa Rica instituiu, além de efetivar o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que entrou em vigorou em 18 de julho de 1978, quase nove anos após sua aprovação. Isso com o objetivo de garantir o respeito aos direitos fundamentais ao cidadão, bem como atribuir ao Estado os fatos de desrespeitos a tais garantias, pois, cabe destacar, que o princípio fundamental da dignidade da pessoal é superior a qualquer ente.

Nesse sentido, observando a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), em seu artigo 33, temos a responsabilização do Estado frente à comunidade internacional:

Artigo 33. São competentes para conhecer dos assuntos relacio­nados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados     Partes nesta Convenção:

a. a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, doravante de­nominada a Comissão; e

b. a Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante denomi­nada a Corte. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HU­MANOS, 2016).

Assim, vemos que as ferramentas de reparação dos direitos suprimidos existem, com o propósito de cumprir a obrigação de salvaguardar os direitos humanos. Não esquecendo que qualquer pessoa, grupo ou órgão não governamental (reconhecido legalmente) pode formalizar denuncia, queixa ou qualquer tipo de ofensa aos direitos humanos a Comissão Internacional de Direitos Humanos.

Por fim, cabe analisar também como requisito de admissibilidade a ine­xistência de litispendência internacional, ou seja, se a mesma questão não está pendente de análise em outra instância internacional (PIOVESAN, 2008).

5.3 Caso Pizzolato

Um dos casos conhecidos internacionalmente, que estampa as condições de ofensas aos direitos fundamentais de pessoa humana, foi a prisão do ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. O ex-banqueiro foi sentenciado por lavagem de dinheiro, peculato e corrupção passiva no Escândalo do Mensalão, caso em que parlamentares do Congresso Brasileiro vendiam seus votos para aprovar projetos de interesse do Poder Executivo.

Ele foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Penal nº 470, a 12 anos e sete meses de prisão e, em sequência, fugiu para a Itália, onde foi preso por portar documentos falsificados. Em seguida, o governo brasileiro foi até a embaixada brasileira em Roma, interpondo um pedido ao governo italiano de extradição de Pizzolato com base em sua condenação, já transitada em julgado, na Corte Suprema do Brasil (STF). Sendo tal pleito aceito inicialmente com uma ressalva pelo parquet italiano, a de que o governo do Brasil informasse se o local da prisão do mensaleiro poderia garantir os “direitos fundamentais da pessoa humana”.

Em resposta ao pedido brasileiro, o governo italiano negou a extradição do Pizzolato, pois o local apresentado para cumprimento do cárcere, Presídio da Papuda no Distrito Federal, não atendia as exigências para abriga-lo. Em sequência, a soltura dele foi concedida para aguardar, em liberdade, a decisão sobre quais rumos tomaria o cumprir sua pena. Com isso o governo do Brasil apelou à Corte de Cassações de Roma contra a negativa no pedido de extradição, implicando na aceitação do pedido, porém os advogados do réu peticionaram questionando novamente as condições do local da pena no Brasil. O requerimento foi aceito e uma nova avaliação em outro presídio foi solicitada pelo Conselho de Estado italiano, em uma penitenciária diferente (complexo penitenciário do Vale do Itajaí e na Penitenciária Regional de Curitibanos, em Santa Catarina).

Assim, mais precisamente em outubro de 2015, a administração brasileira apresentou ao Ministério Público Italiano provas de que as condições de segurança e infraestrutura poderiam comportar o detento sem ofender a sua integridade física e moral, a luz da dignidade da pessoal humana. Dessarte, Henrique Pizzolato foi deportado para o Brasil sobre um forte esquema de segurança, realizado pela Polícia Federal, passando a ocupar uma cela no primeiro Presídio indicado, o da Papuda – DF.


6 SISTEMA PENITENCIÁRIO PERNAMBUCANO

Os questionamentos quanto às condições das prisões brasileiras não são recentes, isso pode ser observado nos mais variados meios midiáticos. O sistema penitenciário pernambucano têm algumas agravantes em relação aos outros do Brasil, é considerado o sistema mais superlotado do País1, com capacidade para 10.500 presos e conta com aproximadamente quase 32.000 detentos, isso em agosto de 20152.

A situação ainda é mais grave do que mostram os números acima, segundo um relatório publicado pela organização internacional de direitos humanos, não-governamental, Human Rights Watch, as autoridades pernambucanas contam como vagas oficiais os leitos improvisados pelos próprios presos, elevando assim a capacidade das penitenciárias de forma inapropriada. Há relatos que no Presídio de Igarassu, mesmo com essa situação, a quantidade de vagas disponíveis é de uma para cada sete enclausurados.

6.1 A superlotação   

Dentre as muitas denúncias gravíssimas à Corte Interamericana de Direitos Humanos estão às superlotações das unidades prisionais pernambucanas. O Sistema conta com quase três vezes mais que sua capacidade. Em fevereiro de 2015, a ONG visitou as várias prisões do estado e constatou a grave crise: uma das unidades foi o Presídio Agente de Segurança Penitenciária Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA) que acolhe por volta de 1.900 prisioneiros, mas sua capacidade é de um pouco mais de 460 leitos. Nessa mesma Unidade existe um espaço com 50 vagas destinado aos presos homossexuais, porém existiam mais 170.

O local de descanso dos cativos é improvisado de todas as formas (madeiras, papelão, lençol, entre outros), além disso, o sistema de esgoto das celas fica a poucos centímetros daqueles espaços. Outro detalhe que ocorr no interior da clausura é a existência de apenas dois vasos sanitários para 170 usuários, os quais também servem de “cama” para dormida dos detentos.

Situação análoga vive a Penitenciária Agro-Industrial São João, que abrigava 2.300 prisioneiros,  mas  com  capacidade para  apenas  520  homens.  O  espaço para dormir  não é diferente da PAMFA, pois os presos se abrigavam nos mais diversos locais e inclusive de baixo das mesas dos refeitórios e também sentados no corredor das celas. Outro cenário ainda mais grave foi encontrado nos leitos da “disciplina”, os quais acomodam detentos que cometem falta grave, por um curto período de tempo (duração máxima de trezentos e sessenta dias), da mesma forma eles alojam pessoas que foram ameaçadas por outros enclausurados. A ala conta com seis camas de cimentos para uma população de 60 homens (chegando a abrigar mais de 100), os quais vivem em meios às fezes (pois só há um vaso sanitário), mofo e suor, observando neste último item, os enclausurados são encontrados sem camisa por conta do calor forte e a alta umidade.

            Além das condições humilhantes e degradantes “comuns” da Penitenciária Agro-Industrial São João, o espaço destinado à disciplina supera esse estereótipo. A figura do “chaveiro”, detento que controla o deslocamento dos outros presos, é quem estabelece as regras da disciplina nas celas fixadas para esse fim. Há a previsibilidade de duas horas de banho de sol por dia para aqueles que estão nessa condição, porém essa regra na maioria das vezes não é cumprida e os aprisionados ficam semanas sem a luz do sol. Isso reflete uma grave ausência de inúmeros direitos no ordenamento jurídico brasileiro e também fere normas internacionais de Direitos Humanos.

6.2 As violações de Direitos Humanos nas penitenciárias pernambucanas e a possibilidade de inovação dos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos

            As violações no interior das unidades prisionais de Pernambuco não são difíceis de visualizar. Muitas ausências do que prevê os Sistemas de Direitos Humanos são decorrentes da superlotação desses estabelecimentos, entre elas a falta total de condições básicas de saúde, a inexistência de controle interno por parte da Gestão da penitenciária e a lentidão injustificada no julgamentos do processo judiciais são as violações que estão no topo da lista demanda pela Comissão Internacional de Direitos Humanos ao governo pernambucano.

Entre os graves problemas de saúde se tem as doenças respiratórias, as quais chegam a registrar uma situação 100 vezes mais elevada que a média da população do Brasil, segundo o Ministério da Justiça3. O quadro pernambucano é tão grave que só fica atrás do estado do Mato Grosso, que apresenta 3.601 casos por 100 mil presos, chegando a quase 160 vezes aquela média.

 As terríveis condições de saúde se agravam pela total deficiência de saneamento básico e água potável em muitos estabelecimentos prisionais estaduais, e entre as dificuldades existentes, temos: a não existência de água corrente, pois os detentos fazem uso de baldes para captar a pouca água fornecida para fazer tudo, inclusive beber, sendo ofertada por no máximo 30 minutos em um intervalo de três vezes ao dia; os poucos vasos sanitários estão sempre quebrados e/ou entupido de fezes, inviabilizando as boas condições de higiene pessoal dos enclausurados; o esgoto é sempre exposto e corre a céu aberto, ou seja, não tratamento de esgoto podendo surgir uma série de doenças decorrente disso; e o lixo se acumula por todos os lados, até mesmo no interior das celas, atraindo insetos como ratos, baratas e escorpiões.

Outra prática condenável por todos os órgãos que vistoriaram as unidades é a figura denominada oficialmente pela administração dos presídios de “representantes”, todavia conhecido popularmente pelos encarcerados como “chaveiro”. O nome faz jus a sua função, ele que é cuidar do acesso interno as celas e controlar a disciplina entre presos, já que sua condição impõe medo nos demais e normalmente tem condenação por crimes muito graves, como por exemplo: homicídio. Ressaltando que ele comete inúmeros abusos, tais como venda de espaços para dormitório; extorsão, sob pena de espancamento; controle do tráfico de drogas; controlam as “milícias”4; entre outros crimes.

   O Sistema Internacional de Direitos Humanos tem como pilar vital a preservação da dignidade da pessoa humana. Frente às numerosas ofensas já descritas a Comissão das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal aprovou novos modelos para garantir condições mínimas aos confinados que preservem a respeitem as condições básicas de sobrevivência. Esse preceito foi sancionado em 2015 sob o nome de Regra Mandela5, com o objetivo de garantir aos presos segurança, saúde, água potável, alimentação adequada, entre outros elementos essenciais para uma vida digna.

            Dessa forma, observamos que, além da numerosa fonte de direitos a dignidade da pessoa humana, a Regra Mandela trouxe mais uma inovação para servir como parâmetro na reestruturação do presente modelo de sistema penal brasileiro e, de certa forma, visa a atenuar os abusos cometidos pela administração carcerária. Esta modernização ergue-se com regras mínimas e cirúrgicas para combater a ausência do Estado, além disso, volta seu olhar para o resgate daqueles que estão privados de sua liberdade sofrendo tratamento desumano.


CONCLUSÃO

A existência real e a concretização dos direitos humanos não são consolidadas apenas com a declaração normativa de tais direitos. A ação de um Sistema Global poderoso e operativo de promoção, proteção e reparação dos direitos humanos é uma imposição da metodologia de internacionalização construída na história recente da humanidade, para a preservação da dignidade da pessoa humana.

O Sistema da ONU, composto por várias estruturas e ferramentas tradicionais e extratradicionais, consolidado em diversos tratados multilaterais de direitos humanos, defronta-se com o duelo de promover seu renovado aprimoramento institucional, em procura da credibilidade abalada, em face, mormente, dos novos conflitos apresentados na comunidade internacional.

Certamente que a formação do novo Conselho de Direitos Humanos da ONU apresenta uma boa perspectiva de consolidar-se, de fato, como órgão capaz de praticar sua vocação institucional mais relevante de certificar a preservação universal dos direitos humanos. No entanto, é equitativamente certo que muitas lutas ainda faltam ser vencidas, para que todos os direitos humanos sejam assegurados a todas as pessoas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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BARROS, Ana Maria de; JORDÃO, Maria Perpetua Socorro Dantas. A Cidadania e o Sistema Penitenciário Brasileiro. Revista Unieducar. 2011. Disponível em: <http://www.ufpe.br/ppgdh/images/documentos/anamb1.pdf>. Acesso em: 07 de set. 2016.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro/RJ. Ed. Campus, 1992.

BORGES, Alci Marcus Ribeiro; BORGES Caroline Bastos de Paiva. Breves considerações sobre o sistema global de proteção dos direitos humanos. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=10503&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 19 ago. 2016.

 CARVALHO RAMOS, André de. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 2a. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1. 297 p.

CASTILHO, Ricardo. Direitos humanos. 2ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. – (Coleção sinopses jurídicas: v. 30).

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-americana.html>. Acesso em: 18 ago. 2016.

GOMES, Luiz Flávio. Comentários a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. 3ª.Ed. São Paulo: RT, 2011.

HUMAN RIGHT WATCH. O estado deixou o mal toma conta. Disponível em:<https://www.hrw.org/sites/default/files/report_pdf/brazil1015port_forupload.pdf>. Acesso em: 07 set. 2016.

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MICHAEL, Vieira Dantas. Os Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://jus-academic.blogspot.com.br/2012/06/os-sistemas-regionais-de-protecao-dos.htmlf>. Acesso em: 19 ago. 2016.

PIOVESAN, F. Direitos Humanos e justiça internacional. São Paulo: Saraiva, 2006.

PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

REGRA MANDELA. Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/05/39ae8bd2085fdbc4a1b02fa6e944ba2.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2016.


Notas

1 Departamento Penitenciário Nacional, “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias", junho de 2014,

http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf (acessado em 07 de outubro de 2016).

2 Relatório da Human Rigths Watch “O Estado deixou o mal tomar conta”, “A Crise do Sistema Penitenciário do Estado de Pernambuco", https://www.hrw.org/pt/report/2015/10/19/282335 (acessado em 07 de outubro de 2016).

3 DEPEN, “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias", junho de 2014, http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf (acessado em 07 de outubro de 2016).

4 “Milícias” é o termo utilizado para designar grupo de presos que atendem as ordens dos “chaveiros” e são recrutados para agredir outros detentos que não obedecem as ordens dele ou o devem dinheiro.

5http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/05/39ae8bd2085fdbc4a1b02fa6e3944ba2.pdf (acesso em: 03 de novembro de 2016).



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