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Da notificação de terceiros interessados nos processos que tramitam no TCE/SP

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22/07/2017 às 12:47
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O Tribunal de Contas exerce suas competências por meio da instauração de processos administrativos, nos quais se deve assegurar, não só ao agente controlado, mas, também, ao terceiro interessado na lide, o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Tem fé no direito, como melhor instrumento para a convivência humana; na justiça, como destino normal do direito; na paz, como substitutivo bondoso da justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não há direito que sobreviva, muito menos justiça e nunca haverá paz.

Eduardo J. Couture

 1. INTRODUÇÃO

Dotado de autonomia administrativa e financeira, quadro próprio de pessoal e de competências constitucionalmente outorgadas, o Tribunal de Contas relaciona-se com os demais Poderes republicanos e com o Ministério Público em pé de igualdade, ou seja, sem qualquer subordinação.

O Tribunal de Contas é órgão essencial ao desenvolvimento do processo de consolidação da democracia em nosso País por ser responsável, dentre outras coisas, pela garantia de zelo à res publica.

E, para que não ocorram distorções ou nulidades, é garantido por lei um processo transparente onde as partes podem questionar pontos divergentes.

Sendo assim, a Constituição garante os princípios do contraditório e da ampla defesa para que se possa ter confiabilidade e segurança jurídica nas decisões do Tribunal de Contas.

O objetivo desse trabalho é analisar se realmente ocorre esse processo democrático e como o mesmo ocorre.

Será realizada uma pesquisa bibliográfica realizada em doutrinas, jurisprudências, revistas especializadas em Direito e endereços eletrônicos na rede mundial de computadores.

1. 1 O Processo no Tribunal de Contas

A doutrina administrativa e a jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal e das Cortes de Contas convergem para o entendimento de que a responsabilidade do gestor público é de natureza subjetiva e que os processos submetidos ao Tribunal de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, onde houver, quando apreciam os atos do gestor público, tratam de direitos indisponíveis.

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e o princípio da indisponibilidade do interesse público derivam dos princípios da oficialidade, do princípio da verdade material e do princípio do formalismo moderado, que reagem e norteiam os atos processuais praticados pela Corte de Contas.

Por se tratar de direitos indisponíveis e, em decorrência do princípio da oficialidade, cabe ao Tribunal de Contas, por meio de seus Ministros, no TCU, ou aos Conselheiros, nos demais Tribunais de Contas, agir de ofício, não permitindo, com isso, a paralisação do processo pela inércia das partes, devendo, para tanto, promover todos os atos necessários ao seu normal prosseguimento, até a decisão final.

Diferentemente das relações processuais no âmbito do direito civil e do direito penal, acolhidas pelo Poder Judiciário, constituídas por três pilares: autor, réu e juiz, os processos de contas e de fiscalização submetidos aos Tribunais de Contas constituem-se de responsáveis e o julgador.

Nos dizeres de Fernandes (2003), o Tribunal de Contas como “órgão especial de destaque constitucional” pela sua disciplina constitucional, que lhe confere caráter “sui generis, posto de permeio entre os poderes políticos da Nação, o Legislativo e o Executivo, sem sujeição, porém, a qualquer deles”, sendo a missão confiada pela Constituição é a de fazer observar a legalidade, legitimidade e economicidade dos atos praticados pelos agentes públicos ou que lidam com recursos públicos.

 A faculdade que os Tribunais de Contas de poder agir de ofício, instaurando o processo de contas ou de fiscalização, produzindo as provas necessárias ao deslinde da questão, imputando responsabilidades e promovendo o julgamento daqueles considerados responsáveis, poderia induzir à tese de que o processo na Corte de Contas configura-se como processo inquisitivo, condenado e afastado pelo princípio da ação.

O processo inquisitivo caracteriza-se, também, por ser secreto, não contraditório, por ignorar as regras de igualdade ou da liberdade processuais e por não oferecer garantia alguma ao réu, sequer de apresentar sua defesa.

A faculdade da Corte de Contas de poder agir por livre iniciativa não exclui a possibilidade de ela ser provocada por terceiros para que atue em causas em que existam indícios de ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, bem como o julgamento de contratos administrativos, sob todas as formas, além da apreciação de atos de admissão de pessoal, aposentadorias, pensões, ou de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado dano ao erário, ou mesmo de ameaça a direito subjetivo daqueles cujos atos de gestão acarretaram a abertura do processo.

A relação processual praticada nos Tribunais de Contas, restrita apenas ao responsável e ao julgador, traz à Corte de Contas uma autonomia processual não prevista no Código do Processo Civil ou do Processo Penal. Pode o Tribunal de Contas agir de ofício, sem qualquer provocação de terceiros, e exigir que responsáveis por dinheiros públicos se justifiquem por atos de gestão lesivos ao erário.

O S.T.F. editou a Súmula 347, que assim versa: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade de leis e atos do poder público”.

E se ao Tribunal de Contas compete o exercício do controle de constitucionalidade, mais razão ainda lhe assiste a prerrogativa do controle de legalidade, expressamente disposta no artigo 71, incisos III, VIII, IX e X, da Constituição Federal, que tratam, respectivamente, da apreciação de legalidade dos atos de admissão e inatividade de pessoal, para fins de registro, da aplicação de sanções aos responsáveis pela ilegalidade de despesa, da fixação de prazo para que o órgão ou a entidade adote providências para o exato cumprimento da lei, e, finalmente, da sustação da execução de ato impugnado.

O Tribunal de Contas, quando da tomada de contas de responsáveis por dinheiros públicos, pratica ato insuscetível de impugnação na via judicial, a não ser quanto ao seu aspecto formal e, por ilegalidade manifesta, já decidiu várias vezes o Supremo Tribunal Federal.

Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles (2011, p.73) “como as deliberações e decisões dos órgãos colegiados estão sempre formalmente vinculadas a um procedimento legal para sua emissão e validade, o desrespeito a esse procedimento, tal seja sua relevância, pode conduzir à nulidade do ato inicial”.

Com esses dizeres, constata-se que as leis administrativas são normalmente de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos.

A natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Esses poderes conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa.

Sendo assim, a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo e, segundo o artigo 37 da Constituição Federal, a administração legítima só é aquela que se reveste de legalidade e probidade administrativa, no sentido de que tanto atende às exigências da lei como se confirma com os preceitos da instituição pública.

O pressuposto é de que o Tribunal de Contas têm um importante papel frente à democracia ao desempenhar a função jurisdicional de, dentre outros, julgar as contas, nos termos do artigo 71, inciso II, da Constituição da República. Esta interpretação atribui à norma constitucional máxima eficácia, por conferir à Instituição um reforço de legitimidade no exercício do controle externo das contas públicas, e nos demais atos administrativos postos a sua apreciação.

1.2 Recursos Administrativos

Os recursos administrativos são todos os meios que podem se utilizar os administradores para provocar o reexame do ato pela Administração Pública, sendo de efeito suspensivo ou devolutivo.

No efeito devolutivo, a matéria é devolvida à autoridade competente para reanálise.

Segundo Hely Lopes Meirelles (2003, p. 646), o recurso administrativo com efeito suspensivo produz de imediato duas consequências fundamentais: o impedimento da fluência do prazo prescricional e a impossibilidade jurídica de utilização das vias judiciárias para ataque ao ato pendente de decisão administrativa.

Os recursos administrativos, nos dizeres de Di Pietro (2006), têm duplo fundamento constitucional: artigos 5º, incisos XXXIV e LX, sendo que este último assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a elas inerentes.

José Afonso da Silva (2005, p. 442) discursa que:

A Constituição não prevê a falta de sanção à falta de resposta e pronunciamento da autoridade, mas parece-nos certo que ela pode ser constrangida a isso por via do mandado de segurança, quer quando se nega expressamente a pronunciar-se quer quando se omite: para tanto, é preciso que fique bem claro que o peticionário esteja utilizando efetivamente do direito de petição, o que se caracteriza com maior certeza se for invocado o artigo 5º, XXXIV, a. Cabe, contudo, o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, quando a petição visar corrigir abuso conforme disposto na Lei nº 4.898/65.

Para que se possa assegurar os direitos e garantias fundamentais do homem, um procedimento eficaz é a representação, denúncia de irregularidades feita perante a própria administração.

A Lei nº 4.898/65 define em seus artigos 3º e 4º que a representação é legal contra o abuso de autoridade.

A representação é dirigida à autoridade superior que tiver competência para aplicar ao culpado a respectiva sanção, bem como ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada.

O artigo 35 da Constituição Federal prevê um caso específico de representação contra o Tribunal de Contas.

O artigo 74, § 2º, da Constituição Federal, estabelece que “qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”, estendendo-se para a representação nos Estados à Assembleia Legislativa.

O artigo 97, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, por sua vez, prevê a representação dirigida ao Ministério Público, incluindo entre suas funções de:

III – receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa ou entidade representativa de classe, por desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal e nesta Constituição, as quais serão encaminhadas a quem de direito, e responsabilidade no prazo improrrogável de trinta dias.

Apesar do caráter administrativo, os processos apreciados pelo Tribunal de Contas são análogos aos do Poder Judiciário.

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Em processos de julgamento das contas dos administradores públicos, de apreciação de atos sujeitos ao registro e de fiscalização de atos e contratos, o TCE deve assegurar aos responsáveis e aos terceiros interessados o exercício do direito do contraditório e da ampla defesa, conforme preceituam as constituições Federal e Estadual, a Lei Orgânica e o Regimento Interno desta Corte.

Como versa o artigo 74, § 1º, da Constituição Federal:

§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, relativos a aspectos pertinentes à fiscalização contábil, financeira e orçamentária, darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

Mediante as análises realizadas, verifica-se que mesmo que sejam constatadas irregularidades e ilegalidades, a Constituição Federal dá o direito para que haja o instituto do contraditório e da ampla defesa.

1.3 Devido Processo Legal

Para Alexandre Santos de Aragão (2009), a Teoria das Autolimitações Administrativas veda a Administração Pública, de uma forma geral, a adoção de entendimentos contraditórios ou desconformes aos precedentes anteriormente estatuídos, na presença dos mesmos elementos fáticos.

Neste sentido, evidente se torna que a Administração Pública, ainda que exercendo seus poderes de autotutela, não tem o direito de impor a seus administrados gravames e sanções que atinjam, direta ou indiretamente, seu patrimônio sem ouvi-los adequadamente, preservando-lhes direito de defesa.

Para completar o assunto, Canotilho (1999, p.74):

Garante a segurança e a liberdade. (...) Derivou-se de um princípio geral da insegurança jurídica cujo conteúdo é aproximadamente este: as pessoas – os indivíduos e as pessoas colectivas – tem o direito de poder confiar que os seus actos ou as decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas ou em actos jurídicos editados pelas autoridades com base nessas normas (...) Aos próprios actos da Administração é reconhecida uma determinada força (a força de caso decidido).

A Constituição Federal de 1988 incorporou o princípio do devido processo legal, que remonta à Magna Charta Libertatum de 1215, de vital importância no direito anglo-saxão.

Atualmente, o artigo XI, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, garante que:

Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume–se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

Segundo André Ramos Tavares (2007, p.667), por “ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecera verdade ou mesmo omitir-se ou calar-se”, se necessário, enquanto o “contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa”, impondo a condução dialética do processo, pois “a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor”.

O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestação do princípio do contraditório (Nery Júnior, 2003:122).

Analisando o princípio do contraditório, esclarece Lúcia Antunes Rocha (1997, p. 207):

O contraditório significa que a relação processual forma-se legitimamente, com a convocação do acusado ao processo, a fim de que se estabeleça o elo entre o quanto alegado contra ele e o que ele venha sobre isso ponderar. Somente na dialética processual é que se afirma o Direito, de tal modo que uma assertiva e as contraditas combinam aos elementos donde o julgador extrai, sem vínculo prévio com qualquer das partes, a sua decisão jurídica.

A Emenda Constitucional n.º 45/04 (reforma do Judiciário) assegurou a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

As garantias do contraditório e da ampla defesa para o processo não penal e para acusados em geral, em processos administrativos, já eram extraídas pela doutrina e pela jurisprudência dos textos constitucionais anteriores, tendo a explicitação da Lei Maior em vigor natureza dialética, afeiçoada à boa técnica, sem apresentar conteúdo inovador. A Constituição também resguarda as referidas garantias aos litigantes, em processo administrativo.

Complementando, Couture (1993) apud Tavares (2007, p.669):

As garantias constitucionais do devido processo legal convertem-se, de garantias exclusivas das partes, em garantias da jurisdição cooperatória, em que a garantia da imparcialidade da jurisdição brota da colaboração entre partes e juiz. A participação dos sujeitos no processo não possibilita apenas a cada a qual aumentar as possibilidades de obter uma decisão favorável, mas significa cooperação no exercício da jurisdição. Para cima e para além das intenções egoísticas das partes, a estrutura dialética do processo existe para reverter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material subjacente.

A doutrina e a jurisprudência brasileiras têm empregado o princípio do devido processo legal num sentido eminentemente processual e que, segundo Neri Júnior (2003, p. 27), é um princípio-mãe, que implicaria na observância estrita das regras:

  1. direito à prévia citação para conhecimento do teor da acusação;
  2. direito a um juiz imparcial;
  3. direito ao arrolamento de testemunhas e à elaboração de reperguntas;
  4. direito ao contraditório (contrariar provas inclusive);
  5. direito à defesa técnica;
  6. direito à igualdade entre acusação e defesa;
  7. direito de não ser acusado ou processado com base em provas ilícitas;
  8. privilégio contra a autoincriminação.

1.4 Controle Administrativo

Controle Administrativo, segundo Carvalho Filho (2007:814), é todo aquele que o Legislativo e os órgãos de administração dos demais Poderes exercem sobre suas próprias atividades, visando mantê-las dentro da lei, segundo as necessidades do serviço e as exigências técnicas e econômicas de sua realização, pelo que é um controle de legalidade e de mérito.

Segundo a Súmula 473 do S.T.F., a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que o tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

1.5 Importância do Procedimento Administrativo

A importância do procedimento decorre do fato de ser um meio apto a controlar o “iter” de formação das decisões estatais, o que passou a ser um recurso extremamente necessário a partir da multiplicação e do aprofundamento das ingerências do Poder Público sobre a sociedade.

Nos processos instaurados pelos Tribunais de Contas, questionados sobre sua autonomia unilateral em que a parte prejudicada não tem direito ao contraditório e à ampla defesa, existem alguns questionamentos discutidos pelo S.T.F. sobre o assunto.

Caracteriza-se como a obrigação que tem a Administração Pública de oferecer àqueles a quem representa, explicações quanto aos atos que edita. É por meio da explicação desses motivos que o julgador terá condições, uma vez provocado para tanto, de estabelecer o controle de legalidade em relação aos atos administrativos.

Entre as cláusulas que integram a garantia da ampla defesa encontram-se o direito à defesa técnica, a fim de garantir a paridade de armas (par conditio), evitando o desequilíbrio processual, a desigualdade e injustiça processuais.

Sendo assim, na análise de acórdãos realizados pela interposição de recursos administrativos verifica-se a pormenorização dos quesitos.

Neste sentido constata Aragão (2009, p.1)

A moderna dogmática administrativa é tranquila em afirmar que, mesmo nos espaços de relativa liberdade de apreciação conferidas pelo legislador, a Administração, ao exercê-la, não pode fazê-lo arbitrária, incoerente ou inequanimemente. Portanto, ao exercer os poderes conferidos por lei, a Administração autovincula-se, o que levou à construção da Teoria das Autolimitações Administrativas.

O Supremo Tribunal Federal, tendo em foco a Constituição da República de 1988, ao julgar o MS n.º 2146677, reconhece esta nova moldura constitucional do Tribunal de Contas.

Com a superveniência da nova Constituição, ampliou-se, de modo extremamente significativo, a esfera de competência dos Tribunais de Contas, os quais, distanciados do modelo inicial consagrado na Constituição republicana de 1891, foram investidos de poderes mais amplos, em decorrência de uma consciente opção política feita pelo legislador constituinte, a revelar a inquestionável essencialidade dessa instituição surgida nos albores da república. A atuação dos Tribunais de Contas assume, por isso, importância fundamental no campo do controle externo, que ensejam, agora, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das pessoas estatais e das entidades e órgãos de sua administração direta e indireta (DJU 06/05/1994, Rel. Min. Celso Mello).

Para Dallari (2004, p.26), as atribuições dos Tribunais de Contas, notadamente no que se refere às contas analisadas, deve-se entender por contas de governo, as prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, onde são analisados os demonstrativos contábeis e financeiros do ente federativo, através dos quais são evidenciados a despesa e a receita públicas de um exercício financeiro, com vistas ao desempenho do orçamento público e dos programas e realizações do governo. Sobre estas, o Tribunal de Contas emite parecer prévio opinando pela aprovação, com ou sem ressalvas, ou pela desaprovação das contas apresentadas. E, somente de posse deste parecer prévio, é que então o Poder Legislativo correlato poderá fazer juízo de valor sobre as contas apresentadas.

Contudo, como já dito anteriormente, outros atos são emanados das decisões proferidas pela Corte de Contas, como, v.g., os atos de admissão de pessoal, aposentadorias e pensões, celebração de contratos administrativos, convênios e ajustes congêneres, cujas implicações de ordem pessoal e patrimonial aos respectivos agentes públicos e, mais ainda, aos “terceiros envolvidos” no processo, merecem ser mais bem estudados.

Nessa discussão é que será colocada em pauta o contraditório e a ampla defesa, sanando os vícios que possam ter ocorrido para que o Tribunal de Contas, como órgão auxiliador, dotado de estruturas administrativas, possa aprovar, rejeitar, apreciar, autorizar, registrar etc.

RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIAS DO “DUE PROCESS OF LAW”

O Estado, em que tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude da defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético- jurídica de qualquer medida estatal, que importe em punição disciplinar ou em limitações de direitos, exige, ainda, que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina. (RTJ 183/371-372. Rel. Min. Celso de Mello).

Neste discurso, consta que assiste ao cidadão mesmo em procedimentos de índole administrativa ou de caráter político-administrativo, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consoante prescreve a Constituição da República em seu artigo 5º, inciso LV.

No pensamento de Castro (2008, p. 215):

Pode-se dizer que, toda vez que o Tribunal de Contas aprecia gestão do orçamento, ele se limita a emitir parecer prévio, hipótese em que o julgamento é da Casa Legislativa propriamente dita, porque o julgamento é político. Por conseguinte, o órgão competente, neste particular, é o Congresso Nacional, ou a Assembleia Legislativa, ou a Câmara Municipal.

O Tribunal de Contas viabiliza todos os recursos para que seu trabalho de fiscalização não penalize a sociedade, visto que ao rejeitar contas do Município, não registrar atos de pessoal, julgar irregulares as licitações e os decorrentes contratos, não acatar os termos de convênios, termos de parceria, contratos de gestão etc., estará viabilizando uma série de transtornos, vistos que todos estes atos têm como fundamento um de seus fundamentos a transparência.

O relator para formar sua convicção, lastreia-se não apenas nos documentos presentes nos autos, como também, sem precisar se justificar, busca por meios próprios, informações adicionais em outras ferramentas de uso comum nas lides fiscalizatórias da Administração Pública, que influenciam no mérito da decisão.

Esse procedimento em lide convencional regida pelo Código do Processo Civil jamais poderia ser adotado, sob pena de nulidade do processo requerida pela parte prejudicada, uma vez que as regras impostas por este código não foram seguidas por este julgador.

A prevalência da verdade material sobre a verdade formal, onde em detrimento da legalidade, o TCE decide por não condenar o responsável, pois se assim o fizesse estaria trazendo problemas, talvez até insanáveis à população, que estaria sendo privada de se beneficiar de um direito constitucional.

Cabe, assim, analisar a questão da insanabilidade das irregularidades verificadas no âmbito do Tribunal de Contas. Uma irregularidade é dita insanável quando não puder ser convalidada. Ou seja, quando se tratar de irregularidade que não envolva apenas de violação a aspectos formais, mas que está contida na essência do próprio ato examinado, impossível de ser corrigida.

Nas palavras de Cândido (1999, p.185), representa uma irregularidade “insuprível e acarreta uma situação de irreversibilidade na administração pública e seus interesses, além de se caracterizar como improbidade administrativa”.

No entendimento de Costa (2006, p. 246):

Tal decisão, para ensejar a anexação desse efeito cominatório, deverá versar sobre a rejeição de contas por existência de irregularidade insanável, assim compreendidas também aquelas irregularidades que não tragam prejuízo ao erário, mas que atentem contra a moralidade, a economicidade, a razoabilidade, a publicidade, ou qualquer outro valor tutelado pelo ordenamento jurídico.

Gomes (2010, p.169) não destoa desse entendimento:

Insanáveis, são as irregularidades graves, decorrentes de condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias ao interesse público; podem causar dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da Administração Pública. Por isso, podem configurar improbidade administrativa ou mesmo delito criminal.

Sobre o assunto complementa Cândido (1999, p.185):

As irregularidades meramente formais não se prestam, a princípio, para serem rotuladas de 'insanáveis', uma vez que geralmente não trazem prejuízo à administração, podem ser corrigidas e não revelam dolo do agente.

Para Meirelles (2011, p.759):

Salvo no tocante ao controle de gestão fiscal e na forma da Lei Complementar 101/2000, a atuação dos Tribunais de Contas deve ser a posteriori, não tendo apoio constitucional qualquer controle prévio sobre seus atos ou contratos da Administração direta ou indireta, nem sobre a conduta de particulares que tenham gestão de bens e valores públicos, salvo as inspeções e auditorias in loco, que podem ser realizadas a qualquer tempo, tendo, ainda, competências para expedir medidas cautelares, quando destinadas a conferir real efetividade às suas deliberações finais.

Nesta questão, verifica-se que as atividades dos Tribunais de Contas do Brasil expressam-se fundamentalmente em funções técnicas opinativas, verificadoras, assessoradoras e jurisdicionais administrativas, desempenhadas simetricamente tanto pelo TCU quanto pelos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios que os tiverem.

Nota-se, no entanto, que há um sem número de julgados na Corte de Contas em que o processo traz todas as informações em conformidade com os requisitos normativos, demonstrando não haver desvio de recursos e sendo eles aplicados da forma prevista pela legislação em benefício da população, ou, também, que os demais atos praticados pelos jurisdicionados o foram de forma correta e, por isso, merecedora do beneplácito da respectiva Corte de Contas.

Ocorre que, por diversas razões, o relator do processo decide, a seu talante, promover diligências e determina a realização de inspeções, ocasionado, como fruto das informações obtidas, a constatação de que as peças que compõem o processo são inidôneas, como notas fiscais frias, extratos bancários falsificados, licitações inexistentes, objeto da aplicação dos recursos não realizado ou realizado com recursos de origem distinta da prevista, admissões por meio de concursos eivados de vícios, além de tantas outras.

Configurada a irregularidade, o Tribunal de Contas deve abrir a oportunidade para que o responsável possa contestar as novas provas levantadas à sua revelia, com vistas a oferecer-lhe o direito de apresentar suas alegações de defesa ou razões de justificativas pelas irregularidades constatadas nos autos.

Verifica-se que, cumpridas as etapas processuais previstas na Lei Orgânica do TCE e no seu Regimento Interno, o responsável, não logrando afastar as novas provas nem justificar a irregularidade e ilegalidade de seus atos, defronta com julgamento que resulta em sua condenação a restituir os valores desviados, quando for o caso, e ao pagamento de multa imposta pela Corte de Contas.

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Sobre o autor
Aires Galhego Garcia

Advogado, Contabilista, Pós Graduado em Direito Administrativo e Gestão Pública, Agente da Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Aires Galhego. Da notificação de terceiros interessados nos processos que tramitam no TCE/SP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5134, 22 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59215. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado pelo Pós Graduando Aires Galhego Garcia ao Centro Universitário Toledo como requisito parcial de Conclusão de Curso de Pós Graduação em Direito Administrativo e Gestão Pública

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