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Da notificação de terceiros interessados nos processos que tramitam no TCE/SP

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22/07/2017 às 12:47
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2 – DA FORMA DE NOTIFICAÇÃO DO INTERESSADO NO TCE/SP

Doravante iremos abordar, de forma prática, a questão relacionada ao chamamento inicial dos interessados, ao feito submetido à análise do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, ou seja, daqueles que figuram no polo passivo da ação, se é que assim podem ser chamados, mas que tem estrita relação com os atos emanados pela Administração Municipal, cujos resultados os alcançarão inexoravelmente, e que, quase sempre, deixam de ser notificados para apresentarem suas alegações e razões de defesa, retirando destes o pleno exercício do direito do contraditório e da mais ampla defesa.

2.1 Da Notificação

A Lei Complementar Estadual n.º 709, de 14 de janeiro de 1993, que dispõe sobre a lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em seu artigo 2º, dentre suas competências, prevê o chamamento ao processo de ordenadores de despesas, titulares de mandato, Chefes de Poder, responsáveis por órgãos públicos etc., sem, no entanto, mencionar o “terceiro interessado” no deslinde da matéria, qual seja, o admitido, o contratado, o beneficiário, enfim, a pessoa que, de uma forma ou de outra, poderá vir a ser apenada em sua vida funcional, contratual ou de qualquer outra espécie, na forma a seguir:

XIII assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada a ilegalidade;

XXIX aplicar aos ordenadores de despesa, aos gestores e aos responsáveis por bens e valores públicos as multas e demais sanções previstas nesta lei.

Da leitura atenta que se faz do contido nos artigos 14 e 15 da Lei Orgânica do TCE/SP, percebe-se que a jurisdição é exercida somente àqueles que tenham poder de mando, de direção, ou àqueles que tenham celebrado ajustes de ordem econômica com os poderes públicos de forma geral, na condição de representante legal de empresas, organizações do primeiro e do terceiro setores etc.

O mesmo se pode dizer quando se faz a leitura do contido no Capítulo que trata da tomada de contas, do julgamento das contas, das contas iliquidáveis e dos adiantamentos (artigos 27-50). Estes dispositivos dizem respeito, apenas e tão-somente, de matéria ligada à questão econômico-financeira. Ainda assim, nada trás em relação aos terceiros que possivelmente estejam envolvidos na lide.

O artigo 51 da mencionada lei dispõe: Em todos os processos submetidos ao Tribunal de Contas será assegurada ampla defesa ao responsável ou interessado. E o artigo 53 prevê: Poderão interpor recurso o interessado no processo, a Procuradoria da Fazenda do Estado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.

De acordo com o enunciado anteriormente, a partir daqui é que se começa a vislumbrar a forma de participação do que se pode chamar de “terceiro interessado” na matéria tratada no respectivo processo. Ainda assim, não há uma distinção clara de quem seriam estas figuras processuais. Até porque, em algumas situações, elas se confundem. Mas, quanto a este aspecto, nada será abordado no presente trabalho.

Não obstante, é necessário que se chame a atenção para uma forma de proibição do pleno direito de exercer o constitucional princípio da ampla defesa em processos submetidos ao crivo do TCE/SP, quando não se permite ao “terceiro interessado” o ingresso de Ação de Revisão e Ação de Rescisão de Julgado, nos claros termos contidos nos artigos 74 e 76 da Lei Complementar n.º 709/93. Sobre este aspecto, melhores estudos devem ser produzidos.

2.2 Da Comunicação dos Atos

De acordo com o disposto no artigo 90 da LOTCE/SP, a intimação dos atos e decisões do Tribunal de Contas presume-se perfeita com a publicação no Diário Oficial, salvo as exceções previstas em lei.

Este dispositivo, como se vê, trata da forma geral de como se materializa a intimação de atos e decisões proferidas pela mencionada Corte de Contas. Ainda assim, não explicita a quais indivíduos seriam endereçadas tais comunicações. Não há a indicação expressa a quem se deve notificar.

O artigo 91, por sua vez, informa que a notificação, em processo de tomada de contas, convidando o responsável, sob as penas da lei, a prestar informações, a exibir documentos novos ou a defender-se, bem como a intimação de que foi condenado em alcance ou multa serão feitas: I pessoalmente; II com hora certa; III por via postal ou telegráfica; IV por edital.

Aqui, portanto, devemos entender que tal artigo trata de norma especial sobre a forma de se comunicar os atos produzidos pelo TCE/SP.

Este dispositivo traz em seu bojo a indicação de que a notificação está ligada a um processo de tomada de contas, não fazendo qualquer menção aos processos que tratam, por exemplo, de admissão de pessoal, concessão de aposentadoria ou pensão, análise de contratos, ajustes, convênios e de tantas outras espécies de atos administrativos colocados sob a apreciação do TCE/SP.

Não bastasse isso, o texto indica que a notificação deva ser feita ao responsável para que este possa fazer suas alegações, apresentar documentos, oferecer sua defesa, enfim, exercer o pleno direito da ampla defesa e do contraditório. Nada diz, contudo, em relação ao “terceiro interessado”. A este último, como se vê, nada é oferecido.

A indicação de que o chamamento ao processo também pode ser endereçado ao “terceiro interessado” está subentendido da leitura do disposto no artigo 92, da mencionada lei:

A intimação e a notificação pessoal consistirão na entrega de carta ao responsável, pelo Oficial de Comunicações ou servidor designado, o qual, depois de declarar do que se trata e de convidar o interessado a lançar, querendo, o seu ciente na cópia que lhe será exibida, lavrará certidão circunstanciada do ato, com a indicação do dia, local e hora.

Contudo, como se vê, existe uma confusão entre estes dois termos, uma vez que o texto trata, de um lado, do “responsável” e, de outro, do “interessado”, o que pode indicar se tratar de sinonímia, e não de designação de quem se deve ser chamado ao processo.

E não é só. Os demais artigos que tratam deste assunto, 94 a 99, mencionam, sempre, a notificação do responsável. Nada trata do “terceiro interessado”.

O artigo 100, por seu turno, faculta a possibilidade da notificação de possível interessado, sem discriminar qual seja ele, na forma descrita no capítulo que trata das notificações, quando dispõe:

O Tribunal de Contas poderá ordenar, sempre que conveniente, que outras decisões sejam levadas ao conhecimento dos interessados, mediante intimação ou notificação na forma deste Capítulo.

A Constituição do Estado de São Paulo determina que: "nos procedimentos administrativos, qualquer que seja o objeto, observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o devido processo legal, especialmente quanto à exigência da publicidade, do contraditório, da ampla defesa e do despacho ou decisão motivados" (art. 4º).

E, também, é o que estabelece a Lei Estadual n.º 10.177/98, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, nos artigos 2l e 22:

Artigo 2l – Os atos da Administração serão precedidos do procedimento adequado à sua validade e à proteção dos direitos e interesses dos particulares.

Artigo 22 – Nos procedimentos administrativos observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o devido processo legal, especialmente quanto à exigência de publicidade, do contraditório, da ampla defesa e, quando for o caso, do despacho ou decisão motivados.

§ 1º - Para atendimento dos princípios previstos neste artigo, serão assegurados às partes o direito de emitir manifestação, de oferecer provas e acompanhar sua produção, de obter vista e de recorrer.

§ 2º - Somente poderão ser recusados, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados, quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.

2.3 Do Termo de Ciência e de Notificação

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, quando da análise dos atos que se submetem à sua apreciação, como, v.g., os de admissão de pessoal, por meio de concurso público ou por tempo determinado, contratos administrativos, termos de parceria, contratos de gestão, dentre outros, exige do órgão responsável pelo ato o encaminhamento dos documentos descritos nas Instruções n.º 08/2008 – Consolidadas, com as suas atualizações, quando se tratar, no caso, de assuntos dos municípios, incluindo-se o Termo de Ciência e de Notificação, cujo exemplo está a seguir:

ANEXO 20

ADMISSÃO DE PESSOAL – EFETIVOS

TERMO DE CIÊNCIA E DE NOTIFICAÇÃO

ÓRGÃO OU ENTIDADE:

PROCESSO Nº (DE ORIGEM):

RESPONSÁVEL PELO ATO DE ADMISSÃO:

ADMITIDO(A):

ADVOGADO(S): (*)

Pelo presente TERMO damo-nos por NOTIFICADOS para o acompanhamento dos atos da tramitação do correspondente processo no Tribunal de Contas até seu julgamento final e conseqüente publicação, e se for o caso e de nosso interesse, para, nos prazos e nas formas legais e regimentais, exercer o direito da defesa, interpor recursos e o mais que couber.

Outrossim, estamos CIENTES, doravante, de que todos os despachos e decisões que vierem a ser tomados, relativamente ao aludido processo, serão publicados no Diário Oficial do Estado, Caderno do Poder Legislativo, parte do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, de conformidade com o artigo 90 da Lei Complementar Estadual nº 709, de 14 de janeiro de 1993, iniciando-se, a partir de então, a contagem dos prazos processuais.

LOCAL e DATA:

RESPONSÁVEL PELO ATO DE ADMISSÃO: (nome, cargo e assinatura)

ADMITIDO(A): (nome, cargo e assinatura)

(*) Facultativo. Indicar quando já constituído.

Este Termo de Ciência e de Notificação foi criado com o escopo de atender ao contido na Súmula Vinculante n.º 3, do S.T.F., que determina:

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Então, de acordo com o que consta do mencionado Termo de Ciência e de Notificação, documento de obrigatória apresentação pelas partes que compõem um ato administrativo, no caso, admissão de pessoal por meio da realização de concurso público, o órgão fiscalizado encaminha ao TCESP este termo assinado pelo responsável pela admissão e pelo respectivo admitido, onde estes se declaram previamente notificados para o acompanhamento dos atos da tramitação do correspondente processo no TCESP, como forma de atendimento aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

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E mais, declaram-se cientes de que todos os despachos e decisões que vierem a ser tomadas, relativamente ao aludido processo, serão publicados em caderno próprio do Diário Oficial do Estado, de conformidade com o previsto no artigo 90 da LOTCESP, termo inicial da contagem dos respectivos prazos.

Contudo, quando da elaboração de tal documento, na ocasião do seu preenchimento, inexiste qualquer tipo de informação do número e da espécie do processo que irá tramitar no TCESP. Não se sabe ao certo, sequer se o mesmo irá, de fato, ter sequência naquela Corte de Contas. Então, falta-lhe elemento essencial para que cumpra, de fato, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Isso porque, aqueles que assinaram e encaminharam tal documento não tem conhecimento de todas as informações necessárias aos atos que devem tomar, se devem tomar e quando devem tomar. Assinam documento sem qualquer tipo de validade jurídica para dar suporte ao seu direito de defesa.

Então, se não tem conhecimento do número de processo que trata de seu interesse, como o “terceiro interessado”, que também não tem acesso regular ao Diário Oficial, seja ele da União, do Estado ou do município, como poderá opor qualquer tipo de objeção a este processo? Somente se for dotado do dom do vaticínio. E isto, sabemos nós, não é suficiente para cumprir o sagrado mandamento constitucional da livre defesa.

O que dizer, então, dos processos eletrônicos atualmente adotados pelo TCESP, a que o “terceiro interessado” sequer tem acesso? Muito difícil esta situação.

2.4 Como é Feita, na Prática, a Comunicação dos Atos ao “Terceiro Interessado”

De modo geral, a notificação de ato praticado pelo TCE/SP, usando como exemplo o ato de admissão de pessoal, é publicada no Diário Oficial do Estado, Caderno do Poder Legislativo, contendo o nome do órgão, do responsável pelo órgão ou pelo ato, o número do respectivo processo, além do nome do admitido, o que, neste último caso, nem sempre isso ocorre, contendo em seu despacho, também, a atribuição a um terceiro, no caso o órgão que efetuou a admissão, a obrigação de comunicar ao “terceiro interessado” a existência da referida notificação, para as medidas necessárias a serem tomadas.

Como exemplo, traz-se publicação feita no DOE do dia 14.11 2015, Caderno do Poder Legislativo, página 25, reproduzindo despacho feito em processo eletrônico:

Processo: TC-00XXX.989.15 -1.

Órgão: Secretaria de Estado da Saúde - Centro de Atenção Integral à Saúde de Santa Rita do Passa Quatro.

Assunto: Admissão de Pessoal.

Admitidos: Derson Barquete Albarello; Edvaldo Fadel; Celso Fialho; Nair Meller Dalsin.

Responsáveis: Adriana Lilian Caliman Vanzella e Fernanda Maria Pontes Barioni.

Exercício: 2012.

À vista das manifestações da Equipe de Fiscalização (eventos 10.5 e 10.7) e da Procuradoria da Fazenda do Estado (evento 13.1), ouça-se os responsáveis, bem como os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 2º, inciso XIII, da Lei Complementar Estadual nº 709/93.

Fica a Origem incumbida de informar, de imediato, os servidores a respeito da presente publicação no DOE, conforme Termo de Ciência e de Notificação assinado pelas partes envolvidas.

Autorizo, desde já, vista e extração de cópia dos autos.

Publique-se.

Então, no caso, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo delegou à Secretaria de Estado da Saúde a obrigação de notificar os admitidos, com base nos Termos de Ciência e Notificação juntados em processo eletrônico, que os “terceiros interessados” não tinham ciência de sua existência.

E qual a garantia de que a Secretaria irá se desincumbir de uma obrigação que, processualmente, não lhe cabe?

E, mais ainda, não se pode afirmar que os “terceiros interessados” serão regularmente notificados, uma vez que, no caso, foi determinado que a municipalidade mencionada cientifique todos os admitidos sobre a existência de tal publicação. E, ainda que o órgão afirme que tenha feito a comunicação de todos os envolvidos, não é possível saber ao certo quando estes foram notificados, se tiveram ou não tempo hábil para apresentar defesa e, mais ainda, se esta foi feita expondo todas as informações do processo administrativo necessárias para que os servidores apresentem suas defesas. Enfim, não haverá elementos necessários e indispensáveis para se afirmar que lhes foi garantido o contraditório e a ampla defesa.

E, apenas para colocar mais elementos dificultosos neste estudo, se as admissões tivessem sido feitas por tempo determinado, e os admitidos já tivessem sido dispensados das funções, tomando cada um o seu rumo, sem que a Secretaria pudesse, de fato, cumprir esta obrigação que lhe imputou a Corte de Contas, como conseguir notificá-los? Parece-nos que tal medida seria de difícil solução, ou, até mesmo, impossível.

E isso ocorre a mancheias.

2.5 Da Ilegalidade da Notificação Inicial Feita por Meio do DOE ou de Outra Forma que Restrinja o Direito ao Pleno Exercício dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa

Porque, em muitos casos, os princípios do contraditório e da ampla defesa não lhes são ofertados, o “terceiro interessado”, quando em vez, se vê obrigado a se socorrer ao Poder Judiciário, como forma de tentar reverter decisão que lhe impôs severa pena, sem que pudesse, no seu tempo, ofertar suas razões de defesa, suas contraditas, documentos e tudo o mais que fosse necessário para que o processo pudesse ter o desfecho mais justo possível. Até porque, esta é a essência do processo administrativo.

E o fazem isso porque, no dizer de Montesquieu (O Espírito das Leis, Livro Décimo Primeiro, Capítulo IV), “é necessário que, pela disposição das coisas, o poder detenha o poder”.

Quanto a esta questão, nossos Tribunais tem decidido, mais do que acertadamente, pela anulação dos processos, pela inobservância total dos princípios do contraditório e da ampla defesa, como se pode ver a seguir.

EMENTA – SERVIDORES MUNICIPAIS DEMITIDOS – Decisão do Tribunal de Contas do Estado – Irregularidade nas admissões de escriturários e secretária da Junta Militar aprovados no Concurso Público n. 0l/2006 – Nulidade de processo administrativo instaurado – Procedimento que desrespeitou os princípios do contraditório e da ampla defesa – Artigo 5º, LV, da CF – Aplicação da Súmula Vinculante nº 3 do STF – Precedentes – Segurança concedida – Recursos não providos.

[...]

Consta da petição inicial que os impetrantes foram demitidos pelo Município de Bofete em virtude de decisão proferida pelo Tribunal de Contas do Estado no processo administrativo n° 1161/009/07, que julgou irregulares as admissões efetuadas pela Municipalidade por meio do concurso público n° 01/2006, para os cargos de escriturário e secretária da Junta Militar. Alegam que houve cerceamento de defesa, em razão da falta de notificação pessoal dos ora impetrantes, em afronta ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Pretendem a concessão da segurança para anular o processo acima referido.

O Tribunal de Contas do Estado tem por objetivo instaurar processos de controle e revisão dos atos administrativos, anulando os eivados de vícios, mas sempre respeitando o direito adquirido, como apregoa a Súmula n° 473 do STF.

É inconteste, ademais, que o processo administrativo para ser considerado válido e regular deve seguir o princípio constitucional da legalidade e do devido processo legal, assegurando aos interessados o contraditório e a ampla defesa, conforme preceitua o art. 5°, LV, da CF, o art. 4° da CE, o art. 51 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, bem como os artigos 21 e 22 da LE 10.177/98, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual.

Os impetrantes tinham que tomar ciência do procedimento administrativo instaurado no TC, que discutia justamente a regularidade de suas admissões.

A ausência de notificação, portanto, afrontou os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ferindo direito líquido e certo dos apelados, principais interessados.

Inaplicável, no caso, o art. 90 da LC 709/93, devendo ser utilizada, por analogia, a forma determinada pelo seu artigo 91, inciso I, que estabelece:

"A notificação em processo de tomada de contas, convidando o responsável, sob as penas da lei, a prestar informações, a exibir documentos novos ou a defender-se, bem como a intimação de que foi condenado em alcance ou multa serão feitas:

I – pessoalmente;

(II - III e IV -......)"

Ocorre que, contudo, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo limitou-se a notificar o Município e determinou que este cientificasse os servidores para apresentarem defesa por meio de publicação no Diário Oficial do Estado, com violação, assim, do disposto pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que assegura a todos o direito ao contraditório e à ampla defesa nos processos judiciais e administrativos.

Isso porque o referido procedimento administrativo tem nítida natureza de processo impositivo de sanção, devendo ser preservado aos interessados sua ciência e possibilidade do exercício de defesa, o que, por si só, torna a notificação pessoal providência inafastável para a garantia de sua regularidade, uma vez que é por meio desse ato que o interessado toma conhecimento da existência do processo e pode exercer o contraditório.

Este entendimento, outrossim, foi definitivamente consagrado pela edição da Súmula Vinculante n° 3: "Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão", cabendo lembrar que, por força do contido no art. 75 da Constituição Federal, as normas referentes ao Tribunal de Contas da União aplicam-se também aos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais.

Assim, exigível era a notificação dos impetrantes da instauração do processo administrativo no Tribunal de Contas do Estado, para que pudessem exercer o contraditório e a ampla defesa. A respeito, já se manifestou o ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em casos análogos:

"Mandado de segurança – Anulação de licitação e dos atos conseqüentes pelo Tribunal de Contas do Estado, sem que a empresa vencedora e contratante tivessem ciência do procedimento administrativo de controle instaurado naquela Corte – Violação de direito líquido e certo das impetrantes, caracterizado na medida em que parte interessada, alcançada diretamente pela decisão que lhe foi prejudicial não teve oportunidade de exercitar o contraditório e a ampla defesa, assegurados pela CF também no processo administrativo – Precedentes deste Órgão Especial, do Supremo Tribunal Federal e Súmula Vinculante n° 3 – Inaplicabilidade, no caso, do art. 90 da Lei Complementar Estadual nº 709/93 – Segurança concedida." (Mandado de Segurança 1496760100, Walter de Almeida Guilherme, Órgão Especial, j . 23/01/2008).

"MANDADO DE SEGURANÇA – Licitação – Contrato julgado irregular pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – Ausência de notificação da instauração do processo – Violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa – Prazo para impetração que se conta do efetivo conhecimento do ato pelo interessado – Preliminar rejeitada – Ordem concedida." (Mandado de Segurança 1301900000, Roberto Vallim Bellocchi, Órgão Especial).

“MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSO ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO E CONTRATO JULGADOS IRREGULARES PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DA INSTAURAÇÃO DO PROCESSO – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – PRESENTE O INTERESSE DE AGIR – PRELIMINAR REJEITADA – ORDEM CONCEDIDA." (Mandado de Segurança 1503950100, Renato Nalini, Órgão Especial, j. 13/02/2008).

Consoante já decidiu, também, este E. Tribunal em casos análogos, em outras Câmaras:

"MANDADO DE SEGURANÇA – Processo Administrativo – Tribunal de Contas do Estado – Acórdão do TCE julgando irregular licitação e contrato firmado entre a Municipalidade de Pitangueiras e a recorrente – Ausência de intimação desta sobre a instauração do referido processo – Nulidade – Violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório – Apelo provido – Em respeito ao princípio da ampla defesa e contraditório imprescindível a intimação de todos aqueles cujos interesses possam ser atingidos por atos e decisões proferidos em processos administrativos instaurados por todos os Tribunais de Contas, inclusive aqueles existentes na órbita do Estado." (Ac 742.588.5/1-00, Rel. Des. Luis Ganzerla, 11ª Câmara de Direito Público, j. 9/6/08).

"Embargos à Execução Fiscal – Multa aplicada a ex-Prefeito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em razão de contas de fundação julgadas irregulares – Falta de notificação pessoal do ex-Prefeito – Violação do 'due process of law', não sendo válida mera intimação pela imprensa – Desrespeito ao direito de ampla defesa – Embargos julgados procedentes. Dá-se provimento ao recurso." (AC 344.796.5/9-00, Rel. Des. Cristine Santini, 2ª Câmara de Direito Público, j. 5.8.08).

"Contrato administrativo – Administração, operação e exploração de terminal rodoviário – Irregularidade julgada pelo Tribunal de Contas – Falta de notificação da empresa vencedora para participar do processo administrativo – Inobservância do disposto pelo artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal – Não é válida a intimação genérica pelo Diário Oficial a fim de atingir parte interessada no julgamento – Súmula Vinculante nº 03 – Sentença mantida – Recursos improvidos." (AC 7104885600, Rel. Des. Leme de Campos, 6ª Câmara de Direito Público, j. 16/02/2009).

“DECLARATÓRIA – Nulidade de processo administrativo instaurado pelo TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – Procedimento que desrespeitou os princípios do contraditório e da ampla defesa – Aplicação da Súmula Vinculante nº 3 do STF  - Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO" (AC 902.689.5/8, Rel. Des. José Habice, 6ª Câmara de Direito Público, j. 14/12/09).

Assim, verificada a ilegalidade do procedimento que não garantiu a ampla defesa aos impetrantes, nulo é o processo administrativo nº 1161/009/07 do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Fica mantida, portanto, a r. decisão recorrida, por seus judiciosos fundamentos.

Destarte, pelo meu voto, nego provimento aos recursos.

(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Apelação n.º 0022576-13.2009.8.26.0053 – 6ª Câmara de Direito Público – Rel. Desembargador Reinaldo Miluzzi, j. 6.6.2011).

O Supremo Tribunal Federal, calcado nas garantias constitucionais do contraditório e do devido processo legal, de há muito, assentou premissa de que a anulação dos atos administrativos, cuja formalização haja repercutido no âmbito dos interesses individuais, deve ser precedida de ampla defesa, consoante se infere de inúmeros julgados, dentre os quais, destacamos:

“RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’.

O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.” (AI 241.201-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma, DJ de 20/09/2002)

E, mais uma vez, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através da 5ª Câmara de Direito Público, em julgamento da Apelação n.º 0131220-84.2008.8.26.0053, em 5.3.2012, assim decidiu:

AÇÃO ANULATÓRIA Processo de tomada de contas de ex-dirigente de empresa municipal de transporte coletivo – Notificação pessoal inicial que incumbiu o interessado do acompanhamento de todos os atos posteriores do procedimento administrativo – Impossibilidade – Inteligência dos artigos 90 e 91 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (LC 709/1993) – Impossibilidade de restrição infralegal de direito constitucionalmente assegurado – Apelação provida.

Ação anulatória ajuizada por José Jacinto de Oliveira contra a Fazenda Paulista, pleiteando a anulação das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo nos autos do Processo TC nº 3206/026/05, para tomada de contas da Empresa de Transporte Coletivo de Diadema (ETCD), relativas ao exercício de 2005.

Insurgência autoral que tem seu lastro na ofensa ao devido processo legal, em razão do descumprimento das normas estabelecidas na Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº 709/1993), em especial, a notificação/intimação pessoal prescrita no artigo 91 desta Lei, a despeito do disposto no Ofício nº 83/2006-GDF, remetido ao autor (fls 32).

Discute-se, enfim, a validade de uma notificação pessoal inicial que supra a necessidade intimações pessoais futuras, bastando para tanto a publicação dos atos e decisões em diário oficial como preconiza o Estado de São Paulo. Contudo, semelhante entendimento não deve vigorar, pois restritivo de direitos, e desconforme com os preceitos constitucionais e legais.

De início, é necessário trazer à colação os ensinamentos de Pedro Roberto Decomain, segundo o qual sempre que no exercício de suas funções os Tribunais ou Conselhos de Contas vislumbrarem a possibilidade de que alguém possa tê-las rejeitadas, ou possa vir a ser passível da determinação de que restitua recursos ao Erário público, podendo também vir a sofrer penalidade administrativa, consoante lhes permite aplicá-las o inciso VIII, do art. 71, da CRFB/88, devem primeiramente facultar a manifestação do responsável pelos atos que estejam submetidos à apreciação do Tribunal ou Conselho, para que referido interessado possa, querendo, defender-se. Apenas depois de facultada a sua manifestação é que cumpre proferir o Tribunal ou Conselho o seu parecer prévio ou sua decisão acerca do assunto. A não se proceder desse modo, poderá a decisão tornar-se passível de anulação por defeito formal, em decorrência de cerceamento do direito de defesa, assegurado constitucionalmente a todo aquele que esteja diante da possibilidade de sofrer sanção, inclusive administrativa, como decorrência direta e imediata do procedimento em que se acha envolvido (Tribunais de Contas no Brasil, página 145, Dialética, 2006).

Analisando a Lei Orgânica do Tribunal de Contas, sobressalta aos olhos, para o deslinde da causa, as normas inseridas nos artigos 90 e 91:

Artigo 90 – A intimação dos atos e decisões do Tribunal de Contas presume-se perfeita com a publicação no Diário Oficial, salvo as exceções previstas em lei;

Artigo 91 - A notificação, em processo de tomada de contas, convidando o responsável, sob as penas da lei, a prestar informações, a exibir documentos novos ou a defender-se, bem como a intimação de que foi condenado em alcance ou multa serão feitas:

I – pessoalmente;

II – com hora certa;

III – por via postal ou telegráfica;

IV – por edital

A exegese dos artigos permite concluir que o artigo 91 contém norma especial, e nestas ocasiões determina a intimação pessoal. Não há possibilidade de mitigação deste comando por decisão do Administrador, considerando-se não escrita qualquer tentativa de se desvencilhar do dever que a lei impõe.

Ora, a considerar de outro modo, estaríamos permitindo a inversão dos ônus e deveres das partes no processo administrativo de tomada de contas, em prejuízo do requerido. Ou seja, impõe-se a ele um dever que o legislador não impôs. A praticidade da citação por edital deve ceder lugar à legalidade da intimação pessoal imposta pela lei.

Ademais, esta Corte não tem admitido flexibilizações formais em ofensa ao artigo 91 da Lei Complementar nº 709/93.

AÇÃO ANULATÓRIA – Decisão proferida pelo TCE/SP, que julgou irregular a licitação e o contrato administrativo formalizados pelo Prefeito Municipal – Alegada violação ao princípio da ampla defesa e do contraditório – Cabimento – Ausência de notificação pessoal do Alcaide, na forma do art. 91 da Lei Complementar nº 709/93 – Não é válida a intimação genérica pelo Diário Oficial a fim de atingir parte interessada no julgamento – Inobservância do disposto no artigo 5º, LV, da CF – Precedentes – Súmula Vinculante nº 3 do STF – Ação julgada improcedente na 1ª Instância – Sentença reformada – Recurso provido (Apelação Cível nº 0039467-12.2009.8.26.0053, 6ª Câmara de Direito Público, relator Desembargador Leme de Campos, j. 23/05/2011).

Assim, não tem valor a advertência inicial em processo administrativo de tomada de contas que subverte e mitiga o direito ao exercício da ampla defesa.

Por meu voto, dou provimento à apelação.

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Sobre o autor
Aires Galhego Garcia

Advogado, Contabilista, Pós Graduado em Direito Administrativo e Gestão Pública, Agente da Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Aires Galhego. Da notificação de terceiros interessados nos processos que tramitam no TCE/SP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5134, 22 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59215. Acesso em: 6 mai. 2024.

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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado pelo Pós Graduando Aires Galhego Garcia ao Centro Universitário Toledo como requisito parcial de Conclusão de Curso de Pós Graduação em Direito Administrativo e Gestão Pública

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