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A responsabilidade penal do médico no crime de omissão de socorro

A responsabilidade penal do médico no crime de omissão de socorro

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Explana-se uma abordagem acerca da responsabilidade do profissional de medicina no âmbito criminal, e a possibilidade deste profissional, ao agir de forma omissiva, responder por crime mais grave e de natureza diversa da omissão.

1. INTRODUÇÃO

A relação em sociedade pressupõe, necessariamente, o convívio com conflitos proveniente das relações entre seres humanos, sendo estes conflitos extirpados, em muitas das vezes, pela interferência do Direito. Desta forma, temos o Direito Civil – que rege as relações privadas, o Direito Administrativo – que regula a relação do Estado com os particulares e com ele mesmo e outros ramos do Direito, dentre ele o Direito Penal – que tutela os bens jurídicos essenciais à subsistência humana, tais como: a vida – bem de maior relevância, pois sem ela, todos os outros direitos restariam inúteis, a liberdade, os bens patrimoniais, a integridade física e moral.

Desta forma, a vida da sociedade tem, portanto, uma repercussão mais severa e danosa ao sujeito, quando a interferência é feita por meio do Direito Penal, pois ele é, segundo a doutrina, a última rátio, tendo como função precípua, conforme leciona Rogério Greco (2012) ao citar Luiz Regis Prado que: “o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos essenciais ao indivíduo e à comunidade”.

Neste sentido, do conflito na sociedade, não estaria imune o profissional da medicina, pois como dito em artigo anterior, Judicialização da Saúde, o profissional da medicina gozava de certos prestígios perante a sociedade, era visto com bons olhos e tratado com respeito e urbanidade por todos. Era considerada uma profissão enobrecedora, embora não a tenha deixado de ser, mas, um pouco mais desprestigiada perante todos de que dela precisam.

Desta forma, os pacientes de outrora não mais existem, ou seja, o profissional da medicina não mais encontrará um paciente e sim um consumidor de serviço de saúde, ávido por seus direitos, querendo a qualquer custo tirar vantagens do menor erro, ou desconhecimento jurídico que esses profissionais possam vir a ter. Assim, neste sentido, comum são as demandas judiciais que envolvem esses profissionais em diversas áreas do direito, não sendo diferente na seara criminal, no tocante ao crime de omissão de socorro, que será o objeto de estudo deste presente artigo.

Assim, primeiramente, mister se faz trazer uma noção da conceituação dos elementos constitutivo do crime, ou seja, quais os requisitos necessários para que a conduta possa ser caracterizada como crime.


2. CONCEITO DE CRIME

Desde que o homem se encontra sobre a face da terra, a conduta criminosa o persegue. Contudo, faz-se necessário salientar que esta conduta tem várias acepções, diferenciando-a de acordo com a ciência a qual resolve estudá-la. Desta forma, podemos ter uma acepção teleológica, na qual o crime tem significado de pecado, uma ofensa aos deuses ou a Deus, conforme a religião professada pelo meio social, sendo esta conduta proveniente do mau.

  Temos também uma acepção sociológica que vê o crime como um fato que caminha junto com a sociedade e os seus valores sociais. E outra acepção, a qual nos interessa, sendo o foco da nossa análise, que é a concepção jurídica. Contudo, nossa legislação penal pátria não nos fornece o conceito de crime, ou melhor, o conceito fornecido pelo Decreto Lei nº 3914 de 9 de dezembro de 1941 – Lei de Introdução do Código Penal, em seu art. 1º é um conceito anacrônico, estando, portanto, ultrapassado, no qual se diz ser o crime:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.     

Assim, o conceito de crime, nos dias atuais, ficou a cargo da doutrina, que, dentre eles temos: conceito formal, conceito material e o conceito analítico do crime, dos quais serão brevemente comentados.

2.1. CONCEITO FORMAL DE CRIME

  Este conceito é delimitado no âmbito do direito positivo, ou seja, é a delimitação imposta pelo Direito Penal, sendo, portanto, considerado crime toda ação ou omissão proibida pelo ordenamento jurídico vigente, a qual é cominada uma pena para o transgressor da norma jurídica imposta pelo Estado.

2.2. CONCEITO MATERIAL DE CRIME

  Aqui, refere-se aos bens juridicamente protegidos, do qual a sociedade resolve, por meio de leis, tutelá-los, sendo, portanto, o fato humano que lesa ou coloca em perigo um bem protegido pela norma penal vigente.

  Há de fazer uma ressalva, contudo, que os conceitos, acima expostos – formal e material – não traduzem de forma clara o que, verdadeiramente, seja o conceito de crime, pois o conceito formal esclarece, apenas, que se o Estado edita uma norma e alguém a viola, desde, é claro, que não exista uma causa que exclua o crime, restará configurado, assim, a conduta criminosa, o que legitimará o jus persequendi e o jus puniend ( o direito de perseguir e punir) por parte do Estado.

Já o conceito material de crime eleva a importância do princípio da intervenção mínima do Direito Penal quando erige os bens dos quais serão por ele tutelados.

2.3. CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME.

Este conceito tem por objetivo a decomposição da estrutura do crime em várias partes, analisando todas as suas características ou elementos do qual compõe a infração penal e que ora será exposto.

  Rogério Greco (2012) citando Assis Toledo preleciona:

“Substancialmente, o crime é um fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (Jurídico-penais) protegidos. Essa definição é, porém, insuficiente para a dogmática penal, que necessita de outra mais analítica, apta a pôr à mostra os aspectos essenciais ou os elementos estruturais do conceito de crime. E dentre as várias definições analíticas que têm sido proposta por importantes penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato – crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois ação típica, ilícita e culpável.” (Greco. 2012. p.141).

Contudo, ao estudar o conceito analítico do crime, deparamos com duas correntes doutrinárias divergentes. São elas: a corrente da teoria bipartite do crime e a teoria tripartite do crime.

2.3.1 TEORIA BIPARTITE DO CRIME

A teoria bipartite ou a chamada teoria finalística da ação teve como pensador o jurista alemão Hans Welzel, do qual se filia os doutrinadores brasileiros Damásio de Jesus, Mirabete, Celso Delmanto, Fernando Capez, dentre outros.

Para esta corrente, o crime é um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade pressuposto para a aplicação da pena.

  Silva (2007), citando Celso Delmanto, esclarece que: “presente um fato típico e antijurídico, teremos um crime, mas a aplicação de pena ainda ficará condicionada à culpabilidade, que é a reprovação ao agente pela contradição entre sua vontade e a vontade da lei”.

  Assim, por exemplo, em um caso concreto, o juiz deve, na aplicação da pena, verificar a imputabilidade do agente, a potencial consciência de ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Pois, caso, ao agente, falte algumas destas condições ficará ele isento de pena, entretanto, restará configurado o crime, pois, para esta teoria – bipartite – os elementos estruturantes do crime foram reunidos. Pois, para Welzel o crime tinha o conceito ontológico de uma ação humana dirigida a um fim determinado.

2.3.2 TEORIA TRIPARTITE DO CRIME

A teoria tripartite, corrente majoritária em nosso sistema, tem como adeptos os seguintes doutrinadores: Eugênio Raul Zaffaroni, Nilo Batista, Luiz Regis Prado, Roberto Bitencourt, Rogério Greco, dentre outros, que concebe o crime como sendo um fato típico, ilícito e culpável, pois, conforme esta corrente, o crime só existirá se estiverem reunidos todos esses elementos já citados, assim, caso falte algum, a conduta será considerada atípica, não podendo falar-se da existência do crime.

O fato típico é composto pela conduta; resultado; nexo causal e a tipicidade. Por conduta, entende ser esta uma ação ou omissão, podendo ser: dolosa, que, conforme Greco (2012) significa ser “a vontade consciente dirigida para realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador”, subdividindo-a em dolo direto – ação ou omissão dirigida para determinada fim, ou seja, o intuito de cometer o crime e dolo indireto, que se divide em alternativo e eventual. Aquele se apresenta quando a vontade do agente em cometer a ação criminosa é destinada tanta para um resultado como para outro, por exemplo, o agente que dispara um tiro em seu desafeto com o intuito de matar ou ferir. Já o dolo eventual, conforme preleciona Greco (2012), ocorre quando: “o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito”.

Temos ainda a conduta culposa, que ocorre quando o agente, conforme o art. 18, II, do Código Penal, age dando causa ao resultado por imperícia, imprudência ou negligência. Nesta esteira, temos a culpa inconsciente, que é aquela que o agente pratica o fato definido como crime quando deixa de prevê o resultado que lhe era previsível. Já a culpa consciente é aquela em que o agente, embora preveja o resultado, não se abstém de praticar a conduta, acreditando, sinceramente, que o resultado não irá ocorrer. Assim, o resultado, embora previsto, o agente confia na sua não ocorrência devido a sua habilidade para controlar a situação.

Mister se faz esclarecer que, na culpa consciente, o agente, embora preveja o resultado, acredita ele que este não ocorra, por acreditar em suas habilidades ou algo parecido, no qual poderá ser evitado. Já no dolo eventual, o agente preveja o resultado ele aceita a ocorrência, assume o risco de vir a produzi-lo.

Ainda no campo do fato típico, temos o resultado, que é de natureza jurídica, pois é quando ocorre à lesão propriamente dita a um bem juridicamente protegido pela norma penal, e o resultado naturalístico, que é a modificação do mundo exterior por um dado comportamento.

A relação de causalidade é o liame necessário que une a conduta praticada pelo agente ao resultado por ele produzido, sem o qual não se pode determinar a relação do crime com a conduta do agente, estando, portanto, ele isento de culpa caso este requisito não esteja presente.

Ao final, temos a tipicidade, que se divide, conforme esta teoria em: tipicidade formal – que é a subsunção do fato ocorrido à norma penal, e a tipicidade conglobante, que, conforme Greco (2012) é aquela que “surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antinormativa, isto é, contrária à norma, e então imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material) ”.

Uma vez reunido todos os elementos constitutivos do tipo legal, passa-se para a análise da ilicitude, a qual verificará se a conduta praticada pelo agente é lícita ou não. Assim, caso a conduta esteja acobertada por alguma das excludentes de ilicitude, elencada no art. 23 do Código Penal, a saber: legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, estado de necessidade, exercício regular de direito e a causa supralegal de excludente de ilicitude, que é o consentimento do ofendido, desde, é claro, que o ofendido tenha capacidade de direito e de fato para consentir e o bem seja disponível, nada há que se falar em crime.

O terceiro elemento constitutivo do crime é a culpabilidade, a qual verificará se a conduta do agente é passível de reprovabilidade, ou seja, se o agente era imputável; se tinha potencial consciência sobre a ilicitude do fato ou se podia exigir dele uma conduta diversa.

Desta forma, para esta corrente, predominante em nosso sistema jurídico, só será considerado crime se reunido todos os elementos ora abordados acima, ou seja, o fato tem que ser típico, ilícito e culpável, caso falte qualquer dos elementos constantes, o fato será considerado atípico, portanto, para esta corrente, não haverá crime.

Assim, diante de todo exposto, necessário se faz trazer a análise da tipificação da conduta prevista no art.135 do Código Penal – Omissão de Socorro e as possíveis consequências deste crime se praticado por profissional da área médica.


 3. DO CRIME DE OMISSÃO DE SOCORRO

O crime de omissão de socorro tem como função de obrigar a todos, que vivem em comunidade, a prestar assistência a qualquer pessoa que está em perigo de vida, inválida, ou, na impossibilidade de fazê-la pessoalmente, que avise a autoridade competente.  

Nesse sentido, Rogério Sanches, ao citar Noronha, preleciona que:

O art. 135 traduz uma norma de solidariedade humana, sob o imperativo legal. Já não se trata de simples dever moral, mas de imposição de lei. É uma ordem, não uma proibição, como ocorre com a generalidade das prescrições penais. Cogita-se aqui de um dever geral, dirigido a todos, visando à mútua assistência que deve existir numa sociedade civilizada. (SANCHES, 2016, p. 151e 152).

O referido crime está elencado no art. 135 do Código Penal Brasileiro, o qual estatui que:

Omissão de socorro

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

Como não bastasse a redação do dispositivo retromencionado, devido à importância dada ao tema e a ocorrência constante de casos deste tipo em unidade particular de internação coletiva, foi acrescido ao Código Penal o art. 135 A, em 28 de maio de 2012 pela Lei 12.653, que, assim, nos diz:

Condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial 

Art. 135-A.  Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa

Parágrafo único.  A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte. 

Assim, justamente para evitar ou prevenir as constantes ocorrências da omissão de socorro de forma indireta, foi que criaram este dispositivo.

Desta forma, não há que se olvidar da tamanha relevância da natureza deste crime, que será por agora dissecado para uma melhor compreensão dos leitores.

3.1 DA CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA

A omissão de socorro é um crime comum quanto ao sujeito ativo (quem pratica o delito), é o próprio com relação ao sujeito passivo (quem sofre a omissão), nas hipóteses em que a lei exige dele uma qualidade especial; de perigo concreto, devendo ser demonstrado que a omissão do agente trouxe, efetivamente, uma situação de perigo para a vítima; doloso (vontade de pratica a conduta omissiva); de forma livre (pode ser praticado por qualquer meio ou forma); omissivo próprio (se consuma pela omissão do agente ativo); instantâneo (crime que a consumação não se prolonga no tempo); monossubjetivo (crime que praticado por uma só pessoa, contudo, admite-se a co-autoria) , podendo ser considerado, dependendo da situação, unissubsistente (praticado por um único ato) ou plurissubsistente (pratica de vários atos); transeunte como regra (não deixa vestígios) .

O bem Jurídico tutelado é a vida, a saúde do ser humano, e o fundamento da criminalização da omissão de socorro é o desrespeito ao dever de solidariedade humana, um princípio moral erigido à condição de dever jurídico.

Assim, a norma exige a plena consciência do autor no sentido de que a sua conduta deixará o ofendido ou inválido desamparado e exposto ao risco.

Assim, este crime não se caracteriza pelo simples não fazer ou fazer coisa diversa, mas pelo não fazer o que a norma jurídica determina. Pois conforme o art. 5º, II da nossa Carta Magna de 88 diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tratando-se aqui do princípio da legalidade, onde todos estão obrigados, por lei, a prestar socorro aos que assim precisarem, muito mais ainda os que possuem o status de garante, como no caso do médico.


4. DA RESPONSABILIDADE PENAL DO MÉDICO

O profissional médico, em seu exercício, faz o seguinte juramento:

Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da Humanidade. Darei como reconhecimento a meus mestres, meu respeito e minha gratidão. Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação. Respeitarei os segredos a mim confiados. Manterei, a todo custo, no máximo possível, a honra e a tradição da profissão médica. Meus colegas serão meus irmãos. Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes. Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza. 

No mesmo sentido, o Código de Ética Médica, Resolução 1931/2009 traz em seu capítulo 1 os princípios que nortearão o profissional médico, dentre os quais destaca-se:

I - A Medicina  é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.II - O alvo de toda a atenção do médico  é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

(...)

IV - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão.

(...)

VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

Mais a frente, o referido Código, em seus artigos 1º; 7º e art. 33º, elenca as condutas das quais os médicos devem abster-se de praticá-las, in verbis:

É vedado ao médico

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Art. 7º Deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria.

(...)

Art. 33. Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo.

Ou seja, a todo instante o médico deve zelar pela suas práticas, evitando, a todo custo, causar danos ao paciente.  A abstenção do profissional médico, seja ela em conjunto com a categoria ou sozinho, está vedada, conforme se depreende dos artigos retromencionados, estando sujeitos à infração administrativa no CRM correspondente.

Assim, em conjugação com os dispositivos acima mencionados, temos o art. 13 do Código Penal que fala da relação de causalidade da conduta com o resultado, ao instituir que:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

 Já em seu parágrafo 2º é instituído a relevância que a omissão tem nas condutas em que, por ela, se caracteriza a prática do crime comissivo por omissão, ou seja, a omissão será considerada, para todos os efeitos legais, como se tivesse o agente praticado o referido crime, por exemplo, caso o médico venha a se omitir em prestar socorro à vítima e esta venha a falecer, o crime por ele será de homicídio e não de omissão de socorro.

Assim, vejamos o que diz o § 2º do art. 13 do CP:

Relevância da omissão 

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

 a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; 

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; 

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. 

Desta forma, percebe-se que inúmeros dispositivos legais impõem um dever de ação ao profissional da medicina, erigindo-o ao status de garantidor da saúde e da vida de todos que o procuram, não podendo dele abster-se de forma alguma, salvo, é claro, na impossibilidade de o fazer.


5. CONCLUSÃO

Assim, com base nos dispositivos legais acima retromencionados, a doutrina não vislumbra a possibilidade da configuração do crime de omissão de socorro por estes profissionais, tendo em vista a posição de garantidor da vida e da saúde da coletividade, assumida por ele, perante todos esses dispositivos, seja nos aspectos principiológico, seja por disposição expressa no Código de Ética Médica, em combinação com os dispositivos legas, tal como o Código Penal ou outra lei que o obrigue, pois conforme o princípio da legalidade esculpido em nossa Carta Magna ao teor do art. 5º, II diz que: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Desta forma, quanto à fundamentação para a posição de garantidor relativa aos profissionais médicos, existem dois entendimentos na doutrina brasileira. Assim, para Bittencourt: a base legal da garantia está prevista na alínea ‘a’ do § 2º do art. 13, ou seja, tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. Já para outros, a fonte jurídica dessa garantia reside na alínea ‘b’ que diz que de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, posição essa defendida por Prado e Assis Toledo.

Contudo, independentemente da base fundamentadora desse estado de garantidor, não resta dúvidas de que esses profissionais de saúde têm a especial função de garantia do bem jurídico relacionado com a vida e a saúde dos pacientes que deles precisam.

Nesse sentido, caso descumpra o dever de agir, abstendo-se de realizar a conduta devida e não impedindo o resultado, o médico será considerado o causador deste mesmo resultado e responderá pelo crime correspondente, seja doloso ou culposo, já que os crimes de omissão imprópria podem ter as duas características.  Assim, por exemplo, se o médico, intencionalmente, deixar de atender determinado paciente em perigo de vida e esse paciente vier a óbito em virtude dessa omissão, não responderá ele pelo crime de omissão de socorro art. 135 do CP, mas sim por homicídio art. 121 do CP, na forma de dolo eventual. 


10 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói: Impetus, 2012.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Niterói: Impetus, 2012.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal do Inimigo: Uma visão Minimalista do Direito Penal. Niterói: Impetus, 201.

NUCCI, Guilherme de Souza.  Manual de Direito Penal.  p. 623.

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ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Renavan, 2010. V. I e II.

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