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Da notificação de terceiros interessados nos processos que tramitam no TCE/SP

Da notificação de terceiros interessados nos processos que tramitam no TCE/SP

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O Tribunal de Contas exerce suas competências por meio da instauração de processos administrativos, nos quais se deve assegurar, não só ao agente controlado, mas, também, ao terceiro interessado na lide, o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Tem fé no direito, como melhor instrumento para a convivência humana; na justiça, como destino normal do direito; na paz, como substitutivo bondoso da justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não há direito que sobreviva, muito menos justiça e nunca haverá paz.

Eduardo J. Couture

 1. INTRODUÇÃO

Dotado de autonomia administrativa e financeira, quadro próprio de pessoal e de competências constitucionalmente outorgadas, o Tribunal de Contas relaciona-se com os demais Poderes republicanos e com o Ministério Público em pé de igualdade, ou seja, sem qualquer subordinação.

O Tribunal de Contas é órgão essencial ao desenvolvimento do processo de consolidação da democracia em nosso País por ser responsável, dentre outras coisas, pela garantia de zelo à res publica.

E, para que não ocorram distorções ou nulidades, é garantido por lei um processo transparente onde as partes podem questionar pontos divergentes.

Sendo assim, a Constituição garante os princípios do contraditório e da ampla defesa para que se possa ter confiabilidade e segurança jurídica nas decisões do Tribunal de Contas.

O objetivo desse trabalho é analisar se realmente ocorre esse processo democrático e como o mesmo ocorre.

Será realizada uma pesquisa bibliográfica realizada em doutrinas, jurisprudências, revistas especializadas em Direito e endereços eletrônicos na rede mundial de computadores.

1. 1 O Processo no Tribunal de Contas

A doutrina administrativa e a jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal e das Cortes de Contas convergem para o entendimento de que a responsabilidade do gestor público é de natureza subjetiva e que os processos submetidos ao Tribunal de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, onde houver, quando apreciam os atos do gestor público, tratam de direitos indisponíveis.

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e o princípio da indisponibilidade do interesse público derivam dos princípios da oficialidade, do princípio da verdade material e do princípio do formalismo moderado, que reagem e norteiam os atos processuais praticados pela Corte de Contas.

Por se tratar de direitos indisponíveis e, em decorrência do princípio da oficialidade, cabe ao Tribunal de Contas, por meio de seus Ministros, no TCU, ou aos Conselheiros, nos demais Tribunais de Contas, agir de ofício, não permitindo, com isso, a paralisação do processo pela inércia das partes, devendo, para tanto, promover todos os atos necessários ao seu normal prosseguimento, até a decisão final.

Diferentemente das relações processuais no âmbito do direito civil e do direito penal, acolhidas pelo Poder Judiciário, constituídas por três pilares: autor, réu e juiz, os processos de contas e de fiscalização submetidos aos Tribunais de Contas constituem-se de responsáveis e o julgador.

Nos dizeres de Fernandes (2003), o Tribunal de Contas como “órgão especial de destaque constitucional” pela sua disciplina constitucional, que lhe confere caráter “sui generis, posto de permeio entre os poderes políticos da Nação, o Legislativo e o Executivo, sem sujeição, porém, a qualquer deles”, sendo a missão confiada pela Constituição é a de fazer observar a legalidade, legitimidade e economicidade dos atos praticados pelos agentes públicos ou que lidam com recursos públicos.

 A faculdade que os Tribunais de Contas de poder agir de ofício, instaurando o processo de contas ou de fiscalização, produzindo as provas necessárias ao deslinde da questão, imputando responsabilidades e promovendo o julgamento daqueles considerados responsáveis, poderia induzir à tese de que o processo na Corte de Contas configura-se como processo inquisitivo, condenado e afastado pelo princípio da ação.

O processo inquisitivo caracteriza-se, também, por ser secreto, não contraditório, por ignorar as regras de igualdade ou da liberdade processuais e por não oferecer garantia alguma ao réu, sequer de apresentar sua defesa.

A faculdade da Corte de Contas de poder agir por livre iniciativa não exclui a possibilidade de ela ser provocada por terceiros para que atue em causas em que existam indícios de ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, bem como o julgamento de contratos administrativos, sob todas as formas, além da apreciação de atos de admissão de pessoal, aposentadorias, pensões, ou de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado dano ao erário, ou mesmo de ameaça a direito subjetivo daqueles cujos atos de gestão acarretaram a abertura do processo.

A relação processual praticada nos Tribunais de Contas, restrita apenas ao responsável e ao julgador, traz à Corte de Contas uma autonomia processual não prevista no Código do Processo Civil ou do Processo Penal. Pode o Tribunal de Contas agir de ofício, sem qualquer provocação de terceiros, e exigir que responsáveis por dinheiros públicos se justifiquem por atos de gestão lesivos ao erário.

O S.T.F. editou a Súmula 347, que assim versa: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade de leis e atos do poder público”.

E se ao Tribunal de Contas compete o exercício do controle de constitucionalidade, mais razão ainda lhe assiste a prerrogativa do controle de legalidade, expressamente disposta no artigo 71, incisos III, VIII, IX e X, da Constituição Federal, que tratam, respectivamente, da apreciação de legalidade dos atos de admissão e inatividade de pessoal, para fins de registro, da aplicação de sanções aos responsáveis pela ilegalidade de despesa, da fixação de prazo para que o órgão ou a entidade adote providências para o exato cumprimento da lei, e, finalmente, da sustação da execução de ato impugnado.

O Tribunal de Contas, quando da tomada de contas de responsáveis por dinheiros públicos, pratica ato insuscetível de impugnação na via judicial, a não ser quanto ao seu aspecto formal e, por ilegalidade manifesta, já decidiu várias vezes o Supremo Tribunal Federal.

Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles (2011, p.73) “como as deliberações e decisões dos órgãos colegiados estão sempre formalmente vinculadas a um procedimento legal para sua emissão e validade, o desrespeito a esse procedimento, tal seja sua relevância, pode conduzir à nulidade do ato inicial”.

Com esses dizeres, constata-se que as leis administrativas são normalmente de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos.

A natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Esses poderes conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa.

Sendo assim, a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo e, segundo o artigo 37 da Constituição Federal, a administração legítima só é aquela que se reveste de legalidade e probidade administrativa, no sentido de que tanto atende às exigências da lei como se confirma com os preceitos da instituição pública.

O pressuposto é de que o Tribunal de Contas têm um importante papel frente à democracia ao desempenhar a função jurisdicional de, dentre outros, julgar as contas, nos termos do artigo 71, inciso II, da Constituição da República. Esta interpretação atribui à norma constitucional máxima eficácia, por conferir à Instituição um reforço de legitimidade no exercício do controle externo das contas públicas, e nos demais atos administrativos postos a sua apreciação.

1.2 Recursos Administrativos

Os recursos administrativos são todos os meios que podem se utilizar os administradores para provocar o reexame do ato pela Administração Pública, sendo de efeito suspensivo ou devolutivo.

No efeito devolutivo, a matéria é devolvida à autoridade competente para reanálise.

Segundo Hely Lopes Meirelles (2003, p. 646), o recurso administrativo com efeito suspensivo produz de imediato duas consequências fundamentais: o impedimento da fluência do prazo prescricional e a impossibilidade jurídica de utilização das vias judiciárias para ataque ao ato pendente de decisão administrativa.

Os recursos administrativos, nos dizeres de Di Pietro (2006), têm duplo fundamento constitucional: artigos 5º, incisos XXXIV e LX, sendo que este último assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a elas inerentes.

José Afonso da Silva (2005, p. 442) discursa que:

A Constituição não prevê a falta de sanção à falta de resposta e pronunciamento da autoridade, mas parece-nos certo que ela pode ser constrangida a isso por via do mandado de segurança, quer quando se nega expressamente a pronunciar-se quer quando se omite: para tanto, é preciso que fique bem claro que o peticionário esteja utilizando efetivamente do direito de petição, o que se caracteriza com maior certeza se for invocado o artigo 5º, XXXIV, a. Cabe, contudo, o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, quando a petição visar corrigir abuso conforme disposto na Lei nº 4.898/65.

Para que se possa assegurar os direitos e garantias fundamentais do homem, um procedimento eficaz é a representação, denúncia de irregularidades feita perante a própria administração.

A Lei nº 4.898/65 define em seus artigos 3º e 4º que a representação é legal contra o abuso de autoridade.

A representação é dirigida à autoridade superior que tiver competência para aplicar ao culpado a respectiva sanção, bem como ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada.

O artigo 35 da Constituição Federal prevê um caso específico de representação contra o Tribunal de Contas.

O artigo 74, § 2º, da Constituição Federal, estabelece que “qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”, estendendo-se para a representação nos Estados à Assembleia Legislativa.

O artigo 97, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, por sua vez, prevê a representação dirigida ao Ministério Público, incluindo entre suas funções de:

III – receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa ou entidade representativa de classe, por desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal e nesta Constituição, as quais serão encaminhadas a quem de direito, e responsabilidade no prazo improrrogável de trinta dias.

Apesar do caráter administrativo, os processos apreciados pelo Tribunal de Contas são análogos aos do Poder Judiciário.

Em processos de julgamento das contas dos administradores públicos, de apreciação de atos sujeitos ao registro e de fiscalização de atos e contratos, o TCE deve assegurar aos responsáveis e aos terceiros interessados o exercício do direito do contraditório e da ampla defesa, conforme preceituam as constituições Federal e Estadual, a Lei Orgânica e o Regimento Interno desta Corte.

Como versa o artigo 74, § 1º, da Constituição Federal:

§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, relativos a aspectos pertinentes à fiscalização contábil, financeira e orçamentária, darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

Mediante as análises realizadas, verifica-se que mesmo que sejam constatadas irregularidades e ilegalidades, a Constituição Federal dá o direito para que haja o instituto do contraditório e da ampla defesa.

1.3 Devido Processo Legal

Para Alexandre Santos de Aragão (2009), a Teoria das Autolimitações Administrativas veda a Administração Pública, de uma forma geral, a adoção de entendimentos contraditórios ou desconformes aos precedentes anteriormente estatuídos, na presença dos mesmos elementos fáticos.

Neste sentido, evidente se torna que a Administração Pública, ainda que exercendo seus poderes de autotutela, não tem o direito de impor a seus administrados gravames e sanções que atinjam, direta ou indiretamente, seu patrimônio sem ouvi-los adequadamente, preservando-lhes direito de defesa.

Para completar o assunto, Canotilho (1999, p.74):

Garante a segurança e a liberdade. (...) Derivou-se de um princípio geral da insegurança jurídica cujo conteúdo é aproximadamente este: as pessoas – os indivíduos e as pessoas colectivas – tem o direito de poder confiar que os seus actos ou as decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas ou em actos jurídicos editados pelas autoridades com base nessas normas (...) Aos próprios actos da Administração é reconhecida uma determinada força (a força de caso decidido).

A Constituição Federal de 1988 incorporou o princípio do devido processo legal, que remonta à Magna Charta Libertatum de 1215, de vital importância no direito anglo-saxão.

Atualmente, o artigo XI, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, garante que:

Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume–se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

Segundo André Ramos Tavares (2007, p.667), por “ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecera verdade ou mesmo omitir-se ou calar-se”, se necessário, enquanto o “contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa”, impondo a condução dialética do processo, pois “a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor”.

O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestação do princípio do contraditório (Nery Júnior, 2003:122).

Analisando o princípio do contraditório, esclarece Lúcia Antunes Rocha (1997, p. 207):

O contraditório significa que a relação processual forma-se legitimamente, com a convocação do acusado ao processo, a fim de que se estabeleça o elo entre o quanto alegado contra ele e o que ele venha sobre isso ponderar. Somente na dialética processual é que se afirma o Direito, de tal modo que uma assertiva e as contraditas combinam aos elementos donde o julgador extrai, sem vínculo prévio com qualquer das partes, a sua decisão jurídica.

A Emenda Constitucional n.º 45/04 (reforma do Judiciário) assegurou a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

As garantias do contraditório e da ampla defesa para o processo não penal e para acusados em geral, em processos administrativos, já eram extraídas pela doutrina e pela jurisprudência dos textos constitucionais anteriores, tendo a explicitação da Lei Maior em vigor natureza dialética, afeiçoada à boa técnica, sem apresentar conteúdo inovador. A Constituição também resguarda as referidas garantias aos litigantes, em processo administrativo.

Complementando, Couture (1993) apud Tavares (2007, p.669):

As garantias constitucionais do devido processo legal convertem-se, de garantias exclusivas das partes, em garantias da jurisdição cooperatória, em que a garantia da imparcialidade da jurisdição brota da colaboração entre partes e juiz. A participação dos sujeitos no processo não possibilita apenas a cada a qual aumentar as possibilidades de obter uma decisão favorável, mas significa cooperação no exercício da jurisdição. Para cima e para além das intenções egoísticas das partes, a estrutura dialética do processo existe para reverter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material subjacente.

A doutrina e a jurisprudência brasileiras têm empregado o princípio do devido processo legal num sentido eminentemente processual e que, segundo Neri Júnior (2003, p. 27), é um princípio-mãe, que implicaria na observância estrita das regras:

  1. direito à prévia citação para conhecimento do teor da acusação;
  2. direito a um juiz imparcial;
  3. direito ao arrolamento de testemunhas e à elaboração de reperguntas;
  4. direito ao contraditório (contrariar provas inclusive);
  5. direito à defesa técnica;
  6. direito à igualdade entre acusação e defesa;
  7. direito de não ser acusado ou processado com base em provas ilícitas;
  8. privilégio contra a autoincriminação.

1.4 Controle Administrativo

Controle Administrativo, segundo Carvalho Filho (2007:814), é todo aquele que o Legislativo e os órgãos de administração dos demais Poderes exercem sobre suas próprias atividades, visando mantê-las dentro da lei, segundo as necessidades do serviço e as exigências técnicas e econômicas de sua realização, pelo que é um controle de legalidade e de mérito.

Segundo a Súmula 473 do S.T.F., a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que o tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

1.5 Importância do Procedimento Administrativo

A importância do procedimento decorre do fato de ser um meio apto a controlar o “iter” de formação das decisões estatais, o que passou a ser um recurso extremamente necessário a partir da multiplicação e do aprofundamento das ingerências do Poder Público sobre a sociedade.

Nos processos instaurados pelos Tribunais de Contas, questionados sobre sua autonomia unilateral em que a parte prejudicada não tem direito ao contraditório e à ampla defesa, existem alguns questionamentos discutidos pelo S.T.F. sobre o assunto.

Caracteriza-se como a obrigação que tem a Administração Pública de oferecer àqueles a quem representa, explicações quanto aos atos que edita. É por meio da explicação desses motivos que o julgador terá condições, uma vez provocado para tanto, de estabelecer o controle de legalidade em relação aos atos administrativos.

Entre as cláusulas que integram a garantia da ampla defesa encontram-se o direito à defesa técnica, a fim de garantir a paridade de armas (par conditio), evitando o desequilíbrio processual, a desigualdade e injustiça processuais.

Sendo assim, na análise de acórdãos realizados pela interposição de recursos administrativos verifica-se a pormenorização dos quesitos.

Neste sentido constata Aragão (2009, p.1)

A moderna dogmática administrativa é tranquila em afirmar que, mesmo nos espaços de relativa liberdade de apreciação conferidas pelo legislador, a Administração, ao exercê-la, não pode fazê-lo arbitrária, incoerente ou inequanimemente. Portanto, ao exercer os poderes conferidos por lei, a Administração autovincula-se, o que levou à construção da Teoria das Autolimitações Administrativas.

O Supremo Tribunal Federal, tendo em foco a Constituição da República de 1988, ao julgar o MS n.º 2146677, reconhece esta nova moldura constitucional do Tribunal de Contas.

Com a superveniência da nova Constituição, ampliou-se, de modo extremamente significativo, a esfera de competência dos Tribunais de Contas, os quais, distanciados do modelo inicial consagrado na Constituição republicana de 1891, foram investidos de poderes mais amplos, em decorrência de uma consciente opção política feita pelo legislador constituinte, a revelar a inquestionável essencialidade dessa instituição surgida nos albores da república. A atuação dos Tribunais de Contas assume, por isso, importância fundamental no campo do controle externo, que ensejam, agora, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das pessoas estatais e das entidades e órgãos de sua administração direta e indireta (DJU 06/05/1994, Rel. Min. Celso Mello).

Para Dallari (2004, p.26), as atribuições dos Tribunais de Contas, notadamente no que se refere às contas analisadas, deve-se entender por contas de governo, as prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, onde são analisados os demonstrativos contábeis e financeiros do ente federativo, através dos quais são evidenciados a despesa e a receita públicas de um exercício financeiro, com vistas ao desempenho do orçamento público e dos programas e realizações do governo. Sobre estas, o Tribunal de Contas emite parecer prévio opinando pela aprovação, com ou sem ressalvas, ou pela desaprovação das contas apresentadas. E, somente de posse deste parecer prévio, é que então o Poder Legislativo correlato poderá fazer juízo de valor sobre as contas apresentadas.

Contudo, como já dito anteriormente, outros atos são emanados das decisões proferidas pela Corte de Contas, como, v.g., os atos de admissão de pessoal, aposentadorias e pensões, celebração de contratos administrativos, convênios e ajustes congêneres, cujas implicações de ordem pessoal e patrimonial aos respectivos agentes públicos e, mais ainda, aos “terceiros envolvidos” no processo, merecem ser mais bem estudados.

Nessa discussão é que será colocada em pauta o contraditório e a ampla defesa, sanando os vícios que possam ter ocorrido para que o Tribunal de Contas, como órgão auxiliador, dotado de estruturas administrativas, possa aprovar, rejeitar, apreciar, autorizar, registrar etc.

RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIAS DO “DUE PROCESS OF LAW”

O Estado, em que tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude da defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético- jurídica de qualquer medida estatal, que importe em punição disciplinar ou em limitações de direitos, exige, ainda, que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina. (RTJ 183/371-372. Rel. Min. Celso de Mello).

Neste discurso, consta que assiste ao cidadão mesmo em procedimentos de índole administrativa ou de caráter político-administrativo, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante prescreve a Constituição da República em seu artigo 5º, inciso LV.

No pensamento de Castro (2008, p. 215):

Pode-se dizer que, toda vez que o Tribunal de Contas aprecia gestão do orçamento, ele se limita a emitir parecer prévio, hipótese em que o julgamento é da Casa Legislativa propriamente dita, porque o julgamento é político. Por conseguinte, o órgão competente, neste particular, é o Congresso Nacional, ou a Assembleia Legislativa, ou a Câmara Municipal.

O Tribunal de Contas viabiliza todos os recursos para que seu trabalho de fiscalização não penalize a sociedade, visto que ao rejeitar contas do Município, não registrar atos de pessoal, julgar irregulares as licitações e os decorrentes contratos, não acatar os termos de convênios, termos de parceria, contratos de gestão etc., estará viabilizando uma série de transtornos, vistos que todos estes atos têm como fundamento um de seus fundamentos a transparência.

O relator para formar sua convicção, lastreia-se não apenas nos documentos presentes nos autos, como também, sem precisar se justificar, busca por meios próprios, informações adicionais em outras ferramentas de uso comum nas lides fiscalizatórias da Administração Pública, que influenciam no mérito da decisão.

Esse procedimento em lide convencional regida pelo Código do Processo Civil jamais poderia ser adotado, sob pena de nulidade do processo requerida pela parte prejudicada, uma vez que as regras impostas por este código não foram seguidas por este julgador.

A prevalência da verdade material sobre a verdade formal, onde em detrimento da legalidade, o TCE decide por não condenar o responsável, pois se assim o fizesse estaria trazendo problemas, talvez até insanáveis à população, que estaria sendo privada de se beneficiar de um direito constitucional.

Cabe, assim, analisar a questão da insanabilidade das irregularidades verificadas no âmbito do Tribunal de Contas. Uma irregularidade é dita insanável quando não puder ser convalidada. Ou seja, quando se tratar de irregularidade que não envolva apenas de violação a aspectos formais, mas que está contida na essência do próprio ato examinado, impossível de ser corrigida.

Nas palavras de Cândido (1999, p.185), representa uma irregularidade “insuprível e acarreta uma situação de irreversibilidade na administração pública e seus interesses, além de se caracterizar como improbidade administrativa”.

No entendimento de Costa (2006, p. 246):

Tal decisão, para ensejar a anexação desse efeito cominatório, deverá versar sobre a rejeição de contas por existência de irregularidade insanável, assim compreendidas também aquelas irregularidades que não tragam prejuízo ao erário, mas que atentem contra a moralidade, a economicidade, a razoabilidade, a publicidade, ou qualquer outro valor tutelado pelo ordenamento jurídico.

Gomes (2010, p.169) não destoa desse entendimento:

Insanáveis, são as irregularidades graves, decorrentes de condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias ao interesse público; podem causar dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da Administração Pública. Por isso, podem configurar improbidade administrativa ou mesmo delito criminal.

Sobre o assunto complementa Cândido (1999, p.185):

As irregularidades meramente formais não se prestam, a princípio, para serem rotuladas de 'insanáveis', uma vez que geralmente não trazem prejuízo à administração, podem ser corrigidas e não revelam dolo do agente.

Para Meirelles (2011, p.759):

Salvo no tocante ao controle de gestão fiscal e na forma da Lei Complementar 101/2000, a atuação dos Tribunais de Contas deve ser a posteriori, não tendo apoio constitucional qualquer controle prévio sobre seus atos ou contratos da Administração direta ou indireta, nem sobre a conduta de particulares que tenham gestão de bens e valores públicos, salvo as inspeções e auditorias in loco, que podem ser realizadas a qualquer tempo, tendo, ainda, competências para expedir medidas cautelares, quando destinadas a conferir real efetividade às suas deliberações finais.

Nesta questão, verifica-se que as atividades dos Tribunais de Contas do Brasil expressam-se fundamentalmente em funções técnicas opinativas, verificadoras, assessoradoras e jurisdicionais administrativas, desempenhadas simetricamente tanto pelo TCU quanto pelos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios que os tiverem.

Nota-se, no entanto, que há um sem número de julgados na Corte de Contas em que o processo traz todas as informações em conformidade com os requisitos normativos, demonstrando não haver desvio de recursos e sendo eles aplicados da forma prevista pela legislação em benefício da população, ou, também, que os demais atos praticados pelos jurisdicionados o foram de forma correta e, por isso, merecedora do beneplácito da respectiva Corte de Contas.

Ocorre que, por diversas razões, o relator do processo decide, a seu talante, promover diligências e determina a realização de inspeções, ocasionado, como fruto das informações obtidas, a constatação de que as peças que compõem o processo são inidôneas, como notas fiscais frias, extratos bancários falsificados, licitações inexistentes, objeto da aplicação dos recursos não realizado ou realizado com recursos de origem distinta da prevista, admissões por meio de concursos eivados de vícios, além de tantas outras.

Configurada a irregularidade, o Tribunal de Contas deve abrir a oportunidade para que o responsável possa contestar as novas provas levantadas à sua revelia, com vistas a oferecer-lhe o direito de apresentar suas alegações de defesa ou razões de justificativas pelas irregularidades constatadas nos autos.

Verifica-se que, cumpridas as etapas processuais previstas na Lei Orgânica do TCE e no seu Regimento Interno, o responsável, não logrando afastar as novas provas nem justificar a irregularidade e ilegalidade de seus atos, defronta com julgamento que resulta em sua condenação a restituir os valores desviados, quando for o caso, e ao pagamento de multa imposta pela Corte de Contas.


2 – DA FORMA DE NOTIFICAÇÃO DO INTERESSADO NO TCE/SP

Doravante iremos abordar, de forma prática, a questão relacionada ao chamamento inicial dos interessados, ao feito submetido à análise do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, ou seja, daqueles que figuram no polo passivo da ação, se é que assim podem ser chamados, mas que tem estrita relação com os atos emanados pela Administração Municipal, cujos resultados os alcançarão inexoravelmente, e que, quase sempre, deixam de ser notificados para apresentarem suas alegações e razões de defesa, retirando destes o pleno exercício do direito do contraditório e da mais ampla defesa.

2.1 Da Notificação

A Lei Complementar Estadual n.º 709, de 14 de janeiro de 1993, que dispõe sobre a lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em seu artigo 2º, dentre suas competências, prevê o chamamento ao processo de ordenadores de despesas, titulares de mandato, Chefes de Poder, responsáveis por órgãos públicos etc., sem, no entanto, mencionar o “terceiro interessado” no deslinde da matéria, qual seja, o admitido, o contratado, o beneficiário, enfim, a pessoa que, de uma forma ou de outra, poderá vir a ser apenada em sua vida funcional, contratual ou de qualquer outra espécie, na forma a seguir:

XIII assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada a ilegalidade;

XXIX aplicar aos ordenadores de despesa, aos gestores e aos responsáveis por bens e valores públicos as multas e demais sanções previstas nesta lei.

Da leitura atenta que se faz do contido nos artigos 14 e 15 da Lei Orgânica do TCE/SP, percebe-se que a jurisdição é exercida somente àqueles que tenham poder de mando, de direção, ou àqueles que tenham celebrado ajustes de ordem econômica com os poderes públicos de forma geral, na condição de representante legal de empresas, organizações do primeiro e do terceiro setores etc.

O mesmo se pode dizer quando se faz a leitura do contido no Capítulo que trata da tomada de contas, do julgamento das contas, das contas iliquidáveis e dos adiantamentos (artigos 27-50). Estes dispositivos dizem respeito, apenas e tão-somente, de matéria ligada à questão econômico-financeira. Ainda assim, nada trás em relação aos terceiros que possivelmente estejam envolvidos na lide.

O artigo 51 da mencionada lei dispõe: Em todos os processos submetidos ao Tribunal de Contas será assegurada ampla defesa ao responsável ou interessado. E o artigo 53 prevê: Poderão interpor recurso o interessado no processo, a Procuradoria da Fazenda do Estado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.

De acordo com o enunciado anteriormente, a partir daqui é que se começa a vislumbrar a forma de participação do que se pode chamar de “terceiro interessado” na matéria tratada no respectivo processo. Ainda assim, não há uma distinção clara de quem seriam estas figuras processuais. Até porque, em algumas situações, elas se confundem. Mas, quanto a este aspecto, nada será abordado no presente trabalho.

Não obstante, é necessário que se chame a atenção para uma forma de proibição do pleno direito de exercer o constitucional princípio da ampla defesa em processos submetidos ao crivo do TCE/SP, quando não se permite ao “terceiro interessado” o ingresso de Ação de Revisão e Ação de Rescisão de Julgado, nos claros termos contidos nos artigos 74 e 76 da Lei Complementar n.º 709/93. Sobre este aspecto, melhores estudos devem ser produzidos.

2.2 Da Comunicação dos Atos

De acordo com o disposto no artigo 90 da LOTCE/SP, a intimação dos atos e decisões do Tribunal de Contas presume-se perfeita com a publicação no Diário Oficial, salvo as exceções previstas em lei.

Este dispositivo, como se vê, trata da forma geral de como se materializa a intimação de atos e decisões proferidas pela mencionada Corte de Contas. Ainda assim, não explicita a quais indivíduos seriam endereçadas tais comunicações. Não há a indicação expressa a quem se deve notificar.

O artigo 91, por sua vez, informa que a notificação, em processo de tomada de contas, convidando o responsável, sob as penas da lei, a prestar informações, a exibir documentos novos ou a defender-se, bem como a intimação de que foi condenado em alcance ou multa serão feitas: I pessoalmente; II com hora certa; III por via postal ou telegráfica; IV por edital.

Aqui, portanto, devemos entender que tal artigo trata de norma especial sobre a forma de se comunicar os atos produzidos pelo TCE/SP.

Este dispositivo traz em seu bojo a indicação de que a notificação está ligada a um processo de tomada de contas, não fazendo qualquer menção aos processos que tratam, por exemplo, de admissão de pessoal, concessão de aposentadoria ou pensão, análise de contratos, ajustes, convênios e de tantas outras espécies de atos administrativos colocados sob a apreciação do TCE/SP.

Não bastasse isso, o texto indica que a notificação deva ser feita ao responsável para que este possa fazer suas alegações, apresentar documentos, oferecer sua defesa, enfim, exercer o pleno direito da ampla defesa e do contraditório. Nada diz, contudo, em relação ao “terceiro interessado”. A este último, como se vê, nada é oferecido.

A indicação de que o chamamento ao processo também pode ser endereçado ao “terceiro interessado” está subentendido da leitura do disposto no artigo 92, da mencionada lei:

A intimação e a notificação pessoal consistirão na entrega de carta ao responsável, pelo Oficial de Comunicações ou servidor designado, o qual, depois de declarar do que se trata e de convidar o interessado a lançar, querendo, o seu ciente na cópia que lhe será exibida, lavrará certidão circunstanciada do ato, com a indicação do dia, local e hora.

Contudo, como se vê, existe uma confusão entre estes dois termos, uma vez que o texto trata, de um lado, do “responsável” e, de outro, do “interessado”, o que pode indicar se tratar de sinonímia, e não de designação de quem se deve ser chamado ao processo.

E não é só. Os demais artigos que tratam deste assunto, 94 a 99, mencionam, sempre, a notificação do responsável. Nada trata do “terceiro interessado”.

O artigo 100, por seu turno, faculta a possibilidade da notificação de possível interessado, sem discriminar qual seja ele, na forma descrita no capítulo que trata das notificações, quando dispõe:

O Tribunal de Contas poderá ordenar, sempre que conveniente, que outras decisões sejam levadas ao conhecimento dos interessados, mediante intimação ou notificação na forma deste Capítulo.

A Constituição do Estado de São Paulo determina que: "nos procedimentos administrativos, qualquer que seja o objeto, observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o devido processo legal, especialmente quanto à exigência da publicidade, do contraditório, da ampla defesa e do despacho ou decisão motivados" (art. 4º).

E, também, é o que estabelece a Lei Estadual n.º 10.177/98, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, nos artigos 2l e 22:

Artigo 2l – Os atos da Administração serão precedidos do procedimento adequado à sua validade e à proteção dos direitos e interesses dos particulares.

Artigo 22 – Nos procedimentos administrativos observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o devido processo legal, especialmente quanto à exigência de publicidade, do contraditório, da ampla defesa e, quando for o caso, do despacho ou decisão motivados.

§ 1º - Para atendimento dos princípios previstos neste artigo, serão assegurados às partes o direito de emitir manifestação, de oferecer provas e acompanhar sua produção, de obter vista e de recorrer.

§ 2º - Somente poderão ser recusados, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados, quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.

2.3 Do Termo de Ciência e de Notificação

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, quando da análise dos atos que se submetem à sua apreciação, como, v.g., os de admissão de pessoal, por meio de concurso público ou por tempo determinado, contratos administrativos, termos de parceria, contratos de gestão, dentre outros, exige do órgão responsável pelo ato o encaminhamento dos documentos descritos nas Instruções n.º 08/2008 – Consolidadas, com as suas atualizações, quando se tratar, no caso, de assuntos dos municípios, incluindo-se o Termo de Ciência e de Notificação, cujo exemplo está a seguir:

ANEXO 20

ADMISSÃO DE PESSOAL – EFETIVOS

TERMO DE CIÊNCIA E DE NOTIFICAÇÃO

ÓRGÃO OU ENTIDADE:

PROCESSO Nº (DE ORIGEM):

RESPONSÁVEL PELO ATO DE ADMISSÃO:

ADMITIDO(A):

ADVOGADO(S): (*)

Pelo presente TERMO damo-nos por NOTIFICADOS para o acompanhamento dos atos da tramitação do correspondente processo no Tribunal de Contas até seu julgamento final e conseqüente publicação, e se for o caso e de nosso interesse, para, nos prazos e nas formas legais e regimentais, exercer o direito da defesa, interpor recursos e o mais que couber.

Outrossim, estamos CIENTES, doravante, de que todos os despachos e decisões que vierem a ser tomados, relativamente ao aludido processo, serão publicados no Diário Oficial do Estado, Caderno do Poder Legislativo, parte do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, de conformidade com o artigo 90 da Lei Complementar Estadual nº 709, de 14 de janeiro de 1993, iniciando-se, a partir de então, a contagem dos prazos processuais.

LOCAL e DATA:

RESPONSÁVEL PELO ATO DE ADMISSÃO: (nome, cargo e assinatura)

ADMITIDO(A): (nome, cargo e assinatura)

(*) Facultativo. Indicar quando já constituído.

Este Termo de Ciência e de Notificação foi criado com o escopo de atender ao contido na Súmula Vinculante n.º 3, do S.T.F., que determina:

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Então, de acordo com o que consta do mencionado Termo de Ciência e de Notificação, documento de obrigatória apresentação pelas partes que compõem um ato administrativo, no caso, admissão de pessoal por meio da realização de concurso público, o órgão fiscalizado encaminha ao TCESP este termo assinado pelo responsável pela admissão e pelo respectivo admitido, onde estes se declaram previamente notificados para o acompanhamento dos atos da tramitação do correspondente processo no TCESP, como forma de atendimento aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

E mais, declaram-se cientes de que todos os despachos e decisões que vierem a ser tomadas, relativamente ao aludido processo, serão publicados em caderno próprio do Diário Oficial do Estado, de conformidade com o previsto no artigo 90 da LOTCESP, termo inicial da contagem dos respectivos prazos.

Contudo, quando da elaboração de tal documento, na ocasião do seu preenchimento, inexiste qualquer tipo de informação do número e da espécie do processo que irá tramitar no TCESP. Não se sabe ao certo, sequer se o mesmo irá, de fato, ter sequência naquela Corte de Contas. Então, falta-lhe elemento essencial para que cumpra, de fato, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Isso porque, aqueles que assinaram e encaminharam tal documento não tem conhecimento de todas as informações necessárias aos atos que devem tomar, se devem tomar e quando devem tomar. Assinam documento sem qualquer tipo de validade jurídica para dar suporte ao seu direito de defesa.

Então, se não tem conhecimento do número de processo que trata de seu interesse, como o “terceiro interessado”, que também não tem acesso regular ao Diário Oficial, seja ele da União, do Estado ou do município, como poderá opor qualquer tipo de objeção a este processo? Somente se for dotado do dom do vaticínio. E isto, sabemos nós, não é suficiente para cumprir o sagrado mandamento constitucional da livre defesa.

O que dizer, então, dos processos eletrônicos atualmente adotados pelo TCESP, a que o “terceiro interessado” sequer tem acesso? Muito difícil esta situação.

2.4 Como é Feita, na Prática, a Comunicação dos Atos ao “Terceiro Interessado”

De modo geral, a notificação de ato praticado pelo TCE/SP, usando como exemplo o ato de admissão de pessoal, é publicada no Diário Oficial do Estado, Caderno do Poder Legislativo, contendo o nome do órgão, do responsável pelo órgão ou pelo ato, o número do respectivo processo, além do nome do admitido, o que, neste último caso, nem sempre isso ocorre, contendo em seu despacho, também, a atribuição a um terceiro, no caso o órgão que efetuou a admissão, a obrigação de comunicar ao “terceiro interessado” a existência da referida notificação, para as medidas necessárias a serem tomadas.

Como exemplo, traz-se publicação feita no DOE do dia 14.11 2015, Caderno do Poder Legislativo, página 25, reproduzindo despacho feito em processo eletrônico:

Processo: TC-00XXX.989.15 -1.

Órgão: Secretaria de Estado da Saúde - Centro de Atenção Integral à Saúde de Santa Rita do Passa Quatro.

Assunto: Admissão de Pessoal.

Admitidos: Derson Barquete Albarello; Edvaldo Fadel; Celso Fialho; Nair Meller Dalsin.

Responsáveis: Adriana Lilian Caliman Vanzella e Fernanda Maria Pontes Barioni.

Exercício: 2012.

À vista das manifestações da Equipe de Fiscalização (eventos 10.5 e 10.7) e da Procuradoria da Fazenda do Estado (evento 13.1), ouça-se os responsáveis, bem como os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 2º, inciso XIII, da Lei Complementar Estadual nº 709/93.

Fica a Origem incumbida de informar, de imediato, os servidores a respeito da presente publicação no DOE, conforme Termo de Ciência e de Notificação assinado pelas partes envolvidas.

Autorizo, desde já, vista e extração de cópia dos autos.

Publique-se.

Então, no caso, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo delegou à Secretaria de Estado da Saúde a obrigação de notificar os admitidos, com base nos Termos de Ciência e Notificação juntados em processo eletrônico, que os “terceiros interessados” não tinham ciência de sua existência.

E qual a garantia de que a Secretaria irá se desincumbir de uma obrigação que, processualmente, não lhe cabe?

E, mais ainda, não se pode afirmar que os “terceiros interessados” serão regularmente notificados, uma vez que, no caso, foi determinado que a municipalidade mencionada cientifique todos os admitidos sobre a existência de tal publicação. E, ainda que o órgão afirme que tenha feito a comunicação de todos os envolvidos, não é possível saber ao certo quando estes foram notificados, se tiveram ou não tempo hábil para apresentar defesa e, mais ainda, se esta foi feita expondo todas as informações do processo administrativo necessárias para que os servidores apresentem suas defesas. Enfim, não haverá elementos necessários e indispensáveis para se afirmar que lhes foi garantido o contraditório e a ampla defesa.

E, apenas para colocar mais elementos dificultosos neste estudo, se as admissões tivessem sido feitas por tempo determinado, e os admitidos já tivessem sido dispensados das funções, tomando cada um o seu rumo, sem que a Secretaria pudesse, de fato, cumprir esta obrigação que lhe imputou a Corte de Contas, como conseguir notificá-los? Parece-nos que tal medida seria de difícil solução, ou, até mesmo, impossível.

E isso ocorre a mancheias.

2.5 Da Ilegalidade da Notificação Inicial Feita por Meio do DOE ou de Outra Forma que Restrinja o Direito ao Pleno Exercício dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa

Porque, em muitos casos, os princípios do contraditório e da ampla defesa não lhes são ofertados, o “terceiro interessado”, quando em vez, se vê obrigado a se socorrer ao Poder Judiciário, como forma de tentar reverter decisão que lhe impôs severa pena, sem que pudesse, no seu tempo, ofertar suas razões de defesa, suas contraditas, documentos e tudo o mais que fosse necessário para que o processo pudesse ter o desfecho mais justo possível. Até porque, esta é a essência do processo administrativo.

E o fazem isso porque, no dizer de Montesquieu (O Espírito das Leis, Livro Décimo Primeiro, Capítulo IV), “é necessário que, pela disposição das coisas, o poder detenha o poder”.

Quanto a esta questão, nossos Tribunais tem decidido, mais do que acertadamente, pela anulação dos processos, pela inobservância total dos princípios do contraditório e da ampla defesa, como se pode ver a seguir.

EMENTA – SERVIDORES MUNICIPAIS DEMITIDOS – Decisão do Tribunal de Contas do Estado – Irregularidade nas admissões de escriturários e secretária da Junta Militar aprovados no Concurso Público n. 0l/2006 – Nulidade de processo administrativo instaurado – Procedimento que desrespeitou os princípios do contraditório e da ampla defesa – Artigo 5º, LV, da CF – Aplicação da Súmula Vinculante nº 3 do STF – Precedentes – Segurança concedida – Recursos não providos.

[...]

Consta da petição inicial que os impetrantes foram demitidos pelo Município de Bofete em virtude de decisão proferida pelo Tribunal de Contas do Estado no processo administrativo n° 1161/009/07, que julgou irregulares as admissões efetuadas pela Municipalidade por meio do concurso público n° 01/2006, para os cargos de escriturário e secretária da Junta Militar. Alegam que houve cerceamento de defesa, em razão da falta de notificação pessoal dos ora impetrantes, em afronta ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Pretendem a concessão da segurança para anular o processo acima referido.

O Tribunal de Contas do Estado tem por objetivo instaurar processos de controle e revisão dos atos administrativos, anulando os eivados de vícios, mas sempre respeitando o direito adquirido, como apregoa a Súmula n° 473 do STF.

É inconteste, ademais, que o processo administrativo para ser considerado válido e regular deve seguir o princípio constitucional da legalidade e do devido processo legal, assegurando aos interessados o contraditório e a ampla defesa, conforme preceitua o art. 5°, LV, da CF, o art. 4° da CE, o art. 51 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, bem como os artigos 21 e 22 da LE 10.177/98, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual.

Os impetrantes tinham que tomar ciência do procedimento administrativo instaurado no TC, que discutia justamente a regularidade de suas admissões.

A ausência de notificação, portanto, afrontou os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ferindo direito líquido e certo dos apelados, principais interessados.

Inaplicável, no caso, o art. 90 da LC 709/93, devendo ser utilizada, por analogia, a forma determinada pelo seu artigo 91, inciso I, que estabelece:

"A notificação em processo de tomada de contas, convidando o responsável, sob as penas da lei, a prestar informações, a exibir documentos novos ou a defender-se, bem como a intimação de que foi condenado em alcance ou multa serão feitas:

I – pessoalmente;

(II - III e IV -......)"

Ocorre que, contudo, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo limitou-se a notificar o Município e determinou que este cientificasse os servidores para apresentarem defesa por meio de publicação no Diário Oficial do Estado, com violação, assim, do disposto pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que assegura a todos o direito ao contraditório e à ampla defesa nos processos judiciais e administrativos.

Isso porque o referido procedimento administrativo tem nítida natureza de processo impositivo de sanção, devendo ser preservado aos interessados sua ciência e possibilidade do exercício de defesa, o que, por si só, torna a notificação pessoal providência inafastável para a garantia de sua regularidade, uma vez que é por meio desse ato que o interessado toma conhecimento da existência do processo e pode exercer o contraditório.

Este entendimento, outrossim, foi definitivamente consagrado pela edição da Súmula Vinculante n° 3: "Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão", cabendo lembrar que, por força do contido no art. 75 da Constituição Federal, as normas referentes ao Tribunal de Contas da União aplicam-se também aos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais.

Assim, exigível era a notificação dos impetrantes da instauração do processo administrativo no Tribunal de Contas do Estado, para que pudessem exercer o contraditório e a ampla defesa. A respeito, já se manifestou o ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em casos análogos:

"Mandado de segurança – Anulação de licitação e dos atos conseqüentes pelo Tribunal de Contas do Estado, sem que a empresa vencedora e contratante tivessem ciência do procedimento administrativo de controle instaurado naquela Corte – Violação de direito líquido e certo das impetrantes, caracterizado na medida em que parte interessada, alcançada diretamente pela decisão que lhe foi prejudicial não teve oportunidade de exercitar o contraditório e a ampla defesa, assegurados pela CF também no processo administrativo – Precedentes deste Órgão Especial, do Supremo Tribunal Federal e Súmula Vinculante n° 3 – Inaplicabilidade, no caso, do art. 90 da Lei Complementar Estadual nº 709/93 – Segurança concedida." (Mandado de Segurança 1496760100, Walter de Almeida Guilherme, Órgão Especial, j . 23/01/2008).

"MANDADO DE SEGURANÇA – Licitação – Contrato julgado irregular pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – Ausência de notificação da instauração do processo – Violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa – Prazo para impetração que se conta do efetivo conhecimento do ato pelo interessado – Preliminar rejeitada – Ordem concedida." (Mandado de Segurança 1301900000, Roberto Vallim Bellocchi, Órgão Especial).

“MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSO ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO E CONTRATO JULGADOS IRREGULARES PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DA INSTAURAÇÃO DO PROCESSO – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – PRESENTE O INTERESSE DE AGIR – PRELIMINAR REJEITADA – ORDEM CONCEDIDA." (Mandado de Segurança 1503950100, Renato Nalini, Órgão Especial, j. 13/02/2008).

Consoante já decidiu, também, este E. Tribunal em casos análogos, em outras Câmaras:

"MANDADO DE SEGURANÇA – Processo Administrativo – Tribunal de Contas do Estado – Acórdão do TCE julgando irregular licitação e contrato firmado entre a Municipalidade de Pitangueiras e a recorrente – Ausência de intimação desta sobre a instauração do referido processo – Nulidade – Violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório – Apelo provido – Em respeito ao princípio da ampla defesa e contraditório imprescindível a intimação de todos aqueles cujos interesses possam ser atingidos por atos e decisões proferidos em processos administrativos instaurados por todos os Tribunais de Contas, inclusive aqueles existentes na órbita do Estado." (Ac 742.588.5/1-00, Rel. Des. Luis Ganzerla, 11ª Câmara de Direito Público, j. 9/6/08).

"Embargos à Execução Fiscal – Multa aplicada a ex-Prefeito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em razão de contas de fundação julgadas irregulares – Falta de notificação pessoal do ex-Prefeito – Violação do 'due process of law', não sendo válida mera intimação pela imprensa – Desrespeito ao direito de ampla defesa – Embargos julgados procedentes. Dá-se provimento ao recurso." (AC 344.796.5/9-00, Rel. Des. Cristine Santini, 2ª Câmara de Direito Público, j. 5.8.08).

"Contrato administrativo – Administração, operação e exploração de terminal rodoviário – Irregularidade julgada pelo Tribunal de Contas – Falta de notificação da empresa vencedora para participar do processo administrativo – Inobservância do disposto pelo artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal – Não é válida a intimação genérica pelo Diário Oficial a fim de atingir parte interessada no julgamento – Súmula Vinculante nº 03 – Sentença mantida – Recursos improvidos." (AC 7104885600, Rel. Des. Leme de Campos, 6ª Câmara de Direito Público, j. 16/02/2009).

“DECLARATÓRIA – Nulidade de processo administrativo instaurado pelo TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – Procedimento que desrespeitou os princípios do contraditório e da ampla defesa – Aplicação da Súmula Vinculante nº 3 do STF  - Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO" (AC 902.689.5/8, Rel. Des. José Habice, 6ª Câmara de Direito Público, j. 14/12/09).

Assim, verificada a ilegalidade do procedimento que não garantiu a ampla defesa aos impetrantes, nulo é o processo administrativo nº 1161/009/07 do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Fica mantida, portanto, a r. decisão recorrida, por seus judiciosos fundamentos.

Destarte, pelo meu voto, nego provimento aos recursos.

(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Apelação n.º 0022576-13.2009.8.26.0053 – 6ª Câmara de Direito Público – Rel. Desembargador Reinaldo Miluzzi, j. 6.6.2011).

O Supremo Tribunal Federal, calcado nas garantias constitucionais do contraditório e do devido processo legal, de há muito, assentou premissa de que a anulação dos atos administrativos, cuja formalização haja repercutido no âmbito dos interesses individuais, deve ser precedida de ampla defesa, consoante se infere de inúmeros julgados, dentre os quais, destacamos:

“RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’.

O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.” (AI 241.201-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma, DJ de 20/09/2002)

E, mais uma vez, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através da 5ª Câmara de Direito Público, em julgamento da Apelação n.º 0131220-84.2008.8.26.0053, em 5.3.2012, assim decidiu:

AÇÃO ANULATÓRIA Processo de tomada de contas de ex-dirigente de empresa municipal de transporte coletivo – Notificação pessoal inicial que incumbiu o interessado do acompanhamento de todos os atos posteriores do procedimento administrativo – Impossibilidade – Inteligência dos artigos 90 e 91 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (LC 709/1993) – Impossibilidade de restrição infralegal de direito constitucionalmente assegurado – Apelação provida.

Ação anulatória ajuizada por José Jacinto de Oliveira contra a Fazenda Paulista, pleiteando a anulação das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo nos autos do Processo TC nº 3206/026/05, para tomada de contas da Empresa de Transporte Coletivo de Diadema (ETCD), relativas ao exercício de 2005.

Insurgência autoral que tem seu lastro na ofensa ao devido processo legal, em razão do descumprimento das normas estabelecidas na Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº 709/1993), em especial, a notificação/intimação pessoal prescrita no artigo 91 desta Lei, a despeito do disposto no Ofício nº 83/2006-GDF, remetido ao autor (fls 32).

Discute-se, enfim, a validade de uma notificação pessoal inicial que supra a necessidade intimações pessoais futuras, bastando para tanto a publicação dos atos e decisões em diário oficial como preconiza o Estado de São Paulo. Contudo, semelhante entendimento não deve vigorar, pois restritivo de direitos, e desconforme com os preceitos constitucionais e legais.

De início, é necessário trazer à colação os ensinamentos de Pedro Roberto Decomain, segundo o qual sempre que no exercício de suas funções os Tribunais ou Conselhos de Contas vislumbrarem a possibilidade de que alguém possa tê-las rejeitadas, ou possa vir a ser passível da determinação de que restitua recursos ao Erário público, podendo também vir a sofrer penalidade administrativa, consoante lhes permite aplicá-las o inciso VIII, do art. 71, da CRFB/88, devem primeiramente facultar a manifestação do responsável pelos atos que estejam submetidos à apreciação do Tribunal ou Conselho, para que referido interessado possa, querendo, defender-se. Apenas depois de facultada a sua manifestação é que cumpre proferir o Tribunal ou Conselho o seu parecer prévio ou sua decisão acerca do assunto. A não se proceder desse modo, poderá a decisão tornar-se passível de anulação por defeito formal, em decorrência de cerceamento do direito de defesa, assegurado constitucionalmente a todo aquele que esteja diante da possibilidade de sofrer sanção, inclusive administrativa, como decorrência direta e imediata do procedimento em que se acha envolvido (Tribunais de Contas no Brasil, página 145, Dialética, 2006).

Analisando a Lei Orgânica do Tribunal de Contas, sobressalta aos olhos, para o deslinde da causa, as normas inseridas nos artigos 90 e 91:

Artigo 90 – A intimação dos atos e decisões do Tribunal de Contas presume-se perfeita com a publicação no Diário Oficial, salvo as exceções previstas em lei;

Artigo 91 - A notificação, em processo de tomada de contas, convidando o responsável, sob as penas da lei, a prestar informações, a exibir documentos novos ou a defender-se, bem como a intimação de que foi condenado em alcance ou multa serão feitas:

I – pessoalmente;

II – com hora certa;

III – por via postal ou telegráfica;

IV – por edital

A exegese dos artigos permite concluir que o artigo 91 contém norma especial, e nestas ocasiões determina a intimação pessoal. Não há possibilidade de mitigação deste comando por decisão do Administrador, considerando-se não escrita qualquer tentativa de se desvencilhar do dever que a lei impõe.

Ora, a considerar de outro modo, estaríamos permitindo a inversão dos ônus e deveres das partes no processo administrativo de tomada de contas, em prejuízo do requerido. Ou seja, impõe-se a ele um dever que o legislador não impôs. A praticidade da citação por edital deve ceder lugar à legalidade da intimação pessoal imposta pela lei.

Ademais, esta Corte não tem admitido flexibilizações formais em ofensa ao artigo 91 da Lei Complementar nº 709/93.

AÇÃO ANULATÓRIA – Decisão proferida pelo TCE/SP, que julgou irregular a licitação e o contrato administrativo formalizados pelo Prefeito Municipal – Alegada violação ao princípio da ampla defesa e do contraditório – Cabimento – Ausência de notificação pessoal do Alcaide, na forma do art. 91 da Lei Complementar nº 709/93 – Não é válida a intimação genérica pelo Diário Oficial a fim de atingir parte interessada no julgamento – Inobservância do disposto no artigo 5º, LV, da CF – Precedentes – Súmula Vinculante nº 3 do STF – Ação julgada improcedente na 1ª Instância – Sentença reformada – Recurso provido (Apelação Cível nº 0039467-12.2009.8.26.0053, 6ª Câmara de Direito Público, relator Desembargador Leme de Campos, j. 23/05/2011).

Assim, não tem valor a advertência inicial em processo administrativo de tomada de contas que subverte e mitiga o direito ao exercício da ampla defesa.

Por meu voto, dou provimento à apelação.


3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se vê, não se prestigia o cumprimento dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório a todos os que, de uma forma ou de outra, possam ser atingidos pela decisão que for proferida pela Corte de Contas, como costuma acontecer, por exemplo, aos admitidos em concurso público, aos aposentados, aos contratantes e todos os que possuem real interesse no deslinde das respectivas questões.

Estes, a mais das vezes, são simplesmente alijados do processo, sem qualquer tipo de oportunidade de defesa, quando, então, são surpreendidos com demissão, revogação de atos de aposentadoria ou pensão, rescisão contratual, pagamento de multas, restituição de dinheiros aos cofres públicos, sem que, ao menos, fosse lhes oferecido o seu sagrado direito de defesa.

E, depois de sofrerem surpresas deste jaez, sequer podem opor ação revisional ou rescisória, pelo simples fato de que, aos “terceiros interessados”, isto não lhes é permitido, ao menos pela Lei Orgânica do Tribunal de Contas.

Injustiça maior, impossível!


REFERÊNCIAS

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Informações sobre o texto

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado pelo Pós Graduando Aires Galhego Garcia ao Centro Universitário Toledo como requisito parcial de Conclusão de Curso de Pós Graduação em Direito Administrativo e Gestão Pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Aires Galhego. Da notificação de terceiros interessados nos processos que tramitam no TCE/SP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5134, 22 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59215. Acesso em: 6 maio 2024.